segunda-feira, 22 de junho de 2009

Deus e a Pedra Que Não Pode Ser Movida

Semana passada eu participei de um debate muito proveitoso na internet sobre a suposta autocontradição existente no conceito da onipotência de Deus. Digo muito proveitoso, pois o nível em que se deu o debate me surpreendeu: as discussões se concentraram no campo metafísico-ontológico e praticamente não houve ofensas (algumas poucas palavras mal escolhidas, porém compreensíveis, dado o calor do debate em alguns momentos).

A questão debruçada no debate foi: a onipotência é um atributo impossível, pois é autocontraditório. Os que argumentaram a favor este ponto, o fizeram baseando-se no paradoxo da possibilidade de Deus poder criar uma pedra tão pesada que ele mesmo não possa levantá-la. Se Deus não pode criar esta pedra, argumentam os ateus, ele não é onipotente; se ele puder criá-la, ele também deixará de ser onipotente, pois uma impossibilidade ao ser onipotente passaria a existir no universo.

A objeção por parte daqueles que não concordaram com a veracidade deste paradoxo (diga-se de passagem, a objeção mais contundente levantada foi feita por um filósofo não-teísta, não por um cristão) sustentou-se na seguinte argumentação: uma pedra que não pode ser movida até mesmo por um ser onipotente não é uma entidade de existência possível, pois carrega em si uma contradição em relação às suas propriedades.

Pretendo aqui neste texto apresentar um resumo dos pontos argumentados neste debate, responder a algumas questões e, no final, levantar outra questão em relação à possibilidade de existência desta pedra que passou despercebida no debate ocorrido.


A Pedra Tão Pesada Que Nem Deus Pode Movimentá-la


Como já disse anteriormente, a objeção levantada ao paradoxo da onipotência de Deus em relação à criação de uma pedra que não pode ser movimentada, diz que esta pedra (uma pedra tão pesada que não pode ser movimentada nem pelo ser onipotente) não é uma entidade de existência possível, pois ela carrega em si uma contradição.

“Qual é a contradição existente?”, os ateus insistiram em perguntar no debate. A favor de seu ponto eles argumentaram que a criação de objetos inamovíveis é uma tarefa possível, afinal, se nós (que não somos onipotentes) podemos criar objetos assim, como um Deus Onipotente (que, por definição, pode criar qualquer coisa) não pode?

Para enxergar a contradição, observe o silogismo abaixo:

1 – Um ser onipotente pode criar todas as coisas
2 – Um ser onipotente pode criar uma pedra tão pesada que Ele mesmo não pode movimentar.
3 – Se um ser onipotente cria esta pedra, logo passa a existir uma tarefa que ele não pode realizar: movimentar esta pedra.
4 – Logo, se Deus pode todas as coisas, uma coisa ele não pode fazer.
5 – Portanto, se Deus é onipotente, ele não é onipotente.

A contradição – conforme a resposta apresentada e sustentada ao longo do debate – é observada na premissa (2), pois uma pedra tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada nem pelo próprio Ser Onipotente não é uma entidade de existência possível. Existe uma contradição na idéia desta pedra, pois, em termos metafísicos, ela possui e não possui ao mesmo tempo a propriedade de poder se mover.

Observe: se a pedra está em relação com um ser onipotente (que, por definição, pode movimentar qualquer coisa), logo ela é passível de ser movida e, ao mesmo tempo, não é passível de ser movida por ser, conforme a descrição desta pedra, impossível de ser movida até mesmo por um ser onipotente.

A estratégia dos argumentadores ateus no debate foi então de mostrar que esta pedra não precisa estar em relação necessariamente com o ser onipotente, assim, ela não ficaria fora do escopo de entidades de existência possível e seria assim passível de ser criada por um ser onipotente. Se ela não possuir a possibilidade de ser movida, logo ela não pode estar em relação com um ser onipotente. Esta conclusão interna foi levada tão a sério que um dos debatedores (logo no final das discussões) disse que:

Não estamos contando com a existência de um ser onipotente em todos os mundos possíveis nos quais existe a tal pedra. A existência dela independe da existência de tal ser.

Ora, isso simplesmente não faz sentido. Conforme a proposição ateísta inicial, esta tal pedra veio à existência a partir do próprio ser onipotente (Deus pode criar uma pedra tão pesada ao ponto de nem mesmo ele poder movimentá-la?) sendo assim, para sobrevivência do questionamento ateísta, esta pedra tem de estar em íntima relação com um ser onipotente, por duas razões: (1) foi através deste Ser que ela veio a existir e (2) por sua imobilidade absoluta estar sendo relacionada com as possibilidades de um ser onipotente.

Sabendo que uma “pedra tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada até mesmo por um ser onipotente” não pode ser uma entidade possível, os ateus (isso pode ser observado em todo o debate) argumentaram que “pedras inamovíveis” ou “pedras pesadas ao ponto de não poderem ser movimentadas” são entidades possíveis de serem criadas. Porém, não é esta entidade que eles estão tentando relacionar com o Ser Onipotente em questão. O argumento/questionamento ateísta é: Deus pode criar uma pedra tão pesada ao ponto de nem mesmo Ele conseguir movimentá-la depois?

Veja bem. A entidade que se pretende relacionar com a onipotência é uma “pedra tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada nem mesmo por um ser onipotente” não uma “pedra que não pode ser movimentada”.

Um ser onipotente pode muito bem criar uma “pedra que não pode ser movimentada”, aliás, toda e qualquer pedra é, em si, imóvel (isso será tratado com mais cuidado logo a seguir). Criar uma pedra imóvel é uma tarefa verdadeiramente possível. Porém, não é esta possibilidade que o argumento ateísta questiona. O que este argumento questiona é se Deus pode criar uma “pedra que nem mesmo o ser onipotente pode movimentar depois” e, este tipo de pedra – como já foi dito – não pode existir por carregar dentro de si uma contradição (possui e não possui ao mesmo tempo a propriedade de ser movimentável).

Os ateus (especificamente meu amigo Eli Vieira) argumentaram que nosso argumento de que a pedra possui uma contradição interna incorre na falácia petição de princípio, uma vez que nós aceitamos previamente a existência de tal ser onipotente quando vamos analisar a pedra inamovível. Porém, esta acusação também não faz sentido. Primeiramente, não foram os críticos ao argumento da “pedra inamovível” que postularam a relação entre esta pedra e o Ser Onipotente e sim os ateus. Foram eles que questionaram se Deus pode criar uma “pedra que nem mesmo o ser onipotente pode movimentá-la depois”. Segundo, a mesma crítica ateísta é cabível ao próprio argumento ateísta, pois eles aceitam sem nenhuma premissa aceitável que esta pedra (que conforme o argumento ateísta, veio à existência através de um ser onipotente) pode existir independente deste Ser onipotente e ainda pode ser usada para provar que a onipotência do Ser em questão é falsa.

Os ateus não perceberam que a idéia da pedra inamovível (por estar intimamente relacionada com um ser onipotente) é autocontraditória. O silogismo abaixo apresenta a incoerência interna da argumentação ateísta:

1 – A maior objeção em relação à possibilidade de onipotência é a existência de uma pedra que não pode ser movimentada nem mesmo por um ser onipotente.
2 – Conforme o argumento ateísta, a existência desta pedra inamovível está condicionada à existência de um ser onipotente, uma vez que é questionado se este Ser pode trazer à existência este tipo de pedra (Deus pode criar uma pedra...?)
3 – Se a onipotência não é possível, logo esta pedra absolutamente inamovível não pode vir à existência.
4 – Se a existência desta pedra é impossível, a maior objeção à possibilidade de onipotência é falsa.
5 – Logo, se a “objeção da pedra inamovível” é verdadeira, ela é falsa.
6 – Portanto, a onipotência é possível.

Se se pretende analisar a onipotência de Deus, não é petição de princípio considerar sua possibilidade de existência verdadeira na análise que for feita. Mesmo porque, para que o argumento ateísta tenha inicialmente algum sentido ele precisa levar em consideração a possibilidade de existência deste atributo em algum ser.


Mais Uma Objeção à Pedra Absolutamente Inamovível


Tudo o que foi apresentado acima não foi mais que um resumo do que foi levantado no debate já mencionado. Vou apresentar aqui outra objeção à idéia da pedra que é tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada até mesmo por um ser onipotente, que veio à minha mente neste final de semana.

Bem, é verdade que todas as pedras existentes são naturalmente imóveis. Não existe nenhuma pedra (pelo menos nunca se viu nenhuma) que possua em si a capacidade de se movimentar por si mesmo. A observação empírica nos dá sustentação epistêmica para dizer que, se vemos uma pedra rolando, algo gerou seu movimento inicial (ou a força gravitacional a puxou de alguma forma).

Sabemos também que nenhuma pedra é absolutamente inamovível. Toda pedra pode ser movimentada se for aplicada a ela uma força superior à resistência que ela impõe aos demais seres. Lembro de meu professor de Física do segundo grau dizendo que, quando fazemos flexões estamos, sob um prisma físico, tentado mover o planeta para além de nós. Como nossa resistência é menor que a resistência do planeta, nossa força volta contra nós mesmos e quem se move na verdade somos nós. Se uma pessoa de resistência maior que o planeta o empurrasse, o que se moveria na verdade seria o planeta.

Vale dizer também que a imobilidade não é uma propriedade estrutural de um objeto, e sim uma condição referente do mesmo em relação às demais entidades existentes. Veja bem: o monte Everest pode parecer absolutamente inamovível, porém, em relação à lua ele está em constante movimento, independente de sua imobilidade aparente. E, mesmo que se deixe de lado o aspecto referencial da imobilidade, ainda assim o monte Everest é passível de ser movimentado, desde que se aplique nele uma força superior à sua resistência.

O que seria uma pedra que nem mesmo um Ser onipotente conseguiria movimentar? Seria uma pedra cujo valor de resistência fosse maior que o poder infinito de um ser onipotente. Onde a impossibilidade de ser criar um objeto cuja resistência possua um valor superior ao infinito é possível, a não ser nos argumentos ateístas falaciosos?

É impossível existir uma pedra com valor de resistência superior ao infinito, logo, uma “pedra cujo peso seja tão grande ao ponto de não poder ser movimentada por um ser onipotente” não é uma entidade possível, portanto, não é passível de existir.

Se existe um Ser onipotente, Ele não pode criar uma pedra que nem mesmo ele possa movimentá-la depois. Mas não porque existe uma impossibilidade ao ser onipotente, e sim porque existe a esta pedra a impossibilidade de existir. Parafraseando C. S. Lewis, não cabe à impossibilidade de existência desta pedra o a não ser que, pois ela possui em si uma contradição (a pedra possui e não possui ao mesmo tempo a propriedade da imobilidade).

Nota-se, portanto, que a maior objeção relacionada à possibilidade de existir o atributo onipotência não possui sustentação lógica, pois se sustenta em uma premissa falsa. Citando novamente Lewis:

Combinações de palavras que não fazem sentido não adquirem sentido de repente só pelo fato de acrescentarmos a elas as palavras “Deus pode”.

Sendo Deus onipotente, continua a ser verdadeiro que Ele pode fazer todas as coisas. Pedras tão pesadas ao ponto de não poderem ser levantadas até mesmo por um Deus Onipotente não são coisas, são entidades de existência impossível por serem autocontraditórias, ou melhor, são não-entidades.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


1 comentários:

Blog do Jordanny Silva 21 de Outubro de 2009 11:32  

Para alguns, o debate levantado pode ser idiota... Entretanto, coloca traz a tona dúvidas acerca da onipotencialidade de Deus.

A questão acerca da natureza "autocontraditória" da existência da pedra acompanha uma boa lógica.

Entretanto, a grande questão, não é a impossibilidade de um ser onipotente criar ou não algo que Ele mesmo possa mover. Em um caminho mais inteligente, este Ser, simplesmente, como onipotente, poderia abrir mão de sua onipotência, fazendo com que a pedra se torne inamovível. Tal pedra pode ser criada se o Ser onipotente deixar de lado seu atributo da onipotência.

De toda forma, a existência de tal pedra, é dependente do Ser onipotente. E sua existência, simplesmente, revelaria o atributo da onipotência deste Ser... Pelo menos, até o instante em que decidiu criá-la.

Muito bom o seu blog... Não leve a sério o que eu disse não, blz? Estava apenas em um dos meus momentos de delírios...

Abraços!

Vou adicionar seu blog em minha lista...

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