quarta-feira, 25 de março de 2009

Aspectos Religiosos, Psicológicos e Filosóficos nas Músicas do Angra

A qualidade musical da banda Angra é indiscutível. Com músicos conceituados e talentosos, há quase duas décadas a banda brasileira tem exportado talento e cultura brasileira pelo mundo em turnês que cobrem todo o globo.

Outro aspecto, porém, atrai minha atenção quando escuto as músicas do Angra: o conteúdo lírico das músicas.

O Heavy Metal é estereotipado na sociedade como um estilo que promove baderna – que leva os jovens às drogas, que incentiva os filhos a serem rebeldes com os pais, que promove alguma espécie de satanismo, etc – porém, indo na contramão destas figuras, esta banda brasileira apresenta abordagens interessantes e inteligentes nas letras de suas músicas, passando por assuntos como Filosofia, Psicologia e Religião.

Dos assuntos citados acima o mais abordado, com certeza, é a Religião. Suas formas, seus preceitos, seus defeitos e a relação do ser humano com ela são assuntos encontrados com facilidade nas músicas do Angra. Filosofia e Psicologia também são abordados no conteúdo lírico dos álbuns do grupo. Abaixo, comentarei um pouco (pouco mesmo, senão o texto fica enorme) sobre estes aspectos em cada álbum da banda.

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Encontramos abordagens sobre o sentido da vida logo nas duas primeiras faixas no primeiro álbum da banda, Angels Cry:

- O aclamado refrão da música “Carry On” diz “Então siga em frente / Existe um sentido para a vida / Que um dia podemos encontrar...”.

- A música “Time” se inicia com o personagem da música buscando explicação para a sua existência: “Agora eu quero saber o que a vida significa, para vivê-la novamente...”.

Questões existencialistas como estas existem desde que o homem se entende como homem. Como explicar a existência da vida? Por que existimos? Como viemos a existir? O que é a morte? Por que existe algo ao invés do simples nada?

Estas questões que “atormentam” a humanidade há séculos foram as responsáveis pelo surgimento das religiões – formas de explicar a relação entre nós e o Criador (ou criadores) de todas as coisas. Elas também foram responsáveis pelo surgimento da Filosofia, uma vez que os primeiros filósofos – os chamados pré-socráticos que viveram na Grécia antiga – buscavam unicamente responder qual era a origem (do grego arche) de todas as coisas.

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O segundo álbum da banda, Holy Land, também traz algumas abordagens sobre Religião. Vemos isso já no título de algumas músicas como “The Shaman” e “Lullaby for Lucifer”. Porém, como a proposta deste álbum foi de contar a história do descobrimento do Brasil, as abordagens religiosas neste álbum são mais relacionadas à cultura - afro e indígena – do que com religiões em si.

A faixa “Silence and Distant” traz uma bela – porém triste – descrição da solidão do personagem da história da música, que enxergava apenas oceano a sua volta.

Holy Land talvez seja o álbum mais “brasileiro” já produzido por uma banda brasileira, tanto pela sonoridade (com a inclusão de berimbals, atabaques, etc.) quanto pelo conteúdo lírico (história do descobrimento do Brasil).

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A faixa “Lisbon”, do terceiro álbum da banda Fireworks, é considerada por muitos como a mais bela composição do Angra. Seu refrão ecoa até hoje nos shows solo do ex-vocalista Andre Matos.

A letra mostra os pensamentos de uma pessoa desiludida, cansada, buscando sentido para a existência em meio à solidão e o abandono. O personagem já não tem perspectivas, nem esperanças. Em seu desespero existencialista ele chega a clamar a Deus que ilumine sua vida respondendo suas dúvidas. Nada.

Até que o personagem vê os pássaros voando por todo o lugar e essa visão lhe traz conforto e alivio: “Veja, os pássaros estão de volta... / Nas docas e em todo lugar / Aqui em Lisboa, eu percebi / Que todo este mundo / É tão estranho e divino”.

A letra da música não diz o que o personagem viu nos pássaros que trouxe a ele conforto. Seria a variedade de cores? Seus movimentos? Sua coletividade? Sua liberdade?

Talvez o personagem não tenha observado apenas os pássaros. Talvez a visão dos pássaros tenha chamado sua atenção para outras coisas. O interessante é perceber que o personagem parou para observar o mundo ao seu redor, buscando sentido. Os maiores cientistas vieram a ser famosos porque foram pessoas que observavam e se encantavam com o mundo. Para o astrônomo Kepler a sincronia do Universo formava uma melodia que apontava para a beleza do Criador, Darwin começou a estudar as espécies de animais porque era apaixonado pela beleza das formas dos besouros, etc...

A mensagem de “Lisbon” pode ser muito bem essa: “Jamais saberemos a verdade sobre esse mundo estranho e divino. Mas aqui tem as respostas suficientes de que precisamos”.

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O quarto álbum da banda, Rebirth, representou o recomeço da banda após a separação que ocorreu no final do milênio passado. Um aspecto interessante neste álbum é que as letras formam uma história, mas, para entendê-la, deve-se ler começando da última música e terminando na primeira.

Algumas músicas trazem referências à Religião, ou à religiosidade, como “Unholy Wars”: “Perdoe-nos, pai nosso / Por termos pecado / Cegados pelo orgulho / Nós não sabemos o que fazemos / O vosso reino será acabado / Pelas guerras santas”.

Porém, como o álbum traz em si a temática do renascimento, quase todas as letras fazem alusão ao autoconhecimento do homem. O conhecimento que o homem deve atingir sobre si próprio, para, então, renascer. “Acid Rain” traz uma interessante referência a este aspecto do autoconhecimento: “Permita que o ressentimento de sua mente / Encontre o nascer do sol / E que as palavras esperançosas / Tragam amor ao seu coração”.

Esta mesma música “Acid Rain” começa com um coro de frases em latim, a língua “santa”: “Miseremos, Sanctus. / Et catolicus Ominus / Miseremos, Sanctus. Et Catolicus Ominus / Miseremos, Sanctus. Domine Deo Sabaoth”.

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O quinto álbum da banda, Temple of Shadows, é o que mais aborda aspectos religiosos e filosóficos de todos os já lançados pela banda, a começar pela capa do disco que traz inscrições bíblicas em hebraico nos quatro cantos e a figura de São Jorge e o dragão. [Para ler o significado das inscrições em hebraico na capa deste álbum, clique aqui]

As músicas contam a história de um guerreiro cristão chamado “Shadow Hunter” que durante as Cruzadas começou a questionar algumas práticas da Igreja Católica, se “desviou” e buscou trabalhar sua espiritualidade de forma pessoal, através da gnose.

Antes de cada letra, no encarte, o trecho da história referente à música é contado. Versículos da Bíblia enchem todo o encarte também.

Vários assuntos relacionados à Religião (e à Filosofia também) são abordados na história de Temple of Shadows: Guerra Santa, Dogmatismo, Existência de Deus, Autoconhecimento, Destino, etc. Em recente entrevista ao Chatesão, Rafael Bittencourt (guitarrista da banda e compositor de toda temática em Temple of Shadows) disse: “Este é o pensamento em Temple of Shadows. A quebra das religiões”.

Uma frase interessante citada pelo personagem Shadow Hunter é: “Encare a verdade: Deus não é amor”, na música “Angels and Demons”. À primeira vista este pensamento parece fazer alusão ao paradoxo proposto pelo filósofo Epicuro de Samos, do período helenístico, sobre a Onipotência e a Bondade de Deus. “Deus é bom e pode tudo? Porque o mal existe então?”. No entanto, observando o contexto da história de Temple of Shadows, parece que Shadow Hunter, na verdade, questionou o fato da Igreja estar guerreando sob a “vontade de Deus”. Se Deus compactua com tais práticas, pensou Shadow Hunter, ele não é amor.

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O último álbum de estúdio da banda, Aurora Consurgens, é o mais amplo em número de assuntos abordados. Nenhum assunto específico é abordado (como em Holy Land e Temple of Shadows), mas vários assuntos relacionados com a psiqué humana são tratados nas músicas deste álbum. Temas como egoísmo, pânico, suicídio e relação pais e filhos, etc.

A capa e todo o encarte contêm as imagens do livro “Aurora Consurgens” que, acreditasse, foi escrito por São Tomás de Aquino, apesar de a Igreja Católica negar que o filósofo escolástico seja o autor desta obra. O livro "Aurora Consurgens" foi proibido tanto pela Igreja Católica quanto pelo nazistas. Um livro polêmico, repleto de imagens esquizitas e surrealistas. Toda a "aurora" de "Aurora Consurgens" foi transmitida ao álbum.

Em entrevista à revista Sacred Sound (#7, ano 4), Rafael Bittencourt, falando sobre a temática de Aurora Consurgens, disse: “Muitos dos fãs que recebem o Angra têm um preconceito muito grande com relação a qualquer religião. Isso é uma coisa que vejo forte na juventude em geral; mas nos fãs do Angra vejo mais forte ainda. Porém, ao mesmo tempo, eles têm vontade de ouvir palavras que confortem. Palavras que dizem ‘Olha, o seu problema existe salvação’... Tem algumas frases que todo mundo gosta de ouvir, que confortam. Bem, então eu digo: Essas pessoas precisam de ajuda, precisam de luz, elas precisam encontrar o caminho, porque os adolescentes estão se formando. Preciso ajudá-los. E eles tem esse preconceito, então eu sou a pessoa (...) continuo muito certo que sou, sim, um missionário de Deus. É uma convicção que tenho desde pequeno”.

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Fiz aqui um pequeno resumo dos álbuns da banda Angra, apontando neles os aspectos que considero interessantes em seu conteúdo lírico. Além das músicas que citei, várias outras fazem analogias e abordam questões religiosas, psicológicas e filosóficas. Fique a vontade para pesquisar.

Se você conhece e gosta da banda Angra sabe que este resumo foi muito resumido mesmo, mas tinha que ser assim senão o texto ficaria enorme.

Se você não conhece o som do Angra, recomendo-o a conhecer. Aproveite a oportunidade, pois a banda voltou!


Eliel F. Vieira (com ajuda e dicas de Ramiro e Breyla)
eliel@elielvieira.org


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Phileo Sophia por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


2 comentários:

¢αмιℓα 26 de Março de 2009 10:32  

Adorei o post,nao conhecia seu blog,e conhecia,mas muito pouco,quase nada sobre o angra,foi ótimo ver esse ponto de vista.
Abraços.

João Vitor 23 de Junho de 2009 19:30  

Muito bom mesmo! eu sou o João Vitor da comunidade do Angra.

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