segunda-feira, 29 de junho de 2009

Carta ao Ministério Peniel Sobre a Preocupação com os Universitários (Carta Estendida a Toda Igreja Cristã Brasileira)

No último Domingo (28/07/09), no núcleo da Igreja Batista Peniel no bairro Eldorado, durante a pregação sobre Apocalipse 3:8-13, a Pra. Jaqueline confessou ser uma preocupação atual do Ministério Peniel o ambiente com o qual os jovens cristãos se deparam nas universidades. Achei muito interessante a pastora ter citado esta preocupação e mesmo sabendo que o corpo eclesiástico da igreja está com toda atenção focada no Congresso do Ministério que acontecerá em alguns dias, saí do culto decidido a escrever um texto (em forma de carta) sobre esta questão.

Meu nome é Eliel Vieira, tenho 23 anos, e sou universitário desde os 21. A verdade nua e crua é que nunca tive preparo algum (da parte das igrejas onde freqüentei) em relação ao “entrar na universidade”. Apesar de ser verdade que eu ainda não freqüentava o Ministério Peniel quando fui ingressado ao ensino superior, acredito que a mesma regra de descuido para com seus pupilos esteja também em Peniel, uma vez que minha namorada iniciou seu curso universitário no início do presente semestre e não houve, por parte da Igreja, nenhuma manifestação visível que demonstrasse que o Ministério se preocupa de fato com os universitários.

Claro, existem inúmeras tarefas e preocupações a se cuidar em um ministério, ainda mais em um ministério como Peniel que mantém obras missionárias por todo o globo. Não pretendo tacar pedras no Ministério Peniel através desta carta. Pelo contrário, pretendo aqui elogiar a preocupação que vocês têm dito sobre os universitários e encorajá-los a trazer à existência esta preocupação na forma de estudos práticos que preparem efetivamente seus jovens pupilos ao ambiente universitário.

Sempre foi de minha preocupação, como estudante e como escritor, o triste fato da liderança evangélica nacional apresentar total despreocupação com o crescimento intelectual e racional de seus membros. Em meu texto A Importância da Reflexão na Igreja, escrito em Outubro de 2007, abordo exatamente esta preocupação quanto à apatia em relação ao “pensar” na Igreja. Na segunda parte deste mesmo texto eu advirto aos pais e aos pastores que confrontem os jovens ainda quando crianças com as dúvidas para que a fé delas seja fortalecida e que eles adentrem nas universidades cientes e conscientes daquilo que acreditam e pregam.

É pura perda de tempo ensinar os jovens da Igreja a mentira de que não existem objeções, a priori, contundentes à fé. Cedo ou tarde as objeções aparecem e, se o jovem não for preparado na Igreja de forma apologética (ou seja, aprender desde a adolescência a como defender a fé), a probabilidade de este jovem abandonar sua fé na sua mocidade é muito grande. E não estou sendo pessimista, apenas realista. Posso contar nos dedos quantos dos meus amigos da época de adolescência na Igreja ainda estão firmes na fé.

Acredito ser plenamente verdadeiro que a melhor maneira de fortalecer a fé de uma pessoa é através do ensino (Oséias 4:6). Com muito mais certeza também acredito que a melhor forma de se ensinar é através da dúvida, ou seja, na prática de instigar a mente daquele que está aprendendo ao raciocínio.

É do conhecimento de todos que realizamos um bem muito melhor a um faminto ensinando-o a pescar do que lhe dando um peixe toda vez que ele disser que está com fome. Da mesma forma, a Igreja Cristã (juntamente com os pais) prestaria um serviço muito maior ao Evangelho se ensinasse aos seus jovens a como pensar ao invés de ensiná-los o que pensar.

Um típico jovem cristão entra na universidade sem saber porque a Bíblia é de fato a Palavra Inspirada de Deus; sem saber porque Deus é um e ao mesmo três; sem saber explicar porque um Deus bom permite o sofrimento no mundo; etc. Se um professor de História argumentar que a história de Jesus Cristo é apenas um mito criado por judeus e rebeldes, pergunto, o que um jovem cristão aprendeu na Igreja que o capacite a responder de forma eficaz ao professor provocador? Sua única saída é se recolher, abaixar a cabeça, e servir de não-exemplo aos demais amigos de classe. Sei muito bem que a liderança evangélica brasileira, em geral, aconselharia um jovem como esse a testemunhar sua fé em detrimento do que o professor tenha falado. Porém, este tipo de prática não ajudaria em nada ao Evangelho (diria até que ela prejudicaria mais a fé do que ajudaria).

O apóstolo Paulo, por exemplo, era uma pessoa que sabia responder a todas as pessoas que lhe questionavam: fossem os judeus, fossem os gnósticos, fossem os romanos, fossem os helênicos. E não apenas Paulo, acredito que todos os cristãos primitivos tinham plena convicção de sua fé a ponto de conseguirem responder a todos os que os confrontavam. Em uma de suas cartas, o apóstolo Pedro disse que todos nós devemos estar preparados a dar razão da esperança que há em nós (I Pedro 3:15). Interessante nesta passagem é o fato de Pedro ter usado o termo grego Logos, ou seja, as pessoas vão pedir de nós explicações racionais, concatenadas e lógicas, e é este tipo de resposta que nós temos estar preparados para apresentar.

A verdade, porém, é que os jovens evangélicos saem para a universidade sem nenhum preparo para confrontar os padrões seculares lá presentes. Que jovem sabe o que é relativismo moral? Ou, qual deles sabe o que o pós-modernismo prega?

O quadro atual é realmente assustador. Charles Malik certa vez desabafou em um congresso em Wheaton/IL, EUA:

Por uma eficácia no testemunho de Jesus Cristo, bem como em favor de sua causa, os evangélicos não podem se dar ao luxo de continuar vivendo na periferia da existência intelectual responsável.

Para não dizerem que eu critiquei a Igreja Evangélica sem apresentar nenhuma proposta, sugiro algumas ações que, acredito, seriam muito válidas na tarefa de preparar os jovens quanto ao que enfrentaram nas universidades:

- Des-demonização de disciplinas “seculares” como Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Psicanálise, Biologia Evolutiva, etc;
- Tornar os jovens cientes e conscientes daquilo que acreditam e seguem;
- Ensiná-los a pensar;
- Torná-los conscientes também acerca das opiniões conflitantes e concorrentes existentes nas demais denominações, religiões e também sobre os pensamentos seculares existentes;
- Conscientizar os jovens quanto à importância do conhecimento social (economia, política e cosmovisão) do meio em que vivemos;
- Incentivá-los à leitura de jornais e revistas;
- Elaborar cartilhas e estudos práticos sobre pontos levantados pelo mundo contra a fé cristã;
- Ensinar aos jovens algumas estratégias de argumentação (introdução à retórica) para que os mesmos tenham capacidade de responder aos professores e amigos de faculdade que os confrontarem nas escolas.

Enfim, como disse, não foi minha intenção jogar pedras no Ministério Peniel, antes, minha intenção foi de fomentar ainda mais no corpo eclesiástico o desejo de preparar com excelência os jovens da congregação ao ingresso na universidade. Sugiro que esta preocupação esteja sempre na mente daqueles que lideram este ministério e, mais importante, que a preocupação deixe de ser platônica e tome forma prática de proveito aos pupilos.

Em Cristo,

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Dúvida: um pecado?

Ontem assisti um comercial de TV que terminava com a seguinte frase: “não são as respostas que movem o mundo, mas as perguntas”. Dormi refletindo sobre esta frase e hoje decidi escrever uma reflexão sobre o papel da “dúvida” na fé.

A dúvida, que é muito valorizada nas ciências investigativas – afinal, no dia que todas as dúvidas forem respondidas, não haverá mais ciência –, é vista com receio nos círculos religiosos. Percebe-se facilmente como as pessoas de fé têm pavor em relação às dúvidas.

Alguns cristãos tratam a dúvida como uma fraqueza; outros como um mal que entrou no mundo por causa do pecado do homem; e outros a tratam como o maior mal existente no mundo. Todos (com pouquíssimas exceções) concordam, porém, que a dúvida é algo prejudicial à vida do cristão. O discurso triunfalista evangélico exige que o crente não tenha dúvidas e, do lado católico romano, a infalibilidade da palavra do sucessor de São Pedro idem.

Por várias vezes eu fui censurado na igreja por ser sincero e dizer quais dúvidas eu tinha. Já duvidei da honestidade de alguns pastores (e fui censurado); já duvidei da veracidade de algumas profecias mencionadas na congregação (e fui censurado); já duvidei da sinceridade de algumas pessoas (e fui censurado); já duvidei do pastor que afirmou ter visto galinhas batizadas pelo Espírito Santo (veja aqui) (e fui censurado); já levantei dúvidas sobre alguns pontos da doutrina cristã (e fui censurado). Enfim, a maneira mais fácil de ser censurado na igreja cristã é levantar dúvidas sobre alguma prática aceita por seus “superiores” ou dizer que se está com dúvidas em relação a algum assunto.

Acho necessário deixar dois pontos bem claros antes de prosseguir: (1) não defendo que as pessoas devem ser voluntariamente ignorantes (ou seja, desejar sempre ter dúvidas sobre tudo) em relação aos assuntos que cercam nossa existência e (2) não defendo que as pessoas devem colocar a dúvida como modelo de caráter, em outras palavras, se tornarem céticas em relação às questões que nos envolvem.

O que eu pretendo defender neste texto é (1) a validade da dúvida na busca pelo conhecimento e na filtragem das informações que chegam a nós e (2) o direito que todos nós temos de ter dúvidas e de expressá-las.


A Validade da Dúvida


Todos nós possuímos um impulso inato de estabelecer dúvidas sobre qualquer coisa. Se nós não tivéssemos a capacidade e o impulso de duvidar, acreditaríamos em tudo o que tentasse se acomodar em nosso entendimento.

Se eu disser a você que a primeira coisa que fiz hoje quando acordei foi botar um ovo você certamente não acreditará em mim: você duvidará. Você pensará (se é que você vai refletir em alguma coisa antes de duvidar de mim) assim: “Bem, somente galinhas botam ovos e nunca ouvi falar de um homem que tenha botado um ovo. Não há razões, portanto, para acreditar que ele esteja falando a verdade”.

Se você possui a capacidade de duvidar da minha afirmação de que eu botei um ovo hoje pela manhã, e se você igualmente pensa que agiu bem duvidando de minha afirmação, acho bastante razoável concluir que nós possuímos uma capacidade natural de duvidar e que essa capacidade de duvidar não é algo prejudicial como você costuma ouvir na igreja que você freqüenta.

Levantar dúvidas sobre uma idéia que pretende se acomodar em nosso entendimento é algo benéfico ao nosso próprio entendimento. A dúvida age como um filtro que retém as más informações e libera as boas informações para que elas se assentem em nossa mente. Na Bíblia, em Atos 17, os cristãos da cidade de Beréia foram elogiados exatamente porque eles analisavam todos os ensinamentos dos apóstolos à luz das Escrituras, ou seja, eles duvidavam inicialmente de tudo e acreditavam apenas naquilo que era de fato embasado nos escritos sagrados.

A dúvida é benéfica, portanto, no sentido de que filtra todas as informações que chegam até nós diariamente. Sem a dúvida, jamais poderíamos duvidar de que 2 + 2 = 3947. Se duvidamos do resultado desta conta, e se esta dúvida é boa, é porque a dúvida age de forma benéfica à nós.

A dúvida é benéfica em outro sentido: ela nos impulsiona à busca do conhecimento.

Pense comigo: imagine como seria sem graça assistir a uma partida de futebol sabendo exatamente como as coisas vão acontecer. Todos concordam que o futebol é gostoso de assistir exatamente porque não se sabe o que vai acontecer, o futebol é gostoso de assistir porque temos dúvida do que de fato vai acontecer durante a partida. Uma maneira fácil de irritar alguém é ir a uma locadora de filmes e contar o final do filme para os que estão com o DVD na mão. Se não há dúvida sobre o que vem à frente, não tem graça assistir ao filme.

Toda pesquisa já feita pelo ser humano (seja científica, seja filosófica, seja teológica) foi feita a partir de uma dúvida, ou várias dúvidas. Por que as pessoas envelhecem? Por que os seres humanos possuem semelhanças com os macacos? Por que o céu é azul? O que Deus fazia antes de criar o mundo? Por que Deus mandou Jesus para morrer se Ele poderia simplesmente salvar a humanidade sem sacrifício algum? Por que um Deus bom manda pessoas para o inferno?

Enfim, toda a produção intelectual do mundo veio à existência porque as pessoas tinham dúvidas. Se não houvesse dúvidas, não existiria conhecimento.

Concluo, portanto, que o duvidar é totalmente benéfico ao ser humano pelas duas razões apresentadas acima. Vou agora defender o direito que as pessoas têm de terem dúvidas.


O Direito de Duvidar


Outro ponto que gostaria de argumentar neste texto é que todos nós temos direito de ter dúvidas. Ao contrário do que os evangélicos dizem, ter dúvidas (principalmente em assuntos espirituais) é absolutamente normal. Mesmo porque, até onde eu sei, o único ser Onisciente (ou seja, que sabe todas as coisas) é Deus.

A dúvida não é o contrário da fé, ela é intrinsecamente relacionada à fé. Ter fé é confiar em Deus mesmo diante das dúvidas existentes. Para entender melhor meu ponto, imagine o sol. Ninguém diz que tem “fé” na existência do sol, afinal, ele está aí em cima e todos podem vê-lo na hora que bem quiser. Você só pode ter fé em algo que não está absolutamente explícito, pois a fé é a ação de confiar em algo. Por isso a Bíblia define fé como “prova das coisas que não se vêem” (Hebreus 11:1), ou seja, uma prova daquilo que não se tem certeza, uma prova daquilo que se tem dúvida.

Uma pessoa pode muito bem ter fé em Deus e ter dúvidas sobre os atributos de Deus, ou sobre a ação de Deus no mundo. Por exemplo, é justo ter dúvidas se Deus realiza milagres nos dias de hoje na mesma freqüência com que ele realizava no passado; é justo se perguntar por que Deus permite a existência de tanto mal no mundo; é justo perguntar por que existe um lugar como o inferno.

O nono capítulo do evangelho segundo Marcos traz uma história muito interessante de um pai que levou seu filho até Jesus para que ele o curasse. Quando Jesus disse ao pai que seu filho poderia ser curado se o pai cresse, ele assim respondeu:

Creio, ajuda-me na minha incredulidade” (Marcos 9:24)

Ou seja, o pai na verdade queria acreditar que seu filho poderia ser curado da doença que ele tinha desde a infância, mas tinha dúvidas. Acreditar mesmo, ele não acreditava. Em outras palavras, o pai tinha fé, mas tinha dúvidas. Ele foi muito sincero ao admitir que mesmo vendo Jesus realizar tantos atos ainda tinha dúvidas. Jesus, então, a despeito da incredulidade do pai, curou a criança.

Sou uma pessoa de fé, confio e tenho esperança em Deus. Porém, tenho dúvidas. Alguns pontos da fé ainda são obscuros a mim mesmo após ler tantos livros. Aliás, a verdade é que quanto mais leio mais dúvidas surgem.

Porém, não tenho vergonha das minhas dúvidas nem de dizer que as tenho. Antes ser um duvidoso sincero do que um duvidoso que se esconde atrás de respostas pré-fabricadas formuladas por outros. Dúvidas todos têm, a questão é se você sinceramente admite que as tem ou se você tem vergonha delas.

Termino este texto com as profundas palavras de Madeleine L’Engle:

Os que acham que crêem em Deus, porém sem paixão no coração, sem aflição de mente, sem incerteza, sem dúvida e até mesmo, às vezes, sem desespero, crêem somente na idéia de Deus, e não no próprio Deus.

Talvez você tenha vergonha das dúvidas porque te ensinaram que elas são uma fraqueza ou um pecado, mas não são.



Eliel Vieira
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segunda-feira, 22 de junho de 2009

Deus e a Pedra Que Não Pode Ser Movida

Semana passada eu participei de um debate muito proveitoso na internet sobre a suposta autocontradição existente no conceito da onipotência de Deus. Digo muito proveitoso, pois o nível em que se deu o debate me surpreendeu: as discussões se concentraram no campo metafísico-ontológico e praticamente não houve ofensas (algumas poucas palavras mal escolhidas, porém compreensíveis, dado o calor do debate em alguns momentos).

A questão debruçada no debate foi: a onipotência é um atributo impossível, pois é autocontraditório. Os que argumentaram a favor este ponto, o fizeram baseando-se no paradoxo da possibilidade de Deus poder criar uma pedra tão pesada que ele mesmo não possa levantá-la. Se Deus não pode criar esta pedra, argumentam os ateus, ele não é onipotente; se ele puder criá-la, ele também deixará de ser onipotente, pois uma impossibilidade ao ser onipotente passaria a existir no universo.

A objeção por parte daqueles que não concordaram com a veracidade deste paradoxo (diga-se de passagem, a objeção mais contundente levantada foi feita por um filósofo não-teísta, não por um cristão) sustentou-se na seguinte argumentação: uma pedra que não pode ser movida até mesmo por um ser onipotente não é uma entidade de existência possível, pois carrega em si uma contradição em relação às suas propriedades.

Pretendo aqui neste texto apresentar um resumo dos pontos argumentados neste debate, responder a algumas questões e, no final, levantar outra questão em relação à possibilidade de existência desta pedra que passou despercebida no debate ocorrido.


A Pedra Tão Pesada Que Nem Deus Pode Movimentá-la


Como já disse anteriormente, a objeção levantada ao paradoxo da onipotência de Deus em relação à criação de uma pedra que não pode ser movimentada, diz que esta pedra (uma pedra tão pesada que não pode ser movimentada nem pelo ser onipotente) não é uma entidade de existência possível, pois ela carrega em si uma contradição.

“Qual é a contradição existente?”, os ateus insistiram em perguntar no debate. A favor de seu ponto eles argumentaram que a criação de objetos inamovíveis é uma tarefa possível, afinal, se nós (que não somos onipotentes) podemos criar objetos assim, como um Deus Onipotente (que, por definição, pode criar qualquer coisa) não pode?

Para enxergar a contradição, observe o silogismo abaixo:

1 – Um ser onipotente pode criar todas as coisas
2 – Um ser onipotente pode criar uma pedra tão pesada que Ele mesmo não pode movimentar.
3 – Se um ser onipotente cria esta pedra, logo passa a existir uma tarefa que ele não pode realizar: movimentar esta pedra.
4 – Logo, se Deus pode todas as coisas, uma coisa ele não pode fazer.
5 – Portanto, se Deus é onipotente, ele não é onipotente.

A contradição – conforme a resposta apresentada e sustentada ao longo do debate – é observada na premissa (2), pois uma pedra tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada nem pelo próprio Ser Onipotente não é uma entidade de existência possível. Existe uma contradição na idéia desta pedra, pois, em termos metafísicos, ela possui e não possui ao mesmo tempo a propriedade de poder se mover.

Observe: se a pedra está em relação com um ser onipotente (que, por definição, pode movimentar qualquer coisa), logo ela é passível de ser movida e, ao mesmo tempo, não é passível de ser movida por ser, conforme a descrição desta pedra, impossível de ser movida até mesmo por um ser onipotente.

A estratégia dos argumentadores ateus no debate foi então de mostrar que esta pedra não precisa estar em relação necessariamente com o ser onipotente, assim, ela não ficaria fora do escopo de entidades de existência possível e seria assim passível de ser criada por um ser onipotente. Se ela não possuir a possibilidade de ser movida, logo ela não pode estar em relação com um ser onipotente. Esta conclusão interna foi levada tão a sério que um dos debatedores (logo no final das discussões) disse que:

Não estamos contando com a existência de um ser onipotente em todos os mundos possíveis nos quais existe a tal pedra. A existência dela independe da existência de tal ser.

Ora, isso simplesmente não faz sentido. Conforme a proposição ateísta inicial, esta tal pedra veio à existência a partir do próprio ser onipotente (Deus pode criar uma pedra tão pesada ao ponto de nem mesmo ele poder movimentá-la?) sendo assim, para sobrevivência do questionamento ateísta, esta pedra tem de estar em íntima relação com um ser onipotente, por duas razões: (1) foi através deste Ser que ela veio a existir e (2) por sua imobilidade absoluta estar sendo relacionada com as possibilidades de um ser onipotente.

Sabendo que uma “pedra tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada até mesmo por um ser onipotente” não pode ser uma entidade possível, os ateus (isso pode ser observado em todo o debate) argumentaram que “pedras inamovíveis” ou “pedras pesadas ao ponto de não poderem ser movimentadas” são entidades possíveis de serem criadas. Porém, não é esta entidade que eles estão tentando relacionar com o Ser Onipotente em questão. O argumento/questionamento ateísta é: Deus pode criar uma pedra tão pesada ao ponto de nem mesmo Ele conseguir movimentá-la depois?

Veja bem. A entidade que se pretende relacionar com a onipotência é uma “pedra tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada nem mesmo por um ser onipotente” não uma “pedra que não pode ser movimentada”.

Um ser onipotente pode muito bem criar uma “pedra que não pode ser movimentada”, aliás, toda e qualquer pedra é, em si, imóvel (isso será tratado com mais cuidado logo a seguir). Criar uma pedra imóvel é uma tarefa verdadeiramente possível. Porém, não é esta possibilidade que o argumento ateísta questiona. O que este argumento questiona é se Deus pode criar uma “pedra que nem mesmo o ser onipotente pode movimentar depois” e, este tipo de pedra – como já foi dito – não pode existir por carregar dentro de si uma contradição (possui e não possui ao mesmo tempo a propriedade de ser movimentável).

Os ateus (especificamente meu amigo Eli Vieira) argumentaram que nosso argumento de que a pedra possui uma contradição interna incorre na falácia petição de princípio, uma vez que nós aceitamos previamente a existência de tal ser onipotente quando vamos analisar a pedra inamovível. Porém, esta acusação também não faz sentido. Primeiramente, não foram os críticos ao argumento da “pedra inamovível” que postularam a relação entre esta pedra e o Ser Onipotente e sim os ateus. Foram eles que questionaram se Deus pode criar uma “pedra que nem mesmo o ser onipotente pode movimentá-la depois”. Segundo, a mesma crítica ateísta é cabível ao próprio argumento ateísta, pois eles aceitam sem nenhuma premissa aceitável que esta pedra (que conforme o argumento ateísta, veio à existência através de um ser onipotente) pode existir independente deste Ser onipotente e ainda pode ser usada para provar que a onipotência do Ser em questão é falsa.

Os ateus não perceberam que a idéia da pedra inamovível (por estar intimamente relacionada com um ser onipotente) é autocontraditória. O silogismo abaixo apresenta a incoerência interna da argumentação ateísta:

1 – A maior objeção em relação à possibilidade de onipotência é a existência de uma pedra que não pode ser movimentada nem mesmo por um ser onipotente.
2 – Conforme o argumento ateísta, a existência desta pedra inamovível está condicionada à existência de um ser onipotente, uma vez que é questionado se este Ser pode trazer à existência este tipo de pedra (Deus pode criar uma pedra...?)
3 – Se a onipotência não é possível, logo esta pedra absolutamente inamovível não pode vir à existência.
4 – Se a existência desta pedra é impossível, a maior objeção à possibilidade de onipotência é falsa.
5 – Logo, se a “objeção da pedra inamovível” é verdadeira, ela é falsa.
6 – Portanto, a onipotência é possível.

Se se pretende analisar a onipotência de Deus, não é petição de princípio considerar sua possibilidade de existência verdadeira na análise que for feita. Mesmo porque, para que o argumento ateísta tenha inicialmente algum sentido ele precisa levar em consideração a possibilidade de existência deste atributo em algum ser.


Mais Uma Objeção à Pedra Absolutamente Inamovível


Tudo o que foi apresentado acima não foi mais que um resumo do que foi levantado no debate já mencionado. Vou apresentar aqui outra objeção à idéia da pedra que é tão pesada ao ponto de não poder ser movimentada até mesmo por um ser onipotente, que veio à minha mente neste final de semana.

Bem, é verdade que todas as pedras existentes são naturalmente imóveis. Não existe nenhuma pedra (pelo menos nunca se viu nenhuma) que possua em si a capacidade de se movimentar por si mesmo. A observação empírica nos dá sustentação epistêmica para dizer que, se vemos uma pedra rolando, algo gerou seu movimento inicial (ou a força gravitacional a puxou de alguma forma).

Sabemos também que nenhuma pedra é absolutamente inamovível. Toda pedra pode ser movimentada se for aplicada a ela uma força superior à resistência que ela impõe aos demais seres. Lembro de meu professor de Física do segundo grau dizendo que, quando fazemos flexões estamos, sob um prisma físico, tentado mover o planeta para além de nós. Como nossa resistência é menor que a resistência do planeta, nossa força volta contra nós mesmos e quem se move na verdade somos nós. Se uma pessoa de resistência maior que o planeta o empurrasse, o que se moveria na verdade seria o planeta.

Vale dizer também que a imobilidade não é uma propriedade estrutural de um objeto, e sim uma condição referente do mesmo em relação às demais entidades existentes. Veja bem: o monte Everest pode parecer absolutamente inamovível, porém, em relação à lua ele está em constante movimento, independente de sua imobilidade aparente. E, mesmo que se deixe de lado o aspecto referencial da imobilidade, ainda assim o monte Everest é passível de ser movimentado, desde que se aplique nele uma força superior à sua resistência.

O que seria uma pedra que nem mesmo um Ser onipotente conseguiria movimentar? Seria uma pedra cujo valor de resistência fosse maior que o poder infinito de um ser onipotente. Onde a impossibilidade de ser criar um objeto cuja resistência possua um valor superior ao infinito é possível, a não ser nos argumentos ateístas falaciosos?

É impossível existir uma pedra com valor de resistência superior ao infinito, logo, uma “pedra cujo peso seja tão grande ao ponto de não poder ser movimentada por um ser onipotente” não é uma entidade possível, portanto, não é passível de existir.

Se existe um Ser onipotente, Ele não pode criar uma pedra que nem mesmo ele possa movimentá-la depois. Mas não porque existe uma impossibilidade ao ser onipotente, e sim porque existe a esta pedra a impossibilidade de existir. Parafraseando C. S. Lewis, não cabe à impossibilidade de existência desta pedra o a não ser que, pois ela possui em si uma contradição (a pedra possui e não possui ao mesmo tempo a propriedade da imobilidade).

Nota-se, portanto, que a maior objeção relacionada à possibilidade de existir o atributo onipotência não possui sustentação lógica, pois se sustenta em uma premissa falsa. Citando novamente Lewis:

Combinações de palavras que não fazem sentido não adquirem sentido de repente só pelo fato de acrescentarmos a elas as palavras “Deus pode”.

Sendo Deus onipotente, continua a ser verdadeiro que Ele pode fazer todas as coisas. Pedras tão pesadas ao ponto de não poderem ser levantadas até mesmo por um Deus Onipotente não são coisas, são entidades de existência impossível por serem autocontraditórias, ou melhor, são não-entidades.


Eliel Vieira
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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Resposta a Timóteo Sampaio: Sobre os Milagres

Recentemente tive um debate virtual com um grande amigo meu (Timóteo Sampaio) sobre a natureza dos milagres e sua ocorrência. Ambos somos evangélicos e estudamos na mesma escola teológica, porém, em alguns pontos temos opiniões divergentes. Achei proveitoso escrever um texto sobre um destes pontos – a ocorrência dos milagres – uma vez que existe uma obsessão na igreja evangélica sobre milagres. E não estou mentindo. As várias imagens ao longo deste texto (e ainda tive que selecionar quais entrariam dentre as disponíveis, a grande maioria ficou de fora por falta de espaço) provam que a obsessão por milagres e pelo “sobrenatural de Deus” é bem real e verdadeira.

É preciso deixar uma coisa bem clara antes de começar a discorrer minhas opiniões: eu não nego a ocorrência de milagres como fazem, por exemplo, os naturalistas. Milagres são possíveis e eu acredito que Deus em alguns casos realmente interfira na natureza em favor de alguma questão específica. O que eu nego é a banalização dos milagres e a pregação de que milagres são eventos comuns e constantes na vida do cristão.

Por favor, leia o parágrafo anterior novamente. Eu não estou afirmando a impossibilidade de milagres. Neste texto eu vou argumentar duas coisas: (1) viver bem e “naturalmente” deve ser o objetivo de nossas orações a Deus, não a busca por milagres, pois os eventos naturais agradam mais a Deus do que os milagres; e (2) os milagres são eventos raros e são realizados por Deus apenas em situações específicas conforme a Sua vontade, não a nossa.

Como vou usar este termo por todo o texto, acho necessário definir o que são os “milagres”.

Milagres, conforme minha visão, são eventos de ordem não natural da parte de Deus que ocorrem em nosso mundo.

Uma vez que milagres são eventos “sem explicação natural” que acontecem em nosso mundo, uma confusão muito simples pode ocorrer (lê-se: acontece freqüentemente): podemos julgar serem sobrenaturais eventos que, na verdade, são simplesmente naturais, mas que ainda não temos explicação.

Até a descoberta da meteorologia, por exemplo, todos os fenômenos naturais climáticos (chuva, estiagem, seca, enchentes, etc.) eram considerados sobrenaturais, relacionados ao humor de algum deus. Descobriu-se a meteorologia, desfez-se o mistério. Hoje sabemos que a água que “cai do céu” é a mesma que um dia esteve aqui embaixo e nos foi útil de alguma forma. Ninguém mais acredita (assim espero) que a chuva em excesso ou em escassez se deve ao ânimo de Deus.

Portanto, em razão de nossa ignorância (falta de conhecimento) muitas coisas consideradas milagres não são de fato milagres. O que você considera “milagre” hoje pode ser apenas um evento natural cuja explicação você ainda não possui. Quando você vê um número de mágica, por exemplo, você fica pasmo perguntando-se como aquilo pode ter acontecido, porém, quando algum Mr. M desvenda o truque você diz a si mesmo “puxa, como eu não consegui pensar nesta possibilidade antes?”.

Além dos não-milagres que são considerados milagres por causa de nossa ignorância, existem ainda as fraudes. Nenhum evangélico gosta que toque neste assunto, mas, fraudes existem, e são muitas. Como eu argumentei com meu amigo Timóteo, por que deveria eu acreditar em milagres se os maiores panfletários desta prática são pessoas de índole questionável?

Me segurei para não citar nomes, mas não resisti em citar o mais importante de todos: Benny Himm (que inclusive tem um programa transmitido pela Rede Super de Televisão) é o mais famoso conferencista milagreiro do mundo. No Brasil ele se tornou famoso por causa do livro “Bom Dia Espírito Santo” e por causa de algumas cruzadas que ele andou fazendo por aqui. As heresias em seus ensinamentos são absurdas (leia alguns aqui). Ele também está rodeado por um número enorme de escândalos, o mais recente é o de que ele incitava os pastores de seu “ministério” ao uso de heroína (veja este vídeo).

Talvez você queria tirar Benny Himm fora, tudo bem. Quem sobra? Bispo Pedir Maiscedo? Se alguém ainda acredita nele, eu sugiro que assistam este vídeo.

Um nome muito mencionado é o do Missionário R. R. Soares. Apesar de não acreditar em todos os “milagres” que acontecem lá (afinal, 90% das curas são de caroços) não o considero uma fraude. Acho inclusive que ele tem o tipo de retórica que um pastor deve ter, gosto do tom de sua voz (ele não grita e isso é um diferencial hoje em dia entre os pastores) e muitas de suas mensagens me agradam pela sua habilidade de contextualizar uma mensagem antes de apresentá-la ao público. Porém, como eu disse, a maioria dos “milagres” que lá ocorrem é de cura de caroços e, pelo que sei, os milagres realizados por Jesus eram mais inquestionáveis.

Pois bem, vamos prosseguir. A primeira tese que vou defender neste texto é de que as ocorrências “naturais” agradam mais a Deus do que as “sobrenaturais” e, por esta razão, deveríamos amar mais o mundo como ele é do que ficar clamando por milagres o tempo todo.

Nosso universo é dotado de leis e constantes físicas. São várias estas constantes e elas existem tanto quando se observa o universo em sua forma quântica quanto podem ser observadas no dia a dia. Existe uma lei natural que me mantém preso ao chão e não me deixa sair voando por aí feito um balão de gás. Existe uma lei que faz meu organismo necessitar de oxigênio, de forma que, se eu prender minha respiração por uma quantidade de tempo superior à que meu organismo suporta, eu morro. Existe uma lei que faz minha vida depender do bombeamento de sangue pelo coração, de forma que, se eu comer muitas frituras e entupir as veias que vão a este órgão, eu morro. Existe uma lei que faz meu corpo armazenar toda a gordura que consome para possíveis momentos de escassez futuras, de forma que, se eu comer desenfreadamente, posso ficar grande e feio demais.

Resumindo tudo o que eu disse acima: existem leis naturais que regem nossa existência e, como tudo o que existe foi criado por Deus, logo estas leis são benéficas para nós mesmos. A Bíblia diz que Deus contemplou toda sua criação e a considerou muito boa em todos os aspectos (Gn 1:31). Ora, se as leis naturais foram criadas por Deus, logo Deus se agradou delas quando as criou. Se Deus quisesse ter criado um mundo onde Ele tivesse prazer de ficar interferindo em todas as questões a todo o tempo, não haveria necessidade alguma de ter criado as leis que regem nossa existência. Se Deus criou as leis que regem nossa existência (sejam as leis físicas, sejam as leis de equidade, sejam as leis morais) estas leis são boas e representam o propósito de Deus para nossa existência.

Você que fica cantando a Deus para fazer “milagres” na sua vida já percebeu que toda vez que você valoriza o “milagre” você está, inconscientemente, desvalorizando a grande obra Deus na criação das leis naturais? Por que ao invés de pedir que Deus faça um milagre, você não pede a Deus que dê força e capacidade a você, para que você mesmo consiga vencer conforme as leis que regem o universo?

Não seria mais justo pedir a Deus que te dê capacidade para conseguir uma promoção em seu trabalho ao invés de pedir a Deus que faça você ser o promovido dentre seus colegas de trabalho? Quando Deus promove você ao invés do seu colega mais capacitado, não estaria ele prejudicando o mais capacitado? Não seria Deus injusto se agisse desta forma? Não seria mais justo pedir a Deus que te dê entendimento para fazer uma prova difícil ao invés de pedir a Deus que faça um milagre na sua nota?

Meu amigo Timóteo argumentou que cristianismo não existe sem milagres. Bem, dado a ganância existente por milagres (vide, por exemplo, que toda música evangélica de sucesso faz alguma referência a “milagres”) eu sou obrigado a concordar com Timóteo. O cristianismo evangélico circense, sim, não consegue viver sem menções a milagres. Porém, o cristianismo real, verdadeiro, consegue. Não é intrínseca ao cristianismo a ocorrência contemporânea de milagres, uma vez que o verdadeiro cristão reconhece que o maior milagre de todos já ocorreu na cruz.

O cristianismo circense (que necessita de milagres para existir) canta que “o melhor de Deus ainda está por vir” enquanto o cristão verdadeiro canta que o melhor de Deus já veio a dois mil anos atrás. O cristianismo circense enfeita sua pregação com termos bonitinhos e fofinhos relativos à “promessa”, enquanto a fé cristã verdadeira canta, junto com o Grupo Logos, que “quando Ele me chamou, não fez promessas humanamente convincentes”. O cristianismo circense canta que “hoje meu milagre vai chegar” todo domingo porque, no fim das contas, ele nunca vem.

É muito interessante esta colocação de meu amigo Timóteo. “Não existe cristianismo sem milagres”. Bem, se isto é verdadeiro, gostaria de perguntar: se os milagres (até a cura de caroços) parassem de acontecer, você deixaria de ser cristão?

Se você disser que sim, você não é digno de ser cristão, pois estaria condicionando seu amor a Deus à ocorrência de sinais prodigiosos. Se você disser que não, você estará endossando meu ponto de que é possível existir cristianismo sem milagres.

Novamente eu repito: eu não nego a ocorrência de milagres, o que eu nego é o anseio desesperado pela ocorrência destes eventos por parte dos cristãos de ordem pentecostal e neo-pentecostal. Pedem-se milagres para qualquer coisa. Você é um consumista compulsivo e sempre termina o mês nas dívidas? Peça um milagre. Você quer namorar um gatinho que está namorando uma mocréia? Peça a interferência de Deus. Unha encravada? Hemorróidas? Varizes? Seu time não ganha títulos? Simples, ore e determine seu milagre.

Leia bem: ore e “determine”. Se você orar e pedir, Deus não faz. Você tem que orar e obrigar ele a fazê-lo, aí ele faz. Um modelo de oração é o seguinte:

Senhor, eu (seu nome) sou dizimista fiel, ofertante e semeador na sua obra. Eu não faço isso apenas por amor ao Senhor, pois, como disse Silas Malafaia, quem oferta a Deus por amor sem segundas intenções é um trouxa (fonte). Sendo assim, conforme as várias promessas que eu retirei do Velho Testamento (antiga aliança), eu ordeno a você que (diga o milagre que você quer) e assim determino minha vitória. Amém.

Fui sarcástico demais, admito. Porém, existem pessoas que quase chegam a fazer orações assim. Eu não acredito que meu amigo Timóteo ore assim, sei inclusive que ele é uma pessoa muito sincera e temente a Deus em sua fé, porém, pessoas oram assim, infelizmente.

Milagres são eventos raros, não cotidianos. Eles não acontecem a todo segundo e também não acontecem conforme a vontade do crente. Eles acontecem em momentos específicos e por causa da vontade de Deus.

Os evangélicos argumentam (Timóteo argumentou assim) que Jesus e os apóstolos realizaram muitos milagres e que, como Jesus disse que aqueles que crescem nEle fariam obras maiores do que as que Ele realizou, logo, milagres aconteceriam na mesma freqüência como aconteceu com Jesus caso tenhamos fé suficiente para tal (Jo 14:12).

É um questionamento justo, porém, fraco por duas razões. Veja, Jesus fez só milagres? Não! Jesus realizou muitas obras como, por exemplo, amar as pessoas indistintamente, sentar-se com os perseguidos e rejeitados, questionar o poder religioso de sua época, pregar a mensagem do Reino de Deus, enfim, além de milagres, Jesus fez muitos outros tipos de “obra”. Sendo assim, por que devemos interpretar “obra” apenas com relação aos milagres realizados por Jesus?

Abrindo um parêntese aqui, imagina como o mundo seria melhor se os cristãos pedissem a Deus – na mesma intensidade com que pedem milagres – que Deus os desse amor pelos pobres e perseguidos no mundo!

A segunda razão pela qual considero que a inferência da realização constante de milagres nos dias atuais por parte do versículo supracitado é falsa é a seguinte: a Bíblia contém muitos relatos de milagres, sim, porém, todas as citações de milagres ocorreram em pequenas janelas de eventos na história, mostrando que os eventos específicos justificavam a ocorrência de milagres. Norman Geisler e Frank Turek mostram isso de forma clara:

Contudo, existe um conceito errado muito comum por trás dessa questão. É a crença de que a Bíblia está cheia de milagres que aconteceram continuamente por toda a história bíblica. Isso é apenas parcialmente verdadeiro. É verdade que a Bíblia está cheia de milagres, acontecidos em cerca de 250 ocasiões diferentes. Mas a maioria desses milagres aconteceu em janelas históricas muito pequenas, durante três períodos distintos: durante a vida de Moisés, Elias e Eliseu, de Jesus e dos apóstolos. Por quê? Porque aqueles foram momentos quando Deus estava confirmando uma nova verdade (revelação) e novos mensageiros que portavam aquela verdade.(GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu. Vida, 2006)

Os milagres aconteceram com frequência na Bíblia APENAS em momentos em que Deus estava enviando uma “nova mensagem” e, por esta razão, seria proveitoso munir os portadores da mensagem com milagres, para que provassem ao povo que eles vinham da parte de Deus.

Não há nenhuma nova mensagem a vir até a vinda de Jesus, portanto, não há necessidade nenhuma de que Deus interfira nas leis que Ele criou a todo segundo.

Sendo assim, por que não vemos milagres bíblicos hoje? Porque se a Bíblia é verdadeira e completa, Deus não está confirmando nenhuma nova revelação e, assim, não tem o propósito principal de executar milagres hoje. Não há uma nova palavra vinda de Deus que precise ser confirmada por Deus. Agora, não nos interprete mal aqui. Nós não estamos dizendo que Deus não pode realizar milagres hoje ou que ele nunca possa fazê-la. Como soberano Criador e sustentador do Universo, ele pode realizar um milagre em qualquer momento que desejar. A questão é que simplesmente pode não ter uma razão para mostrar publicamente o seu poder como fazia durante os tempos bíblicos porque todas as verdades que ele queria revelar já foram reveladas e confirmadas. (GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu. Vida, 2006)

Pois bem, acho que escrevi o suficiente para responder ao meu amigo Timóteo de forma clara. Não nego a ocorrência de milagres, porém, não há razão nenhuma para acreditar que Deus interfira nas leis da natureza toda vez que um filho seu pede. Termino o texto com as palavras do pastor Ricardo Gondim, outro crítico ao evangelicalismo:

Não dá mais para agüentar tanta promessa de bênção. Enche ter de ouvir pastores oferecendo os mais ricos votos de felicidade e proteção divina a cada culto. Ser abençoado tornou-se quase uma obsessão evangélica nacional. Promete-se tanta riqueza, saúde física e felicidade que, pelo número de campanhas de oração realizadas, o Brasil já deveria ter melhorado em algum dos índices de qualidade de vida das Nações Unidas; com algum alívio na distribuição de renda ou menos fila nos ambulatórios públicos.




Eliel Vieira
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terça-feira, 16 de junho de 2009

Sobre a Sexualidade de Deus

Calma, não se assuste! Este texto não pretende dizer que Deus possui relações ou anseios sexuais. Apesar de já ter ouvido dentre a turma dos “adoradores extravagantes” o absurdo de que o ato de “adoração íntima” é semelhante a um ato de intimidade sexual entre Deus e os homens, e de também ser verdade que, sob uma ótica psicanalítica, anseios sexuais reprimidos podem ser observados facilmente nos atos de adoração nas igrejas neo-pentecostais, este texto não vai se referir a este tipo de sexualidade “sexual”. O termo “sexualidade” aqui faz referência aos gêneros “masculino” e “feminino” e sua relação para com Deus.

Trata-se de uma questão que passa despercebida por praticamente todas as pessoas de fé. Sinceramente nunca li uma reflexão específica sobre esta questão (com exceção dos livros mencionados na Bibliografia, porém, não são obras específicas sobre a questão da sexualidade de Deus), a despeito disto, todos nós adoramos um Deus “masculino”. Quem nunca imaginou Deus semelhante a um velhinho com grossas sobrancelhas e barba branca?

Se Deus é Espírito (Jo 4:24) e, assim, não possui sexo nem gênero, por que razão atribuímos a ele uma imagem masculina?

Algumas respostas foram fornecidas pela psicologia. Sigmund Freud (aquele que tudo explica) disse que a imagem que nós temos de Deus trata-se de uma projeção da imagem que tínhamos de nosso pai na infância. Como todos devem saber, Freud era ateu e nunca negou isto, porém, a despeito de sua descrença, sua argumentação – se verdadeira – explica com perfeição porque a imagem que temos de Deus é paterna.

Mas, não vou me deter neste assunto, se você deseja conhecer mais sobre a argumentação de Sigmund Freud sobre as origens do pensamento religioso no ser humano, sugiro aos iniciantes que leiam este texto escrito pelo meu amigo Glauber Ataíde. A questão sobre a qual quero me debruçar aqui (além de outras que serão abordadas ao longo do texto) é mais abrangente: é totalmente proveitoso ao ser humano pensar em Deus como um ser paterno?

Antes de responder a esta questão, porém, preciso responder se pensar em Deus como "pai" é correto ou até que ponto é correto. A Bíblia claramente dá margens para pensemos em Deus desta forma, afinal, Deus é comparado a vários substantivos masculinos como Rei (Salmo 145:1), Senhor (Salmo 145:3), Pai (Mateus 6:9), Pastor (Salmo 23:1), entre vários outros.

É preciso deixar claro, contudo, que todas as passagens com referência à masculinidade em Deus são antropomorfismos, não declarações reais do que venha a ser Deus de fato. Antropomorfismo é uma maneira de criar analogias e metáforas usando como base características que nós, seres humanos, possuímos. Deus, por exemplo, não possui “olhos”, porém, para facilitar o entendimento de como vem a ser o cuidado de Deus para com o mundo, um escritor bíblico escreveu que os olhos dele estão sobre toda a Terra (Deuteronômio 11:12). Da mesma forma, Deus não possui mãos, nariz, boca, pés, ou qualquer parte física.

Talvez você não veja a necessidade de usar antropomorfismos ao falarmos de Deus, porém, de que outra forma poderíamos pensar sobre Ele senão através de analogias antropomórficas?

Pense: explicar porque uma maçã cai no chão é relativamente fácil (gravidade). Dizer qual é a velocidade em que ela chega ao chão já é um pouco mais complicado. Explicar qual é a origem das maçãs é mais difícil ainda. Identificar como a primeira árvore de maças surgiu no planeta é uma tarefa dificílima. Ter todas as respostas sobre como a Terra veio a existir é praticamente impossível. Explicar passo a passo como todo o Universo veio a surgir é totalmente impossível. Note que a cada vez que você aumenta o tamanho daquilo que se pretende explicar, mais complicado sua explicação se torna. Existindo Deus, sua explicação deverá ser a de maior grau de dificuldade, uma vez que Ele se encontra além do tempo, do espaço físico e da matéria. Você pode entender o mesmo princípio usando o exemplo da régua: contar quantos milímetros tem em um centímetro é muito fácil; contar quantos milímetros tem em uma régua de 30 cm (sem somar) é mais complicado; dizer quantos milímetros quadrados possui um livro é difícil; em um automóvel mais difícil ainda; em toda a terra é praticamente impossível. Porém, indo mais além, como dizer quantos milímetros possuem uma medida infinita?

Se entendemos Deus como um ser infinito, como nossas palavras podem ser capazes de expressá-lo de forma absolutamente verdadeira?

O uso de analogias antropomórficas é válido (talvez necessário) em vista da nossa incapacidade absoluta de entender Deus como Ele é. Quando um escritor bíblico diz que Deus é Rei, portanto, ele não está querendo dizer que a figura de “rei” representa Deus de forma absoluta, antes, ele quer dizer que em alguns aspectos específicos, a figura que conhecemos de “rei” é análoga a Deus.

Talvez com o exemplo a seguir você entenda o meu ponto de argumentação: observe a afirmação bíblica de que Deus é um Leão (Isaías 31:4 e outros). Ora, é óbvio que os escritores bíblicos que fizeram esta analogia (Deus x Leão) não estavam querendo dizer que Deus tinha juba, boca fedorenta e rabo. Com esta analogia eles estavam querendo na verdade enfatizar alguns aspectos que Deus e os leões possuem em comum: majestade, força e coragem, por exemplo.

Com a analogia de “Pai” a situação é semelhante. Deus não é pai. Quando a Bíblia diz que ele é pai, ela esta querendo dizer que em alguns aspectos Deus se assemelha a um pai, ou, que nossa relação para com Deus em alguns aspectos deve ser semelhante a relação que temos com nossos pais.

Minha argumentação para este texto é a seguinte: Deus nunca deve ser tratado absolutamente como um pai. Afinal, Deus não possui masculinidade, Ele é Espírito. Continua a ser verdadeiro que em alguns aspectos Deus é semelhante aos nossos pais, porém, a analogia da relação “Deus x Pai” deve se limitar a apenas aos aspectos em que eles são análogos, não a todos.

É por causa de más interpretações procedentes desta analogia “Deus x Pai” que doutrinas do “Deus castigador” surgiram ao longo da história da igreja. Inferir que Deus é castigador como um pai apenas porque em alguns aspectos de misericórdia ele é análogo aos pais é um erro grotesco. Da mesma forma não podemos dizer que Deus é um ser "masculino" porque Ele é chamado de "pai" e outros substantivos masculinos na Bíblia. Esta é uma das primeiras conclusões deste texto.

Vamos voltar à questão proposta para este texto: é totalmente proveitoso ao ser humano pensar em Deus como um ser paterno?

Proveitoso, sim. Totalmente proveitoso, não. Não devemos confiar toda nossa visão de Deus na analogia de que Deus é um ser paterno (masculino). Digo isto por algumas razões básicas:

1 – Os escritores bíblicos não tinham a intenção de condicionar todo o pensamento sobre Deus a esta analogia específica, antes, tinham a intenção de apenas focar algum aspecto específico análogo entre Deus e os pais (amor, misericórdia, cuidado e proteção).

2 – A imagem que temos sobre “pai” é muito relativa, afinal, cada pai é de um jeito e cada filho enxerga o pai de uma forma específica. Condicionar todo o pensamento sobre Deus à imagem de “Pai” faria Deus ser, em última análise, dependente daquilo que nossos pais são. Sendo Deus um ser que “é o que é” em si mesmo, condicionar todo o pensamento de Deus à analogia do “Pai” é um grave erro.

3 – Em algumas culturas a figura do pai é repugnante e, ao condicionar o pensamento sobre Deus à figura paterna, você estará afastando as pessoas de Deus, não as aproximando.

Um exemplo sobre este terceiro ponto é a cultura japonesa, onde a figura do pai é a pior possível para se comparar com Deus. Um velho ditado japonês diz que as quatro coisas mais horríveis do mundo são: incêndios, terremotos, relâmpagos e pais.

Philip Yancey aborda um pouco desta questão em seu livro Alma Sobrevivente (Mundo Cristão, 2004):

O terapeuta Erich Fromm diz que um filho de uma família equilibrada recebe dois tipos de amor. O da mãe tende a ser incondicional, aceitando a criança, independentemente do que ela faça ou de como se comporte. O amor do pai apresenta a tendência de ser mais voltado à provisão, mostrando aprovação quando a criança apresenta certos padrões de comportamento. [...] A conclusão de Endo é que, para que o cristianismo apresente algum apelo ao povo japonês, precisará enfatizar o amor materno de Deus, o amor que perdoa erros, cura feridas e atrai os outros para si, em vez de forçá-los a vir.

Amor “materno” de Deus? Isto não seria uma blasfêmia?

Claro que não! Deus é tão análogo ao “pai” quanto é à figura da “mãe”. O amor de Deus é tão análogo a um quanto a outro. Entende-se facilmente a razão da Bíblia não conter menções ao fato de Deus ser “mãe” quando se sabe as religiões pagãs existentes na época em que os textos foram escritos enfatizavam demais o “Divino Feminino”. Se Deus se revelasse como “mãe”, certamente o povo faria confusão e aceitariam as práticas das religiões pagãs.

Existe, porém, uma passagem muito interessante na Bíblia que nos dá margem a pensar em alguns aspectos de Deus em analogia com o amor “materno”. Veja:

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! (Mateus 23:37)

Deus não é mãe. Mas em contra-partida também não é pai. Alguns aspectos do amor de Deus podem ser exemplificados pelo amor paterno, porém, da mesma forma, vários outros (talvez mais) aspectos podem ser exemplificados pelo amor materno.

Deus não é mais “pai” do que “mãe”, afinal, Ele não é nem pai nem mãe. Deus é Deus, e Deus não possui sexualidade.



Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org


Obras Consultadas:

MCGRATH, Alister. Fundamentos do diálogo entre Ciência e Religião. Loyola, 2005.
YANCEY, Philip. Alma Sobrevivente: sou cristão apesar da igreja. Mundo Cristão, 2004.

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segunda-feira, 8 de junho de 2009

Inferno de Fogo – Uma Objeção Lógica

Todas as pessoas já devem ter ouvido sobre um lugar chamado “Inferno”. Se você for cristão, provavelmente você já ouviu sobre este desagradável lugar em alguma das reuniões cristãs que você tenha ido. Se você não for cristão, é bem provável que você já a tenha ouvido sobre o inferno pela boca de algum cristão, ou em livros, TV, filmes, etc.

O Inferno é um lugar muito desagradável, onde o fogo destruidor jamais pára de queimar. Conforme o ensinamento cristão, para este lugar vão todas as pessoas – sejam boas ou más – que não confessaram Jesus Cristo como salvador, para sofrerem por toda a eternidade sem direito a descanso ou pausa.

Para você entender o que venha a ser o inferno, leia as palavras do pastor protestante Jonathan Edwards em seu famoso sermão “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”.

Quando você olha para frente, verá uma longa eternidade, uma duração ilimitada diante de você, que tragará seus pensamentos e pasmará sua alma. Você se desesperará por jamais ter libertação, fim, mitigação, descanso. Você saberá que tem de gastar longas eras, milhões e milhões de eras, em luta e em conflito com esta vingança impiedosa e todo-poderosa. Então, quando tantas eras tiverem passado por você, desta maneira, você saberá que tudo é senão um ponto para o que ainda resta. De forma que seu castigo será realmente infinito.

Terrível, não? Mas leia isto então:

O Deus que o segura acima da cova do inferno, muito semelhante à pessoa que segura uma aranha ou algum inseto repugnante acima do fogo, o detesta e é horrivelmente provocado. Sua ira por você arde como fogo. Ele olha você como merecedor de nada mais que ser lançado ao fogo. Ele é de olhos puríssimos para ter de suportá-lo em seu campo de visão. Você é dez mil vezes mais abominável aos seus olhos que a serpente venenosa mais odiosa aos nossos olhos.

Jonathan Edwards também diz que Deus assistirá com prazer as pessoas queimando e sofrendo no inferno por toda eternidade:

Mas o grande Deus também está propenso a mostrar sua ira e magnificar sua majestade terrível e poder grandioso nos sofrimentos extremos dos seus inimigos [...] Vendo que este é seu desígnio e que Ele determinou até mostrar quão terríveis são a ira desenfreada, a fúria e a ferocidade de Jeová, Ele a colocará em execução. Haverá algo realizado e feito que será terrível com uma testemunha. Quando o grande e irado Deus tiver se levantado e executado sua vingança medonha sobre o pobre pecador, e o miserável estiver sofrendo o peso e o poder infinito de sua indignação, então Deus chamará o universo inteiro para ver essa majestade terrível e poder grandioso.

Bem, chega de citações de Edwards. Para fazer justiça ao pregador, este foi o único sermão de Edwards que ele fala do Inferno e enfatiza a ira de Deus. Jonathan Edwards, pelo contrário, era uma pessoa muito tranqüila e seus sermões eram sempre práticos, contextualizando passagens da Bíblia ao expô-los para a congregação. “Pecadores nas mãos de um Deus irado” é uma (infeliz) exceção nas obras de Edwards.

A grande maioria dos cristãos acredita no Inferno como um lugar desta maneira, onde as pessoas que não reconheceram Jesus vão sofrer por toda eternidade. Alguns também concordam com Edwards que Deus seja um ser tão asqueroso e repugnante a ponto de exultar com o sofrimento das pessoas no Inferno. A maioria dos cristãos acredita que Hitler (que matou milhões de judeus injustamente) e Gandhi (que se doou para salvar e libertar milhões de indianos) vão sofrer no fogo eterno da mesma maneira por toda eternidade.

Rubem Alves, comentando sobre o inferno e sobre o “Deus irado”, disse:

Se você se decidir a acreditar que o velhinho tem uma câmara de torturas que lhe dá prazer, então você tem de acreditar também que ele é um monstro igual aos torturadores que brincam com as crianças durante o dia e torturam pessoas indefesas durante a noite. Sua bondade diurna não passa de uma farsa. Eu não poderia amar um velhinho assim. Você poderia? Diante de um velhinho assim a gente sente é horror, jamais amor. Quem acredita que Deus tem uma câmara de torturas eterna não pode amá-lo. Só pode temê-lo. Mas como Deus é amor, aquilo que é temido não pode ser Deus. Só pode ser o Diabo. (Fonte)

A mim a questão do inferno sempre perturbou. Nunca tive trauma sobre este lugar – como muitas pessoas têm -, pois nunca acreditei nele, de fato. Quando ouvia sobre o inferno em algum sermão ou lendo algum livro sempre me perguntava: “Se Deus é bom como Ele pode mandar pessoas boas para um lugar tão horrível? Se eu sinto benevolência pelas pessoas que iriam para lá, como Deus não poderia sentir e salvá-las? Como eu posso ser mais benevolente que Deus?”

Neste texto pretendo apresentar uma objeção lógica sobre a existência de um inferno de fogo eterno, baseado em alguns versículos da Bíblia e em alguns princípios cristãos. Pretendo um dia escrever um livro sobre esta questão abordando os pontos polêmicos mais detalhadamente, por hora, apenas uma objeção lógica será apontada.

Os princípios que vão me guiar são os seguintes:

- Em Deus está a plenitude de toda bondade.
- Ninguém pode ser melhor que Deus.
- Deus dá exemplo em tudo o que Ele ordena para nós fazermos. (veja por exemplo, Levítico 11:44)
- Deus não mente. (veja por exemplo, Números 23:19)
- Em Deus não há contradições.

Se você discorda de algum dos pontos acima, sugiro que você deixe de ser cristão. São princípios básicos demais, de forma que é impossível conceber Deus sem a presença de todos os princípios mencionados acima. Se você acha que você pode ser melhor que Deus, Deus não é Deus; se você acha que Deus nos ordena coisas que Ele mesmo não pratica e dá exemplo, logo nós seríamos seres melhores que Deus, o que não pode acontecer, senão Deus não seria Deus; Se Deus mentisse, Ele não poderia exigir de nós que não mentíssemos; E quanto à contradição em Deus, isto é impossível uma vez que Deus é onisciente, ou seja, a plenitude de todo conhecimento e sabedoria reside nEle e, um ser assim não se contradiz.

Pois bem, os versículos bases para este texto são os seguintes:

- Celebrai a Deus, porque ele é bom e sua bondade dura para sempre! (Salmo 136:1)
- Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem. (Mateus 5:43-44)
- Amai vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Será grande a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo, pois ele é bom para com os ingratos e com os maus. (Lucas 6:35)
- Abençoai os que vos perseguem; abençoais e não amaldiçoeis. [...] A ninguém pagueis o mal com mal [...] Antes, se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber. [...] Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem. (Romanos 12:14-20)

Existem na Bíblia, como se podemos ver, claras ordenanças para que amemos nossos inimigos. Praticar o bem para com quem nos persegue é uma obrigação – não opção – aos cristãos. A questão que levanto aqui é: Deus exigiria de nós tal obrigação se Ele de fato não agisse da mesma forma para com seus inimigos?

Antes de prosseguir a leitura deste texto, reflita por alguns instantes sobre os versículos citados, sobre os princípios sob os quais eu estou me guiando, mencionados um pouco acima, e sobre a pergunta que fiz: Deus ordenaria que nós amássemos os nossos inimigos se Ele não amasse também os seus inimigos?

Quem são os inimigos de Deus?

Um evangélico responderia que os inimigos de Deus são todos aqueles que não reconheceram Jesus como senhor e salvador. Esta resposta está errada. Veja: nem todo aquele que não ama a Deus o odeia e é inimigo dele. Existem bilhões de pessoas no mundo que não me conhecem, mas não as considero minhas inimigas, apenas não-amigas. Não ser amigo é uma coisa, ser inimigo é outra. Os inimigos de uma pessoa, aliás, são aqueles que conhecem uma pessoa, não as que a desconhecem. Neste sentido, convém mencionar, a maior parte dos inimigos de Deus estaria entre aqueles que o conhecem do que entre os que não o conhecem.

Enfim, o ponto aqui é o seguinte: se Deus nos ordena que amemos nossos inimigos, Ele mesmo ama seus inimigos, pois tudo o que Deus pede a nós, ele mesmo dá exemplo praticando a ordenança de forma perfeita. Deus ama muito mais os seus inimigos do que nos amamos os nossos. Se Deus nos ordena que nós supramos as necessidades daqueles que nos perseguem, Deus supre as necessidades daqueles que o perseguem.

Não há como escapar do fato de que Deus ama todos aqueles que não o amam e de igual modo ama todos aqueles que o perseguem. Se Deus não amasse a todos aqueles que o perseguem, Ele não exigiria que nós agíssemos do mesmo modo.

Porém, não há como comportar estas conclusões com a idéia do inferno de sofrimento eterno. Um Deus que manda seus inimigos para o inferno não ama seus inimigos, e sim os odeia. Um Deus que manda as pessoas ao inferno não se assemelha a um marido que perdoou a esposa por traição e sim a um marido que matou a esposa e o amante dela de forma dolorosa torturando-os lentamente.

Se Deus ama seus inimigos, Ele irá suprir a necessidade deles após a morte, não condená-los a uma eternidade de sofrimento!

Um evangélico poderia retrucar dizendo que Deus ama a todos enquanto estamos vivos, mas que depois da morte nossas chances de escapar do inferno acabam. Primeiramente, isto contradiz o Salmo 136:1 que diz que a bondade de Deus dura para sempre. Para sempre é para todo o sempre. Nunca muda. A bondade e a misericórdia de Deus são eternas, jamais mudam. Deus amou seus inimigos e seus não-amigos ontem, os ama hoje, os amará amanhã e os amará após a morte deles. Mesmo porque, por estar além do tempo, não existe “antes” e nem “depois” para Deus.

Aceitar a existência do inferno e que Deus se vingará das pessoas que não o conheceram é, sinceramente, ofender a Deus, porque Deus é bom! Como diz Rubem Alves:

Quem acredita no inferno está, na realidade, acreditando em coisas horrendas sobre Deus. A questão crucial, portanto, nessa pergunta sobre a existência do inferno, é: o que é que você pensa de Deus? [...] Acho que Deus chora também quando os religiosos, que se dizem a seu serviço, espalham esses boatos de que ele se diverte com o sofrimento dos presos na sua câmara de torturas. Se o velhinho não fosse tão bom, acho que seria esses que ele enviaria para uma temporada de curta duração no inferno, se ele existisse... (Fonte)

A objeção lógica que tenho a apresentar em relação à existência do inferno de fogo e sofrimento eterno é esta:

- Tudo o que Deus ordena a nós para fazermos, Ele mesmo o faz de forma perfeita, dando a nós o exemplo que devemos seguir.
- Deus nos ordena que amemos nossos inimigos, não nos vinguemos deles e supramos todas as necessidades que eles têm.
- Deus age da mesma forma para com seus inimigos.
- Logo, Deus não se vinga de seus inimigos. Deus não condenará seus inimigos ao sofrimento eterno no Inferno.

Mas, e as passagens da Bíblia que falam sobre o Inferno?

Disse que não gostaria de me prolongar neste texto, e não vou. Apenas para adiantar o assunto, saiba que as quatro palavras na Bíblia que em português foram traduzidas por “Inferno” (Sheol, Hades, Gueena e Tártaro) foram mal traduzidas e não trazem em si a idéia de “Inferno” como o concebemos. Para ler mais sobre a questão, clique aqui e leia este excelente artigo escrito por Leandro Soares de Quadros, chamado “Existe o Inferno de Fogo?”.

Não quis dizer neste texto que nenhuma pessoa jamais será punida por nenhum de suas distorções morais cometidas enquanto viva. Acho perfeitamente razoável esperar que Deus puna Hitler por seus crimes. Mas não acho que Gandhi, por exemplo, mereça sofrer o mesmo tanto que Hitler sofreu. Não seria justo.

Deus é amor, Deus é justiça! Podemos certamente esperar dEle amor e justiça no julgamento de nossos atos. Porém, um inferno com tortura e sofrimento eterno é algo que nenhuma pessoa que já viveu merece, pois seus erros foram "finitos" ao passo que o castigo no Inferno seria infinito. Reflita sobre estas questões e leia este artigo, muitas de minhas dúvidas foram respondidas por ele.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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