sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Maravilhosa Graça: uma entrevista com Philip Yancey

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Texto introdutório e entrevista escritos por Candace Chellew-Hodge.

Para conferir a versão original (em inglês), clique aqui.

Conteúdo traduzido para o português por Eliel Vieira. As opiniões expostas a seguir não refletem necessariamente a opinião do blog DESCONSTRUINDO, apesar de haver uma convergência muito grande entre o que foi traduzido e a opinião do editor do blog.

"Analise tudo, retenha o que é bom" (I Ts 5:21)

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A primeira vez que ouvi sobre Philip Yancey foi quando seu livro “Maravlhosa Graça” foi lançado em 1997. Apesar de muitas pessoas que eu respeitava terem delirado com este livro, não me interessei em lê-lo. Por quê? Porque ele foi escrito por um homem que escrevia regularmente para a revista Cristianity Today – uma revista que era qualquer coisa, menos amiga dos homossexuais. Eu não perderia meu precioso tempo lendo autores que surram gays ou lésbicas – ou autores que poderiam fazer isto. Eu conheço a posição deles e seus argumentos. Ler seus livros soaria a mim como uma perda de tempo.

Devo confessar, porém, que eu julguei de forma muito injusta o trabalho de Yancey. Eu cometi o erro imbecil de “culpar por associação”, criando minha opinião sobre ele antes de dar aos seus livros uma chance. Me arrependo disto, mas talvez Deus estivesse no controle. Se eu tivesse lido Yancey em 1997 talvez eu não tivesse apreciado sua gentileza, sua ternura, sua graça ou sua misericórdia como agora.

Eu finalmente li o trabalho de Yancey somente depois que eu assinei o serviço de audio-books “Audible”. O tempo que gasto indo e voltando do meu trabalho para minha casa toma mais ou menos duas horas do meu dia, então eu pensei que livros em CD seriam uma boa forma de aproveitar este tempo. “Audible” tem uma grande seleção de livros cristãos e espirituais e eu consumi boa parte de seu catálogo. Foi em um dia, quando eu já havia esgotado todos os livros em que eu estava interessada, que me voltei para o novo livro de Yancey, “Rumores sobre outro mundo”. Eu passava por uma crise espiritual e estava procurando por alguém que me explicasse como poderia alcançar aquele mundo sobrenatural que todos nós sabemos que existe, mas de alguma forma que não se esquecesse de nosso corrido dia a dia. A descrição do livro soou muito intrigante a mim, então eu pus de lado meus pré-conceitos sobre Yancey e baixei o livro.

Que benção! O livro era exatamente o que eu precisava. Eu desconfiei, porém, do capítulo “Designer Sex”, esperando por uma forte crítica contra gays e lésbicas. O que não aconteceu. Isto foi profundamente chocante – um evangélico que não usou um capítulo sobre sexo para disparar contra os homossexuais? Difícil acreditar.

O espírito do livro me levou a fazer outra seleção de Yancey. “O Deus Invisível” foi outro livro que li com ansiosa fome. Finalmente um autor ofereceu um tratamento inteligente sobre fé, dúvida e como nos relacionamos com um Deus que não podemos ver. Eu estava começando a entender porque tantas pessoas amavam Yancey – e porque outras não gostam dele em absoluto – especialmente se estas estão amarradas a uma fé fundamentalista do tipo preto e branco.

Finalmente eu decidi ler “Maravilhosa Graça”. Este livro me deixou sem palavras e fui completamente abençoada. Eu desejaria começar uma igreja baseando-me unicamente nos ensinamentos deste livro – de Deus “cutucar com a Graça” a todos que passam pela porta. Eu acho que este livro deveria ser lido por cada pessoa da face da Terra. O conteúdo deste livro é muito superior às papinhas que as igrejas lêem atualmente como a potencialmente danosa teologia de Rick Warren em “Uma Vida com Propósitos”.

Foi a descrição de Yancey sobre sua amizade com Mel White em “Maravilhosa Graça” que me tocou mais profundamente. A história de White, documentada em seu livro “Stranger at the Gate” [Estranho no Muro], foi bem comentada na comunidade homossexual. White foi um escritor fantasma[1] para líderes de direita como Pat Robertson em Jerry Falwell até que ele se revelou. Evitado por seus antigos empregados, White saiu para fundar a Soulforce, um grupo de ação social dedicado ao equilíbrio espiritual de crentes gays, lésbicas e transexuais.

Yancey deu um suporte inabalável a seu amigo Mel, e sua própria luta em relação a pecaminosidade da homossexualidade é documentada no livro, e é um dos relatos mais sinceros sobre a Graça em meio a luta que eu acredito que já li. Foi este capítulo que me fez escrever a Yancey e dizer a ele o quanto seus livros me mudaram.

Ele foi gentil o suficiente de me responder, eu me entusiasmei e pedi a ele uma entrevista. Ele concordou em responder uma entrevista via e-mail (por causa de sua agenda ocupada). Eu fiquei maravilhada dele emprestar seu nome para uma publicação como Whosoever – e eternamente grata.

Eu não consigo recomendar com suficiência seu trabalho. Se você tem sede de Graça, paz e alegria, leia os livros de Yancey, Você não se decepcionará.

Whosever: Você tem um novo livro que acabou de ser lançado, “Rumores de Outro Mundo”, que é simplesmente extraordinário. Qual foi o principal combustível para este livro e por que você sentiu vontade de escrevê-lo?

Philip Yancey: Eu o escrevi para pessoas nas “fronteiras da fé”, pessoas que tem um sentido espiritual mas que, por uma série de razões, não encontraram um lar na igreja. Eu tentei falar a língua deles, não pregando sobre coisas que eles deveriam acreditar, mas começando a partir deste sentido espiritual – estes são os “rumores do outro mundo” – e tentando conduzir alguns destes rumores de volta à fonte. OK, eu admito que embora tivesse esta audiência em mente, na verdade eu escrevi todos meus livros para à partir de mim mesmo. Eu comecei me perguntando, “Philip, você consegue explicar sua fé de uma maneira que faça sentido a alguém que vê o mundo de uma forma completamente diferente da forma como você o enxerga?”.

Whosever: Em seu livro “Maravilhosa Graça” você fala sobre sua amizade com o líder da Soulforce, Mel White, e da sua ajuda a ele na Marcha em Washington, em 1987. Sua descrição de sua amizade com Mel e seus sentimentos em relação aos gays e lésbicas que você conheceu na marcha foram os relatos mais cheios de Graça que eu já li de um cristão evangélico. Qual é sua posição sobre gays e lésbicas na igreja?

Yancey: Mel foi um dos meus amigos mais próximos por anos antes dele revelar sua orientação sexual (ele ainda é meu amigo, a propósito). Ele reprimiu e escondeu sua homossexualidade, se casou e criou uma fina carreira no ministério e em publicação cristãs. Mel se tornou uma janela para mim, para um mundo sobre o qual eu não conhecia nada. Ele conta sua história em seu livro "Stranger at the Gate”. Os leitores de sua revista sabem bem o quão explosivo esta questão pode ser. Eu recebi cartas cheias de fúria com o mesmo veneno de ambos os lados: cartas de cristãos conservadores horrorizados com o fato de eu manter minha amizade com Mel e sobre eu escrever com compaixão sobre gays e lésbicas; e cartas do outro lado, desejando que eu fosse mais além e endossasse completamente a causa.

Em uma questão como esta, eu tento começar com aquilo eu tenho absoluta certeza, e trabalhar o que vier a seguir. Eu estou certo de como minha atitude deve ser em relação aos gays e as lésbicas: eu devo mostrar amor e Graça. Como uma pessoa disse a mim, “cristãos ficam muito irados em relação a outros cristãos que pecam de forma diferente do que eles”. Quando pessoas me perguntam como eu posso permanecer amigo de pessoas pecadoras como Mel, eu respondo perguntando a elas como Mel pode permanecer amigo de pessoas pecadoras como eu. Mesmo que eu concluísse que todo o comportamento homossexual está errado, como muitos cristãos conservadores fazem, eu ainda estou compelido a responder com amor.

Assim como eu já fui a igrejas de gays e lésbicas, eu também observei que infelizmente a igreja evangélica, na larga maioria das vezes, não tem lugar para os homossexuais. Eu encontrei maravilhosos cristãos comprometidos que freqüentam igrejas metropolitanas[2], e eu desejo que a igreja cristã tivesse benefício da fé deles. E ao mesmo tempo, eu penso que não é saudável se ter uma denominação inteira formada sobre uma questão única e particular – estas pessoas precisam ser expostas e inclusas ao amplo Corpo de Cristo.

Quando o assunto chega a questões mais particulares de doutrina, como a ordenação de ministros gays e lésbicas, eu fico confuso, como a maioria das pessoas. Existem algumas – não muitas, mas algumas – passagens das Escrituras que me freiam. Francamente, eu não sei a resposta para estas perguntas. Eu sou um freelancer, não um representante oficial da igreja, e eu tenho o direito de simplesmente dizer, “aqui está o que eu penso, mas eu realmente não sei”, ao invés de tentar ir contra a doutrina da igreja.

A polarização me deixa muito triste. Minha igreja em Chicago dispensou alguns anos estudando esta questão. A igreja tem abertamente membros gays, mas não permite que gays praticantes ocupem postos de liderança (assim como eles não permitem o mesmo a “heterossexuais praticantes” não casados, seja lá o que isto signifique). O comitê que estudou a questão pesquisou sobre aspectos bíblicos, teológicos e sociais e finalmente voltaram ao mesmo lugar: dando as boas vindas, mas não afirmando homossexuais em tarefas de liderança. Alguns conservadores se iraram e saíram da igreja. Vários gays e lésbicas também saíram, machucados pela igreja ter reforçado o status de “pessoas de segunda-classe” a eles.

Eu não tenho uma resposta mágica, e eu não posso vê-la num horizonte próximo. Todas as denominações estão lutando com a mesma questão, como você sabe.

Whosever: Como um cristão evangélico pode desenvolver uma atitude de graça (se não de aceitação) em relação a um cristão homossexual?

Yancey: A única maneira é através na exposição pessoal. É maravilhoso como os sentimentos mudam quando de repente é sua filha ou seu irmão que saiu do armário. No meu caso, foi meu amigo Mel. Os assuntos sobre os quais eu havia lido de repente ganharam forma, uma pessoa com uma história. Quando isto aconteceu, tudo mudou. Esta é a razão pela qual eu acho que é triste o fato da igreja ter tão pouco contato. Eu já visitei igrejas de gays e lésbicas onde o fervor e o comprometimento deixariam qualquer evangélico envergonhado. Os conservadores fundamentalistas deveriam ter contato com estas pessoas, e vice-versa.

Whosoever: Muitos gays e lésbicas já foram prejudicados por atitudes de igrejas em relação a eles. Alguns foram tão prejudicados que juraram jamais pisar em uma igreja novamente. O que você diria a estas pessoas que foram abandonadas pela igreja e que talvez já tenham perdido sua fé?

Yancey: Eles talvez precisem de um tempo longe da igreja. Estou convicto, no entanto, que a vida cristã não é para ser vivida sozinha, em isolamento. Se uma pessoa não consegue se ver dentro de uma igreja institucional, ao menos ela deveria procurar por um grupo pequeno de estudos bíblicos, ou algum grupo de seres humanos que estejam lutando contras dificuldades ao longo da mesma caminhada. Eu também acho que seria útil a uma pessoa machucada buscar por experiências de adoração radicalmente diferentes daquelas que a machucaram algum dia. Se eles vieram de uma Assembléia de Deus, tente uma igreja Ortodoxa ou uma Episcopal, que conduzem a adoração de formas muito diferentes e talvez não ativem os mecanismos de defesa do passado.

Eu poderia dizer a você histórias – e nos meus livros eu conto histórias sobre a igreja na qual eu cresci. Nos quesitos mesquinharia e mente-fechada ela compete e vence qualquer igreja que eu já vi. E se eu simplesmente desistisse de toda a minha a fé por causa de minhas experiências passadas com a igreja, eu seria o que mais sairia perdendo.

Whosoever: Quando eu e minha parceira mudamos de Estado, começamos a procurar por uma igreja para freqüentarmos. Eu escrevi uma carta para a o Reitor Episcopal local explicando quem éramos e perguntando se seríamos bem recebidos em sua igreja. Sua resposta foi que nós seríamos muito bem vindas, se abandonássemos nosso “estilo pecaminoso de vida” e procurássemos o bem. Esta é a reação de muitas igrejas cristãs em relação aos gays e as lésbicas. Nós precisamos abandonar nossa orientação sexual para ser aceitos. O que você diria a igrejas como esta?

Yancey: Provavelmente eu não sou a melhor pessoa para chamar a atenção de uma igreja como esta – você é. Obviamente, se uma igreja está dizendo que você precisa abandonar sua orientação sexual, esta igreja precisa de alguma educação. Eu sei que alguns ministros tentam mudar o comportamento sexual, mas nenhum que tenta mudar a orientação sexual – todos admitem que qualquer mudança como esta significaria uma vida de sofrimento. Eu desejaria que um ministro ou um reitor fosse aberto ao diálogo, e eu desejaria que você tivesse força e ousadia de se sentar com ele e conversar sobre sua própria história, bem como ouvir sobre as objeções bíblicas que ele tem.

Eu não sou homossexual, então provavelmente eu abordaria este reitor de forma diferente. Eu apontaria como Jesus lidou com pessoas moralmente falhas – eu começaria de onde o reitor está, ele enxerga vocês como pessoas moralmente falhas. Jesus escolheu uma mulher que já tinha se casado cinco vezes como seu primeiro ato missionário. Eu também perguntaria ao reitor se ele exige a todos de sua igreja que deixem seus “pecados” à porta. Ele entrevista cada membro de sua igreja sobre suas atividades sexuais? Ele exclui pessoas que mostram orgulho, hipocrisia ou legalismo, que foram os pecados que mais chatearam Jesus? Ele vê a igreja como um lugar apenas para pessoas que enxergam todas as coisas da mesma forma, e para pessoas que já “chegaram” ao invés de pessoas que ainda estão no caminho? Eu faria estas e outras perguntas do tipo.

Whosoever: Seu livro “Deus Invisível” veio a mim quando eu estava perturbada sobre como a vontade de Deus funciona não apenas na minha vida, mas no mundo todo em geral. O que te levou a escrever este livro?

Yancey: É um livro sobre fé, realmente. Todos os meus livros circundam sobre o mesmo tema: porque este mundo está do jeito que está ao invés de termos um amoroso e soberano Deus que resolvesse todos os problemas? Eu comecei anos atrás com a questão “Onde Está Deus Quando Chega a Dor”, seguido de “Decepcionado com Deus”. Se você ir a uma igreja evangélica e ouvir as músicas que tocam no período de louvor, você pensará que Deus está intimamente disponível em todo o tempo; um Amante que satisfaz todas as nossas necessidades. Mas em minha experiência pessoal, e eu não sou o único aqui, as coisas são bem diferentes. Eu vivo em um mundo materialista que raramente leva em conta a existência de Deus. E eu vivo em um mundo que traz um grande desprazer para com Deus. Por que Deus não age? E como eu posso me relacionar com um Deus que eu não posso ver ou tocar? Estas são algumas de minhas questões, e quando eu tenho questões eu escrevo sobre elas.

Whosoever: “Deus Invisível” defende o caso de deixar muitos dos caminhos de Deus no mundo e em nossas vidas em um profundo mistério, ainda que as distorções fundamentalistas do cristianismo parecem apoiar uma religião preto e branca, com respostas fáceis e regras claras. Como podemos trazer o mistério de Deus para dentro de nossas vidas?

Yancey: Vamos começar com a Bíblia, especialmente o Antigo Testamento. Quando vou falar em colégios, eu desafio os estudantes de filosofia a encontrar um único argumento contra Deus nos escritos de grandes agnósticos como David Hume, Voltaire, e Bertrand Russell que já não tivesse sido mencionado antes na Bíblia. Eu admiro um Deus que respeita tanto a liberdade humana que nos dá argumentos para confrontá-lo. Leia Jeremias, Habacuque, Salmos, Jó – o mistério está todo lá. Eu também encontro muita nutrição espiritual em escritores católicos da história. Eles entenderam o mistério, e muitos deles dispensaram toda sua vida explorando este mistério.

Whosoever: Como podemos incorporar um senso saudável de dúvida em nossas vidas?

Yancey: Eu sou um grande defensor da dúvida, porque foi ela que me trouxe de volta à fé: eu comecei a duvidar de algumas coisas malucas que a igreja tinha me ensinado. Eu não acho que a dificuldade esteja em incorporar a dúvida em nossas vidas; a dúvida virá você desejando ou não. A reação dos demais cristãos determinará se a dúvida permanece “saudável” nelas. Em meu livro eu ofereço estas sugestões práticas: 1) Questionar suas dúvidas tanto quanto você questiona sua fé; 2) Algumas vezes você tem que “agir como se” isto fosse verdade por um período, suas emoções o acompanhando ou não; 3) Encontrar um “companheiro de dúvida” confiável que te gratifique, e não o puna, pela honestidade. E para a igreja eu digo que elas devem ser um abrigo para as pessoas que necessitam de uma “revelação adicional”. Pense em Tomé após a ressurreição: ele duvidou dos relatos dos discípulos, e eles ainda o aceitaram no grupo. E foi uma coisa boa, porque Jesus apareceu apenas para grupos de seus seguidores, e se os discípulos tivessem excluídos Tomé por causa de suas dúvidas, ele nunca teria recebido aquela revelação extra.

Whosoever: Seus livros transmitem inteligência e profundidade sobre sua fé. Você incorporou pensamentos de muitos teólogos importantes como Soren Kirkegaard, Simone Weil e Thomas Merton. Como os cristãos podem ser encorajados a elaborar pensamentos inteligentes e sérios sobre sua fé ao invés de aderir ao clichê famoso “A Bíblia diz isto, eu acredito nela, logo isto é verdadeiro”?

Yancey: Eu conheço muitos deste tipo “logo, isto é verdadeiro” no outro lado da fé. Jeremias usa a imagem de um arbusto plantado às margens de um rio. Enquanto tiver água fluindo pelo rio, o arbusto floresce. Se o rio seca, o arbusto morre. Então ele fala sobre plantas desérticas cujas raízes são muito profundas. Nós temos que ter este tipo de fé. Eu penso na maioria das pessoas que vão a seminários para melhorar suas carreiras, ou a energia que as pessoas depositam em times de futebol ou música popular. Meu Deus!, elas não deveriam devotar a mesma energia para a questão mais importante de todas na vida? Os recursos estão aí; nós simplesmente precisamos de disciplina para usá-los com sabedoria.

Whosoever: Por que você acha que a maioria dos cristãos evita uma investigação séria sobre a fé delas, preferindo simplesmente aceitar os ensinamentos da igreja sem questionamentos?

Yancey: Preguiça pode ser um fator. Medo também. Muitos cristãos têm medo de olhar minuciosamente sua fé. Como Pedro, eles temem sair do barco. E muitas igrejas encorajam este tipo de “Eu pensarei por você” como um tipo de controle. Isto é sempre perigoso. Eu li outro dia que em 153 vezes alguém foi até Jesus com uma questão, e em 147 vezes ele respondeu fazendo outra pergunta. É um bom modelo, não acha?

Whosoever: Em seus livros você fala sobre todas as cartas que você recebe, algumas delas com críticas fortes de companheiros evangélicos. Como você deve imaginar, eu recebo um grande número de correspondências do mesmo tipo também. Como você responde a este tipo de mensagem e por que você acha que estes “amáveis” cristãos são compelidos a reagir tão asperamente a palavras de Graça?

Yancey: Eu comecei minha carreira de escritor como um editor de revista (Campus Life) então eu rapidamente me acostumei com este tipo de correspondência. Eu me lembro que revistas sobre política ou clima ou direitos dos animais ou qualquer coisa do tipo sempre atraíram a mesma impetuosidade. Quanto maior for a importância da questão, mais ela atiça as emoções das pessoas. E eu também tenho visto mudanças neste tipo de leitores. Como eu sempre respondo com compaixão a aquelas pessoas que me escrevem com raiva, freqüentemente eles me escrevem de volta em um tom mais calmo, e ocasionalmente até se desculpando. Eu tenho que me lembrar que este tipo de pessoa é o meu teste da Graça. Eu acho muito mais difícil demonstrar Graça a pessoas conservadores e julgadoras do que a pessoas inclusivas, liberais. Eu tenho visto muita mudança. Uma prova da Graça de Deus em si mesma.

Whosoever: O que virá a seguir em sua agenda – um novo livro, convites para palestras?

Yancey: Eu estou neste momento no interior da Nova Zelândia escrevendo as respostas para suas questões. Pela primeira vez em 25 anos eu não estou começando nenhum livro. Fiz viagens à África do Sul, Nepal, China e agora Nova Zelândia. Estou falando aos mais variados grupos, aprendendo muito, tentando ouvir antes de mergulhar em algum outro projeto escrito.

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Notas:

[1] – “Ghostwriter” em inglês. É quando uma pessoa escreve um livro para outra pessoa, não recebendo, assim, os créditos por aquilo que escreveu.
[2] – Nomes que se dão às igrejas americanas abertas ao povo homossexual.

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Candace Chellew-Hodge é fundadora da revista on-line Whosoever: An Online Magazine for GLBT Christians [Seja quem for: uma revista on-line para GLBT cristãos]. Ela é ministra ordenada e também dá aulas na Candler School of Theology na Universidade de Atlanta.

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Traduzido por: Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.



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sábado, 14 de novembro de 2009

Sobre o Culto Cristão

Não é novidade para ninguém que eu sou um crítico fervoroso das práticas evangélicas atuais. Há quase três anos eu faço minhas críticas através deste blog. Alguns concordam, outros discordam; alguns gostam, outros não.

Sempre procurei me expressar de forma sarcástica, com bom humor. Fundamentalismo nunca combinou com meu jeito de ser. Tenho pavor de parecer um adulto intransigente que só sabe criticar duramente as coisas, ou, como se diz entre os evangélicos, “descer o cajado”. Tenho 23 anos, mas gosto de escrever como criança. Já viu como as crianças fazem perguntas perspicazes, intimidadoras e constrangedoras aos adultos como se fossem a coisa mais normal do mundo? É mais ou menos assim que me sinto quando escrevo algum texto criticando os evangélicos. Como uma criança que chega ao pai e pergunta por que sua mãe estava gemendo na noite anterior.

Mas o Eliel da vida real é bem diferente do Eliel da internet. Na vida real eu sou bem mais calado, raramente faço piadas e de certa forma me contenho para fazer minhas críticas. Alguns domingos atrás eu tive vontade de chegar até uma irmã do grupo de louvor e perguntar por que ela cantava parecendo um bode, mas obviamente não tive coragem (as críticas às vezes podem machucar as pessoas).

Minha postura em uma reunião cristã (culto) também é muito pessoal. Como eu não compactuo com os caminhos evangélicos – com o jeito pelo qual eles conduzem as coisas – é difícil à minha pessoa fingir estar participando de tudo o que está sendo ministrado ali.

Desde que eu sou criança (eu me lembro que desde os 7 anos eu tenho esta percepção) eu observo que o “período de louvor” é tudo, menos um período de louvor a Deus. Se você olha para o lado, você vê pessoas olhando para o relógio, olhando para o teto, olhando a bunda de uma irmã, coçando a cabeça com impaciência, e outras viajando na maionese. Percebe-se em algumas pessoas a tentativa de lutar para tentar acreditar naquilo que elas estão cantando, elas literalmente fazem força – cerram os olhos e cantam com força – tentando deixar de lado as preocupações, o ceticismo que elas têm ou a verdade de que tudo o que elas estão cantando não é verdadeiro.

Eu já escrevi em outro texto: ao invés de cantar que eu estou apaixonado por Deus, eu prefiro pensar comigo em o que posso fazer para tornar isto verdadeiro em minha vida. Eu tenho uma opinião pessoal de que não agimos com sabedoria quando fazemos pedidos a Deus (ainda vou escrever um texto sobre isto), então, não me sinto à vontade catando músicas que trazem pedidos (a maioria é assim). Eu prefiro ser honesto e não cantar algo que não exprima minha realidade (eu realmente não quero que Deus mexa nas minhas estruturas, não quero ficar aleijado) do que fingir e ser hipócrita.

Isso para não falar da falta de criatividade e, por que não, da falta de biblicidade das músicas cristãs atuais, que enfocam apenas o que Deus pode fazer pelo homem, não o que Ele é.

As pregações também são um não-atrativo nos cultos. Com raríssimas exceções (e quão boas são estas exceções!), as pregações são antropocêntricas, irreais, sem criatividade e, não raro, falam sobre o Diabo, Inferno, etc. Até pouco tempo atrás eu fazia uma brincadeira com minha namorada. Toda vez que o pregador falava sobre o Diabo eu cutucava ela e falava “tá vendo?”. E o engraçado era que toda semana, toda noite de domingo, isto acontecia.

Eu nunca vi ter tanta obsessão com o Diabo igual os Evangélicos. Palavras como “trevas”, “inferno”, “satanás”, “diabo” e “potestades” são ditas com uma freqüência muito maior do que a freqüência de suas aparições na Bíblia. Os evangélicos têm uma fobia por perseguição. Acham que o mundo inteiro os persegue, como se todo mundo vivesse em função deles.

Sobre o Inferno, eu realmente não entendo como um povo que diz acreditar em um Deus de amor consegue ter tanta obsessão por um lugar como o este. Prega-se sobre o Inferno para amedrontar as pessoas, e convertê-las pelo medo, como se Deus quisesse que as pessoas o seguissem pelo medo. Em alguns momentos eu acho que os evangélicos sentem prazer em saber que existe um lugar como o Inferno onde os ímpios e pecadores (como se os cristãos não pecassem) vão queimar e sofrer por toda eternidade. Um exemplo clássico (pouco conhecido no Brasil, aliás) é o do pastor americano Fred Phelps. O site da sua igreja (clique aqui para conferir) trás menções como “Deus odeia bichas e quem as ajuda”, “Obama é o anti-Cristo”, “Obrigado a Deus pela AIDS” e assim que você entra no site um contador começa a disparar, dizendo quantas pessoas começaram a sofrer no Inferno desde que você acessou o site. Desde que eu acessei o site (algo em torno de 2 minutos), por exemplo, 512 pessoas começaram a sofrer no Inferno de acordo com o site do pastor Phelps.

Em escala muito menor (mas ainda assim existente), os evangélicos continuam com suas menções ao Inferno, como se tais menções fossem necessárias e frutíferas à prática do culto cristão.

Esta semana me fizeram a seguinte pergunta: mas então Eliel, como um culto deve acontecer em sua opinião?

O problema em questão já se torna evidente já na leitura da pergunta. Não existe uma forma como o culto deve acontecer. Jesus nunca exigiu que o adorássemos em um Templo como os judeus faziam. Ele exigiu, sim, que amássemos a Deus e ao nosso próximo, mas é necessário freqüentar igreja para isto? Aliás, enquanto estamos dentro de uma igreja existem pessoas nas ruas precisando de ajuda e amor. Enquanto estamos nas igrejas negligenciamos a ordem de amor ao próximo. As igrejas evangélicas brasileiras arrecadam aproximadamente 12 bilhões de reais por mês no Brasil e se 10% disto for investido em benefício para a sociedade, é muito. Prefere-se investir em mais igrejas, mais templos, mais pastores recebendo salários, mais programas de TV, mais “Cruzadas Proféticas”, mais coisas fúteis.

O problema em questão, não é que o “jeito” do culto não me agrada. O problema é exatamente existir o culto, a reunião, o ajuntamento. Os evangélicos falam que os templos são apenas quatro paredes e que estar lá não é garantia de salvação, porém, se alguém deixa de ir nas “quatro paredes” os irmãos começam a orar para Deus trazer este alguém de volta. E fazem isto não por saudade, mas por acreditar que esta alguém vai para o Inferno se morrer hoje.

Não existe um “jeito” de cultuar a Deus. Eu faço isto em minha casa, sozinho, enquanto estou no ônibus, enquanto leio, enquanto estudo, enquanto escrevo. Eu levo totalmente ao pé da letra o versículo que diz que “quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore ao seu Pai, que está em secreto” (Mateus 6:6).

O próprio respirar é um ato de adoração a Deus, é gratidão pelo presente que nos foi dado. Existem pessoas que acham necessário se reunir para adorar a Deus. Tudo bem, que Deus as abençoe. Mas por que isto deve ser uma regra?

O estranho, porém, eu admito, é que eu sinto falta de estar em um culto quando fico sem ir. A razão eu não sei explicar bem, mas sinto falta quando não vou à igreja. Ainda estou refletindo sobre esta questão e não tenho ainda uma resposta definida. Talvez Deus deseje de fato que nós O adoremos em grupo, em conjunto, mas, se assim for, uma família que faz o culto em casa não estaria adorando a Deus também e não seria assim dispensável a ida à igreja?

Talvez a igreja seja algo necessário, mas ela é ao mesmo tempo um lugar desagradável (a mim pelo menos). A igreja evangélica já foi um lugar bom para se ir, um lugar de aprendizado, um lugar de comunhão, um lugar de unidade, mas isto foi lá pelo início dos anos 90, não é mais. A igreja evangélica seria um lugar muito mais agradável se os presentes não se considerassem super-santos com direito de julgar os demais; a igreja evangélica seria um lugar muito mais agradável se ela dissesse NÃO! ao mercado gospel idiota, que copia as coisas que não prestam do mundo (as piores possíveis, como podemos observar); a igreja evangélica seria um lugar muito mais agradável se as pregações fossem mais bíblicas, mais simples, sem pseudo-intelectualismo (já ouvi em uma pregação que os filósofos estão discutindo sobre como mudar de planeta viajando através de naves espaciais), sem lobby, sem dogmatismo.

E aqui convém mencionar um trecho de uma carta de C. S. Lewis ao seu amigo Malcolm:

E eles não vão à igreja para serem entretidos. Vão para consumir o culto, ou, se preferir, para encená-lo. Todo culto é uma estrutura de atos e palavras por meio dos quais recebemos um sacramento, ou nos arrependemos, ou suplicamos, ou adoramos. Permite-nos fazer tais coisas melhor – isto é, tudo “funciona” melhor – quando em razão de uma familiaridade antiga, não precisamos mais pensar. Quem presta atenção e conta os passos ainda não dança, apenas aprende a dançar. Sapato bom é aquele que passa despercebido do pé. A leitura torna-se prazerosa quando você não pensa mais nos seus olhos, na luz, na letra impressa, na grafia das palavras. O culto perfeito na igreja seria aquele que transcorresse quase de forma imperceptível para nós, porque nossa atenção estaria voltada para Deus.

Faço minhas também as palavras de João Alexandre: a Teologia Evangélica atual possui 10 quilômetros de extensão, mas 1 centímetro de profundidade (fonte). Se fosse mais profunda, se tivesse raízes bem fundamentadas, certamente não cairia aos primeiros ventos de doutrina.

Quanto a mim, sigo do jeito que estou indo, buscando (sem sucesso) pontos de convergência entre a igreja evangélica atual e meios anseios espirituais. Espero que a igreja evangélica volte ás suas raízes protestantes. Até lá não calarei minha boca, ou melhor, meus dedos.

(Ahhh, esqueci de fechar o site da igreja do pr. Phelps, e até este momento 16415 pessoas começaram a queimar no inferno desde que eu acessei o site. É melhor eu fechá-lo para evitar que mais pessoas comecem a queimar lá)

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Conversa Entre um Pai Atleticano e seu Filho

Filho: Papai, por que você é atleticano?

Pai: Ora meu filho! O Galo é o time das massas, o maior time de Minas Gerais e um dos maiores do Brasil!

Filho: O galo é um dos melhores times do Brasil?

Pai: Sim, meu filho!

Filho: Quais títulos importantes o galo já conquistou?

Pai: O galo foi o primeiro time a ser campeão brasileiro!

Filho: Mas papai, quando foi isto?

Pai: Em 1971, meu filho.

Filho: Mas papai, antes de 1971 não existia nenhuma competição nacional?

Pai: Existia a "Taça Brasil", mas não era chamado “Campeonato Brasileiro”.

Filho: Mas papai, se for assim o galo não foi campeão brasileiro em 1971, pois aquele campeonato não se chamava “Campeonato Brasileiro” também...

Pai: Que besteira é isto meu filho, você está louco?

Filho: Não papai, eu fiz uma pesquisa e descobri que o que vocês chamam de “Campeonato Brasileiro de 1971” se chamava na verdade “Primeiro Campeonato Nacional de Clubes”, portanto não era "Campeonato Brasileiro".

Pai: Mas independente do nome, o campeonato de 71 era Campeonato Brasileiro.

Filho: Mas se for assim os campeonatos nacionais anteriores (como a Taça Brasil) também eram Campeonatos Brasileiros. Aliás, papai, era muito mais difícil vencer uma Taça Brasil na década de 60 do que o Campeonato Brasileiro em 71.

Pai: Mentira!

Filho: Verdade papai! Lembre-se que o na década de 60, Pelé ainda jogava no Santos.

Papai: (...)

Filho: Aliás, papai, se pode-se considerar como campeão brasileiro apenas quem conquistou campeonatos nacionais depois de 1971, então quer dizer que Pelé jamais foi campeão nacional?

Pai: Ahhh tá bom! Que m&%*@! Você está certo, mas isso não tira o mérito da conquista do Galo, nem o fato de que ele é um dos melhores clubes do Brasil.

Filho: Mas papai, tirando o título de 1971, o que mais o Galo conquistou de importante no Brasil que justifique esta sua afirmação de que o Galo é um dos maiores clubes do país?

Pai: Muitas conquistas meu filho!

Filho: Quais?

Pai: Bem... ahhhh... espere aí....

Filho: Vamos lá papai, deixa eu te ajudar: na década de 80, o que o galo conquistou?

Pai: Na década de 80 nada, mas porque o Galo foi roubado contra o Flamengo!

Filho: Mas pai, o Inter foi roubado em 2005 contra o Corinthians, mas na mesma década foi campeão mundial. Desculpe, mas jogar a culpa na arbitragem é coisa de perdedor.

Pai: (...)

Filho: E na década de 90, o que galo venceu?

Pai: Ahhh, na década de 90 nós fomos campeões da América por duas vezes!

Filho: Puxa, vocês ganharam a Libertadores?

Pai: Não, a Copa Conmebol.

Filho: Humm, Boca Juniors disputou esta competição?

Pai: Não.

Filho: River Plate?

Pai: Não.

Filho: Colo-Colo? Velez? Cerro Porteño? LDU? San Lorenzo?

Pai: Não filho, que droga!

Filho: Mas papai, qual era o critério para se participar deste campeonato, e por que os times mais importantes da América não o disputavam?

Pai: Para participar deste campeonato o time deveria terminar o Campeonato Brasileiro bem colocado e não estar disputando a Libertadores.

Filho: Humm... então era uma espécie de Segunda Divisão das Américas?

Pai: Não desvalorize a Taça Conmebol! Já falei que para poder disputá-la o time tinha que ficar bem classificado no Campeonato Brasileiro.

Filho: E qual foi a “boa” classificação do Galo no Campeonato Brasileiro de 1996 que o classificou para a Conmembol de 1997?

Pai: O Galo ficou em 7º.

Filho: Humm... demais hein?! E nos anos 2000, o que o Galo conquistou?

Pai: Foi uma década complicada... não fomos bem...

Filho: “Não fomos bem”? Papai, nesta década até o América/MG teve mais conquistas que o Atlético/MG.

Pai: Bobagem...

Filho: Não papai: o América/MG conquistou a Copa Sul-Minas, em que participavam os melhores times de Minas Gerais e do Sul do país.

Pai: o título da Segunda Divisão de 2006 do Galo vale mais do que isto!

Filho: Ah, então os atleticanos têm orgulho da Segunda Divisão?

Pai: Não! E não quero falar sobre a Segunda Divisão...

Filho: Eu entendo papai... lembro como você chorou em 2005. Não quero que sofra mais por causa disto.

Pai: Mas ainda assim! O Galo é o time das massas! Mesmo não sendo um dos melhores do Brasil, sempre fomos os melhores de Minas!

Filho: É mesmo papai? Então o Cruzeiro tem menos títulos que o Galo?

Pai: Bem... não é assim... O Cruzeiro já conquistou algumas coisas.

Filho: Quais?

Pai: M$%@*... Ele já foi campeão da Libertadores duas vezes... da Recopa... quatro vezes campeão da Copa do Brasil... e Campeão Brasileiro em 2003...

Filho: Não precisa falar mais papai... é suficiente.

Pai: Mas ainda assim somos o maior de Minas... o time das massas!

Filho: O que você quer dizer com isto?

Pai: Temos a maior torcida de Minas!

Filho: Ah é? Mas as pesquisas apontam o contrário papai...

Pai: Pesquisas não dizem nada...

Filho: Mas por que então as pesquisas eleitorais (realizadas pelos mesmos institutos que fazem as pesquisas esportivas) na larga maioria das vezes acertam o resultado dentro da margem de erro da pesquisa?

Pai: Não sei moleque! Mas o Galo tem a maior torcida presente no Mineirão. O Mineirão é a nossa casa!

Filho: Mas papai, até onde eu saiba o recorde de público presente no Mineirão é do Cruzeiro, com mais de 132 mil pessoas...

Pai: Mas este jogo não vale, a entrada de crianças e mulheres era gratuita.

Filho: Mas papai, é óbvio que o número de crianças e mulheres em um estádio superlotado é pequeno, é minoria. A maior parte das pessoas ali eram homens que pagaram pelos ingressos. E, além do mais, pelo o que eu pesquisei o Galo também já tentou fazer coisas semelhantes e não chegou nem perto de atingir o mesmo público.

Pai: Mas não importa. Se você olhar o “público pagante”, o Galo tem o recorde do Mineirão.

Filho: Mas papai, os recordes de público pagante no Mineirão pertencem ao clássico Cruzeiro x Atlético/MG, então não vale.

Pai: Mas o Galo é maior sim. Ele sempre tem a maior média de publico presente nos campeonatos nacionais.

Filho: Mas papai, o Santa Cruz de Pernambuco teve média de público na série D maior do a do Galo na série A este ano de 2009, e mesmo assim terminou a série D na 28ª posição...

Pai: Mas que p%&@* filho! Aonde você quer chegar? Tá querendo virar Maria agora?

Filho: Por que “Maria”?

Pai: Os cruzeirenses são uns bichas, uns gays idiotas!

Filho: Como você sabe disto?

Pai: Como eu sei? Ora... todos sabem!

Filho: Você tem irmãos cruzeirenses, eles são gays?

Pai: Não!

Filho: E Então?

Pai: Que m%$*@ filho. Não sei, não sei! Chamamos os cruzeirenses de “marias”, eles são e pronto!

Filho: Humm... Então os atleticanos são “gayloucura” também? Por que os cruzeirenses chamam vocês disso...

Pai: Não! Não somos! Galo é time macho!

Filho: Humm... tipo aquele Marcelo que participou do Big Brother de 2008 que era atleticano e assumiu sua homossexualidade no programa?

Pai começa a chorar.

Filho: Desculpa papai... mas só sou atleticano porque você me obrigou desde a infância a ser. Eu não escolhi ser atleticano, você me obrigou. Não vejo motivos para continuar sofrendo com este time. Vou torcer para um time vencedor, de grande torcida, que sempre está chegando em grandes decisões de importantes campeonatos!

Pai: Deixa de ser idiota meu filho! A torcida do Cruzeiro é sofredora. Lotou o Mineirão este ano para ver o time perder de virada para o Estudiantes e ser vice da Libertadores...

Filho: Mas papai, a maior decepção do Cruzeiro na década perder o título da Copa Libertadores para um bom time, e a maior decepção do Galo foi cair para a Segunda Divisão... olhando apenas para as decepções, qual é o maior e qual é o menor time de Minas Gerais?

Pai chora mais, e desiste de discutir...


Autor: Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.



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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Resenha: Brainworms I - Bittencourt Project

Certa vez emprestei um CD a um amigo e após ele me devolver lhe perguntei se ele havia gostado do álbum. Sua resposta foi algo como “me pergunte daqui a quatro meses”. O argumento dele era que as primeiras impressões sobre algum trabalho musical sempre são falsas e que algo só pode ser considerado “bom” se perdurar por algum tempo; se perdurar após o período normal de “oba-oba”.

Este princípio é absolutamente verdadeiro, e é exatamente por causa disto que estou escrevendo uma resenha de “Brainworms I” após mais de um ano de seu lançamento. Lembro que as primeiras impressões que tive do primeiro álbum solo de Rafael Bittencourt foram as piores possíveis. “que distorção cansativa de guitarra!”, “que falta de continuidade entre as músicas!”, “que bateria mais simples!”, etc. Há 11 meses, contudo, é o álbum que mais escuto, mesmo já tendo o ouvido trocentas vezes. “Brainworms I” foi lançado na mesma data que “Fragile Equality” (Almah) e, após as primeiras semanas de lançados, todos achavam “Fragile Equality” sensacional e falavam pouco de “Brainworms I”; hoje ninguém lembra que Almah alguma vez existiu (especialmente depois da volta do Angra), mas você ainda encontra muitas pessoas comentando positivamente “Brainworms I”.

Antes de falar sobre a musicalidade do CD, vale a pena mencionar a incrível capacidade de Rafael de abordar temas inteligentes no conteúdo lírico de suas composições. "Brainworms" [cuja tradução em português seria algo como “minhocas cerebrais”], conforme palavras do próprio Rafael, são aquelas melodias que “grudam” na nossa cabeça. Mas diferente do que você esperaria de um convencional músico brasileiro de Heavy Metal, Rafael escolheu este título por estar lendo sobre o assunto, não por ter o ouvido sobre ele no Fantástico, na MTV ou no Globo Repórter. A inteligência por traz das composições é um grande diferencial nas composições de Rafael (talvez esta seja a razão de Angra ser uma de minhas bandas favoritas).

As letras das músicas de “Brainworms I” caminham superficialmente pelas áreas mais nobres de estudo como Filosofia, Religião e Psicologia, e ainda abordam várias questões “existenciais” pertinentes ao ser humano como depressão, desespero, amor, ódio, alívio, pesar, medo, etc. Enfim, quanto ao conteúdo lírico, inteligência não falta.

Musicalmente falando o álbum é mais surpreendente que as ótimas impressões sobre o conteúdo lírico. “Criatividade” e “liberdade” são palavras que melhorem definem a musicalidade deste álbum. Afinal, é impossível não chamar de criativo um álbum que reúne Heavy Metal; Rock oitentista; levadas meio Death Melódico; o fenomenal Tango-Punk de “Torment of Fate”; batucadas a la Olodum; triângulos nordestinos; viola caipira e, por fim, música Country.

É interessantíssimo perceber a “unidade na diversidade” deste álbum. Se eu te passar a primeira música (Dedicate my Soul) e logo depois a última (Nacib Véio!) você dificilmente acreditará que são músicas de um mesmo álbum. A primeira, um Metal dinâmico e intenso; a última, uma espécie Metal-Contry cantando em um português cheio de gírias ("é nóis!").

No meio do turbilhão de estilos, ritmos e melodias de “Brainworms I” encontramos a bela e emocionante “Holding Back de Fire”; a empolgante e viciante (eu não consigo escutá-la apenas uma vez, aperto o repeat sempre) “Tormento of Fate”. Aliás, esta música é tão boa que merece uma consideração especial:

Our fate has to be changed
titichu titichu titichu
(esse titichu é legal demais!)
Live or die! You have to decide...

É realmente viciante!

Prosseguindo temos o romance (depressivo?) de “The Dark Side of Love”; o classic-rock de “Nightfly”; o Metal Progressivo de “The Underworld” (a faixa que mais nos lembra o Angra); o progressivo sereno de “Faded” (é incrível nesta faixa a maneira como ela nos conduz aos poucos a um ápice. É como se estivéssemos lendo uma trama que vai se desenrolando aos poucos); o clima fazendeiro de “Santa Tereza” (quem foi o louco do Angra que votou para esta música ficar fora do álbum “Holy Land”?); “O Pastor” que é uma versão meio Death Melódico da música originalmente composta pelo grupo português Madredeus; “Comendo Melancia” e “Primeiro Amor” são instrumentais, a primeira do tipo que se toca em workshops para promover guitarras, pedaleiras ou amplificadores; a segunda um belo arranjo de cordas, bem brasileiro!

O álbum termina com a já mencionada “Nacib Véio!” que é, eu diria, bastante engraçada, apesar de sua letra trágica. Talvez esta não tenha sido a intenção de Rafael ao compô-la, mas a combinação entre a melodia (alegre e divertida) e a letra (uma perfeita desgraça) nesta música faz uma perfeita analogia com a condição de vida geral do povo brasileiro que, a despeito de todas as dificuldades sócio-econômicas de desigualdade, falta de oportunidade na vida, líderes corruptos, etc., ainda assim é feliz, alegre e radiante.

Enfim, “Brainworms I” é incrível! Você provavelmente não vai gostar dele nas primeiras vezes que o ouvir, mas, quando se assustar, verá que não consegue viver sem escutá-lo por muito tempo.

Parabéns a Rafael Bittencourt pela excelente (em todos os sentidos!) composição. Esperamos com ansiedade pelo “Brainworms II”.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.



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