segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Porque o lobby do movimento "Intelligent Design" agradece a Deus por Richard Dawkins

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Artigo escrito por Madeleine Bunting. Publicado no The Guardian em 27 de Março de 2006.

Traduzido por Eliel Vieira (eliel@elielvieira.org) em 17 de Agosto de 2009.

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Darwinistas anti-religiosos estão propagando uma falsa dicotomia entre fé e ciência que ajuda os criacionistas

Na noite de quarta-feira, em um debate em Oxford, Richard Dawkins vai receber os aplausos por sua longa e produtiva carreira intelectual. Trata-se do 30º aniversário da sua muito influente obra O Gene Egoísta. Um festschrift[1], “How a Scientist Changed the Way We Think” [Como um Cientista Mudou a Maneira de Pensar], foi publicado este mês, com contribuições de estrelas como Philip Pullman.

Uma semana atrás foi a vez do filósofo norte-americano Daniel Dennett, segundo, atrás apenas de Dawkins, no ranking mundial dos darwinistas contemporâneos, ser homenageado com uma série de leituras e debates nos EUA em razão do lançamento de seu livro sobre a religião “Breaking the Spell” [Quebrando o Encanto]. Ambos formam um bom time, um esbanjando generosos elogios ao outro na medida em que Dennett tenta comportar sua disciplina nas descobertas científicas de Dawkins.

O curioso, no meio destas celebrações, é a proeminência destes dois darwinistas para um grupo inesperado: o movimento Intelligent Desing americano. Huh? Dawkins, particularmente, se tornou a personalidade favorita deles.

Como isto é possível? William Dembski (um dos líderes do movimento Intelling Design americano) mencionou isto em um e-mail enviado a Dawkins: “Eu sei que você não acredita em Deus, mas eu gostaria de agradecê-lo pelo maravilhoso trabalho que você tem prestado para o teísmo e para o Intelligent Design mais especificamente. Na verdade, eu costumo dizer aos meus colegas que você e seu trabalho são um dos maiores presentes de Deus ao movimento Intelligent Design. Então, por favor, continue assim!”.

Mas enquanto Dembski, Dawkins e Dennett estão brindando com champagne por seus diferentes motivos, existem aqueles que não se agradam nem um pouco com esta festa. Michael Ruse, um proeminente filósofo darwinista (e agnóstico) americano, com alguns livros neste assunto, está irritado: “Dawkins e Dennett são realmente perigosos, moral e legalmente”. A essência do argumento de Ruse é que o darwinismo não conduz inevitavelmente ao ateísmo, e afirmar que ele conduz (como Dawkins faz) dá ao movimento Intelligent Design uma brecha legal: “se o darwinismo equivale ao ateísmo, então ele não pode ser ensinado nas escolas americanas por causa da separação constitucional entre igreja e Estado. Isto dá aos criacionistas um caso legal. Dawkins e Dannett estão dando a estas pessoas uma grande ferramenta”.

Não há lugar para satisfação, argumentou Ruse em um almoço semana passada em Londres. A decisão da corte contra o ensinamento do Intelligent Desing em algumas escolas da Pensilvânia em Dezembro passado talvez tenha sido um golpe contra o lobby, mas agora a estratégia do lobby criacionista/intelligent-designer é “mudar o discurso no nível acadêmico”. O Centro Nacional para Educação Científica acredita que pelo menos 20% das escolas americanas estão ensinando o criacionismo de alguma forma. A evolução está perdendo a batalha, disse Ruse, e isto é culpa de Dawkins e Dennett com seu ateísmo agressivo: eles são os melhores recrutas do criacionismo.

Ruse chegou a um momento ousado de sua carreira. Ele prefaciou o ensaio sobre o festschrift a Dawkins com a citação de Dembski mencionada acima e prosseguiu declarando que “senti intensamente irritado com Dawkins... é ruim demais brigar com um inimigo tendo que vigiar meu traseiro em razão dos meus amigos“. Os editores ficaram horrorizados e ordenaram que Ruse reescrevesse o prefácio de forma diferente – o que ele convenientemente fez.

Mais ousado ainda, Ruse colocou na net uma troca de e-mails entre ele e Dennett na qual ele acusou seu adversário de ser um “desastre absoluto” e que se recusa a estudar a cristandade seriamente: “é um plano tolo e grotescamente imoral afirmar que os cristãos são simplesmente uma força do mal”. A resposta de Dennett consistiu apenas de uma única linha opaca: “Eu duvido que você acredite em tudo o que você disse”.

Mas Ruse conseguiu um ponto. Por todos os Estados Unidos, a batalha sobre a evolução no ensino de ciência prossegue. Só no mês passado tivemos projetos de lei em Nova Iorque, Mississipi, Nevada e Kansas promovendo o Intelligent Desing. Em Novembro passado o estado do Kansas promulgou uma nova definição de ciência que permite explicações sobrenaturais para os fenômenos naturais. Uma secretaria de educação do Kansas se rebelou mês passado, acusando a decisão do estado de “uma crença extremamente falsa de que a ciência evolucionária e o método científico são baseados em uma filosofia ateísta. Promover este falso conflito entre ciência e fé cria barreiras desnecessárias”. No centro de todas estas controvérsias locais está a firme crença de que o darwinismo conduz ao ateísmo, aliás, que o darwinismo é ateísmo. Por todos os Estados Unidos, um bruto e errôneo conflito está sendo criado entre ciência como ateísmo e religião.

É importante que a Grã-Bretanha se mantenha longe desta armadilha na qual a América caiu, não apenas porque ela põe em perigo a boa ciência, mas porque existe um debate fascinante acontecendo sobre o que o método científico pode revelar sobre a fé, e o que os teólogos podem nos dizer sobre a ciência. Um barco de disciplinas, da biologia evolucionária e psicologia à antropologia, estão gerando novos insights dentro deste fenômeno humano persistente: a crença religiosa. Nas melhores partes de seu livro, Dennett escreve sobre isto, como o faz também Lewis Wolpert em seu novo livro, Six Impossible Things Before Breakfest [Seis Coisas Impossíveis Antes do Café da Manhã]. Wolpert argumenta que a origem da crença religiosa está ligada à nossa exclusiva capacidade de criar ferramentas; Dennett relaciona a origem do fenômeno religioso a um instinto de sobrevivência de atribuir personalidade a fenômenos.

Ambos, Dennett e Wolpert, reconhecem que a religião pode ter provido vantagens evolutivas aos humanos. Existem boas evidências de que a fé melhora a saúde mental e o otimismo, e reduz o stress; o shamanismo, com seu efeito terapêutico, foi o melhor sistema de cuidado com a saúde por milhares de anos. Dennett menciona aqueles que argumentam que a fé melhora a cooperação interior aos grupos (embora não entre eles). Este argumento levanta a questão crucial se, em uma era de globalização e recursos limitados, a religião deixou para trás sua vantagem evolutiva.

Este é o tipo de discussão que queremos ter em nosso país, mas nós ainda não estamos a salvo das falsas dicotomias do tipo americano entre fé e ciência (que trariam fortes conseqüências aos milhares de jovens mulçumanos que estudam ciência neste país). Na época em que Rowan Williams, o arcebispo de Cantuária, fez uma intervenção útil e inequívoca rejeitando o criacionismo, Charles Clarke, em uma conferência sobre fé no estado, se sustentava perigosamente no provérbio: “este é um bom debate para se ter nas escolas”. Mal percebia ele que estava usando uma linha chave do manual do lobby criacionista: “ensine a controvérsia”.

Sejamos claros, Clarke está errado – alguns debates não são dignos de se ter. Ninguém argumentaria que seria um projeto útil pesquisar teorias sobre a terra plana, então, por que o Intelligent Design? Mas se você concorda com isto, então você pode concordar também que alguns debates são tão corrompidos pelo preconceito e ignorância que não vale a pena tê-los.

Todos os protagonistas em um debate possuem uma responsabilidade moral de assegurar que o ar quente que eles despendem gere luz, não apenas calor. Este é um ponto que escapa a Dawkins. Seu livro sobre religião, Deus, um delírio, será lançado neste outono. Dembski e o movimento Intelligent Design já devem estar ajoelhados, agradecendo a Deus.

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Notas:

[1] - No mundo acadêmico, um "Festschrift" é um livro homenageando a um acadêmico respeitado. O termo, emprestado do alemão, poderia ser traduzido como uma "publicação de celebração”. Um "Festschrift" contém contribuições originais oferecidas ao homenageado por seus mais próximos colegas acadêmicos, geralmente incluindo seus passados estudantes de doutorado. Em geral é publicado por ocasião de algum aniversario. Um "Festschrift" pode variar desde um volume pequeno até uma obra de varios volumes. Frequentemente inclui contribuições importantes para bolsas de estudo ou para a ciencia. (Nota do tradutor)

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Traduzido para o português por:

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


3 comentários:

Andreas 18 de Agosto de 2009 07:25  

Saudações Eliel, Lux aqui.


Parabéns pela matéria e caso te interesse, ocorreu na Romênia, um fato curioso.

Foi excluído da grade o ensino da "evolução", ou seja, este país e suas futuras gerações foram "vitimas" dessa falsa guerra.
Não duvido muito que ocorra o mesmo com os USA e em outros países onde há um certo aumento dos movimentos neo-pentecostais.

Fernando R Sousa 18 de Agosto de 2009 09:56  

como diria bill maher, não é preciso ensinar dois lados de uma historia se um deles é uma besteira

afinal, ninguem ensina que as crianças vem da cegonha neh?

Eduardo Vaz 18 de Agosto de 2009 10:11  

É isso ai... na verdade essa proposta ateista ja vem sendo considerado fé por muitos filosofos e como tal deve ser banida das escolas.. Achei o texto bem critico á medida da verdade, um vez que de fato mostra a cara religiosa do designer inteligente..

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