segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sou Evangélico?

Nasci num “lar evangélico”. Filho de pastor, recebi nome bíblico e fui guiado pelos caminhos da fé cristã durante toda infância e adolescência. Aprendi que Deus criou todas as coisas, que Jesus morreu pelos pecados nossos e que temos que ser bonzinhos para ir pro céu.

Lembro-me perfeitamente que na infância não gostava muito de ser guiado. Achava muito chato ser diferente dos meus amigos que eram católicos.

O desgosto, na verdade, não era por ser diferente. O que me deixava chateado era que meus amigos católicos podiam ficar em casa no domingo a noite assistindo Faustão e Silvio Santos enquanto eu tinha que ir ao culto; eles podiam ouvir Mamonas Assassinas e eu não, pois “música mundana” é pecado.

Quando cheguei à adolescência, lá pelos meus 14 anos, tive meu primeiro surto de curiosidade e resolvi ler alguns livros do meu pai que ficavam jogados no sótão. Encontrei vários assuntos legais para estudar: Escatologia, Pecado Original e Salvação, Comentários Bíblicos, etc... Era um mundo totalmente diferente do que até então vivia: dúvidas ao invés de certezas, opiniões divergentes ao invés de opiniões em comum e muitos, muitos, assuntos polêmicos. Cada dúvida agia como combustível para ler mais, aprender mais.

Nessa época a principal mudança em mim foi que eu parei de ter inveja da religião dos outros. Parei de ter vergonha de ser evangélico e comecei a ter orgulho, por exemplo, de andar com a Bíblia debaixo do braço na rua. Comecei a querer que todos seguissem a mesma religião que a minha, queria que todos fossem evangélicos. Participei de teatro e demais atividades na igreja, evangelizei pessoas, pulava nos cultos, etc.

Todavia, ainda nessa época eu estava preso. Mesmo tão feliz sendo evangélico, eu já percebia que algumas coisas não condiziam com a realidade e não concordavam com o que a Bíblia ensinava. Mas, por muitas vezes ficava calado e até defendia posições contrárias à minha opinião para não contradizer a “fé verdadeira”.

Então, aos 18 anos, entrei para o Seminário Teológico. Era o aluno mais questionador da turma. Lá, aprendi o valor da leitura, do pensamento e do questionamento na fé. Descobri que várias pessoas discordavam das mesmas coisas que eu discordava e que praticamente todos assuntos relacionados à fé cristã passaram por questionamentos antes de serem considerados “verdade”. Não existia nenhuma verdade cristã que tenha sido estabelecido sem antes ter sido questionada.

Nos últimos dois anos, tenho questionado praticamente tudo referente à fé com um pouco de ceticismo (não muito, pouco). Comecei a ler livros que possuem pontos de vista contrários aos que eu acreditava sobre determinados assuntos (p. ex. Big Bang, Evolucionismo) e me adentrei na mais bela das Ciências, a Filosofia.

Bem, escrevi toda essa mini-biografia para mostrar que tenho mudado meu pensamento religioso ao longo dos anos e que essas mudanças foram naturais, ninguém as forçou além de eu mesmo e as circunstâncias da época.

Hoje perguntei a mim mesmo: ainda sou evangélico?

Responder “Sim” ou “Não” não basta. Se disser “Não”, você, se for evangélico, provavelmente, vai parar de ler este texto pensando que sou apenas um desviado que fala mal da Igreja; Se disser apenas “Sim”, serei associado a diversas coisas que eu abomino.

Eu não quero ser associado ao Evangelho da Prosperidade que ensina os membros a condicionar o amor a Deus de acordo com as riquezas materiais.

Eu não quero ser associado aos pregadores de TV que fazem cara de coitadinho em rede nacional pedindo “ofertas de amor ao ministério” e que, na verdade, usam essas ofertas para comprar mansões, iates, carros importados, etc.

Eu não quero ser associado a uma religião que adora o misticismo, que se preocupa mais com o Capeta e com batalhas espirituais do que com, digamos, a fome no mundo.

Não quero pular durante o culto só porque a música diz pra pular. Idem para “diga amém” ou “diga aleluia”.

Eu não quero ser associado a uma religião que se preocupa mais com os erros das outras religiões do que seus próprios.

Não quero ser comparado à falta de criatividade das músicas evangélicas, à falta de inteligência das pregações, à falta de humanidade da Igreja perante a sociedade e à falta de ética dos políticos cristãos.

Nos últimos anos aprendi a gostar de Filosofia; os pontos de vista científicos relacionados à origem do mundo me soaram bastante plausíveis (eles não contradizem a Bíblia, em minha opinião); passei a ter respeito pelos católicos e a enxergá-los como irmãos na fé, cristãos tanto quanto eu; desemcapetei a música secular e hoje escuto algumas bandas e músicas seculares.

É possível ser evangélico sendo tão diferente? Se sim, a resposta à pergunta do título deste texto é “Sim”, sou evangélico.

Se não, bem, aí prefiro não ser considerado evangélico. O que não me é problema algum. Jesus, os apóstolos e todos os cristãos mais brilhantes que já pisaram neste planeta não eram evangélicos.

“Cristão” é o rótulo que zelo para não perder.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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