quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sobre a Redução da Jornada de Trabalho

Na última terça-feira tive um demorado debate virtual com meu amigo Glauber Ataíde sobre política e economia. Ele, comunista e filiado ao PC do B e eu, social democrata, ainda em busca de um partido político que seja compatível com minhas idéias (PPS, PSB e PV são algumas possibilidades).

O debate correu por uma série de questões pertinentes e, uma delas, foi a questão da jornada de trabalho. Como um bom comunista, Glauber argumentou que a jornada de trabalho em nosso país é muito alta e que todo trabalhador é, por esta e outras razões, explorado pelo sistema capitalista “burguês”.

Coincidentemente, está atualmente em discussão no legislativo uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sobre a redução da jornada de trabalho no país, de 44 horas semanais, para 40 horas semanais. A PEC ainda está em processo de trâmite em Brasília e precisa ser votada na Câmara e no Senado antes de entrar em vigor. Neste período de debates, opiniões das mais variadas surgem.

Hoje (quarta-feira, 26 de Agosto) pela manhã Glauber e eu tivemos mais uma discussão, desta vez menor, mais específica e via Twitter. O motivo foi exatamente esta PEC. Glauber postou em seu Twitter um texto escrito por Marcio Porchmann, economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicadas (IPEA). Para o economista, a jornada não apenas deve ser reduzida, mas deveria ser reduzida para 12 horas semanais! Algumas preocupações apresentadas pelo economista são válidas e dignas de reflexão:

“Estamos cada vez mais ignorantes. De cada dez jovens com 18 a 24 anos de idade, apenas um está estudando”, diz Pochmann, criticando a ida cedo ao mercado de trabalho por causa da falta de condições da família em manter os jovens na escola.

Pelos cálculos do economista, existem estudante com jornada de 16 horas, isso levando em conta as oito horas no emprego, quatro na faculdade e quatro para o deslocamento. “É uma jornada de trabalho igual a dos operários do século XIX. Como é que alguém vai ter tempo de ainda abrir um livro? Estudar e trabalhar não combina.”

Pois bem. Realmente as preocupações levantadas pelo economista são relevantes. Eu mesmo, por exemplo, por todo ano de 2008 acordava às 6:00 da manhã para ir trabalhar e ia dormir à 00:30 depois que chegava da faculdade, de segunda a sexta – e aos sábados ainda estudava de 7:40 às 13:00. E confesso ainda que só podia me dar ao luxo de levantar às 6:00, pois meu pai de dava carona de moto ao trabalho, senão teria de acordar às 5:30 ou antes.

Certamente, um país que pretende melhorar seus índices de educação e de capacitação de mão de obra precisa rever algumas posturas em relação à jornada de trabalho. E, acredito, isto está acontecendo como, por exemplo, com o debate que está ocorrendo atualmente.

Mas nem tudo são flores. Existem vários problemas aparentes caso se diminua bruscamente a jornada de trabalho. Como eu argumentei com Glauber, o mais evidente deles é o aumento da inflação. Menos horas trabalhadas geralmente corresponde a menos produção, e menos produção corresponde a aumento de preço no mercado.

Glauber discordou de mim (sem explicar onde minha crítica peca), mas pensemos em um caso prático: você possui uma empresa que produz shampoo que contém 50 funcionários. Ou seja, o total de horas trabalhadas é de 2200 por semana. Como bom capitalista, você tem exatamente a quantidade exata de funcionários que você precisa para produzir a demanda que o mercado te pede (afinal, se o que os comunistas dizem sobre o patrão visar apenas o lucro for verdadeiro, ele jamais vai empregar empregados além da conta do que ele precisa). São necessários 2200 horas para produzir X de produção, e você tem 50 funcionários trabalhando 44 horas para atingir X. Se fosse necessários menos horas, você certamente teria menos funcionários.

Então a PEC referente à redução da jornada de trabalho é aprovada. Seus 50 funcionários que antes trabalhavam 2200 horas semanais agora vão poder trabalhar apenas 2000, ou seja, para chegar ao número de 2200 horas semanais necessárias para se chegar a X, você vai precisar contratar mais 4 funcionários. Obviamente, você, como patrão, não vai querer tirar do seu bolso este custo de 4 salários (mais os benefícios, tributos e contribuições) e vai aumentar o preço do seu produto para compensar as despesas.

O mesmo ocorrendo em todas as empresas do país = pressão inflacionária.

Glauber não explicou porque, mas afirmou categoricamente que a redução da jornada de trabalho não aumentaria os preços dos produtos. De acordo com ele, “o avanço tecnológico permite sim essa redução de jornada, mantendo a produção”. Pergunto ao meu amigo Glauber, acaso já temos tecnologia suficiente para tal? Se sim, porque os maldosos e vilões “patrões” ainda empregam seus funcionários, uma vez que com o “avanço tecnológico” não é necessário manter o número de funcionários que estão trabalhando? Não são os próprios comunistas que dizem que os patrões visam apenas o lucro, e só o lucro? Ora, mas se eles mantêm um contingente de funcionários sem precisar, não estariam eles agindo bem e olhando além do "lucro"?

Ante uma aprovação desta PEC, um patrão se viria com as seguintes opções: (a) diminuir sua produção e manter o mesmo número de funcionários; ou (b) contratar mais funcionários e repassar o custo adicional para o preço final do produto. Em qualquer das opções escolhidas haverá contribuição para o aumento da inflação. Usando palavras do próprio Glauber, isto é “ABC da economia”: diminuição da produção ou aumento dos preços pressiona o aumento da inflação.

Nos jornais de hoje, especialistas em várias áreas comentaram sobre esta PEC:

Michel Aburachid, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário no Estado de Minas Gerais (Sindivest-MG), disse ao Jornal do Comércio que “se a mudança for aprovada será, literalmente, o fim das confecções em Minas Gerais”. Uma vez que a indústria do vestuário está perdendo mercado internacional (e até nacional) por causa da indústria chinesa (na China a carga horária semanal é de 60 horas) e da queda do Dólar ante ao Real, uma diminuição da carga horária seria altamente prejudicial ao setor.

E olha que estamos falando em uma redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas. Imagine o caos que este país ia virar se alguma idéia louca como a de Marcio Porchmann fosse aprovada!

Mas, falando de forma mais geral sobre este PEC, apesar do risco de inflação, acho que seria uma mudança proveitosa, sim. Se for bem organizada, será uma boa mudança. Antes de qualquer coisa, um trabalhador feliz e satisfeito produz em 40 horas muito mais do que um trabalhador indisposto em 44. Obviamente, nenhuma alternativa é aprovada sem antes se calcular os riscos (especialmente quando o risco é de inflação) e o governo possui algumas boas ferramentas que podem ajudar a conter o aumento de preço por parte dos produtores. Uma delas seria, talvez, diminuir a carga tributária aos setores que gerarem mais empregos em razão da diminuição da jornada de trabalho. Assim, o empregador veria seu custo com funcionários aumentar, porém, em contra-partida, teria alívios fiscais que compensariam este custo. Enfim, a PEC precisa ser debatida, o que não se pode é aprová-la irresponsavelmente sem pensar nas conseqüências negativas que ela pode trazer, nem descarta-la sem pensar no que ela pode trazer de bom à população, aos empregadores e ao Estado.

O importante é ter ciência de que, em economia, não existem respostas prontas e pré-fabricas, como os comunistas às vezes passam a impressão que é. Sempre existe "se" ou "mas" quando se pensa em alguma possibilidade econômica. Reduzir a jornada de trabalho é bom? Alivia a "carga" do trabalhador? Dá mais tempo para ele ficar em casa descansando? Sim, mas quais serão as consequências disto a curto prazo? E a longo prazo? Quem serão os mais prejudicados? Devemos pensar em todas estas questões antes de dar um veredicto, não postular sonhos como se fossem realidade.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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