sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Fora da Igreja há Salvação?

"Fora da Igreja não há Salvação". Esta frase, proclamada pelo IV Concílio de Latrão no ano de 1213, tem gerado polêmicas em torno da cristandade ao longo dos séculos. Existe salvação fora da Igreja?

Na verdade não estou escrevendo (nem lendo) ultimamente sobre assuntos teológicos. Apesar disto, decidi dispensar alguns minutos para colocar no papel (ou no meu blog, já que não estou escrevendo à caneta) algumas reflexões que tenho acerca desta polêmica.

Apesar de ter dito que a frase "Fora da Igreja não há Salvação" foi proferida no século XIII [retirei esta informação deste link], existem registros que ela havia sido proferida muito antes, nos primórdios do cristianismo, no século III, por um bispo cristão da cidade de Cartago, chamado Cipriano. Outros afirmam que foi Atanásio (séc. IV) quem proferiu esta frase pela primeira vez.

Independente de quem tenha sido o cristão progenitor desta frase, a verdade é que o conceito por trás do "fora da Igreja não há salvação" é mais antigo que o próprio Jesus, não sendo, assim, uma exclusividade do Cristianismo.

Podemos enxergar, ao lermos o Velho Testamento, que o povo hebreu acreditava convictamente que Yaweh (nome hebraico para Jeová) era Senhor APENAS do povo de Israel. Vemos claramente nos registros bíblicos que os hebreus consideravam as nações vizinhas não apenas como inimigas de Israel, mas como inimigas do próprio Deus.

Após a nação de Israel se dividir em duas (Israel e Judá), os habitantes destas duas nações distintas começaram a intrigar entre si sobre qual delas levava o título de "verdadeira nação de Deus". As tribos do norte (que continuaram a ser chamadas de Israel) desconsideravam as tribos do sul como sendo povo de Deus, consideravam-nas inimigas; Já as tribos do sul (que passaram a ser chamadas de Judá) consideravam as tribos do norte como inimigas e que somente elas, as tribos do sul, eram povo de Deus.

Judeus odiavam samaritanos e vice e versa.

Onde se deveria adorar a Deus de verdade? Em Samaria (capital de Israel) ou em Jerusalém (capital de Judá)? Esta foi a pergunta feita por uma samaritana a Jesus.

Apenas abrindo um parêntese no curso deste artigo: a narração deste acontecimento em Jo 4 mostra o quanto as duas nações eram exclusivistas em relação a Deus. Após Jesus pedir água à samaritana, ela, assustada, lhe perguntou: "Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?" (Jo 4:9)

Pois bem. Jesus quebrou todos os paradigmas de que Deus era exclusivo de apenas um povo.

Jesus morreu.

Alguns anos depois os seguidores de Jesus fundaram o Cristianismo. Alguma coisa mudou em relação a esse assunto?

Não.

"Apenas quem for cristão será salvo", "aceite Jesus ou você vai pro Inferno" ou "Fora da Igreja não há Salvação".

Bem, séculos depois (século XXI) aconteceu a primeira divisão (por motivos fúteis) entre os cristãos: a Igreja Católica Romana segue um rumo e a Igreja Ortodoxa Oriental segue outro. Negligenciando o exemplo de Cristo ("os adoradores de Deus o adoram em Espírito e em Verdade") e seguindo o mal exemplo de Israel e Judá ("Deus é nosso e você que pensa diferente vai pro quinto dos infernos") ambos começaram a discutir sobre qual facção do cristianismo possuía o "selo" de Deus.

Para os católicos romanos, os ortodoxos orientais são apenas hereges cismáticos; para os ortodoxos, os católicos são qualquer coisa, menos povo de Deus.

Pois bem, avançando um pouco na história, um monge agostiniano chamado Martinho Lutero (em 1517) se revoltou contra algumas práticas e posições da Igreja Católica Romana e causou outra divisão entre os cristãos, evento chamado de "Reforma Protestante".

Desta forma, os católicos passaram a considerar os "protestantes" como filhos do Diabo e, em contrapartida, os protestantes consideram os católicos apenas idólatras que vão queimar no inferno.

Seguindo mais um pouco na história, os protestantes se dividiram incontáveis vezes, surgindo o que hoje conhecemos como "batistas", "presbiterianos", "anglicanos", "luteranos", "metodistas", "assembleianos", "quadrangulares", "maranatas", etc, etc, etc, e muito mais etc.

Muitas destas denominações acusam as demais denominações protestantes de inúmeros nomes pejorativos e, claro, não os consideram como filhos de Deus.

Paralela a toda esta história das divisões no meio cristão, inúmeros movimentos religiosos surgiram em todo o mundo (o maior deles, o Islã). Todos (ou quase todos) afirmam ser a única religião verdadeira e condenam as demais religiões como falsas.

Sobre estas outras religiões me abstenho de falar, pois não as conheço (exceto o Islã, sobre a qual já estudei alguns aspectos). Já sobre o cristianismo, sendo cristão, acredito que sou apto a tecer algumas considerações.

A primeira delas é que não há margem na Bíblia para desconsiderar as religiões das outras pessoas como falsas e heréticas e ainda julgar os adeptos destas religiões como pessoas condenadas ao inferno. Digo isso com propriedade, afinal Jesus - o exemplo a ser seguido - jamais falou mal de qualquer religião gentílica de sua época.

A segunda consideração é que temos muito trabalho a fazer para nos darmos ao luxo de ficar perdendo tempo procurando erros nas religiões dos outros. O tempo (e o dinheiro) que são gastos com programas de televisão em rede nacional para falar mal de outras religiões podiam ser usados sustentando missionários que estão passando dificuldades em lugares longínquos neste planeta. Como já disse, Jesus não perdeu tempo tecendo comentários sobre outras religiões (aliás, a única religião da qual Jesus falou negativamente foi a que ele seguia, criticando os líderes hipócritas do judaísmo). Jesus usou o tempo que tinha para fazer o seu trabalho, apenas.

E a questão proposta no início do texto: existe salvação fora da Igreja?

Se há ou não é impossível sabermos, afinal, Jesus nem a Bíblia nada disseram sobre esta questão. O que a Bíblia diz é que o julgamento sobre quem será e quem não será salvo vai acontecer apenas após este mundo acabar e será realizado por Deus. Portanto, acho insensato fazermos julgamentos sobre os outros, como os cristãos (católicos e evangélicos) adoram fazer.

Para terminar, gostaria de convidar a todos a refletir no texto do capítulo 10 do livro de Atos. A passagem trás a história de um homem chamado Cornélio que não era judeu, não era cristão, não possuía religião e era, segundo a Bíblia, um homem temente a Deus. A Bíblia ainda diz que Deus se agradava de Cornélio, mesmo ele não sendo nem judeu nem cristão.

Como diria Carlos Drummond de Andrade: e agora José?

Ou, como costuma dizer meu pai: resolve esse pepino aí...


Eliel Vieira
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Verdadeira Igreja Próspera

Muito se tem falado ultimamente sobre “prosperidade material” nas igrejas evangélicas brasileiras (principalmente nas de cunho neo-pentecostal). Não é preciso pesquisar muito para encontrar vários livros ensinando a como “mover a intenção de Deus para nosso favor” ou a como “tomar posse do que é nosso por direito”.

Além de livros, a busca (ou seria ordenança?) pela prosperidade material vinda de Deus é encontrada em muitos CDs de música evangélica. Frases como “faz chover riquezas na minha vida”, “meus celeiros serão fartos”, “meus lagares se transbordarão” e “vou prosperar, vocês verão a vitória na minha vida e morrerão de inveja seus incrédulos hahaha” são encontradas sem dificuldade nas músicas evangélicas.

Enfim, fala-se MUITO sobre prosperidade. Fala-se tanto sobre isso que o mundo tem questionado a índole dos líderes evangélicos que pregam promessas de bênçãos materiais aos membros. A internet está cheia de piadinhas sobre pastores que roubam dinheiro dos membros (não apenas piadinhas, várias denúncias sérias podem ser encontradas na internet sobre tais práticas).

O que diz a “Teologia da Prosperidade”?

Ela nos diz (não explicitamente) que a quantidade de bens materiais (riquezas) que você possui aponta para o quão abençoado você é por Deus.

Se você é cristão, é dizimista (ser dizimista é mais importante do que, digamos, ter uma vida santa e reta perante Deus) e freqüenta regularmente uma igreja, necessariamente Deus tem que te abençoar. Os números e os resultados visíveis são, para os adeptos da “Teologia da Prosperidade”, os sinais incontestáveis que Deus está abençoando alguém.

Refletindo sobre este problema, percebi que as igrejas se analisam com base nos números e resultados que as mesmas possuem. O que é uma igreja abençoada e próspera de acordo com os evangélicos? Uma igreja abençoada e próspera é aquela que possui muitos membros, muitas posses, muitas congregações, muitos membros empresários, etc.

As pessoas pensam, infelizmente, que o número de membros e congregações de uma denominação é um sinal do quanto uma igreja é abençoada.

E não estou fazendo conjecturas. Já participei de reuniões eclesiásticas com líderes onde eram traçadas estratégias para “não perder gente”, “fazer o povo vir pra cá”, “multiplicar as congregações”, etc. O consolo (ou a tristeza) era saber que as estratégias eram estabelecidas por corações que pensavam estar fazendo o bem para a “obra de Deus”. Os evangélicos honestamente acreditam que uma igreja abençoada e próspera é uma igreja grande e cheia de membros.

1 - Quanto mais riquezas você tem, mais abençoado você é.
2 - Quanto mais membros a igreja tem, mais abençoada ela é.

Sabemos que a primeira frase não contém a verdade (se você pensa que ela contém a verdade, sugiro a você que leia a Bíblia novamente, com atenção especial nos Evangelhos, e no livro de Tiago).

E a frase de número 2? Ela é verdadeira?

Procurei na Bíblia alguma resposta e me deparei com uma narração interessante, que trouxe luz à questão:

Conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos mas não são, e descobriu que eles eram impostores. Vocês tem perseverado e suportado sofrimento por causa do meu nome, e não tem desfalecido. Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro amor. Lembra-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio. Se não se arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro do lugar dele” (Apocalipse 2: 2-5).

Estas palavras acima vieram ao apóstolo João enquanto este estava exilado na ilha de Patmos (Ap 1:9). Quem ditou as palavras foi o próprio Jesus, conforme podemos ver em Ap 1:18,19. As palavras foram destinadas a uma igreja específica: a Igreja em Éfeso.

O recado, em outras palavras, é o seguinte: “você abandonou o primeiro amor. Se você não mudar para como você era no início, vou retirar de você a autoridade de Igreja que tem”. Porém, antes de dizer isso, Jesus disse que considera algumas coisas boas sobre Igreja de Éfeso:

- Era uma igreja ativa na obra de Deus (v. 2)
- Que trabalhava arduamente (v.2)
- Que era perseverante (v. 2)
- Não tolerava homens maus em seu meio (v. 2)
- Possuía discernimento para saber quando alguém era de Deus e quando não era (v. 2)
- Suportava sofrimento por causa do nome de Cristo sem desanimar (v. 3)

Sem dúvida a Igreja em Éfeso era muito virtuosa. Muitas das qualidades acima faltam a muitas igrejas evangélicas hoje em dia. Uma Igreja que possuísse as características que a Igreja de Éfeso possuía seria considerada hoje uma Igreja abençoada e próspera por muitos (senão todos) cristãos.

Porém, faltava a Éfeso o mais importante: amor.

Contra você, porém, tenho isso: você abandonou o seu primeiro amor” (v. 4).

Uma pergunta surge aqui. Qual amor?

Amor para com Deus? Amor para com a obra de Deus? Amor para com o Evangelho? Amor de uns para com os outros?

O texto não nos diz especificamente sobre qual espécie de amor se trata, mas nos dá margem para pensar qual era esse amor que estava faltando à Igreja de Éfeso.

Por ser ativa na obra de Deus (v. 2), é certo que a Igreja de Éfeso amava o Evangelho e a obra de Deus. O fato de os membros da Igreja de Éfeso suportarem sofrimento por causa do nome de Deus indica que eles amavam (e muito) a Deus. Logo, amor a Deus e amor à obra de Deus eles possuíam.

Voltando à carta, Jesus diz à Igreja de Éfeso que eles abandonaram o primeiro amor e que a igreja deveria se arrepender e voltar a praticar as obras que eles praticavam no princípio (v. 4 e 5).

Três termos presentes nos versículos 4 e 5 (acima) nos ajudam a identificar qual é o amor que a Igreja de Éfeso deixou de ter.

1 – Amor: A palavra grega usada para “amor” neste texto, “ágape”, possui uma gama de significados que a associa à palavra “altruísmo”. Alguns significados de ágape são: “amor incondicional”, “amor gratuito”, “amor que se oferece sem esperança de receber algo em troca”. Esta mesma palavra (ágape) é usada quando Jesus disse que devemos “amarmos uns aos outros” ou “amar o próximo como a nos mesmos”.

2 – Obras: A ordenança para que a Igreja de Éfeso volte a praticar as obras como forma de voltar a possuir amor (v. 5), indica que o amor que a Igreja de Éfeso deixou de praticar era realizado por meio de obras.

3 – Princípio: Este amor realizado pelas obras estava presente no princípio da Igreja de Éfeso. A Bíblia não traz um relato de quais obras eram realizadas no princípio da Igreja de Éfeso, porém, no livro de Atos podemos ler sobre as obras que os primeiros cristãos, reunidos como comunidade, praticavam. Como foram estes primeiros cristãos citados em Atos que levaram o Evangelho até Éfeso, é bem provável que as primeiras obras da Igreja de Éfeso fossem as mesmas primeiras obras da comunidade cristã primitiva em Atos. Sendo assim, lendo sobre as obras realizadas pela Igreja Cristã primitiva, saberemos (ou pelo menos teremos alguma idéia sobre) quais eram as obras que a Igreja de Éfeso praticava. Quais eram essas obras?

Da multidão dos que creram, uma era a mente e um era o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham (...). Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um.” (At 4: 32 e 34).

Os cristãos primitivos amavam uns aos outros. Amavam tanto ao ponto de vender suas posses e propriedades para que os outros não passassem necessidades.

É esse amor que a Igreja de Éfeso deixou de praticar. É a falta deste amor que impedia que Éfeso fosse uma Igreja abençoada e próspera de acordo com Deus. A Igreja de Éfeso possuía muitas virtudes: disposição para o trabalho na obra, perseverança, sabedoria, intolerância ao mal, discernimento e paciência – provavelmente era uma igreja com um número grande de membros – porém, não era abençoada nem próspera. Faltava-lhe amor.

Diante do que acabamos de ler, a Igreja Evangélica brasileira – que se preocupa mais com seu umbigo do que com problemas sociais graves como número de famintos, mortalidade infantil, aumento da pedofilia, número de depressivos na sociedade, aquecimento global, etc. – pode ser considerada uma Igreja abençoada e próspera?

Não, não somos prósperos. Somos, na verdade, gulosos e egoístas.

Quem come e não reparte nada fica com a barriga inchada” certa vez disse o personagem Chaves a seu amigo Quico quando este se recusou a dar a Chaves um pedaço de seu sanduíche de presunto. A Igreja Evangélica não é próspera e nem está grande. Ela é podre, doente e está inchada.

Para finalizar, Deus cumpriu a promessa que fez à Igreja de Éfeso. Registros históricos nos mostram que poucas décadas após a carta de João chegar às mãos dos efésios, a Igreja de Éfeso foi atacada e destruída.

Tenho previsto um futuro parecido para a Igreja Evangélica brasileira para um tempo não muito distante no futuro. Somente nós podemos mudar esse quadro.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ciência vs Fé - Um debate entre Richard Dawkins e Francis Collins

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Um debate entre Richard Dawkins e Francis Collins. O debate em sua versão original (inglês) encontra-se neste link.

Traduzido para o português por Eliel Vieira (eliel@elielvieira.org) e Amauri Alves (amauri.alves@gmail.com).

Este debate também está disponível em versão PDF, para baixá-la clique aqui.

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Há dois grandes debates entre as principais questões que envolvem “Ciência x Deus”. O mais familiar ao longo dos últimos anos é também o mais restrito deles: A evolução darwinista consegue permanecer de pé ante as críticas dos cristãos que acreditam que ela contradiz o relato da criação do livro de Gênesis? Nos últimos anos, o criacionismo mudou de curso como o progenitor espiritual do "design inteligente" (ID). Uma tentativa científica de mostrar que as lacunas existentes na narrativa evolutiva são mais significativas que a sua convincente totalidade. O ID perdeu algum de seu prestígio jornalístico em Dezembro passado quando um juiz federal indeferiu-o como pseudo-ciência, imprópria para o ensino nas escolas da Pensilvânia.

Mas, na verdade, criacionismo e ID estão intimamente relacionados com uma questão maior, não resolvida, na qual o papel do agressor se inverte: a religião consegue se manter ante o progresso da ciência? O debate antecede a Darwin, mas a posição anti-religiosa tem sido promovida com crescente insistência recentemente por cientistas irritados com o ID e excitados, talvez intoxicados, pela crescente habilidade de suas disciplinas em mapear, quantificar e mudar a natureza da experiência humana. Imagens do cérebro mostram – em cores! – a sede física da vontade e das paixões, desafiando a noção religiosa de uma alma independente de gandulas e cartilagem. Alguns manipuladores procuram inconsistências que possam explicar os estados estáticos dos santos visionários ou, como alguns sugerem, de Jesus. Como o freudianismo no século passado, o campo da psicologia evolutiva têm gerado teorias sobre o altruísmo, e até sobre a religião, que não incluem Deus. A chamada “hipótese do multiverso” na cosmologia especula que nosso universo pode ser apenas um dentre uma cascata de universos, aumentando assim as chances de a vida ter surgindo aqui acidentalmente, sem nenhuma intervenção divina. (Se as probabilidades fossem de 1 em 1 bilhão, e você tem 300 bilhões de universos, por que não?)

O cardeal católico romano Christoph Schönborn apelidou os mais fervorosos cientistas desafiadores da fé de "cientismos" ou "evolucionistas" (aqueles que seguem a ciência ou a evolução como uma religião), uma vez que esperam que a ciência possa não apenas servir de ponto de referência, mas sim substituir a religião como cosmovisão e critério de avaliação. Nem todos os que trabalham com um tubo de ensaio se encaixam nessa concepção. Contudo, uma proporção crescente dos profissionais vem experimentando o que uma grande pesquisa chama de “ultraje sem precedentes”, relacionado aos insultos observados contra a pesquisa científica e a racionalidade, advindas de situações como a dita influência dos direitos cristãos sobre as políticas científicas da administração Bush, da fé fanática dos terroristas no 11 de setembro ou das reivindicações recentes feitas pelo design inteligente. Alguns se tornaram radicais o bastante para levantar uma velha bandeira: a idéia de que, diferentemente de serem respostas complementares ao desconhecido, ciência e religião estão em extremos opostos — ou, como definiu de forma simples o psicólogo Paul Bloom, da Yale, "Religião e ciência estarão em constante colisão". As prateleiras das livrarias parecem estar transbordando de livros escritos por cientistas que descrevem uma batalha mortal entre ciência e Deus — com a ciência como vencedora, ou pelo menos enfraquecendo as verdades que sustentam a fé.

Encontrar um porta-voz para este lado da questão não foi difícil, uma vez que Richard Dawkins, talvez seu principal polemista, acaba de lançar “Deus, um Delírio” (Companhia das Letras), uma obra cuja posição é tão clara que dispensa um subtítulo. Best-seller há cinco semanas no “The New York Times" (atualmente na posição no. 8), “Deus, um Delírio” ataca a fé filosoficamente, historicamente bem como cientificamente, inclinando-se pesadamente na teoria darwiniana, conhecimento que Dawkins explorou quando jovem cientista e também recentemente ao explicar a psicologia evolutiva tão lucidamente que o garantiu a cadeira Charles Simonyi para a compreensão pública da ciência na Universidade de Oxford.

Dawkins está surfando na onda literária ateísta. Em 2004, o livro “The End of Faith” [O Fim da Fé], escrito pelo estudante em neurociência Sam Harris, vendeu mais de 400.000 cópias. Harris escreveu outro livro, “Letter to a Christian Nation” [Carta a uma Nação Cristã], que está na 14ª posição entre os mais vendidos da Time. Em Fevereiro passado, o filósofo Daniel Dannett (Universidade de Tufts), produziu “Breakink the Spell: Religion as a Natual Phenomenon” [Quebrando o Encanto: Religião como um Fenômeno Natural], que vendeu menos cópias, mas ajudou a disseminar o debate na arena pública.

Se Dennett e Harris são quase cientistas (Dennett executa um programa multidisciplinar científo-filosófico) os autores de outra parte de livros seculares agressivos são consagrados: em “Moral Minds” [Mentes Morais], o biólogo de Havard Marc Hauser explora as – não divinas – origens de nosso senso de certo e errado; em “Six Impossible Things Before Breakfast” [Seis Coisas Impossíveis Antes do Café da Manhã] pelo auto-intitulado “ateu-reducionista-materialista” biólogo Lewis Wolpert, a religião é uma dessas coisas impossíveis; Victor Stenger, um físico-astrônomo, tem um livro a ser lançado em breve chamado “God: The Failed Hypothesis” [Deus: A Hipótese Falhou]; Ann Druyan, viúva do arqui-cético Carl Sagan, editou alguns textos não publicados de Sagan sobre Deus e sua ausência em um livro, “The Varieties of Scientific Experience” [As Variedades da Experiência Científica], a ser lançado este mês.

Dawkins e seu exército, obviamente, têm um enxame de articulados oponentes teológicos. Mas os mais ardentes entre eles na verdade não se preocupam muito com a ciência e um argumento se sustenta parte sobre a Escritura e parte sobre a Tabela Periódica não convence ninguém. A maior parte dos americanos ocupa o meio: “nós queremos tudo”. Nós queremos comemorar os avanços da ciência e ainda nos humilharmos no Sabbath. Queremos acesso a ambos, MRIs e milagres. Queremos debates sobre temas como células-tronco sem admitir que as posições divergentes sejam tão intrinsecamente hostis como discussões infrutíferas. E para equilibrar a formidável posição de Dawkins, nós buscamos aqueles que possuem convicções religiosas, mas que possuam credibilidade científica para defender a posição de que Ciência e Deus estão em harmonia – na verdade, que a Ciência seja de Deus.

Conciliadores informais recentemente se tornaram mais ouvidos. Joan Rougharden, biólogo da Universidade de Stanford, acaba de lançar “Evolution and Christian Faith” [Evolução e Fé Cristã], que prevê o que ele chama de uma “forte defesa cristã” da biologia evolutiva, ilustrando os principais conceitos da disciplina com passagens bíblicas. O entomologista Edward O. Wilson, um famoso cético da fé, escreveu “The Creation: An Appeal to Save Life on Earth” [A Criação: Um apelo para salvar a vida na Terra], exortando os crentes e não-crentes a unirem-se em torno da conservação do planeta. Mas o principal destes debatedores em ambos os assuntos é Francis Collins.

A devoção de Collins à genética é, se possível, maior do que a de Dawkins. Diretor do National Human Genome Research Institute [Instituto Nacional de Pesquisa sobre o Genoma] desde 1993, ele liderou um time multinacional de 2400 cientistas que mapeou as 3 bilhões de letras bioquímicas de nossa matriz genética, um marco que o então presidente Bill Clinton honrou em 2000 em uma cerimônia na Casa Branca, comparando o gráfico do genoma com o mapa de Meriwether Lewis em sua importante exploração continental. Collins continua a liderar seu instituto de estudos do genoma e aproveitando-o para realizar descobertas médicas.

Ele também é um cristão decidido, que se converteu do ateísmo aos 27 anos de idade e que agora encontra tempo para aconselhar os jovens evangélicos cientistas sobre a forma de declarar a sua fé em uma ciência largamente agnóstica. Seu best-seller, “A Linguagem de Deus” (Editora Gente), contém alguns dos argumentos que ele trouxe para este debate de 90 minutos que TIME organizou entre Dawkins e Collins em nossos escritórios no Time & Life Building, na cidade de Nova York, em 30 de setembro.

TIME: Professor Dawkins, para uma pessoa que verdadeiramente entende sobre ciência, então Deus deve ser considerado um delírio, como o título do seu livro sugere?

DAWKINS: A questão se existe um criador sobrenatural, um Deus, é uma das questões mais importantes que nós temos que responder. Eu acho que esta é uma questão científica. Minha resposta é que não existe.

TIME: Dr. Collins, você acredita que a Ciência é compatível com a fé cristã?

COLLINS: Sim. A existência de Deus é verdadeira ou falsa. Mas chamar esta questão de científica implica que as ferramentas que a ciência possui podem prover a resposta. De minha perspectiva, Deus não pode ser completamente contido dentro da natureza e, portanto, está fora da capacidade da ciência prover uma resposta sobre a existência de Deus.

TIME: Stephen Jay Gould, um paleontologista de Havard, ficou famoso por argumentar que religião e ciência podem coexistir por ocuparem compartimentos separados. Vocês dois parecem discordar disto.

COLLINS: Gould estabelece um muro artificial entre as duas visões do mundo que não existe na minha vida. Por acreditar no poder criativo de Deus em ter trago tudo para existência no começo, penso que estudar o mundo natural é a melhor oportunidade que tenho para observar a majestade, a elegância e a complexidade da criação de Deus.

DAWKINS: Eu acho que a separação dos compartimentos por Gould foi uma jogada puramente política para trazer pessoas religiosas para o campo da ciência. Mas esta idéia é muito vazia. Existem muitos lugares onde a religião não pode se manter ao largo da relva científica. Qualquer crença em milagres é plenamente contraditória não apenas com os fatos da ciência, mas também com o espírito da ciência.

TIME: Professor Dawkins, você acha que a teoria evolucionária de Darwin faz mais do que simplesmente contradizer a história do Gênesis.

DAWKINS: Sim. Por séculos o mais poderoso argumento para a existência de Deus era o chamado “argumento do Design”: seres vivos são tão belos e elegantes e aparentemente tão complexos que eles só podem ter sido criados por um designer inteligente. Mas Darwin nos deu uma explicação muito mais simples. Seu caminho é gradual, uma crescente melhoria de um início muito simples, trabalhado passo a passo para a maior complexidade, elegância e perfeita adaptação. Cada etapa não é tão improvável para nós entendermos. Mas quando você as reuni cumulativamente através de milhões de anos, você obtém estes monstros de improbabilidade, como o cérebro humano. Isto deve nos alertar contra aqueles que, novamente, dizem que o fato de alguma coisa ser complicada, Deus deve ter feito esta coisa.

COLLINS: Eu não vejo como a explicação básica do Professor Dawkins sobre a evolução seja incompatível com um Deus que tenha a projetado.

TIME: Quando, se este projeto aconteceu?

COLLINS: Estando fora da natureza, Deus está também fora do Espaço e do Tempo. Assim, no momento da criação do universo, Deus poderia ter ativado a evolução, com total conhecimento do que ela geraria, talvez até incluindo nossa conversa agora. A idéia de que ele poderia prever o futuro e também nos dar um espírito e livre-arbítrio para tomar nossas decisões se torna completamente aceitável.

DAWKINS: Eu acho que está é uma tremenda evasão de responsabilidade. Se Deus quisesse criar a vida e os seres humanos, seria um pouco estranho ele escolher esta forma extraordinariamente complicada, esperar 10 bilhões de anos antes da vida começar, então esperar por outros 4 bilhões de anos até ter seres humanos capazes de adorar, pecar e todas estas outras coisas em que as pessoas religiosas estão interessadas.

COLLINS: Quem somos nós para dizer que esta é uma forma estranha de se fazer uma coisa? Eu não acho que seja do propósito de Deus fazer sua intenção absolutamente óbvia para nós. Se seu propósito era ser uma divindade que nós devêssemos buscar sem sermos forçados a isso, não teria sido sensato a ele usar o mecanismo de evolução sem estabelecer óbvias placas rodoviárias que revelem seu papel na criação?

TIME: Os livros de ambos sugerem que se as constantes do universo, as seis ou mais características de nosso universo, variassem de alguma forma, a vida seria impossível. Dr. Collins, você pode nos dar um exemplo?

COLLINS: A constante gravitacional é um exemplo. Se ela fosse uma parte em 100 milhões de milhões menor, então a expansão do universo após o Big Bang não teria acontecido do modo necessário para que a vida pudesse existir. Quando você olha para esta evidência, fica muito difícil aprovar a visão de que isto foi apenas sorte. Mas se você está disposto a considerar a possibilidade do designer, esta idéia torna-se uma explicação bastante plausível de como as coisas aconteceram, o mesmo acerca de outro evento ainda mais improvável – nossa existência.

DAWKINS: Pessoas que acreditam em Deus concluem que deva existir um ser divino apertador de botões que mantém esta meia dúzia de botões de constantes apertados para deixá-las exatamente no valor correto. O problema é dizer que, porque uma coisa é improvável, nós precisamos de Deus para explicá-la. O próprio Deus seria ainda mais improvável. Os físicos adotam outras explicações. Uma delas é dizer que estas seis constantes não são livres para variar. Alguma teoria unificada acabará por mostrar que estas constantes são tão absolutas quanto a circunferência e o diâmetro de um circulo. Outra alternativa existente é a "teoria do multiverso". Ela diz que talvez o universo em que estamos seja apenas um dentre uma vasta quantidade de universos. A grande maioria não vai conter vida porque eles têm uma má constante gravitacional ou esta ou aquela constante errada. Mas como o número de universos existentes cresce, temos a chance de um pequeno número de universos tenham a exata regularização destas constantes.

COLLINS: Esta é uma escolha interessante. Ignorando a resolução teórica, que eu penso ser improvável, você tem de dizer que existem zilhões de universos paralelos lá fora que nós não podemos observar neste momento ou aceitar que existiu um plano. Eu verdadeiramente acho que o argumento da existência de um Deus que planejou o universo mais atraente que o borbulhamento de todos estes multiversos. Então a navalha de Occam – Occam dizia que você deve escolher a explicação que for mais simples e direta – me conduz mais a acreditar em Deus do que no multiverso, que parece ser apenas uma extensão de sua imaginação.

DAWKINS: Eu aceito que podem existir coisas muito maiores e incompreensíveis além do que nós podemos imaginar. O que eu não entendo é porque você invoca a improbabilidade e ainda não admite que está atirando no próprio pé por postular alguma coisa tão improvável como a palavra “Deus”.

COLLINS: Meu Deus não é improvável para mim. Ele não precisa de uma história de criação nem ser bem ajustado por alguma outra coisa. Deus é a resposta para todas as questões “como isto veio a ser o que é?”.

DAWKINS: Eu penso que esta é a mãe e o pai de todas as evasões. Um dos objetivos honestos do cientista é descobrir de onde uma aparente improbabilidade vem. Agora Dr. Collins diz, “Bem, Deus fez tudo. E Deus não precisa de explicação porque Deus está fora de tudo isto”. Bem, que incrível evasão da responsabilidade de explicar. Cientistas não fazem isso. Cientistas dizem, “Estamos trabalhando nisto. Estamos lutando para compreender”.

COLLINS: Certamente a ciência deve continuar para ver se podemos encontrar evidencias para os multiversos que podem explicar porque nosso universo parece ser bem ajustado. Mas eu discordo do pressuposto de que qualquer coisa que possa estar fora da natureza deva ser excluída de nossa conversa. Esta é uma visão empobrecida para o tipo de questões que nós humanos podemos perguntar, como “Por que estou aqui?”, “O que acontece após a morte?”, “Existe um Deus?”. Se você se recusa a relevância destas questões, você terminará com uma probabilidade zero de Deus após examinar o mundo natural porque ele não te convence a base de provas. Mas se sua mente está aberta sobre a possibilidade de Deus existir, você pode apontar para os aspectos do universo que são consistentes com esta conclusão.

DAWKINS: Para mim, a abordagem correta é dizer que nós somos profundamente ignorantes nestes assuntos. Nós precisamos trabalhar neles. Mas repentinamente dizer que a resposta é Deus – parece-me fechar a discussão.

TIME: A resposta pode ser Deus?

DAWKINS: Pode ser alguma coisa incrivelmente grande e incompreensível e além do nosso presente entendimento.

COLLINS: Isto é Deus.

DAWKINS: Sim. Mas poderia ser qualquer um dos bilhões de deuses. Poderia ser o deus dos marcianos ou dos habitantes da Alpha Centauri. A chance de ser um Deus particular, Yaweh, o Deus de Jesus, é infimamente pequena – pelo menos, o ônus está com você para demonstrar porque você pensa que este é o caso.

TIME: O livro de Gênesis tem levado muitos protestantes conservadores a se oporem à evolução e alguns ainda insistem que a Terra possui apenas 6000 anos de idade.

COLLINS: Existem crentes sinceros que interpretam os primeiros capítulos de Genesis de forma muito literal, o que é inconsistente, francamente, com o conhecimento da idade do universo ou como organismos vivos são relacionados uns com os outros. Santo Agostinho escreveu que, basicamente, não é possível entender o que estava sendo descrito em Gênesis. Ele não foi concebido como um texto científico. Ele foi concebido como uma descrição do que Deus é, quem nós somos e como deve ser nossa relação com Deus. Agostinho explicitamente adverte contra as perspectivas muito restritas que podem fazer nossa fé correr risco de parecer ridícula. Se você der um passo para trás e fugir desta interpretação restrita, o que a Bíblia descreve é muito consistente com o Big Bang.

DAWKINS: Os físicos estão trabalhando no Big Bang e um dia eles podem ou não podem resolver esta questão. Entretanto, o que o Dr. Collins acabou de fazer – posso te chamar de Francis?

COLLINS: Oh, por favor Richard, claro.

DAWKINS: O que Francis acabou de dizer sobre o Gênesis foi, claro, uma pequena desavença particular entre ele e seus amigos fundamentalistas...

COLLINS: Não tão particular. É um tanto pública. [risos]

DAWKINS: ...seria impróprio para mim me meter nesta questão e sugerir que ele salvaria a si próprio de uma enorme quantidade de problemas se ele simplesmente deixasse de dar a eles o que eles querem. Por que se preocupar com estes palhaços?

COLLINS: Richard, eu acho que não prestamos um serviço para o diálogo entre ciência e fé zombando das pessoas, chamado-as de apelidos. Isto inspira o fundamentalismo. Ateístas algumas vezes são arrogantes em suas considerações, e zombar da fé como algo que apenas um idiota se juntaria provavelmente não vai ajudar o seu caso.

TIME: Dr. Collins, a ressurreição é um argumento essencial da fé cristã, mas narrativas como o nascimento virginal e os milagres não minam o método científico, que depende da constância das leis da natureza?

COLLINS: Se você está de acordo em responder sim para um Deus fora da natureza, então não há nenhuma inconsistência em Deus escolher invadir o mundo natural de uma maneira que pareça milagrosa em raras ocasiões. Se Deus fez as leis naturais, por que ele não poderia violá-las em um momento particular e significante? E se você aceita a idéia que Cristo era também divino, o que eu creio, então a ressurreição não é, em si mesma, um grande salto lógico.

TIME: A noção de milagres não anula a ciência?

COLLINS: De forma nenhuma. Se você estiver no campo em que eu estou, um lugar onde ciência e fé podem se interagir, não há nada contraditório.

DAWKINS: Se alguma vez houve um “bater a porta” na cara da investigação construtiva, isto se chama milagre. Para um camponês medieval, um rádio lhe pareceria como um milagre. Todo o tipo de coisas que nós classificamos como “milagre”, à luz da ciência hoje, faríamos da mesma forma como a ciência medieval classificaria um Boeing 747 como um milagre. Francis continua dizendo coisas como “De minha perspectiva como crente”. Depois de comprar uma posição de fé, então, você se encontra perdendo seu ceticismo natural e sua credibilidade científica. Desculpe por ser tão brusco.

COLLINS: Richard, eu até concordo com a primeira parte do que você disse, de verdade. Mas eu desafiaria a declaração de que meus instintos científicos são menos rigorosos que os seus. A diferença é que minha presunção da possibilidade de Deus e, portanto, o supernaturalismo não é zero, e a sua é.

TIME: Dr. Collins, você descreveu o senso moral do ser humano não apenas como um dom de Deus, mas como um sinal de que ele existe.

COLLINS: Existe todo um campo de investigação que surgiu nos últimos 30 ou 40 anos – alguns o chamam de sociobiologia ou psicologia evolutiva – relacionado com nosso senso moral, onde este senso se localiza e por que valorizamos a idéia do altruísmo. Também para localizar as respostas a estas questões em adaptações comportamentais para a preservação de nossos genes. Mas se você acredita, e Richard sabe disto, que a seleção natural opera individualmente, não em grupo, por que então um individuo arriscaria seu próprio DNA fazendo algo altruísta para salvar alguém, arriscando diminuir sua chance de reprodução? De fato, podemos tentar ajudar nossa própria família porque eles partilham de nosso DNA. Ou ajudar alguém esperando que ele nos ajude depois. Mas quando você olha para o que nós realmente admiramos como as mais generosas manifestações de altruísmo, elas não são baseadas em parentesco ou reciprocidade. Um extremo exemplo pode ser Oskar Schindler que arriscou sua vida para salvar mais que mil judeus da câmara de gás. Seu ato contraria sua disposição natural de tentar salvar seus genes. Nós vemos versões menos dramáticas todos os dias. Muitos de nós pensamos que estas qualidades vêem de Deus – especialmente porque justiça e moralidade são dois dos atributos que mais prontamente nos identificam com Deus.

DAWKINS: Posso começar com uma analogia? A maior parte das pessoas entende que o desejo sexual tem haver com propagação de genes. As relações sexuais na natureza tendem a levar para a reprodução e então para mais cópias genéticas. Mas na sociedade moderna, a maior parte das relações envolve contraceptivos, criados precisamente para evitar reprodução. O altruísmo provavelmente tenha tido a mesma origem. Em nosso passado pré-histórico, vivíamos em famílias maiores, cercados por parentes cujos interesses nós queríamos promover, pois eles compartilhavam de nossos genes. Agora vivemos em grandes cidades. Nós não estamos no meio de parentes nem pessoas que vão retribuir nossas boas ações. Isto não importa. Da mesma forma como as pessoas que se envolvem em relações sexuais com contraceptivos não estão conscientes de estarem sendo motivadas por um comando para ter bebês, não passa pela nossa mente que a razão para fazermos coisas boas está baseado no fato que nossos ancestrais primitivos viviam em grupos pequenos. Esta me parece ser uma explicação bastante plausível sobre de onde veio nosso desejo por moralidade e bondade.

COLLINS: Argumentar que nossos bons atos são apenas uma falha darwiniana de comportamento não faz justiça com o senso que todos nós temos sobre os absolutos que estão envolvidos acerca do bem ou mal. A evolução pode explicar algumas características da lei moral, mas não pode explicar porque ela deve ter qualquer significado real. Se é apenas uma conveniência evolutiva, não há realmente nenhuma coisa como bem ou mal. Mas, para mim, nosso senso moral é bem mais que isso. A lei moral é um motivo para pensar como plausível não apenas um Deus que estabeleceu o universo em movimento, mas um Deus que se preocupa com o ser humano, porque parecemos singulares entre as criaturas do planeta para ter este bem-desenvolvido senso de moralidade. O que você disse implica que fora da mente humana, sintonizada por processos evolutivos, o bem e o mal não tem nenhum significado. Você concorda com isso?

DAWKINS: Esta questão que você levantou não tem sentido para mim. Bem e mal – Eu não acredito que exista pendurado por aí algo chamado bem e alguma coisa chamada mal. Eu penso que existem coisas boas que acontecem e coisas más que também acontecem.

COLLINS: Eu acho que esta é a fundamental diferença entre nós. Estou feliz por identificarmos isto.

TIME: Dr. Collins, eu sei que você favorece a abertura de novas linhas de pesquisa com células-tronco. Mas o fato de a fé ter influenciado algumas pessoas a se posicionarem contra estas pesquisas não dá a idéia de que a religião está impedindo a ciência de salvar vidas?

COLLINS: Permita-me dizer primeiramente que falo como cidadão e não como representante do Poder Executivo do governo americano. A impressão de que as pessoas de fé são uniformemente contra as pesquisas com células-tronco não está documentada em estudos. De fato, muitas pessoas de forte convicção religiosa acreditam que estas pesquisas podem ser uma abordagem moralmente suportável.

TIME: Mas na medida em que uma pessoa argumenta baseada na fé ou na Escritura além da razão, como os cientistas podem responder?

COLLINS: A fé não faz oposição à razão. A fé repousa sobre a razão, mas com o adicional componente da revelação. Assim, este tipo de discussão entre cientistas e crentes acontece bem facilmente. Mas nem os cientistas nem os crentes encaram sempre os princípios precisamente. Os cientistas podem ter seus julgamentos embaçados por suas aspirações profissionais. E a pura verdade é que a fé, que você pode imaginar como uma água pura e espiritual, se encontra em garrafas enferrujadas chamada seres humanos, então, algumas vezes, os bons princípios da fé podem ser distorcidos em determinadas circunstâncias.

DAWKINS: Para mim, questões morais como as pesquisas com células-tronco são mais relativas a se é imputado sofrimento. Neste caso, claramente não é. Os embriões não possuem sistema nervoso. Mas esta não é a questão discutida publicamente. A questão é: eles são humanos? Se você é um moralista absoluto você dirá “Estas células são seres humanos e, portanto, eles merecem algum tipo de tratamento moral especial”. O moralismo absoluto não deve vir da religião, mas geralmente vem.
Nós abatemos animais não humanos em fazendas, e estes animais possuem sistema nervoso e sofrem. Pessoas de fé não estão muito interessadas no sofrimento deles.

COLLINS: Os humanos possuem alguma diferença moral significante em relação às vacas, em geral?

DAWKINS: Os humanos possuem mais responsabilidade moral, talvez porque eles possuem a capacidade de pensar racionalmente.

TIME: Vocês têm alguma conclusão?

COLLINS: Eu apenas gostaria de dizer que com pouco mais de 25 anos como cientista e cristão, eu não encontrei absolutamente nenhum conflito entre concordar com praticamente todas as conclusões de Richard sobre o mundo natural, e também dizer que eu ainda sou capaz de aceitar e abraçar a possibilidade de que existem questões sobre o mundo natural que a ciência não é capaz de prover resposta – questões sobre “por que?” ao invés de questões sobre “como?”. Estou interessando nas questões “por que?”. Encontrei várias destas respostas no reino espiritual. Em nenhum outro lugar mais.

DAWKINS: Minha mente não é fechada, como você ocasionalmente sugeriu, Francis. Minha mente está aberta para o mais maravilhoso leque de futuras possibilidades, que eu não posso sequer sonhar, nem você, nem ninguém. Eu sou cético quanto à idéia de que qualquer revelação maravilhosa que a ciência traga no futuro se torne uma religião histórica particular com que as pessoas têm sonhado. Quando começamos e conversamos sobre as origens do universo e as constantes físicas, eu propus o que eu pensei ser bons argumentos contra um designer inteligente sobrenatural. Parece-me uma idéia digna. Refutável – mas, no entanto, grande e abrangente o suficiente para ser digna de respeito. Não concebo os deuses do Olímpio ou Jesus vindo aqui e morrendo numa cruz como dignos ou grandiosos. Se existe um Deus, ele é um conjunto muito maior e muito mais incompreensível do que qualquer coisa que teólogos ou religiosos jamais propuseram.

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Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

[obs: nas foto acimas, Rubem Alves autografando meus livros em Maio de 2008]

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Richard Dawkins e a Aposta de Pascal

Richard Dawkins balançou o mundo em 2006 quando lançou o livro Deus, um Delírio, um ataque, segundo ele, a toda espécie de crença em qualquer espécie de divindade. Sua facilidade em trabalhar com as palavras, aliadas a seu sarcasmo, torna a leitura do livro bem agradável, conseguindo conduzir o leitor para onde ele quiser.

Uma das críticas contidas em Deus, um Delírio é referente à “Aposta de Pascal”.

Resumidamente, a aposta de Pascal é essa:

- Se você acredita em Deus e estiver certo, será beneficiado com a ida ao paraíso.
- Se você acredita em Deus e estiver errado, não terá perdido nem ganho nada.
- Se você não acredita em Deus e estiver certo, não terá perdido nem ganho nada.
- Se você não acredita em Deus e estiver errado, você será punido.

Em Deus, um delírio, Dawkins diz:

Acreditar não é uma coisa que se possa decidir, como se fosse uma questão política. Não é pelo menos uma coisa que eu consiga decidir por vontade própria. Posso decidir ir à igreja e posso decidir recitar a novena, e posso decidir jurar sobre uma pilha de Bíblias que acredito em cada palavra escrita nelas. Mas nada disso pode realmente me fazer acreditar se eu não acreditar. A aposta de Pascal só poderia servir de argumento para uma crença fingida em Deus (...) Você apostaria que Deus valorizaria mais uma crença fingida e desonesta (ou mesmo uma crença honesta) que o ceticismo honesto? (DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. Pag. 146 e 147)

Bem, podemos notar, inicialmente, uma contradição na citação acima de Dawkins. Se as pessoas não podem escolher aquilo que acreditam, seu livro foi o maior desperdício de tempo e recursos. Se “acreditar não é uma coisa que se possa decidir”, como ele espera que as pessoas possam decidir abandonar a fé após ler o seu livro?

Na página 29 de Deus, um Delírio Dawkins diz que:

se este livro funcionar do modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem. (DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. Pag. 29)

A mudança da fé (acreditar em Deus) para o ateísmo (não acreditar em Deus) consiste em uma decisão. Ou não? Se não, em que consiste? Convencimento pela retórica? Mas, se for, o convencimento pela retórica não dependeria também, no final das contas, de uma decisão do sujeito em acreditar no que ouviu? Por fim, se a mudança da fé para o ateísmo não consiste em uma decisão, porque Dawkins escreveu um livro esperando, com ele, que as pessoas decidissem se tornar ateístas?

É bem razoável aceitar que nós decidimos acreditar no que acreditamos, quando o que se pretende ser acreditado não confronta nossa consciência. Existe um caminho percorrido pela crença até que ela ganhe credibilidade para nossa consciência, mas, ainda assim, a escolha é nossa. Nós decidimos no que acreditamos.

Existem pessoas que não querem acreditar que o homem chegou à lua e, por não quererem, elas simplesmente não acreditam. Por mais que se apresentem documentos, vídeos, fotos e áudios, a barreira epistemológica do “isso não aconteceu” impede que eles mudem de opinião.

Cada pessoa possui suas próprias crenças, suas próprias convicções. Estas crenças e convicções formam nossa cosmovisão – a maneira como enxergamos o cosmos – que funciona como um filtro epistemológico para toda crença que pleiteia se acomodar em nossa consciência.

Rubem Alves, em Filosofia da Ciência, compara o mesmo aspecto que alguns nomeiam como “filtro epistemológico” a uma rede de pegar peixes. As pessoas, segundo Alves, estabelecem as redes de acordo com aquilo que elas desejam pescar, afrouxando ou alargando os intervalos da linha para que peguem os peixes que querem.

As crenças que temos são aquelas que passaram pelo nosso filtro epistemológico, ou, usando o termo de Rubem Alves, aqueles peixes que passaram pela rede que nós construímos. Nós decidimos no que acreditamos porque os filtros epistemológicos ou as redes são criados por nós. Nós estabelecemos os parâmetros para aquilo que consideramos razoável acreditar.

O filósofo Antony Flew (foto ao lado) foi um dos maiores defensores do ateísmo no século passado, escreveu vários livros endossando e rebatendo o teísmo como “God and Philosophy”, “Darwinian Evolution”, “God, Freedom and Immortality: A Critical Analysis”, “The Presumption of Atheism”, “God: A Critical Inquiry”, “Did Jesus Rise From the Dead? The Resurrection Debate”, “Does God Exist?: A Believer and an Atheist Debate” e “Atheistic Humanism”. Porém, em 2005 ele publicamente assumiu que havia mudado de opinião. Um dos maiores defensores do ateísmo passou a acreditar no Deísmo - Deus como causa primeira de todas as coisas.

Antony Flew passou a vida toda rebatendo os argumentos a favor da existência de Deus, portanto, é bem provável (certeza) que Flew não mudou de opinião, largando o ateísmo para acreditar numa forma de Deus, por ouvir argumentos novos sobre a existência de Deus. Os argumentos que o fizeram mudar de opinião e decidir acreditar em Deus foram os mesmos argumentos que ele buscou refutar ao longo dos 40 anos que escreveu contra a idéia da existência de Deus.

O que Flew fez senão rever seu filtro epistemológico, excluindo a barreira do “a idéia de que Deus existe é completamente absurda”?

A decisão de mudar a forma como ele enxergava o mundo foi de Flew. Ninguém fez isso por ele. A decisão de endurecer ou afrouxar nossos filtros epistemológicos, e conseqüentemente se vamos dar a uma teoria mais ou menos chances de ser aceita por nós mesmos, é unicamente nossa.

Se a mudança da fé para o ateísmo envolve, em última análise, uma decisão de quem muda, uma mudança do ateísmo (não acreditar em Deus) para a fé (acreditar em Deus) também envolve uma decisão. Se Dawkins não quer acreditar em Deus ele JAMAIS irá acreditar. Por maiores que sejam as evidências em favor de algo, se uma pessoa não quiser acreditar em algo, ela não acreditará.

Além dessa contradição (se ninguém pode escolher no que acredita, porque ele escreveu um livro esperando que as pessoas escolhessem desacreditar em Deus?), nota-se que Dawkins não fez uma leitura honesta dos pensamentos de Blaise Pascal.

Dawkins, e aqueles que criticam a “aposta de Pascal”, apontam a aposta como se ela fosse uma argumentação de Pascal para que as pessoas decidissem acreditar em Deus, ou como se Pascal acreditasse em Deus por causa dessa aposta. Ambas as posições são absurdas.

Primeiramente, Pascal nunca publicou um livro. Talvez ele pretendesse fazê-lo e foi impedido por sua morte prematura (aos 39 anos de idade). De qualquer forma, Pascal escrevia seus pensamentos de forma avulsa e despretensiosa. Pascal pensava e repensava consigo mesmo suas crenças e em algumas oportunidades ele colocava no papel seus pensamentos, dúvidas e conclusões. Seus pensamentos foram encontrados apenas após sua morte, sendo ajuntados em um livro, que foi publicado após sua morte, chamado Pensées (Pensamentos).

Pascal, portanto, não escrevia para as pessoas, escrevia para si mesmo. Ele não escreveu sua aposta com a intenção de que uma pessoa passasse a acreditar em Deus por causa dela. Quando alguém trata a aposta de Pascal como um argumento contra o ateísmo, esta pessoa está assinando o atestado de que não leu os pensamentos de Pascal e que fez, portanto, uma análise desonesta de Pascal.

É verdade que alguns cristãos pegam a aposta de Pascal emprestado e argumentam fazendo uso dela, mas esta não era a intenção de Pascal quando escreveu este pensamento. Aliás, poucos são os cristãos que fazem uso da aposta de Pascal em um debate, mas existem. Criticados devem ser esses cristãos que argumentam usando a aposta, não Pascal, que a escreveu sem ter esta intenção.

A aposta de Pascal (pensamento número 233) foi uma maneira de Pascal responder a um interlocutor imaginário que o criticava por ele (Pascal) estar acreditando em Deus mesmo ele (Pascal) sabendo que o conhecimento sobre Deus, sua existência ou inexistência, não pode ser acessado pela razão humana.

Eis o que eu vejo e o que me perturba. Olho para todos os lados, e em toda parte só vejo obscuridade. A natureza nada me oferece que não seja matéria de dúvida e de inquietação. (PASCAL, pensamento 229)

Incompreensível que Deus exista, e incompreensível que não exista. (PASCAL, pensamento 230)

Se existe um Deus, ele é infinitamente incompreensível, já que, não possuindo partes nem limites, nada tem em comum conosco. Somos, por conseguinte, incapazes de saber nem o que ele é, nem se ele existe (...) A razão nada pode decidir: há um caos infinito a separar-nos. É uma partida que se joga na extremidade dessa distância infinita, e em que dará cara ou coroa. Que apostareis vós? Pela razão, não podeis fazer nem uma nem outra coisa; pela razão, não podeis defender nenhuma das duas teses. (PASCAL, pensamento 233)

Pascal então começa a discutir com um interlocutor imaginário, digamos, o ceticismo de sua mente. Este interlocutor criticava Pascal por ter realizado UMA escolha. O interlocutor imaginário tendia para agnosticismo. Pascal então diz então sua aposta. Ele não perderia nada se estivesse errado, mas se tivesse certo ganharia tudo.

Foi assim que a aposta de Pascal foi escrita. Em um diálogo entre Pascal e ele mesmo. Não de Pascal para um ateu quando Pascal tentava converter o pobre ateu. Em outras palavras, Pascal estava dizendo a seu interlocutor imaginário: "Por que devo mudar de opinião e permanecer neutro sem realizar um escolha? Se estiver errado, não perco nada. Se estiver certo, ganho o maior dos tesouros!"

Outra coisa que deve ficar bem claro é que Pascal não acreditava em Deus por causa da aposta. Pascal acreditava em Deus por inúmeras razões que podem ser encontradas ao longo de seus pensamentos. Quer criticar Pascal? Leia-o primeiro, seja honesto. A aposta foi uma maneira que ele encontrou de confortar-se a si mesmo quando o “e se você estiver errado?” vinha até ele.

Para finalizar, muitas pessoas perguntam: “mas e se você estiver errado também e o deus verdadeiro for Baal, e não o Deus cristão?”. Esta pergunta geralmente não leva em consideração que os “deuses diferentes” podem ser apenas “nomes diferentes do mesmo Deus”. Quer ver?

- Allah significa “Deus” em árabe;
- Adonai significa “Senhor” na língua hebraica;
- Viracocha significava “Senhor Criador de Todas as Coisas” na língua dos Incas;
- Thakur Jiu significa “Deus verdadeiro” na língua do povo Santal;
- Magano significa “Criador Onipotente” na língua do povo Gedeo da Etiópia;
- Shang Ti significa “O Senhor do Céu” na língua chinesa;
- Hananim significa “O Grande” na língua coreana;
- Y’wa significa “Deus Supremo” na língua dos Karen, da Birmânia;
- Karai Kassang significa “Deus Criador” na língua dos Kachin, também da Birmânia;
- Gui’sha significa “Criador de Todas as Coisas” para os Lahu, também na Birmânia;
- Siyeh significa “O Deus Verdadeiro” na língua dos Wa, também na Birmânia;
- Deus foi apenas uma estratégia usada por Paulo para pregar o cristianismo aos gregos, aproveitando o nome Zeus.

Enfim, mesmo se assim for, se existir um deus que não seja o deus a quem eu esteja servindo, tanto eu que sou cristão quanto você que for ateu seremos punidos. O ateísmo não te ajudará em nada caso ambos estejamos enganados. Eu serei punido por acreditar em outro deus e você punido por ter afirmado que ele não existe.

A aposta de Pascal não deve ser usada como um argumento a favor da existência de Deus. Pascal não a usou dessa forma e nem os cristãos (exceto uma minoria) a usam em debates como Dawkins parece supor que seja. Também não há motivos para tanto sensacionalismo em cima da aposta de Pascal. Seu pensamento não estava errado. Errado é distorcer o que Pascal disse, criar uma caricatura de Pascal e depois fuzilá-la com sarcasmo, achando-se o dono da verdade.

Dawkins é um mestre em criar um alvo fácil e destruí-lo com muito prazer”. (Francis Collins, diretor do Projeto Genoma Humano)

Por fim, se eu estiver errado, não me preocupo. Não vou ter consciência após a morte para me sentir culpado da mesma forma que você não terá consciência para saber se estava certo. Os ateus não tem nada em que se gloriar, jamais saberão se estavam certos em vida, mas saberão se estiveram errados.


Eliel Vieira
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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Quem Sou Eu?


Ao editarmos um perfil no Orkut somos confrontados pela pergunta “quem sou eu?” para que nós – aqueles que estamos criando o perfil – falemos um pouco de nós mesmos.

Se você possui uma conta no Orkut, faça um teste: dê uma visita em alguns perfis e veja em quantos perfis você encontra uma resposta que satisfaça a pergunta “quem sou eu?”.

Eu fiz o teste. Escolhi 10 perfis aleatórios, de “amigos” que eu não conhecia e o resultado foi: nenhuma resposta (ou tentativa de resposta) a essa pergunta. No espaço destinado a esta resposta alguns postaram links de suas comunidades ou de sites que gostam, outros os links de sua banda de rock, outros postavam algumas frases poéticas. Nenhum dos 10 se preocupou em responder à questão e explicar quem ela é. É bem provável que se eu vasculhasse todos os 600 amigos que tenho no Orkut, a grande maioria (se não todos eles) terão se esquivado da pergunta.

A verdade é que as pessoas em geral não se preocupam com o que elas são, não apenas os usuários do Orkut. É bem provável que você responderá “Eu sou [seu nome]” quando alguém te perguntar quem é você, apesar da pessoa ter te perguntado “quem você é?” e não “qual nome você tem?”.

As pessoas, ao que parece, associam tudo o que elas são e possuem (seus sentimentos, seus sonhos, seus desejos, seus prazeres e seus defeitos) ao seu nome. O nome identifica o que a pessoa é para ela mesma, por isso a resposta mais comum à pergunta “Quem é você?” geralmente é “Eu sou Fulano”. Algum psicólogo me corrija se eu estiver enganado, pelo menos é assim que a situação aparenta ser.

Porém, as pessoas são mais que sentimentos, sonhos, desejos, prazeres e defeitos. Uma pessoa em estado vegetativo ainda é uma pessoa, mesmo sem apresentar nenhuma das características acima. Somos mais do que o nome que levamos e somos mais do que nossas características dizem sobre nós mesmos.

O que somos então?

Esta é provavelmente a questão mais complexa que existe. Ela se relaciona com todas as outras questões que envolvem nossa existência, muitas delas sem resposta. Por exemplo: para um ateu, o homem é a espécie animal que apresenta maior grau de complexidade na escala evolutiva, sendo moldado da forma que foi por um processo chamado “Seleção Natural”; já um cristão responderia que o homem é a obra prima dentre todas as criações de Deus, criado segundo a Imagem e Semelhança de Deus.

A diferença entre as duas respostas sobre o que é o homem depende, portanto, de uma resposta acerca da existência de Deus. Conhecimento que, em suma, não pode ser atingido.

Alguns filósofos tentaram responder a esta questão, mesmo sabendo que a questão é praticamente irrespondível.

O matemático e filósofo francês Blaise Pascal (1623 - 1662) disse: “Pois, em suma, que é o homem no seio da natureza? Um nada em face do infinito, um tudo em face do nada, um meio entre o nada e o todo. Infinitamente longe de compreender os extremos. O fim e o princípio das coisas estão, para ele, envoltos para sempre num mistério impenetrável, e é igualmente incapaz de ver o nada de onde foi tirado e o infinito que o rodeia por todas as partes.” [Pensamento 66 (72)].

René Descartes (1596 - 1650), atordoado com a possibilidade de todo conhecimento que possuía não ser verdadeiro, decidiu fundamentar seu conhecimento em bases sólidas. Para atingir este grau absoluto de certeza, começou a questionar todo conhecimento que tinha com o ceticismo, com a dúvida. Descartes percebeu que, antes que pudesse duvidar de sua própria existência, ele deveria existir para duvidar que existia, logo, se duvidava, existia. “Cogito, ergo sum” – “Penso, logo existo” – concluiu o pensador. A única certeza que o homem pode ter de si mesmo é que ele existe.

Alguns aplicaram a filosofia de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) sobre a essência das coisas para explicar o que somos. Para Aristóteles, tudo o que existe, existe porque existe uma substância – essência – que faz o algo existente ser o que é. A essência é o que dá identidade ao ser. O que é o homem? Segundo a filosofia de Aristóteles, o homem é um ser cuja essência é a humanidade, diferente do cachorro, cuja essência é sua “cachorricidade”. Não é piada, o pensamento aristotélico é esse mesmo.

A filosofia existencialista, inaugurada por Søren Kierkegaard (1813 - 1855), veio negar a aplicação do pensamento aristotélico em relação à existência do homem. O existencialismo foi popularizado no século passado por Jean Paul Sartre (1905 - 1980), para quem “A existência precede e governa a essência”.

Em 1946, no "Club Maintenant" em Paris, Jean Paul Sartre pronuncia uma conferência, que se tornou um opúsculo com o nome de "O Existencialismo é um Humanismo". Sartre disse: "... se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer.".

Quem sou eu então?

Difícil responder.

Sei que existo, mas não sei (e ninguém sabe) responder por que, como e para que existo sem apresentar junto com minha resposta minhas opiniões (que são apenas minhas e podem ser diferentes das suas) sobre o mundo. Sei que um dia meu corpo não mais vai existir, mas eu não posso (e ninguém pode) dizer se minha psiqué continuará existindo após o que chamamos de morte sem expor opiniões pessoais sobre o mundo. Sei que nós humanos somos os únicos que podemos pensar sobre estas questões, mas não posso dizer (sem apresentar minhas opiniões pessoais) se isso é obra de um Deus criador ou se é fruto do acaso da Seleção Natural (ou de ambos).

Por fim, sei que quanto mais estudamos e refletirmos sobre nós mesmos, mais dúvidas surgem. A existência se revela a nós se escondendo.

Apenas quem não sabe nada acha que sabe tudo. E não pensem que o dogmatismo é uma exclusividade dos religiosos. Os ateus apresentam tanta certeza sobre suas opiniões (para questões cujas respostas são inatingíveis) quanto os religiosos. Mais sábio é aquele que busca incessantemente por respostas que ele sabe que não atingirá. Ele não conseguirá tudo, mas conseguirá mais que todos os outros.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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