segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Quem Lê Muito Conversa Pouco. Por que?

Minha namorada tem reclamado comigo ultimamente dizendo que eu sou uma pessoa que fala muito pouco. Na verdade eu nunca escondi isto de ninguém (claro, afinal, não há como esconder de uma pessoa próxima uma coisa dessas) e isto na verdade este jeito de ser nunca me incomodou.

Pensei em escrever um texto sobre por que acho que a leitura e a escrita (ou seja, o exercício intelectual) conduz uma pessoa a uma vida mais “calada”, mas, após pensar um pouco, decidi reproduzir aqui o que um escritor que aprecio já chegou a escrever antes de mim (e com propriedade).

Seu nome é Philip Yancey. Ele é um dos escritores cristãos mais respeitados do mundo atualmente. Abaixo, apenas reproduzi integralmente algumas palavras encontradas no décimo capítulo do seu livro Alma Sobrevivente: sou cristão apesar da igreja (Mundo Cristão, 2004):

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A partir de cartas que recebo e dos comentários que ouço em festas e lançamentos de livros, chego à conclusão de que as pessoas têm uma visão romântica da vida de um escritor. Estas pessoas nunca estiveram ao lado de um escritor que fica parado 15 minutos diante de um dicionário de sinônimos em busca de uma única palavra. Devido ao próprio trabalho, os escritores levam uma vida solitária. Trabalhamos sozinhos, fugindo de qualquer distração, e criamos nossa própria realidade particular, explorando-a e domesticando-a até que chega o momento quando o editor começa a instigar outras pessoas a trabalharem conosco – momento em que, naturalmente, estamos felizes, construindo outra realidade falsa. Na maior parte das vezes, o mundo que criamos é muito mais interessante do que aquela triste realidade na qual vivemos.

Às vezes tenho a impressão de que a minha vida de escritor se sobressai à minha vida real. Fico pensando: “Se eu não escrevesse, será que eu chegaria mesmo a existir?”. Como posso saber o que penso ou sinto sem abrir meu computador e começar a escrever sobre aquilo? Lembro-me de um dia em que trabalhava em uma pequena história numa manhã bem cedo. Por três horas, esforcei-me para desenvolver personagens tridimensionais, tirando todos os clichês de seus diálogos. Iniciante na ficção, estava ficando com uma terrível dor de cabeça por causa do esforço. Naturalmente, usava isto como desculpa para parar de escrever, atravessar a rua e tomar um café. Imagine a minha surpresa ao descobrir que todas as pessoas da cafeteria eram pessoas bidimensionais, que falavam usando clichês! Nenhuma daquelas pessoas parecia-me tão interessante quanto as pessoas que povoavam minha história. Corri de volta para a segurança de minha falsa realidade que me esperava (e somente a mim) no meu escritório no porão.


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Comentários gerais sobre estas palavras de Philip Yancey: leituras como esta acima geram em algumas pessoas um grande desconforto. Tem pessoas que tem pavor de viver da forma como Yancey diz que vive. Outras pessoas (como eu), porém, sentem alívio. É bom saber que não sou somente eu quem acho que a solidão de uma falsa realidade é mais muito mais agradável do que a esta vida estranha que vivemos.

Quem lê e escreve muito se sente estranho neste mundo. Também, como poderia ser diferente? Enquanto lê ou escreve você idealiza o mundo da forma como quiser: pessoas sem defeito, igrejas sem defeitos, mundo sem defeitos... porém, quando se volta ao mundo real e se depara com a realidade... é realmente frustrante.

Imagine que decepção eu sinto quando tenho de parar de ler “O Senhor dos Anéis” e me preparar para uma aula de Matemática Financeira. Imagine como é frustrante passar horas escrevendo um capítulo para um livro sobre a racionalidade da crença em Deus em resposta a acusações ateístas e depois, no domingo seguinte, ir a um culto e ver a triste verdade de que a realidade é completamente distante da idealização que você escreveu no papel!

Quem lê muito ou tem o hábito de escrever fala pouco, pois não há muito o que falar! Aquilo que nos interessa quase sempre não interessa às pessoas de fora. No fim, só nos resta a nós amar a nós mesmos, e as folhas de papel que hora trazem coisas interessantes para nós lermos, hora aceitam sem reclamar aquilo que falamos com elas através da escrita.

Enfim, é difícil explicar estas coisas. Mas não se assustem achando que sou infeliz em minha vida. Pelo menos no meu caso eu jamais me incomodei com esta solidão que o hábito da leitura traz, pelo contrário, raramente me encontro triste ou decepcionado. Como Yancey disse, nós podemos criar uma realidade falsa e viver nela sempre que desejarmos!

Comentário específico à minha namorada: jamais pense que falo pouco por não te considerar. Muito pelo contrário, eu te considero meu maior poema. Você é o poema mais lindo já escrito! Viver com você é mais excitante do que ler qualquer conto de fadas! Aliás, eu sempre penso em você como uma linda princesa, e em nosso amor como algo poético tão como os romances de Shakespeare. Na verdade, somente seu olhar e seu beijo fazem o sapo Eliel se sentir (pelo menos por alguns instantes) um príncipe. A realidade é incrivelmente chata, mas você é tão perfeita que quase penso que você é irreal. Enfim, as palavras de Philip Yancey usadas neste texto foram retiradas de um livro que você me deu de aniversário. Elas me ajudaram a perceber que não é tão estranho assim ser uma pessoa solitária e calada... então agora agüenta!, a culpa é sua (risos).


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


10 comentários:

Daniel Grubba 13 de Outubro de 2009 06:09  

Oi Eliel,

Cara, muito legal seu depoimento. Creio que o hábito da leitura faz isso com a gente mesmo. Lembro-me que em um fim de ano, em uma viagem, eu costumava me retirar para ler e meditar, e o povo não entendia nada...Enfim...

Glauber Ataide 13 de Outubro de 2009 06:44  

Muito bom este post. Eu também já havia refletido sobre o tema, mas fiz uma abordagem diferente: http://glauberataide.blogspot.com/2008/12/ditadura-da-ignorncia-poucas-coisas-so.html

Camila Santana 13 de Outubro de 2009 15:59  

Desde que te conheço que sei sobre o seu silêncio. Você nunca escondeu isso de ninguém, de mim, menos ainda. Não quero mudar você, pois eu me apaixonei por você assim!

Não precisa sair do mundo que você criou a fim de conversar comigo. Simplesmente me fale sobre o que você vive nesse mundo e me coloque dentro da sua história! Ouvir suas divagações e devaneios é mais interessante pra mim que o melhor dos livros! É como se eu estivesse dentro de você!

Te amo!

André ferreira 14 de Outubro de 2009 16:05  

é eliel eu sei como se sente nestes momentos de solidão com sua leitura e escritos, é o que nos faz diferentes mas não incógnitos, e deixo aqui um desabafo pois muitas vezes na minha quietude eu acabo causando má impressão na pessoa que mais amo, minha esposa, mas é por causa dos profundos pensamentos filosóficos sobre Deus e sua magnitude que são inconcebiveis para as mentes comuns, mas que para nós são os momentos mais esclarecedores de nossas vidas, sei que elas nos entendem, minha esposa está ao meu lado e leu o comentário da sua namorada, bom serviu bém para nós explicarmos pelo menos uma ponta do que sentimos por elas!

erica-jovemcristo 17 de Outubro de 2009 09:22  

Gostei demais do seu post.Eu me identifico também como uma pessoa que fala pouco(inclusive meu namorado também diz isso pra mim), e leio e escrevo bastante.Nunca havia pensado nessa questão, e quando vi o título do seu post, me interessei.
Fica na paz!

Anderson Faria 19 de Outubro de 2009 17:12  

Tenho isso também, de enfiar o nariz nos livros e muitas vezes sentir-me deslocado das pessoas ao redor - não do mundo. Há uma diferença em desligar-se do mundo para buscar conhecimento - e depois, usar este mesmo saber para entender o mundo que nos cerca; e usar o hábito de leitura para fugir da realidade, forjando um perfil pouco acessível e forçosamente intelectualizado. É preciso diversificar, não deixar que o hábito nos isole das pessoas ao redor, incluindo-as e incentivando-as ao mesmo caminho.

Alberto M. de Oliveira (Betochurch) 20 de Outubro de 2009 11:57  

Olá Eliel, tudo bem?
Estive visitando novamente o seu blog, e achei mais legal ainda.Cada vez melhor - parabéns!
Corrigi uma falha minha, pois ainda não era seu seguidor, mas passei a segui-lo.

Gostaria de lhe convidar a visitar o meu: ecclesiareformanda.blogspot.com
Um abraço!

Alberto M de Oliveira

Alberto M. de Oliveira (Betochurch) 20 de Outubro de 2009 11:58  

Ah Eliel, aquele vídeo do Silas eu posso publicar em meu blog? Com o devido crédito e fonte original, claro.
Também vou colocar um link seu na lista dos meus favoritos...
Abraços
Alberto

civanlobo 24 de Outubro de 2009 03:41  

Às vezes a pessoa que fala pouco é encarada até como arrogante, e se um grupo está marcando para ir a uma balada e alguém diz que vai ficar lendo um livro, é encarado como estranho, pois não segue o padrão de entretenimento, que é balada, clube, diversão, curtição. Há grupos em que a pessoa que fala menos é a escolhida como o alvo de brincadeiras, "- Tá falando muito o cara aí ...", acho que acontece porque as pessoas preferem "gastar saliva" do que ficarem "mudas", nem que seja para falar do tempo, da vizinha, do Big Brother.

sandra amaral 25 de Outubro de 2009 14:57  

Quando li, me vizualizei, eu era de falar muito, mesmo lendo, depois que me converti, diminui em falar, pois comecei a pensar pra falar.Mas agora q estou cursando a faculdade de Psicologia, leio tanto q as vezes perco a noção da hora...e isso realmente e muito bom, mesmo q nao sejamos compreendidos na maioria das vezes.Amei sua colocação,pois é assim q me sinto!

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