sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Ser Diferente e Igual a Todo Mundo

Esta semana li o livro de Eclesiastes, escrito (acredita-se) pelo Rei Salomão, filho de Davi. Já o havia lido antes, uma ou duas vezes, mas desta vez, as palavras invadiam minha consciência de forma diferente. Percebi alguns aspectos que não havia percebido antes e aprendi algumas coisas interessantes (e perturbadoras).

Na verdade, apenas reaprendi coisas que já sabia. Todos nós possuímos conhecimentos que, consciente ou inconscientemente, negligenciamos. Sócrates já dizia que todo o conhecimento já está dentro de nós e que precisamos apenas pari-lo.

Enfim, sempre fui considerado uma pessoa “diferente”. Desde que me entendo por gente as coisas menos populares me agradam mais do que as coisas populares. A começar pelo gosto pelo Heavy Metal, último estilo musical que se espera que um filho de pastor vá gostar. Bem, não era o único, logo logo encontrei uma turma de amigos cristãos que também curtiam um Rock ‘n Roll pesado.

No passar dos dias, estes amigos começaram a tender para duas ramificações do Rock Pesado chamadas “Hard Core” e “New Metal”, eu, diferente, tendi para uma totalmente oposta: o "Death Metal". Posteriormente, indo contra toda a tendência de Rockeiro que tinha, comecei a escutar (e apreciar) música brasileira de raiz e música clássica (que também não são estilos musicais muito apreciados pela população na minha faixa etária).

Porém, ainda quando estava dentro desse âmbito underground do Heavy Metal, onde pouca importância se dá às regras, às normas e ao estudo, decidi ser diferente e entrei para um Seminário Teológico. Dentro do seminário, indo contra o "normal" comecei a ler livros e estudar por conta própria assuntos que nenhum cristão gosta de estudar: Filosofia e Ciência.

Saí do Seminário poucos meses após entrar. Não me sentia à vontade com as regras. O Seminário seguia uma linha soteriológica Arminiana e eu em contra-partida era Calvinista. Quanto à constituição do ser humano, o seminário seguia a linha tricotomista enquanto eu era dicotomista.

Sempre fui diferente.

Aliás, acho que sempre fui eu mesmo, por isso sempre fui diferente.

Voltando ao Eclesiástes, a impressão que nos dá ao ler este livro é que Salomão estava fatigado. Após observar a forma como as coisas ocorriam no mundo, ele percebeu que o mundo não tem sentido, que nada é novo. Tudo é apenas uma grande repetição.

As palavras “sempre” e “nunca” são muito utilizadas para demonstrar que o que aconteceu nesta geração sempre aconteceu e sempre acontecerá e que o que não aconteceu nesta geração nunca aconteceu e nunca acontecerá.

Atormentava Salomão observar que ao morrer as pessoas não levarão nada do que elas conseguiram aqui. As pessoas trabalham, se sacrificam de sol a sol, e suas riquezas vão ficar aqui para alguém que não fez nada para a merecê-las. Tanto o trabalhador quanto o preguiçoso morrerão nus, sem levar nada daqui. Salomão se referiu a isso no livro de Eclesiástes como “mal terrível”.

Para o desespero de Salomão tudo era sempre igual. Tudo, no fim, é correr atrás do vento. Tudo, enfim, é vaidade.

Caiu a minha ficha. Sempre me orgulhei do fato de ser diferente, de não compactuar com o que eu considerava “porcaria” no mundo que vivemos. Ouvir uma pessoa dizer “Nossa! Você é muito diferente!” era tão prazeroso quanto ouvir a 5ª Sinfonia de Beethoven. Mas, no fim, o que eu sou senão mais um que corre atrás do vento?

Criticar a vaidade do mundo é uma vaidade também. Criticar a Globo, criticar o Bush, criticar o Lula, criticar o Capitalismo, criticar o MST, criticar o Dunga. Tudo é vaidade. Somos todos vaidosos e todos estamos correndo atrás do vento.

Mesmo sendo diferente, eu sou apenas um “Maria vai com as outras” e, mesmo que não fosse, que vantagem eu teria em relação a um que é? Ambos vamos para o mesmo lugar após a morte sem levar nada daqui.

A descoberta deste conhecimento realmente traz certo desespero.

Salomão diz que: “Pois quanto maior a sabedoria, maior é sofrimento; e quanto maior o conhecimento, maior o desgosto”. (Ec 1:18).

O maior conhecimento que podemos atingir é que não sabemos nada, dizia Sócrates. Somente quem não sabe nada afirma saber alguma coisa.

Melhor terminar aqui, escrever este texto me deixou mais confuso do que eu já estava antes de escrevê-lo.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Hoje é Dia de Colheita! Será?

Na igreja evangélica em que freqüentei dos 16 aos 22 anos acontecia (e devem acontecer até hoje) uma vez por mês, nos cultos da última semana no mês, os “cultos de colheita”. Sempre tive minhas reservas em relação a esta pratica, mas nunca havia escrito sobre ela. Como os cultos de colheita (mesmo que não recebam este nome) são uma prática comum nas Igrejas Evangélicas de segmento neo-pentecostal, decidi colocar no papel minhas considerações.

Para começar, vou explicar como funcionam estes cultos. Os “cultos de colheita” têm por objetivo final “ganhar novas almas”. Trazer novas pessoas para a igreja.

Tudo é preparado especialmente para este “tipo” de culto. As orações são direcionadas a este propósito (de ganhar novas “almas”); o período de louvor conta no início com músicas mais animadas e posteriormente com músicas mais cadenciadas, estas com letras que contêm algum apelo emocional (algumas músicas chegam a ser até depressivas).

O sermão dos “cultos de colheita” também é preparado de forma especial. A começar pela própria palavra “sermão” que não é usada (sendo substituída por “mensagem”). A “mensagem” costuma ser bem auto-astral, de fácil entendimento, com algumas piadinhas contadas pelo pastor durante o decorrer do culto para “quebrar o gelo”. A “mensagem” dada contém o mesmo apelo emocional cujo objetivo era conduzir a pessoa não-cristã a uma reflexão sobre o Evangelho. Fala-se muito sobre dificuldades financeiras e problemas de família, assuntos que, num país em desenvolvimento como o Brasil, estão presentes na casa de quase todas as famílias. Após lembrar o visitante que ele está sofrendo destes problemas, a mensagem do pastor apresenta a solução: Jesus. É mais ou menos assim.

Todo o culto de colheita é preparado de forma especial. Os diáconos sorriem mais, algumas vagas na garagem são reservadas para não-cristãos, o louvor exala energia e auto-astral, a mensagem é de fácil entendimento e o pastor fala o que as pessoas querem ouvir.

Na hora do “apelo”, outra característica especial é observada nestes cultos de colheita: não há um apelo direto. O pastor diz algo como:

- Irmãos, todos vocês, curvem a cabeça e fechem os olhos [...] agora repitam todos comigo essa oração: Senhor, eu entrego a Ti minha vida [...] Amém!

Então o pastor cautelosamente diz:

- Permaneçam todos de olhos fechados. Irmão, você que esta visitando esta igreja e que fez esta oração pela primeira vez, venha aqui à frente. Queremos orar por você [...] Não deixe de receber vitória na sua vida, venha!

Alguns, impelidos pela Graça de Deus através do Espírito Santo ou simplesmente comovidos pelo apelo emocional feito pelo pastor, vão à frente e repetem as palavras proferidas pelo pastor..

Após os que estão lá na frente repetirem o que o pastor pediu para eles dizerem (sem eles terem a mínima noção de que estão aceitando Jesus) os membros da igreja fazem festa. Gritam, assoviam e aplaudem. Faixas de “Bem vindo à sua nova família”, que já estavam guardadas no meio da igreja desde o inicio do culto, são estendidas. Depois que os “novos evangélicos” recebem uma oração eles são encaminhados a uma salinha onde saboreiam um delicioso lanche: coxinhas, pastéis, empadas, refrigerante, suco, etc.

A pessoa que visitou a igreja sai de lá com uma ótima impressão: lugar para estacionar o carro (se ela tiver ido de ônibus alguém irá lhe dar carona e lhe deixar na porta da casa), músicas animadas no período de louvor, mensagem bonita e atual dada pelo pastor, lanche for-free, etc.

Em algumas igrejas alguns aspectos são diferentes, mas basicamente os cultos de colheita acontecem desta forma.

Por que “culto de colheita”?

De acordo com interpretação dos evangélicos, a mensagem do Evangelho é a Semente, o mundo é o Campo onde a mensagem deve ser semeada e os novos cristãos são os Frutos a serem colhidos. O nome “culto de colheita” possui esse nome porque a igreja espera, nestes cultos, colher o maior número de novas “almas”.

Porém, basta pensarmos um pouquinho para percebemos que esta prática é incoerente com o nome que a define.


Período entre Plantio e Colheita


Em qualquer plantação existe um período de espera entre o plantio e a colheita. Nenhuma semente dá frutos duas horas após ser semeada. Entre o plantio e a colheita da alface, tem-se um período de 50 dias; no caso da cenoura, o período é de 120 dias; a beterraba gasta 60 dias; etc.

Qualquer semente precisa de um período para dar um fruto. O Evangelho não deve ser diferente. Entre a plantação da mensagem do Evangelho e a colheita de um novo cristão deve existir um tempo para que a mensagem se transforme em fruto.

Os crentes mais inconstantes e mais inseguros em relação à fé, em grande maioria, são aqueles que “aceitaram Jesus” nos cultos de colheita. Os que “aceitam Jesus” nos cultos de colheita e permanecem firmes na fé, em grande maioria, são pessoas que já estavam sendo “semeadas” há mais tempo por algum amigo ou familiar cristão.

É necessário à mensagem do Evangelho, como a qualquer outra semente, um tempo para que ela dê frutos na vida de alguma pessoa. Também não deve ser negligenciado que cada fruto demora um tempo específico desde que sua semente foi semeada. Cada pessoa demora um tempo para assimilar a mensagem do Evangelho. Algumas possuem mais dúvidas que as outras, outras possuem mais medo, outras mais barreiras, outras menos. Cada pessoa é um universo próprio de sentimentos, dúvidas, experiências e emoções.


O Preparo da Terra Que Vai Receber a Semente


Antes de jogar qualquer semente no solo, um bom semeador prepara a Campo que vai recebê-la. Começa-se com arado da terra; depois “alimenta-se” a terra com adubos e outras substâncias orgânicas; terrenos muito secos precisam ser irrigados antes do plantio; etc.

Que preparo a Igreja dá ao mundo antes de lançar o evangelho no mundo?

Nenhum!

Semear o Evangelho num mundo onde milhões de crianças morrem de fome diariamente é o mesmo que jogar uma semente em um solo duro, seco e sem vida.

Podemos perceber claramente nos Evangelhos que Jesus se preocupava em saber quais eram os anseios das pessoas, o que as afligia, o que elas queriam. Jesus curava os doentes, alimentava famintos e aconselhava os depressivos antes de falar das boas novas. O cuidado e a preocupação com as necessidades das pessoas (principalmente dos pobres) era o preparo do terreno para sua mensagem gerasse frutos.

Ajudar os necessitados hoje está muito mais fácil do que na época de Jesus e a Igreja negligencia sua responsabilidade. A Igreja não prepara o terreno para plantar a semente. Ela joga a semente no mundo do jeito que o mundo está (isso quando os próprios cristãos não são os responsáveis pelo endurecimento do solo no mundo).


Conclusão


Para que uma boa colheita aconteça é necessário que uma série de fatores seja observada. Citei dois fatores neste texto (devem existir mais, não sou agricultor e meu conhecimento sobre plantio e colheita é apenas superficial). Podemos concluir que não se faz plantação e colheita em um culto de duas horas. A não ser modifique a semente em laboratório (transgênicos) para que ela dê fruto mais rápido.

É isso que a igreja faz. Modifica a mensagem do Evangelho para que ela dê fruto mais rápido, achando que está fazendo bom negócio ao economizar todo o tempo que ela deveria gastar no preparo do terreno (mundo) e na espera da semente (mensagem do evangelho) se transformar em fruto (novo cristão).

Crentes transgênicos nascem destas experiências, deformados, fracos, inconstantes e que, cedo ou tarde (geralmente cedo) morrem espiritualmente.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
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