quinta-feira, 26 de março de 2009

As Origens da Igreja Batista

Sou batista desde que nasci, quando fui consagrado na Igreja Batista Peniel pelo Pastor Reuel Feitosa. Ainda criança meus pais mudaram de igreja e passamos a freqüentar a Igreja Batista de Bom Jardim, na cidade de Mário Campos/MG. Na adolescência, lá pelos meus 14 anos, mudei novamente de igreja para a Igreja Batista do Tirol em BH/MG e, há alguns meses atrás, voltei para a Igreja Batista Peniel.

Talvez os batistas sejam os mais “patriotas” dentre as denominações protestantes.

Porém, poucos batistas conhecem sua história. Em 23 anos de idade (logo, 23 anos batista) não me lembro de um culto ou lição dominical sequer que tenha contado a história da Igreja Batista. De onde surgiu o nome “batista”? Onde eles surgiram? Por que eles surgiram? Por que se chamam assim?

Faça estas perguntas a algum amigo seu batista e a probabilidade será grande dele não saber nenhuma das respostas.

Para entender como surgiu a Igreja Batista, temos que voltar cerca de um século antes de seu surgimento, para o ano de 1517.

Neste ano um frade agostiniano chamado Martinho Lutero afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg um cartaz com 95 teses contrárias à venda de indulgências pela Igreja Católica. As indulgências eram cartas seladas por Roma que garantiam perdão e alívio das penas que a pessoa sofreria no purgatório. Podiam-se comprar indulgências até para aos parentes mortos e aliviar, assim, a dor que eles estavam sofrendo no purgatório.

Lutero então, na noite do dia 31 de Outubro de 1517, afixou as 95 teses. No dia seguinte, 1º de Novembro, todos iriam à igreja, pois seria o Dia de todos os Santos. Todos viram as teses de Lutero e poucos dias depois a Alemanha inteira sabia sobre elas.

As 95 teses de Lutero eram desafiadoras e causaram constrangimento à Igreja na época. Veja algumas:

36 – Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à remissão plena de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.

82 – Porque o Papa não evacua o purgatório por santíssimo amor às almas e pela suprema necessidade das mesmas, sendo esta de todas as causas a mais justa, já que ele redime inúmeras almas por meio do tão miserável dinheiro para a construção da basílica, que constitui uma causa tão insignificante?


Pois bem, este evento específico desencadeou a chamada “Reforma Protestante”. No final das contas, os cidadãos da Alemanha e de várias províncias da Europa passaram a ter a liberdade para ser católicos ou protestantes (antes, rejeitar os dogmas católicos era crime passível de morte).

Com a “liberdade” religiosa instituída e com a popularização da Bíblia (até então só existiam versões em latim da Bíblia e a leitura dela era permitida apenas aos sacerdotes) vários grupos de cristãos na Europa começaram a rever alguns pontos de sua fé. Dentre estes grupos, surgiram os anabatistas.

Os anabatistas surgiram especialmente nas regiões da Europa de grande descontentamento social. Os grupos de anabatistas eram formados em grande parte por camponeses e artesãos que foram vítimas de injustiças. Muitos deles estavam envolvidos na Guerra dos Camponeses em 1525. Em geral, os anabatistas eram pessoas calmas, devotadas, piedosas, trabalhadoras e que buscavam ficar afastados das lutas políticas. Para os anabatistas a sociedade seria feliz se vivesse conforme os princípios do Novo Testamento, especialmente os ensinamentos do Sermão da Montanha.

As sociedades anabatistas se estabeleceram principalmente na Suiça e nas regiões sul e oeste da Alemanha.

A principal crença destas comunidades era de que o sacramento do Batismo deveria ser ministrado apenas aos adultos, por eles possuírem a capacidade de pensar, decidir e se converter. As crianças, por serem inconscientes de sua fé, não eram aptas a serem batizadas, de acordo com os anabatistas.

É daí que surgiu o nome “anabatista”. Anabatista é aquele que batiza novamente.

Aqueles que se filiavam às sociedades anabatistas eram batizados novamente, pois, o batismo que eles haviam recebido na Igreja Católica, era destituído de significado.

Outros princípios anabatistas eram: a desconfiança em relação a qualquer autoridade secular e às demais igrejas institucionalizadas; e ênfase da experiência da regeneração pelo Espírito Santo mais do que a justificação forense; a propriedade coletiva dos bens; e a ênfase ao pacifismo e à não-resistência.

Por seguir estes princípios, os anabatistas são considerados por alguns historiadores como “a ala esquerda da Reforma”, “reformadores radicais” ou “protestantes do protestantismo”.

Os mais influentes líderes anabatistas foram Meno Simons, Jacob Hutter e Baltasar Hubmaier.

Sob a liderança destes líderes, os anabatistas percorreram toda a Europa pregando a necessidade do arrependimento e da fé pessoal antes do batismo e “rebatizando” católicos e protestantes.

Tal atitude, claro, não agradou a Igreja Católica nem os demais protestantes (luteranos e reformados) que passaram a perseguir os anabatistas. Usando a justificativa que ao negar o batismo às crianças os anabatistas estavam molestando-as, católicos e protestantes começaram a perseguir, julgar e condenar a morte todos os anabatistas.

Félix Manz foi o primeiro mártir anabatista. No dia 5 de Janeiro de 1527, o líder anabatista foi preso e levado à Zurique onde foi julgado e condenado (não por católicos, mas por protestantes) à pena de morte: afogamento. O chamado “terceiro batismo”. Félix Manz foi amarrado e jogado no rio Limmat, em Zurique.

A pena do “terceiro batismo” se tornou a preferida por católicos e protestantes quando condenavam anabatistas. Uma forma de zombar da crença dos anabatistas enquanto eles morriam. Milhares foram mortos desta forma.

Esta perseguição durou décadas até que o movimento “esfriou”.

Vários movimentos ocorreram até que em 1608, um grupo de refugiados ingleses liderado por John Smyth (ex-clérigo anglicano) e Thomas Helwys (advogado) foram para a Holanda em busca liberdade religiosa. Lá eles se encontraram com os anabatistas e organizaram, em 1609, a primeira igreja com doutrinas batistas na cidade de Amsterdã.

Após a igreja batista holandesa estar fundada, Thomas Helwys retornou à Londres e lá fundou a primeira Igreja Batista da Inglaterra em 1611. A partir dali o número de igrejas batistas começou a crescer. Em 1650 já existiam 47 congregações batistas em toda a Europa.

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Acima contei de forma resumida as origens da Igreja Batista. Talvez você não sabia, mas os fundadores desta denominação foram verdadeiros heróis. Pessoas que não tiveram medo de pensar nem de questionar a postura e a conduta de seus líderes.

Os batistas foram os primeiros protestantes que criticaram o protestantismo.

Ser batista é ser contrário à opressão social. Ser batista é ser contrário às interpretações tendenciosas da Bíblia. Ser batista é se preocupar com o bem estar do próximo. Ser batista é buscar na Bíblia o padrão de moralidade que devemos ter.

Ser batista é ser, enfim, o contrário do que as igrejas batistas (em grande maioria) pregam, ensinam e são nos dias de hoje.


Eliel F. Vieira
eliel@elielvieira.org


Bibliografia:

- LUTERO, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja. Tradução de Martin N. Dreher. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2006.
- NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. Tradução de J. Maurício Wanderley. ed. rev. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1979.
- OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. Tradução de Gordon Chown. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2001.
- MCGRATH, Alister E.. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica. Tradução de Marisa K. A. de Siqueira Lopes. 1 ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
- PIBCZ. História dos Batistas. Disponível em: http://www.czs.com.br/pibczs/historia/igreja.htm. Acesso em 26/03/2009.
- SAUSSURE, A. de. Lutero: o grande reformador que revolucionou seu tempo e mudou a história da igreja. Tradução de Anna Hubber. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2004.
- WIKIPEDIA. Igreja Batista. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Batista. Acesso em 26/03/2009.
- WIKIPEDIA. John Smyth. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Smyth. Acesso em 26/03/2009.
- WIKIPEDIA. Thomas Helwys. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Helwys. Acesso em 26/03/2009.

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quarta-feira, 25 de março de 2009

Aspectos Religiosos, Psicológicos e Filosóficos nas Músicas do Angra

A qualidade musical da banda Angra é indiscutível. Com músicos conceituados e talentosos, há quase duas décadas a banda brasileira tem exportado talento e cultura brasileira pelo mundo em turnês que cobrem todo o globo.

Outro aspecto, porém, atrai minha atenção quando escuto as músicas do Angra: o conteúdo lírico das músicas.

O Heavy Metal é estereotipado na sociedade como um estilo que promove baderna – que leva os jovens às drogas, que incentiva os filhos a serem rebeldes com os pais, que promove alguma espécie de satanismo, etc – porém, indo na contramão destas figuras, esta banda brasileira apresenta abordagens interessantes e inteligentes nas letras de suas músicas, passando por assuntos como Filosofia, Psicologia e Religião.

Dos assuntos citados acima o mais abordado, com certeza, é a Religião. Suas formas, seus preceitos, seus defeitos e a relação do ser humano com ela são assuntos encontrados com facilidade nas músicas do Angra. Filosofia e Psicologia também são abordados no conteúdo lírico dos álbuns do grupo. Abaixo, comentarei um pouco (pouco mesmo, senão o texto fica enorme) sobre estes aspectos em cada álbum da banda.

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Encontramos abordagens sobre o sentido da vida logo nas duas primeiras faixas no primeiro álbum da banda, Angels Cry:

- O aclamado refrão da música “Carry On” diz “Então siga em frente / Existe um sentido para a vida / Que um dia podemos encontrar...”.

- A música “Time” se inicia com o personagem da música buscando explicação para a sua existência: “Agora eu quero saber o que a vida significa, para vivê-la novamente...”.

Questões existencialistas como estas existem desde que o homem se entende como homem. Como explicar a existência da vida? Por que existimos? Como viemos a existir? O que é a morte? Por que existe algo ao invés do simples nada?

Estas questões que “atormentam” a humanidade há séculos foram as responsáveis pelo surgimento das religiões – formas de explicar a relação entre nós e o Criador (ou criadores) de todas as coisas. Elas também foram responsáveis pelo surgimento da Filosofia, uma vez que os primeiros filósofos – os chamados pré-socráticos que viveram na Grécia antiga – buscavam unicamente responder qual era a origem (do grego arche) de todas as coisas.

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O segundo álbum da banda, Holy Land, também traz algumas abordagens sobre Religião. Vemos isso já no título de algumas músicas como “The Shaman” e “Lullaby for Lucifer”. Porém, como a proposta deste álbum foi de contar a história do descobrimento do Brasil, as abordagens religiosas neste álbum são mais relacionadas à cultura - afro e indígena – do que com religiões em si.

A faixa “Silence and Distant” traz uma bela – porém triste – descrição da solidão do personagem da história da música, que enxergava apenas oceano a sua volta.

Holy Land talvez seja o álbum mais “brasileiro” já produzido por uma banda brasileira, tanto pela sonoridade (com a inclusão de berimbals, atabaques, etc.) quanto pelo conteúdo lírico (história do descobrimento do Brasil).

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A faixa “Lisbon”, do terceiro álbum da banda Fireworks, é considerada por muitos como a mais bela composição do Angra. Seu refrão ecoa até hoje nos shows solo do ex-vocalista Andre Matos.

A letra mostra os pensamentos de uma pessoa desiludida, cansada, buscando sentido para a existência em meio à solidão e o abandono. O personagem já não tem perspectivas, nem esperanças. Em seu desespero existencialista ele chega a clamar a Deus que ilumine sua vida respondendo suas dúvidas. Nada.

Até que o personagem vê os pássaros voando por todo o lugar e essa visão lhe traz conforto e alivio: “Veja, os pássaros estão de volta... / Nas docas e em todo lugar / Aqui em Lisboa, eu percebi / Que todo este mundo / É tão estranho e divino”.

A letra da música não diz o que o personagem viu nos pássaros que trouxe a ele conforto. Seria a variedade de cores? Seus movimentos? Sua coletividade? Sua liberdade?

Talvez o personagem não tenha observado apenas os pássaros. Talvez a visão dos pássaros tenha chamado sua atenção para outras coisas. O interessante é perceber que o personagem parou para observar o mundo ao seu redor, buscando sentido. Os maiores cientistas vieram a ser famosos porque foram pessoas que observavam e se encantavam com o mundo. Para o astrônomo Kepler a sincronia do Universo formava uma melodia que apontava para a beleza do Criador, Darwin começou a estudar as espécies de animais porque era apaixonado pela beleza das formas dos besouros, etc...

A mensagem de “Lisbon” pode ser muito bem essa: “Jamais saberemos a verdade sobre esse mundo estranho e divino. Mas aqui tem as respostas suficientes de que precisamos”.

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O quarto álbum da banda, Rebirth, representou o recomeço da banda após a separação que ocorreu no final do milênio passado. Um aspecto interessante neste álbum é que as letras formam uma história, mas, para entendê-la, deve-se ler começando da última música e terminando na primeira.

Algumas músicas trazem referências à Religião, ou à religiosidade, como “Unholy Wars”: “Perdoe-nos, pai nosso / Por termos pecado / Cegados pelo orgulho / Nós não sabemos o que fazemos / O vosso reino será acabado / Pelas guerras santas”.

Porém, como o álbum traz em si a temática do renascimento, quase todas as letras fazem alusão ao autoconhecimento do homem. O conhecimento que o homem deve atingir sobre si próprio, para, então, renascer. “Acid Rain” traz uma interessante referência a este aspecto do autoconhecimento: “Permita que o ressentimento de sua mente / Encontre o nascer do sol / E que as palavras esperançosas / Tragam amor ao seu coração”.

Esta mesma música “Acid Rain” começa com um coro de frases em latim, a língua “santa”: “Miseremos, Sanctus. / Et catolicus Ominus / Miseremos, Sanctus. Et Catolicus Ominus / Miseremos, Sanctus. Domine Deo Sabaoth”.

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O quinto álbum da banda, Temple of Shadows, é o que mais aborda aspectos religiosos e filosóficos de todos os já lançados pela banda, a começar pela capa do disco que traz inscrições bíblicas em hebraico nos quatro cantos e a figura de São Jorge e o dragão. [Para ler o significado das inscrições em hebraico na capa deste álbum, clique aqui]

As músicas contam a história de um guerreiro cristão chamado “Shadow Hunter” que durante as Cruzadas começou a questionar algumas práticas da Igreja Católica, se “desviou” e buscou trabalhar sua espiritualidade de forma pessoal, através da gnose.

Antes de cada letra, no encarte, o trecho da história referente à música é contado. Versículos da Bíblia enchem todo o encarte também.

Vários assuntos relacionados à Religião (e à Filosofia também) são abordados na história de Temple of Shadows: Guerra Santa, Dogmatismo, Existência de Deus, Autoconhecimento, Destino, etc. Em recente entrevista ao Chatesão, Rafael Bittencourt (guitarrista da banda e compositor de toda temática em Temple of Shadows) disse: “Este é o pensamento em Temple of Shadows. A quebra das religiões”.

Uma frase interessante citada pelo personagem Shadow Hunter é: “Encare a verdade: Deus não é amor”, na música “Angels and Demons”. À primeira vista este pensamento parece fazer alusão ao paradoxo proposto pelo filósofo Epicuro de Samos, do período helenístico, sobre a Onipotência e a Bondade de Deus. “Deus é bom e pode tudo? Porque o mal existe então?”. No entanto, observando o contexto da história de Temple of Shadows, parece que Shadow Hunter, na verdade, questionou o fato da Igreja estar guerreando sob a “vontade de Deus”. Se Deus compactua com tais práticas, pensou Shadow Hunter, ele não é amor.

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O último álbum de estúdio da banda, Aurora Consurgens, é o mais amplo em número de assuntos abordados. Nenhum assunto específico é abordado (como em Holy Land e Temple of Shadows), mas vários assuntos relacionados com a psiqué humana são tratados nas músicas deste álbum. Temas como egoísmo, pânico, suicídio e relação pais e filhos, etc.

A capa e todo o encarte contêm as imagens do livro “Aurora Consurgens” que, acreditasse, foi escrito por São Tomás de Aquino, apesar de a Igreja Católica negar que o filósofo escolástico seja o autor desta obra. O livro "Aurora Consurgens" foi proibido tanto pela Igreja Católica quanto pelo nazistas. Um livro polêmico, repleto de imagens esquizitas e surrealistas. Toda a "aurora" de "Aurora Consurgens" foi transmitida ao álbum.

Em entrevista à revista Sacred Sound (#7, ano 4), Rafael Bittencourt, falando sobre a temática de Aurora Consurgens, disse: “Muitos dos fãs que recebem o Angra têm um preconceito muito grande com relação a qualquer religião. Isso é uma coisa que vejo forte na juventude em geral; mas nos fãs do Angra vejo mais forte ainda. Porém, ao mesmo tempo, eles têm vontade de ouvir palavras que confortem. Palavras que dizem ‘Olha, o seu problema existe salvação’... Tem algumas frases que todo mundo gosta de ouvir, que confortam. Bem, então eu digo: Essas pessoas precisam de ajuda, precisam de luz, elas precisam encontrar o caminho, porque os adolescentes estão se formando. Preciso ajudá-los. E eles tem esse preconceito, então eu sou a pessoa (...) continuo muito certo que sou, sim, um missionário de Deus. É uma convicção que tenho desde pequeno”.

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Fiz aqui um pequeno resumo dos álbuns da banda Angra, apontando neles os aspectos que considero interessantes em seu conteúdo lírico. Além das músicas que citei, várias outras fazem analogias e abordam questões religiosas, psicológicas e filosóficas. Fique a vontade para pesquisar.

Se você conhece e gosta da banda Angra sabe que este resumo foi muito resumido mesmo, mas tinha que ser assim senão o texto ficaria enorme.

Se você não conhece o som do Angra, recomendo-o a conhecer. Aproveite a oportunidade, pois a banda voltou!


Eliel F. Vieira (com ajuda e dicas de Ramiro e Breyla)
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Resenha: O Vendedor de Sonhos – Augusto Cury

O Vendedor de Sonhos é o segundo romance que leio do psiquiatra Augusto Cury. O primeiro que li, O Futuro da Humanidade, me agradou bastante. O Vendedor de Sonhos me agradou também, mas não tanto quanto o primeiro romance que li deste autor.

Para ser sincero, achei O Vendedor de Sonhos parecido demais (chega a parecer cópia em algumas partes) com O Futuro da Humanidade. Neste, um sociólogo que estava prestes a cometer suicídio vê seus valores e ideais questionados por um mendingo denominado “Mestre”; no outro, um estudante de psicologia vê seus valores e idéias questionados por um mendingo chamado Falcão. Em ambas as histórias os sábios se tornam aprendizes de mendingos.

Quem já leu O Futuro da Humanidade não vai encontrar muita novidade em O Vendedor de Sonhos. Algumas falas do “Mestre” chegam a ser cópias exatas das falas de Falcão, no primeiro romance do autor.

Mas, como disse, o livro até certo ponto me agradou. O Vendedor de Sonhos aborda aspectos que não foram abordados em O Futuro da Humanidade como o mundo da moda, os padrões da estética, o cuidado que (não) temos com os velhinhos de nossa sociedade, o mundo do capital, etc.

Apesar de não ser o que eu esperava, não desencorajo ninguém a lêr O Vendedor de Sonhos. Se você está pensando em lê-lo, leia.


Eliel F. Vieira
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quarta-feira, 18 de março de 2009

Garçons ou Senhores da Graça?

... e por meio de você todos os povos da Terra serão abençoados.” (Gn 12:3)

Tenho escrito muitas críticas ultimamente. Hoje estava pretendendo escrever alguns elogios, porém, apresentar de elogios, o texto trará críticas.

A questão que me “perturbou” e veio a gerar este texto é a seguinte: temos sido garçons ou senhores da Graça?

Vou explicar melhor os termos:

- Garçom: aquele que prepara, que organiza, que se preocupa e, mais importante, aquele que serve.
- Senhor: aquele que dá ordens, que estabelece limites, que decide e que detém o poder.

Quando vamos lendo a Bíblia em Gênesis nos deparamos com a história de um personagem chamado Abrão (posteriormente ele viria a ser chamado Abraão). Ele morava em Canaã, era casado com uma bela mulher chamada Sarai (que posteriormente veio a se chamar Sara) e possuía um considerável rebanho de ovelhas.

Certo dia Deus chegou a Abrão e diz: “Sai do lugar onde você está vivendo que te darei uma terra grande e produtiva, melhor do que esta onde você está. Sua descendência será enorme e por meio dela todos os povos da terra serão abençoados”.

O plano de Deus não era, conforme lemos no texto, separar um povo exclusivo para Ele e abandonar as demais nações. No plano de Deus estavam incluídas todas as nações e todos os povos.

O plano de Deus ao separar um povo especial era de purificá-lo, para que este povo levasse às demais nações os princípios da vontade do Criador. O plano de Deus com Israel era treiná-la para que ela servisse como Garçom da Graça às demais nações.

Prosseguindo na história perceberemos que os descendentes de Abraão “esqueceram” de que eles deveriam ser Garçons e se tornaram Senhores da Graça.

O que são Senhores e Garçons da Graça?

Garçons da Graça são aqueles que se dispõe a enviar a Graça de Deus a aqueles que não a conhecem. São aqueles que se humilham; que consideram a si mesmos como servos perante o mundo. Os Garçons da Graça buscam derrubar os muros, eliminar os limites, ouvir e entender as pessoas.

Já os Senhores da Graça são aqueles que se acham os donos do mundo por possuírem a Graça de Deus. Na verdade eles se consideram os donos da Graça. Eles não estão preocupados com aqueles que não possuem a Graça. Até mandam missionários pelo mundo, pregam sobre a Graça, mas tudo sem o cuidado e amor que um Garçom deve ter.

Os Senhores da Graça levantam muros, estabelecem limites, julgam, negam e condenam.

O Garçom diz “A Graça de Deus se manifestou e é acessível a todos os homens” enquanto o Senhor da Graça diz “A Graça de Deus está disponível apenas aqui. Se quiser aceitar esta Graça, aqui vai uma lista de coisas que você tem que abandonar, músicas que não pode ouvir, músicas que você tem que ouvir, costumes que não pode ter e minha conta bancária...

Israel costumava dizer coisas como: “somos o povo escolhido”, “nós temos a verdade”, “se você quiser servir a Deus você precisa fazer o que eu disser”, “seus costumes não agradam a Deus, apenas os nossos agradam”, “meu livro sagrado é verdadeiro e o seu é falso”, etc...

Aposto que você já ouviu alguma coisa semelhante nos dias atuais.

A verdade é que temos hoje mais Senhores do que Garçons da Graça.

Estava em uma festa há alguns dias atrás e numa rápida conversa fiada com uma pessoa que freqüenta a mesma igreja que eu, eu disse (brincando): “Bem, se não conseguir um emprego na minha área pelo menos posso trabalhar no salão de Fulano.” (esse Fulano é muito conhecido na região por ser homossexual e por ser, digamos, extravagante demais).

A pessoa com quem conversava respondeu algo como: “Misericórdia!!! Não diga isso nem brincando!”.

Mas a luz tem que estar na escuridão para iluminar as trevas.” – eu retruquei.

A pessoa absurdamente me respondeu: “Ahhh, mas ali não, não ele... O bichão [referência ao Diabo] tomou conta daquela coisa”.

Não respondi mais nada. Que tipo de Evangelho é esse que faz tamanho julgamento das pessoas? Não somos todos pecadores no final das contas?

A forma como Jesus tratou a mulher adultera não devia ser exemplo de como devemos agir? “Ninguém te condenou, eu também não a condeno. Vá e não peques mais.” (Jo 8:1-11).

Ou a forma como Jesus pediu misericórdia por aqueles que o maltratavam? “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem.” (Lc 23:34).

Não nos assemelharíamos mais a Cristo se pedíssemos a Deus misericórdia pelos pecadores ao invés de dizermos coisas como “vão todos queimar no inferno”, “eles servem Satanás”, etc..?

Cristo é o modelo perfeito de serviço. Imitar a Cristo é ser um Garçom da Graça. Muitos agiram assim ao longo da história e aqui neste pequeno espaço vai o nome de alguns: Paulo de Tarso, Agostinho de Hipona, São Francisco de Assis, John Wesley, Dietrich Bonhoeffer, Gandhi, Lutherking, Madre Tereza.

Conhecidos são poucos. Diferentemente dos Senhores da Graça que adoram aparecer na TV com seus ternos brilhantes, os Garçons da Graça geralmente preferem o anonimato. Quantos outros Garçons maravilhosos não existiram!?

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Acho que a melhor forma de terminar este texto é com uma passagem bíblica.

Os primeiros versículos do segundo capítulo da carta de Paulo aos Filipenses formam, em minha opinião, a passagem mais bonita de toda a Bíblia. Se nós colocássemos em prática o que está escrito ali naqueles poucos versículos, o mundo seria um lugar bem melhor de se viver e as pessoas teriam menos barreiras para aceitar o Evangelho.

Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.

Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia se apegar.

Antes, esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado na forma humana, humilhou-se a si mesmo até a morte, e morte de cruz!

Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a Glória de Deus Pai.
(Fl 2:3-11).




Eliel F. Vieira
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terça-feira, 17 de março de 2009

Refletindo Sobre Refletir

O que seria a reflexão?
Vamos refletir sobre refletir...

Refletir é abandonar o usual,
O prático,
O costumeiro.

Refletir é se render aos seus pensamentos,
Se entregar à ânsia de compreender algo.

Refletir é tentar alcançar o inalcançável,
Sondar o insondável,
Buscar compreender o incompreensível!

Refletir é parar,
Observar,
Contemplar,
Pensar...

Refletindo descobrimos que somos tão iguais,
Mesmo sendo tão diferentes.

Refletindo percebemos que sabemos pouco,
Que somos eternos alunos...

Somos tão pequenos!
Quem reflete sabe disso...

Apenas quem não reflete pensa que sabe tudo.
Quem não reflete, não pensa.

Refletindo reconhecemos nossos erros,
Percebemos nossas fraquezas,
Conhecemos a nos mesmos!

Perdoamo-nos uns aos outros com mais facilidade quando refletimos.

Podemos refletir sobre muitas coisas, não é?

O tamanho do Universo...
A beleza do Céu...
A serenidade da Noite...
A onipotência do Sol...
A imutabilidade do Tempo...

Refletir é ser íntimo do Universo...

Refletir é conversar com o Criador!


Eliel F. Vieira
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quinta-feira, 12 de março de 2009

Com tua Luz, nós vemos a Luz.

Uma questão que sempre “atormentou” os teólogos foi sobre a relação entre fé e justificação na Salvação do ser humano.

A pessoa é justificada por Deus por ter fé ou ela tem fé por ter sido justificada por Deus?

Estas questões remetem à discussão sobre Predestinação e Livre-Arbítrio.

Se o homem é justificado por ter fé (a fé aqui é uma causa precedente à justificação), teríamos - dizem alguns - um regenerado não convertido.

Se o homem possui a fé por ter sido justificado por Deus previamente (a fé aqui é uma consequência da justificação), logo, quem não tem fé, não tem porque Deus não o justificou antes como fez a alguns. Se assim for, como Deus pode culpar aqueles que não tem fé?

No Salmo 36 Davi disse que apenas podemos enxergar a Luz através da Luz de Deus.

Pois a fonte da vida está em Ti, e com a tua luz, nós vemos a luz” (Sm 36:9)

Os calvinistas – adeptos da teoria de que a fé é uma consequência da justificação – logo afirmariam que esta passagem prova seu ponto. Apenas Deus pode prover ao homem a capacidade do homem encontrá-lo.

Ilutrando Deus como um testouro a ser encontrado, seria Deus (e apenas Ele) que daria ao homem o mapa do tesouro a ser encontrado.

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Como abandonei o calvinismo a algum tempo, vou propor uma interpretação alternativa a esta passagem de Salmos:

Paulo disse em sua carta aos Romanos que “o que se pode conhecer de Deus está inteligível a nós desde a criação”. (Rm 1:18-20)

Algo inteligível é algo que se “compreenda bem” de acordo com o Dicionário Aurélio. Algo inteligível é algo claro.

Claro como a Luz.

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Deus proveu a todas as pessoas sua Luz. Não apenas a alguns, Deus proveu a todos.

Sua Luz está presente em tudo o que foi criado: nas cores dos peixes, na delicadeza das flores, na beleza do verde, da magnitude do universo, na alegria do amor, na perfeição da física, enfim, tudo o que foi criado contém rastros que apontam para Deus.

Na mesma passagem da carta aos Romanos, Paulo diz que aqueles que praticam impiedade e injustiça são indesculpáveis perante Deus, pois todos os sinais necessarios para conduzir o homem a Deus estavam aqui.

Não faria parte da justiça de Deus condenar aqueles a quem Ele não ofereceu sua Luz - uma vez que apenas com Sua Luz, nos podemos ver a Luz.

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Os ateus retrucam dizendo que “não há provas” de que existe um Deus e ainda questionam se esse Deus, se existe, deva ser adorado.

Os ateus deveriam ser perguntados se eles têm certeza que seus pais o amam, pois, em suma, não se pode ter nenhuma evidência de que isso seja absolutamente verdadeiro.

Ahhh, minha mãe me criou... ela me dá tudo que eu quero... sorri para mim...

Nada disso é prova. Tudo pode ser falsificável. Mesmo assim, todos acreditam que seus pais o amam.

Se Deus tivesse garantido provas absolutamente conclusivas de que Ele existe – digamos, se Ele tivesse colocado um letreiro luminoso orbitando a Terra com os dizeres “Eu, Deus, existo!” – talvez hoje as mesmas pessoas que reclamam por não haverem provas de Sua existência estariam queixando por outro motivo: “Que Deus mais exagerado. Para que colocar um letreiro tão horrorozo acima de nós?”.

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Os cristãos também merecem uma crítica (sim, eu sempre critico os cristãos) quanto à relação com a Luz de Deus.

Quando entrei no seminário teológico, nosso professor de Antropologia (Marcos Cunha) nos disse que quanto mais lêssemos sobre Deus mais estaríamos propícios a gostar de poesia, contemplar a natureza, nos encantar com coisas simples e que menos atenção daríamos às questões teológicas de “banco de seminário”.

Eu duvidei. Havia entrado no seminário para ser um “crânio”, para tirar todas minhas dúvidas e ser um desbravador do conhecimento.

Pois é... o Marquinhos estava certo.

Observar a criação, a natureza, o tempo, e até o nada dizem mais sobre Deus do que uma enciclopédia de Teologia Sistemática.

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A Luz de Deus está aí, acessível a todos. Vemos essa Luz a todo instante, mesmo sem querer.

Podemos fazer uso dela e chegarmos até Deus ou negligenciar sua Luz e nos tornar indesculpáveis.

O pior momento de um ateu é quando ele está realmente grato e não tem a quem agradecer.” (G. K. Chesterton)

Parafraseando Chesterton e criando uma frase semelhante de advertência aos cristãos: “O pior momento de um cristão é aquele desperdiçado em assuntos que não resultam em gratidão a Deus.


Eliel F. Vieira
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segunda-feira, 9 de março de 2009

O Naufrágio da Fé

"Pois alguns, rejeitando a boa consciência, naufragaram na fé” (I Tm 1:19)

Recordo com muita saudade os tempos em que as músicas cristãs possuiam qualidade. Duas delas me vieram à mente esta semana enquanto lia a Bíblia. Ambas relacionavam a fé com o “navegar”.

Se você possui alguns anos de cristão deve conhecê-las:

Solta o cabo da nau
Toma o remo nas mãos
E navega com Fé em Jesus...


Eu navegarei
No oceano do Espírito
E ali adorarei...


Na primeira carta que Paulo enviou para Timóteo ele adverte seu pupilo que tome cuidado, para não naufragar na fé.

Achei interessante o termo "naufragar" usado por Paulo, uma vez que muito já se cantou na Igreja sobre “navegar com Jesus”.

A advertência de Paulo a Timóteo é muito clara: se você rejeitar a boa consciência sua fé vai naufragar.

O que é consciência? O que é uma boa consciência? Quando a rejeitamos?

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Em termos psicológicos, consciência é uma faculdade da psiqué humana que abrange qualificações como subjetividade, sentiência e sapiência. É através da consciência que temos ciência que nos relacionamos com um ambiente exterior à nós. A consciência está muito relacionada também com o conhecimento que temos sobre nós mesmos, o auto-conhecimento.

Quando alguém diz “você é uma pessoa consciente”, o que ela está fazendo é dizer que você é uma pessoa centrada, uma pessoa que conhece a si mesmo, que pensa antes de dizer ou fazer algo. Não é?

Sob o prisma teológico, a consciência humana é um instrumento usado por Deus para se comunicar conosco, como podemos observar em Rm 2:15.

O que seria uma “boa consciência” então?

Diria que uma boa consciência é uma consciência que seja completa. Afinal, algo completo é melhor que algo incompleto.

Vou explicar melhor o que quero dizer com "completo" e "incompleto".

Uma pessoa que possui apenas uma boa consciência espiritual possui uma "boa consciência". Porém, uma pessoa que possui, além de uma boa consciência espiritual, uma boa consciência de si mesma é mais completa que a primeira.

Conhece-te a ti mesmo” disse Sócrates.

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O auto-consciência é tão importante a nós quanto ser consciente em relação à fé e à Deus.

Blaise Pascal disse em suas reflexões que é impossível conhecermos a Deus sem conhecermos a nós mesmos e que é impossível conhecermos a nós mesmos sem conhecermos Deus, pois, segundo ele, jamais teremos ciência da grandeza de Deus sem conhecermos nossa pequenez nem teremos consciência da nossa pequenez sem ter ciência da grandeza de Deus.

Acho que está é uma boa forma de estabelecer o que seja a “boa consciência” que Paulo advertiu Timóteo a ter: uma consiência de nós mesmos e uma consciência sobre o que Deus é.

Porém”, alguém pode retrucar, “como pode ser assim se conhecer a nós mesmos é algo muito complicado e conhecer a Deus é algo impossível?”.

Tenho que concordar que ambas as tarefas – conhecermos a nós mesmos e conhecermos a Deus – são absurdamentes inatingíveis. Porém, apesar de não podermos conhecer tudo, podemos conhecer muita coisa.

A própria consciência de que não podemos conhecer tudo o que afirmamos conhecer é algo que precisamos aprender. Especialmente as pessoas de fé (e mais especialmente ainda os cristãos) precisam ter consciência disto, pois, se sabem, fingem não saber.

Outra pergunta que surge é: como podemos conhecer mais de nós mesmos e mais sobre Deus?

Um cristão (principalmente se for evangélico) vai dizer que a melhor forma de conhecermos a nós e a Deus é através da leitura bíblica.

Isto não está totalmente errado, mas também não está absolutamente certo.

Se lermos a Bíblia como quem lê uma receita de bolo, não vamos aprender nada sobre nós nem sobre Deus. A reflexão bíblica é que gera em nós a consciência sobre nós mesmos e sobre Deus.

Aliás, permitindo ir além (isso não vai agradar a muitos evangélicos, mas é a verdade), a boa consciência pode ser atingida até mesmo sem a Bíblia, afinal, quando Paulo escreveu esta carta a Timóteo não existia nenhuma “Bíblia” e Paulo não sabia que sua carta seria recolhida e considerada como “inspirada por Deus”.

A Bíblia, como a conhecemos, só passou a existir em meados do século IV d.C., antes disso, toda a reflexão sobre nós mesmos e sobre Deus era feita a partir de cartas apostólicas (como as de Paulo, João e algumas que “não entraram” na Bíblia como as cartas de Clemente, o Didaqué e o Pastor de Hermas), da oração e da reflexão sobre textos filosóficos.

Sim, textos filosóficos. Tão temidos e odiados pelos evangélicos hoje em dia, os textos dos filósofos gregos anteriores a Jesus foram de muita valia à Igreja Primitiva (uma prova disso é a associação entre Jesus e o conceito filosófico do Logos, feito por João).

Não estou dizendo que não devemos ler a Bíblia. Jamais afirmaria isso. O que estou dizendo é que Deus nos garantiu várias maneiras de obtermos uma boa consciência, além da própria Bíblia.

A mais bela música de expressão à criatividade de Deus, em minha opinião, é uma música secular. Quem nunca se encantou com “What a Wonderful World” de Louis Armstrong?

Ter uma boa consciência implica, portanto, conhecermos a nós mesmos e conhecermos a Deus. Esta boa consciência é atingida através da reflexão bíblica, da oração (que em si é uma reflexão também) e da reflexão extra-cristã, observando e contemplando as mensagens que Deus deixou em todos os lugares.

É difícil atingir a "boa consciência, mas, sem essa consciência nossa fé naufraga, por mais “Titanic” que ela seja.


Eliel F. Vieira
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quinta-feira, 5 de março de 2009

Resposta ao Vídeo "Dois ou mais enigmas para um Deus Improvável” de Eli Vieira

O presente texto é uma resposta (um pouco atrasada) ao vídeo “Dois ou mais enigmas para um Deus Improvável” criado pelo ateu Eli Vieira.

Talvez tenhamos (Eli e eu) mais coisas em comum além da curiosidade inata sobre assuntos que remetem à origem de todas as coisas. Além do primeiro nome parecido (Eli e Eliel), possuímos o mesmo sobrenome “Vieira” e temos nossas raízes no interior de MG. Talvez nós partilhamos de um “ancestral comum”, talvez não, mesmo assim é uma curiosa coincidência.

Enfim, vamos aos comentários sobre o vídeo.

O vídeo em si não traz muita novidade ao debate “ateísmo x teísmo”. Na verdade, grande parte do vídeo nada mais é do que uma leitura dos “argumentos” elaborados por Richard Dawkins em “Deus, um delírio”.

Aliás, é possível notar algumas similaridades interessantes entre Eli Vieira e Richard Dawkins. Além de aderirem à “militância” ateísta, ambos possuem uma tremenda capacidade de manipular as palavras. Ambos escrevem muito bem, sem dúvida. A crítica feita por Eli ao chanceler da Universidade MacKenzie (leia aqui) mostra a habilidade que esse garoto possui para fazer crítica com rigidez sem perder elegância.

Porém, seguindo o exemplo de seu mestre Dawkins, Eli parece não dominar a habilidade da oratória (sobre Dawkins veja por exemplo este vídeo onde ele fica por 11 segundos calado diante de uma pergunta)*. Eli demonstra insegurança em sua narração, embola sua fala, troca palavras, enfim, características que passam longe da segurança retórica de seus textos. É bem provável que Eli narrou tudo sem um texto para seguir (apesar de conseguirmos perceber que ele estava seguindo um certo roteiro). Sendo assim, ele tem um desconto. Espero que ele entenda positivamente esta crítica.

Como foi dito, o vídeo em grande parte é uma leitura dos argumentos do livro “Deus, um delírio” de Dawkins. Percebe-se isto logo no título do vídeo com a referência ao “Deus Improvável”, termo que, se não foi criado, foi muito popularizado pelo zoólogo britânico.

O vídeo começa com a seguinte frase: “Acreditar em entidades sobrenaturais sempre foi uma coisa muito irracional”.

Esta informação carece de justificação. Como acreditar em entidades sobrenaturais pode ser algo irracional se pessoas brilhantes ao longo da história acreditavam em tais entidades? Toda a história da filosofia apresenta pensadores que tinham suas crenças em entidades sobrenaturais. Podemos começar observando os filósofos pré-socráticos que buscavam explicar a arché do Universo, o próprio Sócrates que em sua Apologia perante o tribunal grego afirmou fazer o que fazia por vontade do deus, Platão que trouxe à discussão o conceito de um mundo das idéias distinto do mundo natural, Aristóteles com seu conceito de essência e acidente que também aponta para outra realidade existente além da física (metafísica), etc, etc, etc, e muita etc.

Se os, digamos, “fundadores” do pensamento racional tinham suas crenças em entidades sobrenaturais, como sustentar que “acreditar em entidades sobrenaturais sempre foi uma coisa muito irracional”?

Como Eli justifica sua injustificável afirmação inicial?

Eli cita o exemplo do argumento ontológico de Anselmo de Aosta - como se o argumento de Anselmo fosse unanimidade entre os cristãos, e mais, como se todos aqueles que acreditam em entidades sobrenaturais fossem apenas “outros anselmos”.

O que Eli talvez não saiba é que o filósofo René Descartes tentou justificar a existência de Deus com um argumento muito similar ao argumento ontológico de Anselmo: “Assim, pensar em Deus (isso é, pensar em um ser extraordinariamente perfeito) como algo que não possui existência (isto é, que não possui uma certa perfeição) não é menos absurdo do que pensar em uma montanha sem um vale... Não sou livre para pensar em Deus à parte de sua existência (isto é, pensar em um ser extraordinariamente perfeito à parte da suprema perfeição) como sou livre para imaginar um cavalo com ou sem asas.” (DESCARTES, René. Meditations on First Philosophy).

René Descartes acreditava em uma entidade sobrenatural absolutamente perfeita. Ele era uma pessoa irracional? Se sim, por que então Eli usa uma citação de tal ignorante pessoa em seu texto “Opiniões, Mentes e Peixes”?

Talvez Eli considere racionais apenas aqueles que estão do lado da Ciência. Se for assim, seria Francis Collins (diretor do Projeto Genoma) uma pessoa irracional? Ou seria Newton um lunático?

De qualquer forma, não ficou muito clara a justificativa de Eli para sua frase inicial e como ele é o afirmante, cabe a ele o ônus de provar o que disse. Parece-me muito mais que ele partiu de um pressuposto (crença em Deus = irracionalidade) e tentou ao longo do vídeo justificá-lo (sem sucesso).

Posteriormente, Eli disse que “Existem pessoas que pensam assim de forma falaciosa. Por que uma forma falaciosa? Claro, para justificar coisas que não gozam de evidências no mundo natural”.

Isso não ficou muito claro. Quer dizer que quando eu tento justificar algo que não goza de evidências no mundo natural eu estou sendo falacioso?

Então, se eu disser que a mãe do Eli o ama eu estou sendo falacioso? Sim, porque não existe nenhuma evidência no mundo natural que possa me dar garantias que a mãe do Eli indubitavelmente o ama. Qualquer suposta evidência pode ser falsificada. Mesmo assim não seria irracional nem falacioso acreditarmos em Eli se ele nos dissesse que sua mãe o ama.

O que dizer então de Dawkins, quando ele diz que a hipótese do Multiverso é mais plausível que a hipótese de um Criador para a origem do Universo? Não há sequer evidências no mundo natural de que possam existir evidências que sustentem isso. O que dizer do mesmo Dawkins quando ele afirma que podemos postular uma boa dose de sorte para explicar a origem do Universo (DAWKINS, Richard. Deus, um delírio) quando não há evidências no mundo natural para tal?

A seguir, Eli apresenta o Paradoxo de Epicuro (chamado por alguns de “Problema do Mal”). Sobre este paradoxo, não convém comentar aqui, pois já escrevi um texto sobre ele que pode ser conferido aqui. De qualquer forma, o Paradoxo de Epicuro é sustentado por uma interpretação equivocada do conceito cristão de Onipotência e também sobre a Bondade de Deus (sobre o conceito verdadeiro de Onipotência, ler este texto de Vitor Grando).

Prosseguindo, Eli diz que “Para mim, quanto mais complexo é um Deus, mais improvável ele é. Afinal, de onde veio tal ser?”.

Talvez Eli deveria ter dito “Para Dawkins” ao invés de “Para mim”, afinal, o que ele disse foi apenas uma releitura do argumento do “Boeing 747” proposto por Dawkins em “Deus, um delírio”.

Mas, quer dizer que quanto mais complexo for algo mais improvável este algo é?

Bem, pode ser, porém ninguém diz que o conceito de complexidade é relativo a quem analisa. A “maquina do futuro” pareceu extremamente complexa ao Dr. Emmett Brown em 1955, mas parecia muito simples ao mesmo doutor em 1985 (série “De Volta Para o Futuro”). Um simples radinho de pilha pareceria extremamente complexo a Sócrates, mas é algo obsoleto para nós do século XXI.

Deus se mostra complexo a nós? Sim, mas não seria por nossa razão estar muito além da capacidade de investigá-lo?

Se Deus está fora da natureza, por que devemos supor que nossa empiria seria capaz de detectá-lo fora da natureza?

O argumento apresentado por Dawkins da improbabilidade (que Eli repetiu nesta citação) daria margens para os bichos-de-goiaba (atribuindo a eles uma razão mínima, proporcional à sua evolução) provarem que nós, seres humanos, não existimos. Afinal, pareceríamos extremamente improváveis e complexos à analise deles.

Talvez o evento mais improvável do mundo natural seja nossa existência. Seres vivos racionais. Mas estamos aqui, não!? Independente de nossa complexidade e improbabilidade, estamos aqui, existimos. Como podem haver garantias de que não há um Deus fora da natureza, sendo ele complexo ou não, então?

E se não há garantias - nem evidências - de que não há esse Deus, não estaria Eli cometendo o mesmo erro que ele atribuiu à aqueles que crêem em entidades sobrenaturais ao dizer que eles tentam “justificar coisas que não gozam de evidências no mundo natural”?

Posteriormente Eli diz que “Uma coisa que me incomoda bastante é que algumas pessoas que são cristãs... ou mulçumanas... ou judeus... é... elas aprendem sobre ciência, sobre filosofia e querem manter esta crença irracional e injustificada na mente delas...”.

Bem, realmente não entendo como o fato de eu acreditar em Deus incomoda Eli. Afinal, não são eles os ateus os únicos "racionais", privilegiados por serem os detentores da razão?

Mas, incomodamos ele. Quer dizer que nosso erro é, na verdade, incomodá-lo? Se for assim, devemos então todos parar de acreditar em Deus para que o jovem Eli se sinta menos incomodado? Esse incomodo não seria, na verdade, um sinal da insegurança que os ateus possuem em sua crença? Não seria essa insegurança a responsável pelos ataques grossos e descabidos de lógica contra a fé, que podemos encontrar, por exemplo, em “Deus, um delírio”?

E, crença por crença, o ateísmo de Eli não possui justificativas empíricas. Portanto, o que ele diz a nós, cabe a ele também.

Depois Eli questiona qual é a “escala” usada por nós quando definimos o que é e o que não é metáfora na Bíblia.

Na verdade, nenhuma. Em nosso cotidiano não precisamos ficar estipulando escalas de verdadeiro e falso para saber o que devemos ou não considerar como plausível ou implausível. Ao assistirmos um filme, não precisamos no meio do cinema abrir uma cartilha e observar o que possível ou impossível de acontecer para dizer: “hahaha isso foi um exagero”. Pelo menos eu, quando leio a Bíblia consigo compreender o que é e o que não é metáfora. Como Eli não acredita no Espírito Santo, seria perda de tempo dizer o seu papel na compreensão da Palavra de Deus.

Sobre o que é ou não absurdo, como Eli é ateu e não acredita em nenhuma realidade extra-física ou metafísica, tudo o que for citado na Bíblia que contiver milagres ou realizações sobrenaturais será considerado absurdo por ele. Como eu creio em Deus e creio que Deus pode realizar milagres em situações específicas, para mim estas histórias não parecem irracionais.

Ambos temos nossos filtros epistemológicos.

A seguir vem a primeira coisa original neste vídeo: Eli apresenta sua adaptação do paradoxo de Epicuro à questão das escrituras, que é muito particular a ele. Foi bem original a adaptação e merece elogios. O problema é que a adaptação erra - como o paradoxo original de Epicuro sobre o mal - ao não tratar casos e casos, resumindo todas as possibilidades a apenas duas.

Eu posso propor outra explicação que tenha escapado da análise do paradoxo de Eli, por exemplo: Deus quer se revelar aos homens, mas não quer que os homens o sigam por medo ou de forma forçada, e sim por gratidão e amor. Desta forma, Ele se revela através dos textos de algumas pessoas por sua influência (não se trata de uma mensagem psicografada) e se revela interiormente ao ser humano através do mecanismo cerebral identificado por Freud que leva o homem a Deus, ou pelo mecanismo batizado por Dawkins como “vírus da mente”.

Várias outras possibilidades plausíveis podem ser sugeridas. Possibilidades que não são abordadas pelo paradoxo de Eli.

Prosseguindo, Eli disse algumas abobrinhas** em uma metáfora que ele próprio criou sobre Deus e diz posteriormente: “Então por que o universo, que teve um início simples... parece que é o Big Bang... teria de ser criado por uma entidade tão complexa quanto um Deus?”.

Bem, primeiramente eu discordo que o inicio do universo tenha sido simples. A começar pela própria existência de algo físico sem nenhuma causa física precedente, uma vez que a filosofia postula que “out nothing, nothing comes“ [nada surge do nada]. O que gerou esta explosão? Nada?

Também, uma explosão como foi o Big Bang não é nada simples. Foi, ao contrário, extremamente complexa. Se a constante gravitacional fosse uma parte em 100 milhões de milhões menor (1 sobre 100.000.000.000.000) então a expansão do universo após o Big Bang não teria acontecido do modo necessário para que a vida pudesse existir (Fonte). Além desta constante, existem outras 5 constantes conhecidas conhecidas como "Constantes Antrópicas" que, se tivessem valores alterados, por menor fração que fosse, não estaríamos aqui. Isto não é simplicidade, não mesmo. Pelo menos eu não consigo enxergar simplicidade aí. Se o início do Universo tivesse sido simples, Dawkins não teria postulado a “sorte” e o multiverso como explicações para este monstro de improbabilidade.

Para finalizar seu vídeo, Eli diz: “Quanto mais ‘onis’ você atribui a um Deus, mais improvável ele é. E se ele é totalmente improvável... infinitamente improvável, o que significa isso? O seu Deus meu amigo, é impossível”.

Então, seguindo a mesma conclusão, se eu estiver em uma palestra, ou em uma sala de aula, e um professor disser que a existência de seres humanos foi um evento improvável e que nós somos complexos, então eu devo concluir, na verdade, que a minha existência, a do professor, dos ouvintes e de qualquer pessoa neste mundo é impossível?

A conclusão de Eli não procede das premissas apresentadas por ele (apesar de não ter visto as premissas). O que vemos no vídeo, na verdade, é o que os ateus têm a apresentar na defesa de sua crença: argumentos capengas (usando o termo exposto em uma das imagens do vídeo de Eli).

Se a existência de pessoas que acreditam em Deus incomoda Eli, infelizmente terei de continuar incomodando-o, pois seu vídeo não me convenceu em nada.

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Bem, este texto foi apenas uma crítica onde apresentei os pontos que discordo no vídeo de Eli. Nada pessoal, não mesmo. Até considero o blog dele muito rico e seus questionamentos bem perspicazes. Mas como aspirante a filósofo, devo duvidar.


Notas:

* Dawkins justificou (ou inventou uma desculpa?) esses 11 segundos em que ele ficou olhando para o além. Segundo ele, na hora que a entrevistadora fez a pergunta, caiu a ficha de que a entrevistadora poderia ser uma "criacionista". Se assim fosse e se Dawkins tem tanta certeza do que ele acredita, bastaria responder à pergunta com classe e calar a boca de seus adversários não!? Enfim, só podemos conjecturar.

** Acredito que nem ele deve levar a sério a metáfora que ele criou para explicar Deus.


Eliel F. Vieira
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segunda-feira, 2 de março de 2009

Sobre o Paradoxo de Epicuro

Paradoxos são declarações ou sentenças aparentemente verdadeiras mas que, quando analisadas, apresentam alguma contradição lógica.

O filósofo do período helenístico Epicuro de Samos (341 a.C. - 270 a.C) propôs um suposto paradoxo sobre Deus, seus atributos e a maldade que podemos observar em nosso mundo.

Epicuro disse:

Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso, o que, do mesmo modo é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede? (Fonte)


A Epicuro e seu pensamento eu dou meu respeito e admiração, afinal, Epicuro assim refletiu honestamente. Não é nenhum erro pensar. Mas, o que dizer daqueles que sustentam a crença na ausência de Deus, baseando-se no Paradoxo de Epicuro?

A estas pessoas que sustentam seu ateísmo sobre o Paradoxo de Epicuro e a aquelas que usam este paradoxo como “prova” de que a fé em Deus é paradoxal - e que, portanto, deve-se ser ateísta – este texto foi escrito. O objetivo é mostrar que aqueles que pensam desta forma estão equivocados.

Para começar, percebi um aspecto interessante na citação acima: o paradoxo de Epicuro, na verdade, é um questionamento, não uma afirmação. A conclusão que Epicuro chegou foi, na verdade, a dúvida: “Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede?”.

Outro aspecto interessante é que Epicuro nada disse sobre a existência ou inexistência de Deus (ou deuses, divindades), nem em sua obra (a não ser que tenha escrito e se perdido), muito menos na descrição do paradoxo acima. Epicuro disse, sim, que não devemos temer os deuses. Mas não porque eles não existem, de acordo com Epicuro, e sim porque eles permanecem no Olimpo, inatingíveis e sem intervir nos assuntos humanos. (Fonte)

Feitas as considerações iniciais, vamos analisar o paradoxo de Epicuro.


1 -Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode...

Sim. Isso é um tanto óbvio.


2 – ... Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus.

Neste texto, o autor disse que esta conclusão é “extremamente lógica”.

Eu discordo. Vejamos: eu estou no computador agora. Por estar aqui, eu não posso estar na sala assistindo TV. Mas, por causa de minha escolha, eu sou impotente na capacidade de assistir televisão?

Claro que não. Apenas tive que preterir algo (assistir TV) ao escolher algo (escrever um texto). Mas a preterição de X não implica que eu sou impotente em relação a X.

Um questionamento que pode surgir aqui é "mas Deus é diferente de nós, o exemplo comparativo não serve". Sim, talvez. Porém, o objetivo aqui foi mostrar que o conceito de impotência está incorretamente aplicado, e para isso o exemplo se aplica, penso.

Outro exemplo: um homem está no escritório e bate aquela vontade de fazer sexo. Ele só vai encontrar sua esposa de noite em casa, mas tem a opção de saciar sua vontade com uma secretária que está dando mole para ele há muito tempo. O homem quer sexo, mas não pode (porque não quer) trair sua esposa. Neste caso, o homem é impotente sexual porque não pode realizar seu desejo (sexo) na hora que ele quer?


3 - ... Se pode e não quer, é invejoso, o que, do mesmo modo é contrário a Deus.

Novamente discordo. Vamos pegar o exemplo de um pai e um filho. O pai ama o filho e não quer vê-lo sofrer de forma nenhuma. Mas o filho, ao chegar à pré-adolescência decide comprar um skate. O pai, sem dúvidas, pode impedir seu filho de comprar o skate e evitar que ele se machuque. Mas o pai, entretanto, permite o filho comprar o skate para não ser taxado de autoritário, ou mau pai. O pai, permitindo que o filho ande de skate e permitindo, portanto, que o filho se machuque, foi invejoso?

Se foi, quer dizer todos os pais ou são invejosos ou são autoritários?


4 – ... Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus.

Nada há a ser dito aqui, pois não argumentarei que Deus “não quer e nem pode” evitar o mal no mundo.


5 – ... Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males?

Voltando ao exemplo do pai e do filho sobre o skate, se o filho ralar o joelho no chão, a culpa desse mal será do pai que permitiu que o filho andasse de skate ou do filho que quis andar de skate?

Se você responder que a culpa foi do pai, penso que você acredita que o pai estaria impedindo um mal se tivesse proibido o filho de andar de skate. Mas, se o pai assim agisse, ele não estaria realizando outro mal ao aborrecer seu filho?

A questão que surge aqui é a da liberdade humana. Deus poderia ter criado homens sem liberdade e que realizariam apenas o bem ou poderia ter criado homens livres, com capacidade de escolher ou não fazer o bem. Porém, Deus não poderia criar homens que livremente sempre escolheriam o bem, pois, homens assim, não seriam livres para escolher o mal, logo não seriam livres de fato.

Talvez se Deus quisesse que nós obrigatoriamente O seguíssemos, ele nos criaria como robôs. Mas, nos garantido a liberdade de buscá-lo se quiséssemos, Deus nos garantiu também a possibilidade de não buscá-lo se não quisermos.

Respondendo a Epicuro, o mal provém do mal uso de nossa liberdade. O mal não é uma entidade com existência ontológica. O mal é uma necessidade metafísica para a existência do bem, como um vale necessariamente existe se houver uma montanha. Ao decidir criar homens livres que possam livremente fazer o bem, Deus aceitou o risco de que esses homens livremente poderiam não fazer o bem. Aí está o "mal".

Acidentes no trânsito em grande parte são causados por irresponsabilidade no volante: alta velocidade, álcool, imprudência, etc. Assassinatos, tiroteios, roubos, estupros, seqüestros... todos esses males são causados por mau uso de nossa capacidade de escolha.

Mas e os fenômenos naturais como terremotos, enchentes e tsunamis?

Não me surpreenderia de ver um estudo - já vi vários ensaios, mas nenhum artigo conclusivo - apontando que o mal cuidado que temos com nosso planeta é que tem causado estes fenômenos. O que não é difícil de aceitar, em tempos de notícias alarmantes acerca de nossa responsabilidade quanto ao aquecimento global.

Alguns ainda temam e dizem que Deus é o responsável por todos esses males. A eles pergunto: o inventor do futebol deve ser responsabilizado pelas brigas de torcidas organizadas no Brasil? Ou o inventor do automóvel deve ser responsabilizado pelos seqüestros e pelos transportes de drogas feitos diariamente por veículos?


6 - ... Por que razão é que não os impede?

Impedir a possibilidade de existir o mal resulta em impedir a possibilidade de escolher o bem dentre duas opções. Impedir o mal resulta em impedir-nos de sermos livres.

Acho que ninguém gostaria disso.

Se você acha que perder a liberdade é um preço razoável a ser pago para que o mal acabe, pergunto-lhe: você estaria disposto a abandonar sua liberdade de ir e vir (ser preso) se isso resultasse na melhoria de vida de uma criança africana?

Acho que não.

Porém, livre você pode ajudar. Você pode fazer o bem sendo livre.

A mesma liberdade que Deus nos deu que pode gerar o mal se fizermos más escolhas, pode gerar o bem se escolhermos bem, foi para isso que fomos criados, para escolher livremente o bem. Portanto, se há alguém culpado pela entrada do mal no mundo, somos nós, que fazemos escolhas visando nossos desejos e prazeres, pouco nos importamos com as conseqüências.


Conclusão


Como já disse neste texto, tenho respeito por Epicuro pelo pensador que foi e pretendo em breve (por honestidade intelectual) ler os remanescentes pensamentos dele que estão disponíveis a nós.

Epicuro concluiu seu paradoxo com duas questões, não com duas afirmações. Estas duas questões eu busquei responder aqui neste texto conforme minha visão.

Para mim nem sempre “não poder fazer algo” implica impotência e nem sempre “não querer fazer algo” implica inveja. Há casos e casos.

Tratar o paradoxo de Epicuro como uma conclusão de que a fé na existência de Deus é incoerente é interpretar, penso eu, de forma equívoca Epicuro. Não poucos ateus agem assim.

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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Carta ao Grupo Logos

Este post é uma cópia de um e-mail enviado ao Grupo Logos.


Prezado Pr. Paulo Cezar (e toda equipe do Grupo Logos),

Gostaria de partilhar com vocês (e com aqueles que lêem meu blog) alguns sentimentos que nutro pelo ministério de vocês.

Meu nome é Eliel Fernandes Vieira, farei 23 anos na próxima segunda feira (9 de março) e sou cristão batista.

Bem, sempre tive minhas reservas em relação às músicas evangélicas. Nasci em um lugar cristão e sou filho de mestres que sempre estiveram envolvidos em trabalhos na Igreja, porém, nunca se acomodou confortavelmente em minha consciência as mensagens egoístas e antropocentristas contidas nas músicas evangélicas (principalmente nos lançamentos de 10 anos para cá, com a ascensão do “mercado gospel”).

Sempre fui contra músicas que tratam Deus como “empregadinho”, que fazem exigências a Deus, ou que dizem que somos mais do que somos.

Por ser tão desanimado em relação à música evangélica brasileira, nunca foi prioridade minha conhecer outros grupos e, além disso, eu criava barreiras para ouvir músicas de grupos evangélicos que me eram indicados, um deles, o Logos.

Minha mãe vivia me dizendo: “Eliel, escute as músicas do Logos, são diferentes, são poéticas, são bíblicas.”. Mas, por pré-conceito, não ouvia (apesar de que algumas músicas de vocês eu já gostava por serem da época que eu era criança e tocarem na igreja que freqüentava. Mas gostava sem saber que eram de vocês).

Minha mãe sempre gostou das músicas do ministério de vocês. Eu dei a ela como presente de Natal o DVD “Ao Vivo do Teatro da Paz” e ela chorou de alegria.

Há cerca de um mês, enquanto ia para a casa de minha namorada, vi uma faixa anunciando “Congresso Portas Abertas com Grupo Logos” na porta da Igreja Presbiteriana do Eldorado. Liguei na hora para minha mãe para avisá-la, pois ela gosta muito de suas músicas e sabia que ela ia adorar ir. Ela ficou muito feliz!

Combinamos que iríamos ambos.

No dia, relutante em ir por causa da preguiça, eu fui com ela.

O que presenciei foi magnífico: músicas executadas com qualidade por bons músicos; letras com mensagens riquíssimas, abordando temas bíblicos de forma tão simples e poética que me cativaram.

Cada música deles é um sermão” disse o pastor da Igreja Presbiteriana do Eldorado após a apresentação de vocês. E era verdade.

Fiquei feliz e triste após a apresentação de vocês.

Feliz por saber que ainda existem ministérios que trabalham com música cristã com seriedade, que se preocupam com o que estão compondo, com o que estão cantando. Feliz por encontrar um grupo que valoriza os elementos da cultura brasileira sem suas músicas e que não fala só de chuva e prosperidade.

E triste também fiquei. Por ter julgado com antecedência o trabalho de vocês, comparando ao daqueles grupos que eu sempre critiquei. Perdi um tempo precioso.

Tenho ouvido bastante as músicas do Grupo Logos no último mês. A música “Distantes Próximos” possui um significado muito forte e é a que mais gosto. Todo cristão deveria ouvi-la.

Pr. Paulo Cezar e família Logos, estou muito grato a Deus pela vida de vocês. Que Deus continue abençoando o trabalho missionário de vocês, dando a vocês mais e mais criatividade para as composições, livrando-os dos perigos nas estradas durante as turnês e suprindo vocês em suas necessidades.

Este é meu pequeno testemunho de agradecimento a vocês. Não são meus ídolos, apenas amigos.

Eliel F. Vieira
eliel@elielvieira.org


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Resposta (por e-mail):

Meu caro irmão Eliel.

Nos sentimos honrados por suas considerações sobre o trabalho do Logos. Sem dúvida alguma esses louvores são dirigidos ao Senhor que nos trata segundo a Sua graça, permitíndo-nos sevi-Lo.

Que a Palavra dEle também em nossas canções continuem exercendo eficácia em sua vida edificando-o cada vez mais.

Vou dar uma olhadinha no Blog sim.

Muito obrigado pela confiança e respeito.

Abraços também aos seus pais.

Atenciosamente.

Pr. Paulo Cezar


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DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.



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