Quinta-feira, 5 de Março de 2009

Resposta ao Vídeo "Dois ou mais enigmas para um Deus Improvável” de Eli Vieira

O presente texto é uma resposta (um pouco atrasada) ao vídeo “Dois ou mais enigmas para um Deus Improvável” criado pelo ateu Eli Vieira.

Talvez tenhamos (Eli e eu) mais coisas em comum além da curiosidade inata sobre assuntos que remetem à origem de todas as coisas. Além do primeiro nome parecido (Eli e Eliel), possuímos o mesmo sobrenome “Vieira” e temos nossas raízes no interior de MG. Talvez nós partilhamos de um “ancestral comum”, talvez não, mesmo assim é uma curiosa coincidência.

Enfim, vamos aos comentários sobre o vídeo.

O vídeo em si não traz muita novidade ao debate “ateísmo x teísmo”. Na verdade, grande parte do vídeo nada mais é do que uma leitura dos “argumentos” elaborados por Richard Dawkins em “Deus, um delírio”.

Aliás, é possível notar algumas similaridades interessantes entre Eli Vieira e Richard Dawkins. Além de aderirem à “militância” ateísta, ambos possuem uma tremenda capacidade de manipular as palavras. Ambos escrevem muito bem, sem dúvida. A crítica feita por Eli ao chanceler da Universidade MacKenzie (leia aqui) mostra a habilidade que esse garoto possui para fazer crítica com rigidez sem perder elegância.

Porém, seguindo o exemplo de seu mestre Dawkins, Eli parece não dominar a habilidade da oratória (sobre Dawkins veja por exemplo este vídeo onde ele fica por 11 segundos calado diante de uma pergunta)*. Eli demonstra insegurança em sua narração, embola sua fala, troca palavras, enfim, características que passam longe da segurança retórica de seus textos. É bem provável que Eli narrou tudo sem um texto para seguir (apesar de conseguirmos perceber que ele estava seguindo um certo roteiro). Sendo assim, ele tem um desconto. Espero que ele entenda positivamente esta crítica.

Como foi dito, o vídeo em grande parte é uma leitura dos argumentos do livro “Deus, um delírio” de Dawkins. Percebe-se isto logo no título do vídeo com a referência ao “Deus Improvável”, termo que, se não foi criado, foi muito popularizado pelo zoólogo britânico.

O vídeo começa com a seguinte frase: “Acreditar em entidades sobrenaturais sempre foi uma coisa muito irracional”.

Esta informação carece de justificação. Como acreditar em entidades sobrenaturais pode ser algo irracional se pessoas brilhantes ao longo da história acreditavam em tais entidades? Toda a história da filosofia apresenta pensadores que tinham suas crenças em entidades sobrenaturais. Podemos começar observando os filósofos pré-socráticos que buscavam explicar a arché do Universo, o próprio Sócrates que em sua Apologia perante o tribunal grego afirmou fazer o que fazia por vontade do deus, Platão que trouxe à discussão o conceito de um mundo das idéias distinto do mundo natural, Aristóteles com seu conceito de essência e acidente que também aponta para outra realidade existente além da física (metafísica), etc, etc, etc, e muita etc.

Se os, digamos, “fundadores” do pensamento racional tinham suas crenças em entidades sobrenaturais, como sustentar que “acreditar em entidades sobrenaturais sempre foi uma coisa muito irracional”?

Como Eli justifica sua injustificável afirmação inicial?

Eli cita o exemplo do argumento ontológico de Anselmo de Aosta - como se o argumento de Anselmo fosse unanimidade entre os cristãos, e mais, como se todos aqueles que acreditam em entidades sobrenaturais fossem apenas “outros anselmos”.

O que Eli talvez não saiba é que o filósofo René Descartes tentou justificar a existência de Deus com um argumento muito similar ao argumento ontológico de Anselmo: “Assim, pensar em Deus (isso é, pensar em um ser extraordinariamente perfeito) como algo que não possui existência (isto é, que não possui uma certa perfeição) não é menos absurdo do que pensar em uma montanha sem um vale... Não sou livre para pensar em Deus à parte de sua existência (isto é, pensar em um ser extraordinariamente perfeito à parte da suprema perfeição) como sou livre para imaginar um cavalo com ou sem asas.” (DESCARTES, René. Meditations on First Philosophy).

René Descartes acreditava em uma entidade sobrenatural absolutamente perfeita. Ele era uma pessoa irracional? Se sim, por que então Eli usa uma citação de tal ignorante pessoa em seu texto “Opiniões, Mentes e Peixes”?

Talvez Eli considere racionais apenas aqueles que estão do lado da Ciência. Se for assim, seria Francis Collins (diretor do Projeto Genoma) uma pessoa irracional? Ou seria Newton um lunático?

De qualquer forma, não ficou muito clara a justificativa de Eli para sua frase inicial e como ele é o afirmante, cabe a ele o ônus de provar o que disse. Parece-me muito mais que ele partiu de um pressuposto (crença em Deus = irracionalidade) e tentou ao longo do vídeo justificá-lo (sem sucesso).

Posteriormente, Eli disse que “Existem pessoas que pensam assim de forma falaciosa. Por que uma forma falaciosa? Claro, para justificar coisas que não gozam de evidências no mundo natural”.

Isso não ficou muito claro. Quer dizer que quando eu tento justificar algo que não goza de evidências no mundo natural eu estou sendo falacioso?

Então, se eu disser que a mãe do Eli o ama eu estou sendo falacioso? Sim, porque não existe nenhuma evidência no mundo natural que possa me dar garantias que a mãe do Eli indubitavelmente o ama. Qualquer suposta evidência pode ser falsificada. Mesmo assim não seria irracional nem falacioso acreditarmos em Eli se ele nos dissesse que sua mãe o ama.

O que dizer então de Dawkins, quando ele diz que a hipótese do Multiverso é mais plausível que a hipótese de um Criador para a origem do Universo? Não há sequer evidências no mundo natural de que possam existir evidências que sustentem isso. O que dizer do mesmo Dawkins quando ele afirma que podemos postular uma boa dose de sorte para explicar a origem do Universo (DAWKINS, Richard. Deus, um delírio) quando não há evidências no mundo natural para tal?

A seguir, Eli apresenta o Paradoxo de Epicuro (chamado por alguns de “Problema do Mal”). Sobre este paradoxo, não convém comentar aqui, pois já escrevi um texto sobre ele que pode ser conferido aqui. De qualquer forma, o Paradoxo de Epicuro é sustentado por uma interpretação equivocada do conceito cristão de Onipotência e também sobre a Bondade de Deus (sobre o conceito verdadeiro de Onipotência, ler este texto de Vitor Grando).

Prosseguindo, Eli diz que “Para mim, quanto mais complexo é um Deus, mais improvável ele é. Afinal, de onde veio tal ser?”.

Talvez Eli deveria ter dito “Para Dawkins” ao invés de “Para mim”, afinal, o que ele disse foi apenas uma releitura do argumento do “Boeing 747” proposto por Dawkins em “Deus, um delírio”.

Mas, quer dizer que quanto mais complexo for algo mais improvável este algo é?

Bem, pode ser, porém ninguém diz que o conceito de complexidade é relativo a quem analisa. A “maquina do futuro” pareceu extremamente complexa ao Dr. Emmett Brown em 1955, mas parecia muito simples ao mesmo doutor em 1985 (série “De Volta Para o Futuro”). Um simples radinho de pilha pareceria extremamente complexo a Sócrates, mas é algo obsoleto para nós do século XXI.

Deus se mostra complexo a nós? Sim, mas não seria por nossa razão estar muito além da capacidade de investigá-lo?

Se Deus está fora da natureza, por que devemos supor que nossa empiria seria capaz de detectá-lo fora da natureza?

O argumento apresentado por Dawkins da improbabilidade (que Eli repetiu nesta citação) daria margens para os bichos-de-goiaba (atribuindo a eles uma razão mínima, proporcional à sua evolução) provarem que nós, seres humanos, não existimos. Afinal, pareceríamos extremamente improváveis e complexos à analise deles.

Talvez o evento mais improvável do mundo natural seja nossa existência. Seres vivos racionais. Mas estamos aqui, não!? Independente de nossa complexidade e improbabilidade, estamos aqui, existimos. Como podem haver garantias de que não há um Deus fora da natureza, sendo ele complexo ou não, então?

E se não há garantias - nem evidências - de que não há esse Deus, não estaria Eli cometendo o mesmo erro que ele atribuiu à aqueles que crêem em entidades sobrenaturais ao dizer que eles tentam “justificar coisas que não gozam de evidências no mundo natural”?

Posteriormente Eli diz que “Uma coisa que me incomoda bastante é que algumas pessoas que são cristãs... ou mulçumanas... ou judeus... é... elas aprendem sobre ciência, sobre filosofia e querem manter esta crença irracional e injustificada na mente delas...”.

Bem, realmente não entendo como o fato de eu acreditar em Deus incomoda Eli. Afinal, não são eles os ateus os únicos "racionais", privilegiados por serem os detentores da razão?

Mas, incomodamos ele. Quer dizer que nosso erro é, na verdade, incomodá-lo? Se for assim, devemos então todos parar de acreditar em Deus para que o jovem Eli se sinta menos incomodado? Esse incomodo não seria, na verdade, um sinal da insegurança que os ateus possuem em sua crença? Não seria essa insegurança a responsável pelos ataques grossos e descabidos de lógica contra a fé, que podemos encontrar, por exemplo, em “Deus, um delírio”?

E, crença por crença, o ateísmo de Eli não possui justificativas empíricas. Portanto, o que ele diz a nós, cabe a ele também.

Depois Eli questiona qual é a “escala” usada por nós quando definimos o que é e o que não é metáfora na Bíblia.

Na verdade, nenhuma. Em nosso cotidiano não precisamos ficar estipulando escalas de verdadeiro e falso para saber o que devemos ou não considerar como plausível ou implausível. Ao assistirmos um filme, não precisamos no meio do cinema abrir uma cartilha e observar o que possível ou impossível de acontecer para dizer: “hahaha isso foi um exagero”. Pelo menos eu, quando leio a Bíblia consigo compreender o que é e o que não é metáfora. Como Eli não acredita no Espírito Santo, seria perda de tempo dizer o seu papel na compreensão da Palavra de Deus.

Sobre o que é ou não absurdo, como Eli é ateu e não acredita em nenhuma realidade extra-física ou metafísica, tudo o que for citado na Bíblia que contiver milagres ou realizações sobrenaturais será considerado absurdo por ele. Como eu creio em Deus e creio que Deus pode realizar milagres em situações específicas, para mim estas histórias não parecem irracionais.

Ambos temos nossos filtros epistemológicos.

A seguir vem a primeira coisa original neste vídeo: Eli apresenta sua adaptação do paradoxo de Epicuro à questão das escrituras, que é muito particular a ele. Foi bem original a adaptação e merece elogios. O problema é que a adaptação erra - como o paradoxo original de Epicuro sobre o mal - ao não tratar casos e casos, resumindo todas as possibilidades a apenas duas.

Eu posso propor outra explicação que tenha escapado da análise do paradoxo de Eli, por exemplo: Deus quer se revelar aos homens, mas não quer que os homens o sigam por medo ou de forma forçada, e sim por gratidão e amor. Desta forma, Ele se revela através dos textos de algumas pessoas por sua influência (não se trata de uma mensagem psicografada) e se revela interiormente ao ser humano através do mecanismo cerebral identificado por Freud que leva o homem a Deus, ou pelo mecanismo batizado por Dawkins como “vírus da mente”.

Várias outras possibilidades plausíveis podem ser sugeridas. Possibilidades que não são abordadas pelo paradoxo de Eli.

Prosseguindo, Eli disse algumas abobrinhas** em uma metáfora que ele próprio criou sobre Deus e diz posteriormente: “Então por que o universo, que teve um início simples... parece que é o Big Bang... teria de ser criado por uma entidade tão complexa quanto um Deus?”.

Bem, primeiramente eu discordo que o inicio do universo tenha sido simples. A começar pela própria existência de algo físico sem nenhuma causa física precedente, uma vez que a filosofia postula que “out nothing, nothing comes“ [nada surge do nada]. O que gerou esta explosão? Nada?

Também, uma explosão como foi o Big Bang não é nada simples. Foi, ao contrário, extremamente complexa. Se a constante gravitacional fosse uma parte em 100 milhões de milhões menor (1 sobre 100.000.000.000.000) então a expansão do universo após o Big Bang não teria acontecido do modo necessário para que a vida pudesse existir (Fonte). Além desta constante, existem outras 5 constantes conhecidas conhecidas como "Constantes Antrópicas" que, se tivessem valores alterados, por menor fração que fosse, não estaríamos aqui. Isto não é simplicidade, não mesmo. Pelo menos eu não consigo enxergar simplicidade aí. Se o início do Universo tivesse sido simples, Dawkins não teria postulado a “sorte” e o multiverso como explicações para este monstro de improbabilidade.

Para finalizar seu vídeo, Eli diz: “Quanto mais ‘onis’ você atribui a um Deus, mais improvável ele é. E se ele é totalmente improvável... infinitamente improvável, o que significa isso? O seu Deus meu amigo, é impossível”.

Então, seguindo a mesma conclusão, se eu estiver em uma palestra, ou em uma sala de aula, e um professor disser que a existência de seres humanos foi um evento improvável e que nós somos complexos, então eu devo concluir, na verdade, que a minha existência, a do professor, dos ouvintes e de qualquer pessoa neste mundo é impossível?

A conclusão de Eli não procede das premissas apresentadas por ele (apesar de não ter visto as premissas). O que vemos no vídeo, na verdade, é o que os ateus têm a apresentar na defesa de sua crença: argumentos capengas (usando o termo exposto em uma das imagens do vídeo de Eli).

Se a existência de pessoas que acreditam em Deus incomoda Eli, infelizmente terei de continuar incomodando-o, pois seu vídeo não me convenceu em nada.

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Bem, este texto foi apenas uma crítica onde apresentei os pontos que discordo no vídeo de Eli. Nada pessoal, não mesmo. Até considero o blog dele muito rico e seus questionamentos bem perspicazes. Mas como aspirante a filósofo, devo duvidar.


Notas:

* Dawkins justificou (ou inventou uma desculpa?) esses 11 segundos em que ele ficou olhando para o além. Segundo ele, na hora que a entrevistadora fez a pergunta, caiu a ficha de que a entrevistadora poderia ser uma "criacionista". Se assim fosse e se Dawkins tem tanta certeza do que ele acredita, bastaria responder à pergunta com classe e calar a boca de seus adversários não!? Enfim, só podemos conjecturar.

** Acredito que nem ele deve levar a sério a metáfora que ele criou para explicar Deus.


Eliel F. Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


1 Comentário:

Eli Vieira disse...

Eliel, eis a minha tréplica:

http://www.elivieira.com/2009/03/treplica-eliel-vieira.html

Um abraço.

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