Terça-feira, 4 de Agosto de 2009

Resposta a Renato Camargos: Fé, Conhecimento e Rubem Alves

Prezado Eliel,

Sobre o artigo que você escreveu a respeito da exortação da sua namorada, tem uma frase sua lá assim "Mas, cristão que tenha abandonado a fé após o estudo, sinceramente, não conheço nenhum.". Cara, gostaria de te ouvir sobre isso a respeito da Rubem Alves. Ele não seria um exemplo?

Confesso que tenho muito preconceito com os escritos dele. Mesmo sabendo que entre uma linha e outra existe abundância de pensamento e inteligência.

Obrigado,

Renato Camargos. (Por e-mail em 21/07/2009)



RESPOSTA


Caro Renato,

Primeiramente, obrigado pelo contato e me desculpe pela demora em te responder. Estava viajando e, assim, longe do computador. Mas, apesar de demorada, eis a resposta que você queria.

Sua dúvida reside na minha afirmação (presente neste texto) de que eu não conheço nenhuma pessoa que tenha abandonado a fé cristã após começar a estudar mais profundamente as questões que nos cercam. Esta afirmação te causou desconforto, pois, ao que parece, você acredita que Rubem Alves é um exemplo que contradiz minha afirmação.

Sua dúvida está, portanto, no jeito de ser de Rubem Alves, em sua espiritualidade (ou falta dela) mais do que em relação ao meu texto em si. A verdade, porém, é que Rubem Alves não constitui uma exceção a minha afirmação. Sinto-me um pouco a vontade quando falo sobre Rubem Alves, pois se trata de um dos escritores que mais leio (e releio, e releio, e releio). Ironicamente (ou não) eu aprendi a gostar de Rubem Alves no seminário teológico batista onde eu estudei, por indicação do meu então professor de Antropologia, Pr. Marcos Cunha.

Rubem Alves, certamente, não se trata de uma pessoa que abandonou a fé após um exame mais profundo das questões que cercam nossa existência, por duas razões: (1) se ele perdeu a fé, não foi por causa de seus estudos, mas em razão de um procedimento rude e intolerante da Igreja Presbiteriana do Brasil para com ele, após ele escrever suas primeiras idéias mais liberais e humanistas. Rubem Alves, que era teólogo e pastor formado em seio presbiteriano, chegou a ser proibido de falar em púlpitos da Igreja Presbiteriana do Brasil (leia mais sobre a história de Rubem Alves aqui); (2) não diria sequer que ele chegou a abandonar sua fé em Deus, apesar de negar absolutamente muitos princípios que regem as igrejas cristãs atualmente.

Portanto, se ele perdeu sua fé, ele não constitui uma exceção à minha afirmação, pois ele não a perdeu após começar a estudar, mas por uma série de outras razões, e, se ele não perdeu sua fé, ele também não contradiz minha afirmação.

O fato, porém, é que Alves não perdeu sua fé, ele apenas mudou o enfoque dela. Pelo menos eu enxergo "contornos de fé" em cada crônica de Rubem Alves que eu leio. A fé toma um lugar sutil, mas importantíssimo, em cada texto do autor. Em alguns momentos, chega a parecer que ele tenta se desvencilhar da influência da fé em seus textos, sem sucesso, como se ele sucumbisse na tentativa de se livrar da verdade que ele sabe ser real. A maior prova de que isto é verdadeiro é que, mesmo após abandonar (ou ser expulso) do seio do protestantismo brasileiro, o autor escreveu quilômetros de textos ligados, direta ou indiretamente, à fé e a Deus.

Em seu e-mail, Renato, você confessou possuir “muito preconceito” em relação aos dos textos do autor. Gostaria de lhe convidar a deixar este preconceito de lado por um instante e conhecer os textos dele que se relacionam à fé. Não há maneira melhor de conhecer um autor que "ler" o que este autor escreveu. Eu te garanto que você vai mudar seus conceitos em relação a Rubem Alves se ler suas obras. Como sugestão, eu lhe indico os textos “Corpus Christi”, “Deus e a Beleza”, “O Deus Criança”, “O Travesti e os Religiosos”, “Sobre a Oração”, “A Sabedoria” e, se você se interessar mais, procure por seus livros “Perguntaram-me se acredito em Deus”, “O que é religião?”, “Dogmatismo e Tolerância” e “Se eu pudesse viver minha vida novamente” (este não exclusivamente sobre a fé, mas com os tais contornos que eu mencionei acima). Tudo o que foi citado aqui como sugestão de leitura é de qualidade e profundidade indescritível.

Confesso sem medo que Rubem Alves foi uma das maiores influências espirituais e intelectuais que tive, tanto que uma frase sua está presente no texto que explica a razão de ser deste blog.

Espero ter respondido sua pergunta,

Um abraço,

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

[obs: nas foto acimas, Rubem Alves autografando meus livros em Maio de 2008]

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


2 comentários:

Eli Vieira 11 de Agosto de 2009 22:57  

Cristão que abandonou a fé por causa do estudo?
Eu.

Eliel Vieira 12 de Agosto de 2009 14:56  

Eu acho que há controvérsias nesta sua resposta, caro Eli.

Pelo menos o que eu pude entender ao ler no seu texto "Short testimonial by a young brazilian epicureanist" (texto onde você narra sua transição da fé cristã para o ceticismo) é que você nunca foi um cristão, de fato. Parece a mim que você apenas seguia uma fé que lhe foi imposta na infância e que te obrigava a comer o corpo (que tinha gosto de trigo) de um homem que morreu a dois milênios atrás.

Se você nunca foi convictamente um cristão, você não se torna um exemplo contrário à minha afirmação de que não conheço nenhum cristão que tenha abandonado a fé após um estudo racional das questões que nos envolvem.

E, mesmo que você tenha sido um cristão convícto, ainda assim, penso, você não se torna a excessão que pretende ser. Pelo o que eu pude ler neste seu testemunho de desconversão, o fator relevante para sua mudança de visão foi a conclusão que você chegou de que "Deus não se importa conosco". Apesar de você ter dito que pouco tempo antes de você chegar a esta conclusão você começou a ler revistas científicas, não acho que elas continham um argumento tão fabuloso contra a existência de Deus que tenham conseguido convencer o perspicaz Eli a abandonar sua apaixonada fé.

Você abandonou sua fé (uma fé que, talvez, você nunca teve), ao que me parece, por ter chegado à conclusão (uma conclusão que, naquela época, não parece ter sido obtida após um estudo concatenado e lógico) de que Deus não se importa conosco e, após se tornar um cético, você começou a estudar mais a mais na busca de adquirir mais conhecimento e - obviamente - na busca de justificar e embasar sua nova fé em bases mais sólidas.

E tem ago interessante aqui, caro Eli: não é preciso ser nenhum psicólogo para observar que existem algumas pressões psicológicas que tornam o pré-adolescente e o adolescente mais "vuneráveis" ao ateísmo. Basta fazer uma tour na net e ler os testemunhos de outras pessoas como o seu para perceber que a grande maioria (enfatize o "grande") dos ateus se converteu na adolescência. Coincidentemente (ou não?) na mesma faixa-etária onde os sentimentos de "rebeldia", "independência" e "liberdade" encontram-se mais fortes nos jovens.

Mas, aqui eu posso apenas conjecturar, afinal, o único que conhece a absoluta verdade sobre como você abandonou a fé é você mesmo. Talvez o pequeno garoto de Patos de Minas tenha mesmo se dedicado a um grande estudo existencial (aos 13 anos de idade!) e tenha chegado à conclusão de que Deus não existe.

Talvez seja interessante se você nos mostrasse qual foi o caminho lógico que você percorreu aos 13 anos e que te conduziu à conclusão de que o ateísmo seria uma visão de mundo mais coerente do que a fé que antes você seguia apaixonadamente.

Um abraço,

Eliel

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