segunda-feira, 9 de março de 2009

O Naufrágio da Fé

"Pois alguns, rejeitando a boa consciência, naufragaram na fé” (I Tm 1:19)

Recordo com muita saudade os tempos em que as músicas cristãs possuiam qualidade. Duas delas me vieram à mente esta semana enquanto lia a Bíblia. Ambas relacionavam a fé com o “navegar”.

Se você possui alguns anos de cristão deve conhecê-las:

Solta o cabo da nau
Toma o remo nas mãos
E navega com Fé em Jesus...


Eu navegarei
No oceano do Espírito
E ali adorarei...


Na primeira carta que Paulo enviou para Timóteo ele adverte seu pupilo que tome cuidado, para não naufragar na fé.

Achei interessante o termo "naufragar" usado por Paulo, uma vez que muito já se cantou na Igreja sobre “navegar com Jesus”.

A advertência de Paulo a Timóteo é muito clara: se você rejeitar a boa consciência sua fé vai naufragar.

O que é consciência? O que é uma boa consciência? Quando a rejeitamos?

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Em termos psicológicos, consciência é uma faculdade da psiqué humana que abrange qualificações como subjetividade, sentiência e sapiência. É através da consciência que temos ciência que nos relacionamos com um ambiente exterior à nós. A consciência está muito relacionada também com o conhecimento que temos sobre nós mesmos, o auto-conhecimento.

Quando alguém diz “você é uma pessoa consciente”, o que ela está fazendo é dizer que você é uma pessoa centrada, uma pessoa que conhece a si mesmo, que pensa antes de dizer ou fazer algo. Não é?

Sob o prisma teológico, a consciência humana é um instrumento usado por Deus para se comunicar conosco, como podemos observar em Rm 2:15.

O que seria uma “boa consciência” então?

Diria que uma boa consciência é uma consciência que seja completa. Afinal, algo completo é melhor que algo incompleto.

Vou explicar melhor o que quero dizer com "completo" e "incompleto".

Uma pessoa que possui apenas uma boa consciência espiritual possui uma "boa consciência". Porém, uma pessoa que possui, além de uma boa consciência espiritual, uma boa consciência de si mesma é mais completa que a primeira.

Conhece-te a ti mesmo” disse Sócrates.

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O auto-consciência é tão importante a nós quanto ser consciente em relação à fé e à Deus.

Blaise Pascal disse em suas reflexões que é impossível conhecermos a Deus sem conhecermos a nós mesmos e que é impossível conhecermos a nós mesmos sem conhecermos Deus, pois, segundo ele, jamais teremos ciência da grandeza de Deus sem conhecermos nossa pequenez nem teremos consciência da nossa pequenez sem ter ciência da grandeza de Deus.

Acho que está é uma boa forma de estabelecer o que seja a “boa consciência” que Paulo advertiu Timóteo a ter: uma consiência de nós mesmos e uma consciência sobre o que Deus é.

Porém”, alguém pode retrucar, “como pode ser assim se conhecer a nós mesmos é algo muito complicado e conhecer a Deus é algo impossível?”.

Tenho que concordar que ambas as tarefas – conhecermos a nós mesmos e conhecermos a Deus – são absurdamentes inatingíveis. Porém, apesar de não podermos conhecer tudo, podemos conhecer muita coisa.

A própria consciência de que não podemos conhecer tudo o que afirmamos conhecer é algo que precisamos aprender. Especialmente as pessoas de fé (e mais especialmente ainda os cristãos) precisam ter consciência disto, pois, se sabem, fingem não saber.

Outra pergunta que surge é: como podemos conhecer mais de nós mesmos e mais sobre Deus?

Um cristão (principalmente se for evangélico) vai dizer que a melhor forma de conhecermos a nós e a Deus é através da leitura bíblica.

Isto não está totalmente errado, mas também não está absolutamente certo.

Se lermos a Bíblia como quem lê uma receita de bolo, não vamos aprender nada sobre nós nem sobre Deus. A reflexão bíblica é que gera em nós a consciência sobre nós mesmos e sobre Deus.

Aliás, permitindo ir além (isso não vai agradar a muitos evangélicos, mas é a verdade), a boa consciência pode ser atingida até mesmo sem a Bíblia, afinal, quando Paulo escreveu esta carta a Timóteo não existia nenhuma “Bíblia” e Paulo não sabia que sua carta seria recolhida e considerada como “inspirada por Deus”.

A Bíblia, como a conhecemos, só passou a existir em meados do século IV d.C., antes disso, toda a reflexão sobre nós mesmos e sobre Deus era feita a partir de cartas apostólicas (como as de Paulo, João e algumas que “não entraram” na Bíblia como as cartas de Clemente, o Didaqué e o Pastor de Hermas), da oração e da reflexão sobre textos filosóficos.

Sim, textos filosóficos. Tão temidos e odiados pelos evangélicos hoje em dia, os textos dos filósofos gregos anteriores a Jesus foram de muita valia à Igreja Primitiva (uma prova disso é a associação entre Jesus e o conceito filosófico do Logos, feito por João).

Não estou dizendo que não devemos ler a Bíblia. Jamais afirmaria isso. O que estou dizendo é que Deus nos garantiu várias maneiras de obtermos uma boa consciência, além da própria Bíblia.

A mais bela música de expressão à criatividade de Deus, em minha opinião, é uma música secular. Quem nunca se encantou com “What a Wonderful World” de Louis Armstrong?

Ter uma boa consciência implica, portanto, conhecermos a nós mesmos e conhecermos a Deus. Esta boa consciência é atingida através da reflexão bíblica, da oração (que em si é uma reflexão também) e da reflexão extra-cristã, observando e contemplando as mensagens que Deus deixou em todos os lugares.

É difícil atingir a "boa consciência, mas, sem essa consciência nossa fé naufraga, por mais “Titanic” que ela seja.


Eliel F. Vieira
eliel@elielvieira.org

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