quinta-feira, 16 de julho de 2009

Resposta a Érica: Sobre a Compatibilidade Entre Teoria da Evolução e Fé Cristã

Olá Eliel,

Bom dia. Graça e Paz!

Conheci seu blog por uma "Jesuicidência"... E achei muito interessante seus posts, em especial seu ponto de vista em vários assuntos, sendo você um cristão.

Isso ajuda quebrar paradigmas que existem em nosso meio. Sou cristã e indiquei seu blog a um amigo ateu.

O fato que me intrigou é que li agora sobre a Teoria da Evolução e a Fé cristã, e gostaria de tirar uma ou algumas dúvidas:

Você não acredita então que fomos criados literalmente pelas mãos de Deus? Que somos feitos do barro, conforme Gn 2.7?

Conforme: "(2) mesmo que se prove que Deus não possuiu papel algum no processo de criação do ser humano, ainda assim existiria uma infinidade de questões sobre as quais a ciência não é capaz de dar explicações e que fé explica;" você não crê na veracidade total da Bíblia, apenas parcial? Porque se for provado que Deus não tem nenhum papel na criação do homem, então não precisamos acreditar que a Bíblia é inerrante, pois ela afirma em Gn 1: 26 e 27 que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança. A imagem e semelhaça de Deus se evoluiu ao longo do tempo? Deus se evoluiu ao longo do tempo? Ou nós não somos mais imagem de Deus pq evoluímos? E porque as evoluções (em espécies) não continuaram? Evoluímos sim, mas como homens. Se Jesus não voltar nesse milênio poderemos (ou nossos filhos) ser outro tipo de coisa futuramente?

Sei que não tenho tanto conhecimento quanto você. Pois pelo que vi você estuda muito. Lê muitos livros. Mas se não for mto incômodo gostaria que vc me esclaresse algumas dessas dúvidas.

Obrigada.

Abraços.

Fica na Paz.

Att. Érica Leal (Por e-mail em 15/07/2009)


RESPOSTA

Olá Érica,

Primeiramente, obrigado pelo seu contato. Muito me agrada sua mensagem.

Sua primeira pergunta é: Você não acredita então que fomos criados literalmente pelas mãos de Deus? Que somos feitos do barro, conforme Gn 2.7?

Depende do que se entende por "literalmente", sua pergunta (mesmo que não intencional) é uma pegadinha. Acredito que Deus criou tudo o que existe neste universo. Literalmente acredito que Deus criou todas as coisas, inclusive o ser humano. Porém, não acredito que o relato de Gênesis seja uma descrição literal sobre o evento da criação, pelos motivos que eu expliquei em meu texto.

Portanto, sim, Deus literalmente criou o ser humano e as demais coisas existentes no universo. Ele, literalmente, é a causa e a razão da existência de tudo o que existe (Rm 11:36).

Outra dúvida sua é em relação à passagem que eu afirmo que “mesmo que se prove que Deus não possuiu papel algum no processo de criação do ser humano, ainda assim existiria uma infinidade de questões sobre as quais a ciência não é capaz de dar explicações e que fé explica”.

Você questiona se eu acredito ou não na veracidade integral da Bíblia. Bem, esta é uma questão muito difícil de responder, pois a resposta é ampla. A melhor forma de respondê-la é: a Bíblia é inerrante em aspectos espirituais, como “Palavra de Deus” revelada aos homens, mas, como qualquer livro escrito em uma época em que as pessoas não possuíam tanto conhecimento quanto possuem hoje, possui erros.

Um “erro”, por exemplo, é a menção de que a luz da Terra não provém do Sol. Para Moisés (suposto escritor de Gênesis), a luz que ilumina a Terra surgiu no primeiro dia da criação e o Sol apenas no quarto, como um enfeite para sinalizar que era dia. Hoje sabemos que isto não é verdade. Por mais fé que a pessoa possa ter na inerrância da Bíblia, ela jamais acreditará que a luz que ilumina a Terra não provenha do Sol.

O fato de a Bíblia conter erros sobre assuntos que os escritores não tinham como ter conhecimento, porém, não faz da Bíblia um livro menos especial do que é. Lembre-se: a Bíblia foi um livro inspirado por Deus, não psicografado por Ele. As pessoas costumam pensar que foi Deus quem ditou as palavras que estão na Bíblia, porém, isto não é verdade. O que os cristãos acreditam (pelo menos eu penso assim) é que Deus se revelou sutilmente por trás de cada letra escrita, de forma que, se você olhar além do que está escrito, você encontrará os princípios que devem reger uma vida cristã íntegra.

Um exemplo que costumo usar é o das cartas que eu escrevo para minha namorada. Eu não sou muito bom em escrever poemas, mas as vezes eu arrisco escrever algumas coisas para ela. É o amor que eu sinto por ela que me inspira a escrever, de forma que, se alguma pessoa ler o que eu escrevo para ela, conseguirá descobrir muitas características sobre nosso namoro nas palavras escritas. As palavras não dizem, em si, nada sobre nosso namoro. Mas, olhando por trás das palavras, pode-se descobrir muita coisa. Outro exemplo que ainda pode ser extraído desta analogia é que o amor que eu sinto por ela me inspirou a escrever a ela, não forçou ou ditou o que eu deveria escrever.

Penso na revelação de Deus na Bíblia desta forma: como uma inspiração.

Um texto que trata da inerrância de forma muito interessante é este aqui.

Portanto, para responder sua pergunta de forma direta: sim, eu acredito que a Bíblia é a Palavra de Deus e que ela contém a revelação escrita de Deus por trás de suas palavras, porém, não a considero um livro inerrante em uma série de assuntos. Mesmo assim, contudo, não deixo de acreditar que a Bíblia é um livro mais especial já escrito, pois sei que as pessoas que a escreveram não possuíam conhecimento pleno sobre todas as áreas de conhecimento existentes, o que justifica os erros que ela contém.

A seguir você faz o seguinte comentário sobre minha frase citada um pouco acima: “Porque se for provado que Deus não tem nenhum papel na criação do homem, então não precisamos acreditar que a Bíblia é inerrante, pois ela afirma em Gn 1: 26 e 27 que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança.

Creio que você confundiu um pouco minhas palavras quando eu disse que “mesmo que se prove que Deus não possuiu papel algum no processo de criação do ser humano”. Eu não disse que a ciência um dia chegará a esta conclusão, na verdade, como acredito que Deus criou todas as coisas existentes, e como estou plenamente convicto de que isto é verdade, tenho certeza que jamais tal prova surgirá. O que eu quis dizer é que, mesmo que esta prova surja – o que é impossível – ainda assim existiria uma série de questões para as quais a ciência não possui condições de fornecer provas.

Um delas, por exemplo, é sobre a basicalidade da crença em Deus para aquele que crê em Deus. Segundo os estudos epistemológicos, existem crenças que são básicas ao ser humano. Por exemplo, a crença de que o mundo externo real existe. Tudo o que você pensa ser verdadeiro pode, no final das contas, ser uma farsa forjada por máquinas ou monstros malévolos que plugaram uma série de fios em seu cérebro (como no filme Matrix). É absolutamente impossível dizer se isto é ou não verdadeiro com provas. A crença de que o mundo externo existe, portanto, é uma crença básica epistemologicamente. Outro tipo de crença que é básica são as crenças de que nossos pais nos amam. É absolutamente impossível apresentar qualquer prova de que uma pessoa X ama outra Y. Toda prova apresentada pode ser falsificada de alguma forma. Mas todas as pessoas acreditam que seus pais lhe amam (exceto em alguns casos particulares, claro) e esta crença parece ser absolutamente válida para quem crer.

A crença em Deus seria, assim, uma crença básica. Uma crença sobre a qual não se pode apresentar nenhuma evidência conclusiva, mas que ainda assim não deixa de ser justificada. Foi o filósofo Alvin Plantinga quem propôs que a crença em Deus é básica.

Além deste problema, um grande número de questões metafísicas permanecerá eternamente irrespondível para a ciência caso se apresente uma prova de que Deus não teve papel algum na criação das coisas (prova que, lembrando, jamais virá). Por exemplo, por que existe algo ao invés do simples “nada”, se nenhum agente criou as coisas existentes?

A teoria da evolução não contradiz a fé cristã, uma vez que o “evolucionismo” é uma forma de se poder criar coisas, e Deus pode ter feito uso deste método para ter criado as coisas existentes. Uma pergunta que fiz é: onde Deus se torna menos soberano se Ele tiver criado a diversidade biológica existente através do processo de evolução das espécies? Ou, mudando a pergunta um pouco: onde Deus se torna menos soberano se Ele tiver estabelecido o processo de seleção natural como procedimento para gerar a diversidade das espécies existentes, visando, assim, se relacionar com a espécie homo-sapiens que surgiria algum tempo depois do início do processo?

A fé cristã não é intrinsecamente contrária à teoria da evolução das espécies. Esta é a conclusão de meu texto. Se a teoria da evolução aconteceu de fato, aí é outra história. A ciência tem dito que sim, que as espécies diferentes existem por causa do processo de seleção natural. Na falta de um bom motivo para questionar a integridade das pessoas que estudam a natureza, não vejo motivos para duvidar deles.

Suas últimas perguntas são: “E por que as evoluções (em espécies) não continuaram? Evoluímos sim, mas como homens. Se Jesus não voltar nesse milênio poderemos (ou nossos filhos) ser outro tipo de coisa futuramente?

Bem, as evoluções continuam sim, mas não se consegue observá-las – salvo em raras exceções – em uma mesma geração. A teoria da evolução ensina que mutações muito pequenas vão acontecendo nas espécies e que após milhares de anos estas mutações se tornam evidentes. Imagine que você possua R$32,76 em sua conta no banco e que a cada ano o banco injete 0,01 centavos nela. Em 60 anos você não sentirá diferença alguma em sua conta, mas se você acessar sua conta a daqui 50 milhões de anos, sentiria uma diferença enorme no valor existente.

O que a teoria da evolução das espécies ensina é isso. As espécies existentes são oriundas de um mesmo ancestral comum. Após vários processos de reprodução e várias mudanças do ambiente, as espécies foram lentamente se mutando até existir esta absurda variedade de espécies existentes.

Portanto, se Jesus não voltar neste milênio, provavelmente ele encontrará seres humanos aqui ainda. Mil anos são como apenas poucos segundos se comparados a todo o processo de evolução (4,6 bilhões de anos).

Apesar de que, ao que parece, o ser humano nem de longe pareça estar evoluindo, dado a quantidade de maldade e falta de amor existente no mundo. Parece, na verdade, que estamos em involução.

Mas, isto é assunto para outro texto.

Espero ter respondido a suas dúvidas. Fique a vontade para perguntar o que quiser.

Abraço.

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


3 comentários:

Murilo 16 de Julho de 2009 21:18  

meus parabéns pelo texto.

Gustavo 31 de Outubro de 2009 22:57  

Eliel,

Primeiramente parabens pelo texto.

Você falou sobre a luz e o sol na criação, e eu lembrei de uma conversa que tive com um amigo meu.

Falávamos justamente sobre como a luz poderia ter vindo antes do sol.

A conclusão que tinhamos chegado é que a bíblia, neste ponto, estava literalmente certa, pois, se não existisse a luz, o sol não brilharia.

Pelo menos pra mim isso fez muito sentido. Não adiantava ter o sol primeiro, se não houvesse a energia luminosa do sol que garantisse a "claridade".

Agora, o que você pensa disso?

Gustavo 31 de Outubro de 2009 23:10  

Eliel,

Primeiramente parabens pelo texto.

Você falou sobre a luz e o sol na criação, e eu lembrei de uma conversa que tive com um amigo meu.

Falávamos justamente sobre como a luz poderia ter vindo antes do sol.

A conclusão que tinhamos chegado é que a bíblia, neste ponto, estava literalmente certa, pois, se não existisse a luz, o sol não brilharia.

Pelo menos pra mim isso fez muito sentido. Não adiantava ter o sol primeiro, se não houvesse a energia luminosa do sol que garantisse a "claridade".

Agora, o que você pensa disso?

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