Desde os meus 17 anos comecei a perceber algo estranho nas pregações evangélicas nas igrejas onde eu freqüentei ou visitei: as pregações quase sempre possuíam um apelo apocalíptico, escatológico. Em alguns casos este apelo é sutil, subliminar, escondido; já em outros ele é descarado, narrado claramente, salta-nos à vista.

A diferença entre uma pregação “comum” e uma de teor apocalíptico pode ser demonstrada nos exemplos hipotéticos abaixo:

Pregação Comum: Devemos pregar o Evangelho, pois devemos compartilhar com outras pessoas aquilo que recebemos gratuitamente.
Pregação Apocalíptica: Devemos pregar o Evangelho, pois Jesus está quase voltado e quem não se converter vai ir para o quinto dos infernos!

Pregação Comum: Devemos alimentar nossa fé, pois Deus deseja que sejamos cada vez mais conscientes de nossa fé.
Pregação Apocalíptica: Devemos alimentar nossa fé, pois nos últimos dias a Igreja será perseguida e que não estiver firme vai “cair”.



Eu não estou dizendo aqui que as pregações não devem conter asserções escatológicas. Não, não é isto! O que eu estou dizendo é que pelas observações que tenho feito, percebi que grande parte das pregações se justifica apenas escatologicamente e, como eu vou explicar ao longo deste texto, eu considero isto um pouco prejudicial de certa forma.

Ora, existem vários motivos pelos quais devemos pregar o Evangelho ou alimentar nossa fé, não apenas motivos escatológicos. A justificativa para eu alimentar minha fé poderia ser, por exemplo, porque eu quero ser uma pessoa mais consciente daquilo em que eu acredito. A justificativa não precisa ser necessariamente escatológica.

Mas, por que as pregações possuem em geral um apelo apocalíptico forte? A razão disto, em minha opinião, é porque um pressuposto “relativamente verdadeiro” está sendo equivocadamente tratado como “absolutamente verdadeiro” pelos evangélicos. O pressuposto de que “Jesus está voltando”.

Em certo sentido, sim, Jesus está voltando, afinal, a cada dia que passa a volta de Jesus se aproxima em um dia. Se ontem faltavam 587.429.847.281.794 dias para Jesus voltar, hoje faltam 587.429.847.281.793 para isto acontecer. Então, sim, a volta de Jesus está se aproximando. Porém, o equívoco está em começar a afirmar, por exemplo, que a volta de Jesus Cristo é um evento iminente, que acontecerá dentro de alguns dias ou meses.

Sinceramente, os eventos apontados como “sinais do fim dos tempos” não são tão convincentes assim como os pastores evangélicos dizem que são.

Alguns dizem, por exemplo, que o mundo nunca esteve tão sem amor. Eu não concordo! Já passamos por momentos na história onde o amor estava muito mais frio que atualmente. Existiu uma época no ocidente em que um pai não tinha problemas em afogar sua filha apenas porque queria que seu filho nascesse homem. Seqüestros, assaltos, assassinatos, pedofilia, preconceito, fome, egoísmo, escravidão? Em que período a história viveu sem a incidência destas coisas? Elas sempre aconteceram!

E por mais incrível que isto possa soar, ao que parece o mundo até “melhorou de vida” nas últimas décadas. Vejam, por exemplo, as palavras do escritor Philip Yancey sobre este assunto:

Há trinta anos a incidência global de analfabetismo era de 47%; agora somente 20% dos adultos não sabem ler. A porcentagem de pessoas desnutridas caiu pela metade, assim como a porcentagem de pessoas vivendo em moradias precárias. Três em cada quatro pessoas não tinham acesso a água potável; agora três em cada quatro têm acesso (...) Há trinta anos, uma em cada oito crianças morria no primeiro ano de vida; agora a proporção é a metade. (Fonte: Descobrindo Deus nos Lugares Mais Inesperados).

Outro evento atual apontado é a dita “perseguição da Igreja”, como prova de que o “fim está chegando”. Alguns dizem que a igreja jamais foi tão perseguida quanto ela é hoje, sendo está perseguição, assim, uma evidência de que a volta de Jesus está próxima.

Será? Será que a “perseguição” atual se compara com o que os apóstolos passaram entre o primeiro e o quatro séculos? Será que a atual “perseguição política” se compara com o que Roma fazia com os cristãos quando os capturava? Será que a perseguição atual se compara à perseguição sofrida por Dietrich Bonhoeffer e os outros cristãos alemães que lutaram contra o Nazismo de Hitler?

Alguém pode levantar a seguinte questão neste ponto: ora, mas qual é o problema em pensar que a volta de Jesus é iminente?

Em minha opinião, apesar desta crença trazer conforto a algumas pessoas, em outros aspectos ela é prejudicial.

Quando Paulo escreveu pela primeira vez aos cristãos de Tessalônica, o apóstolo advertiu aos cidadãos sobre a volta de Jesus (I Ts 5), advertindo as pessoas que estivessem em estado de vigilância quanto ao “Dia”. Ou Paulo não dosou bem suas palavras, ou as pessoas as interpretaram de forma errada, mas as advertências de Paulo quanto ao “Dia” geraram um grande tumulto em Tessalônica (aparentemente os cidadãos começaram a vender tudo o que tinham a preço de banana) a ponto de na segunda carta a eles Paulo escrever aos tessalônicos que “não percais tão depressa a serenidade de espírito (...) como se o Dia do Senhor estivesse próximo” (II Ts 2).

Os tessalônicos entenderam tudo errado, assim como muitos evangélicos entendem tudo errado em relação à volta de Jesus hoje em dia. O fato de o futuro estar definido não tira nossa responsabilidade sobre o presente. Uma das maiores babaquices que já ouvi de um pastor foi que não devemos nos preocupar com o meio ambiente, nem com aquecimento global; nós devíamos, disse o pastor, nos alegrarmos com tais coisas, pois estas catástrofes foram profetizadas pela Bíblia, e a ocorrência delas aponta para a volta de Jesus.

Em uma escala muito menor o teor escatológico das pregações gera conformismos prejudiciais semelhantes. Pouquíssimo se fala sobre compromisso social com meio-ambiente nas igrejas, sobre o uso racional da água e de outros recursos naturais, sobre sustentabilidade. Afinal, se este mundo está fadado à destruição, e se nossa pátria será nos céus, por que vamos perder nosso tempo e nossa energia cuidando deste planeta se ele será destruído? Por que vamos nos dar ao trabalho de imprimir o jornalzinho da igreja em papel reciclado? Por que preocupar-nos com a educação? Por que preocupar com a qualidade de vida dos países mais pobres?

Há alguns meses atrás eu ouvi o absurdo de que a África não precisa de nenhum cuidado, nem de dinheiro, nem de recursos; a África precisa apenas de Jesus (como se Jesus matasse fome).

Deus não quer que pensemos assim! Mas o apelo escatológico freqüente nos ouvidos das pessoas gera a idéia de que toda a realidade se justifica apenas á luz dos eventos do fim, e que qualquer esforço feito aqui no sentido de melhorar as condições do planeta é inválido.

A Bíblia diz que a fé vem pelo ouvir (Rm 10:17). Em certo sentido, o tipo de fé que você tem depende daquilo que você ouve. Se você só ouve asserções apocalípticas, sua fé se fundamentará apenas nisto, e você não conseguirá pensar quaisquer outras justificativas para quaisquer ações, a não ser que estas sejam justificativas apocalípticas.

A minha conclusão, a partir de minhas observações, é que a ênfase demasiada em fatos escatológicos gera cristãos incompletos, sem senso de responsabilidade com o tempo atual.

Sei que muitos pastores visitam este blog, portanto, vos peço, revejam este ponto antes de elaborar suas pregações. A saúde espiritual de sua congregação agradece!


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org
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DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


12 comentários:

Oi Eliel, até que enfim alguns evangélicos como vc estão caindo em si e fazendo a diferença, fico feliz de pensar assim!!

Muitos pastores fazem isso mesmo que falou, parecem que querem aquecer a panela mais rápido: alguns parecem até gostar de algumas catástrofes.. como se isso poderia alegrar alguém.

Espero que cresça o nº de evangélicos que tenham mais consciência com o meio ambiente como vocÊ!

Eliel, paz!

O derramamento do Espírito e inauguração da Igreja em Pentecostes foram eventos escatológicos... os últimos dias estão sendo vividos desde aquele momento... veja:
*
"O que ocorre é o que foi dito... e acontecerá nos ÚLTIMOS DIAS..." Atos 2:16-17
*
Logo, a pregação do Evangelho foi, é, e sempre será escatológica... não dá, a meu ver, para desvincular as coisas...
*
A pregação do Evangelho 'no' e 'sobre' o hoje e agora, é escatológica; sobre o ontem e amanhã, idem.
*
É o que penso!
*
Abraços

Caro Zwinglio,

Primeiramente, obrigado pelo seu comentário.

Quando eu me refiro a "eventos escatológicos" aqui eu me refiro aos eventos do fim, mais precisamente a aqueles que aconteceram durante a segunda vinda de Jesus e o fim do mundo.

Apesar de eventos bíblicos como a morte e ressurreição de Jesus e o Pentecostes serem, em certo sentido, escatológicos (como você corretamente apontou), ao dizer "escatologia" eu me referi aos eventos do fim, apenas. E não errei tanto assim (se errei): pegue qualquer compêndio de Teologia Sistemática, vá na sessão "Escatologia" e veja se o que você encontrará não será nada além dos eventos do fim, relacionado à volta de Jesus, Julgamento Final, etc.

Eu certo sentido, sim, a pregação do Evangelho sempre será escatológica. Porém eu discordo de que este sentido escatológico deva ser o único a ser levando em consideração, como muito tem sido observado por mim.

Abraço!

Eliel

A questão é que o mundo evangélico fundamentalista não existe no mundo dos biblistas. Não se sentem à vontade em empregar as ferramentas técnicas literárias, ferramentas histórico-culturais, sociologia das idéias, análise comparativa dos diversos textos da época, etc., bloqueados pela perspectiva deles do que é "infalibildade". Assim, não existem exegeticamente, apenas se cita os trecos e boas.

Desta forma, não temos mesmo como esperar alguma forma inteligente desse ambiente em lidar com escatologia, ou mesmo explicar o que seja. Estas visões milenistas distorcem o sentido escatológico da pregação de Jesus.

No Brasil, fiquei vislumbrado com a publicação por uma editora conservadora de um livro que esclarece muito bem essa questão, o "Tempo de Deus", de Craig C. Hill, pela Ultimato.

É ótimo divulgar este livro, que é um importante e quase isolado (em editoras evangélicas) a despachar estas coisas malucas de adivinhação do anticristo, chips, marcas da besta, "deixados para trás", etc. que grassam por aqui para o lucro dos psiquiatras.

Eliel
faço das palavras do "zwinglio rodrigues" as minhas...

Penso porem, que a volta de jesus, ou seja, a visao do final dos tempos, estava na catequese da igreja desde seu inicio, e precisamos nos animar com a fé que isso gera em nossos coraçoes, pois sua volta, longe de ser apensar o inferno para alguns e ceu para outros, é o momento de real justiça de Deus contra toda impiedade, e onde todos os coraçoes estarao claros diantes do TODO PODEROSO...

paz e graça

Eduardo,

Faço da minha resposta ao Zwinglio a sua também.

Não há de se negar que o Evangelho está intimamente ligado à Escatologia. O Evangelho por si só já é escatológico, como o Zwinglio bem argumentou. O problema é que a fascinação em excesso quanto aos eventos do fim gera conformismo quanto a várias outras responsabilidades que a igreja tem, além da pregação do Evangelho.

Eliel

Algumas perguntas que podem ou não ser respondidas.
1 - Para quem Pedro escreveu suas epístolas? O que o levou a afirmar o que afirmou no cap.4:7.
2 - A exigência do exercício do amor fraternal de uns para com os outros, a hospitalidade e serviço comunitário tem alguma coisa a ver com a prefalada afirmação?
3 - A afirmação do mesmo apóstolo no cap.4:17 visava um futuro distante?
4 - Tiago escreveu para leitores dos séculos 20/21, ou para as doze tribos dispersas entre as nações (judeus cristãos de seus dias)?
5 - A afirmação de Tiago no cap. 5:7-9 foi feita para eles ou para nós, ou estaria Tiago fazendo suposições pessoais?
6 - João chamou de filhinhos aos crentes da nossa época, ou aos de seus dias?
7 - João afirma no cap.2:18 o que segue: Esta é a última hora. Esta última hora era aquela, ou a dos nossos dias?
8 - Ao falar do anticristo e de muitos outros que estavam surgindo, João afirma que, "Por isso sabemos que esta é a última hora. Quem sabia, eles ou nós? os anticristos surgiram lá ou agora entre nós? O saber que a última hora era chegada dizia respeito a eles ou aos crentes dos séculos 20/21.
9 - O escritor da epístola aos Hebreus aos afirmar no cap. 1:2 “nestes últimos dias (tempos) está falando de seu tempo, e, para judeus de seus dias ou delirava acerca dos judeus de 2000 mil anos depois de sua epístola?
10 - O que levou o dito autor a afirmar o que segue: "Doutra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo, MAS, AGORA, NA CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. Hb. 9:26, 27. Mas, agora, siguinificou para ele o agora dele ou o agora dos séculos 20/21.
Finalmente podemos responder sobre o ensino de Paulo aos coríntios em sua primeira carta no cap. 10:1-11 -” Ora, tudo isso lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem JÁ SÃO CHEGADOS O FIM DOS SÉCULOS. Nosso aqui é deles ou nosso?
Creio que a escatologia do "cristianismo" atual é um conto de fadas.

Que no cerne dos evangelhos e do cristianismo nascente há um forte e vital componente escatológico, não há dúvidas. A questão é em quê consiste, e uma das chaves está em João Batista, cujo ministério se fundava referindo-se ao fim do "exílio" de Israel que nessa perspectiva não teria passado, com YHWH e seu comissionado instituindo o juizo, onde os tementes a Deus deviam se preparar para tal.
O componente escatológico mesmo é algo de foco impossível de se subestimar no estudo histórico do N.T.

Considero que a idéia da "escatologia inaugurada" e "escatologia consumada", na tensão entre elas, é chave para entender a pregação do Reinado de Deus; também, as imagens messiânicas que apontam para a perspectiva da subversão das lógicas e estruturas de dominação do mundo. Nisso, a crença na ressurreição a tomava como sinal de que estes tempos para tal subversão, e a redenção da criação, começaram.

Agora, são questões totalmente outras e bem distants do que se pauta no fundamentalismo.

Bom dia, Eliel.

Apreciei sua postagem.

Tomando a Bíblia como um todo, as características da "pregação apocalíptica" e da "pregação comum" que você citou não são mutuamente excludentes.

Em outras palavras, podemos combiná-las e expressá-las simultaneamente, sempre com equilíbrio e bom senso (como devemos fazer em tudo).

Adicionei o seu blog nos links do meu. Até mais!

atos17.blogspot.com

***

Concordo em partes.
Por mais que guerras, terremotos e outros tipos de catástrofes tenham sempre acontecido, o nosso mundo globalizado nos faz ter conhecimento de tudo isso hoje em dia, fazendo com que tenhamos ciência do que se passa.

A bíblia diz que nos ultimos dias haveriam terremotos em vários lugares(Mateus 24:7). Não é isso que temos visto hoje? Ou será que só pelo fato de sempre terem ocorrido é que a profecia não tem valor algum?

Creio que a volta de Jesus está próxima sim, temos visto todo esse caos a cada dia.
Penso que Jesus profetizou isso para essa época, porque sabia que a globalização nos faria conhecer o que se passava no mundo, logo, associando os fatos às escrituras.

Contudo, essa não deve ser a nossa motivação principal, pregar e ser cristão apenas por receio dos eventos futuros.

Se o IzakE e outros viverem mais 50 anos vão ter a certeza que estavam ou foram enganados.

e verdade mano devemos pregar a palavra de deus de uma forma correta devemso levar a palvra espiritual e o alimento material
espirital alimento o espirito o material alimenta o corpo