quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Filosofia do Busão

Sempre andei de ônibus. Como integrante daquilo que os demógrafos chamam de classe média baixa, me locomover usando este meio de transporte sempre foi algo usual em minha vida. Atualmente, faço uso deste meio de transporte 16 vezes por semana entre idas e vindas para a faculdade, casa da vovó e casa da namorada.

Muito observador, passei a perceber algumas características existentes dentro de uma viagem de ônibus metropolitano que são perfeitamente análogas à nossa vida. Filosofia do Busão não é um texto de especulação filosófica, antes, um chamado para que passemos a observar mais atentamente as coisas que nos cercam em nosso cotidiano.

Uma das primeiras coisas que observei é em relação aos “bancos altos”. Não sei como os ônibus são projetados em sua cidade, mas aqui na região metropolitana de Belo Horizonte, alguns poucos assentos são montados em um patamar mais alto do que os demais. Eles se encontram exatamente acima das rodas e, por isso, são mais altos do chão em relação aos demais assentos.

Achei muito interessante observar que as pessoas sempre buscam sentar nestes bancos. Claro, se eles estiverem ocupados, uma pessoa vai se sentar em um banco comum, mas, se ela for a primeira pessoa a entrar no ônibus, provavelmente ela escolherá algum dos “bancos altos”. Isto eu já observei muitas vezes. Depois que observei esta curiosa preferência, passei a notar algumas ações engraçadas como, por exemplo, que quando alguém que estava sentado em um destes assentos mais elevados chega a seu destino e desce do ônibus, alguém se levanta do banco em que estava e ocupa o banco do alto que ficou vazio.

Ora, o que os “bancos altos” têm de especial em relação aos demais assentos? Aqui em minha região, pelo menos, nada. O mesmo material é usado na construção de ambos os tipos de banco. Aliás, estou até um pouco equivocado em dizer “ambos os tipos de banco” uma vez que os assentos são rigorosamente iguais. O que faz uns bancos ficarem mais elevados em relação aos demais é a armação de ferragens que sustenta os bancos (nos bancos elevados esta armação é maior).

Os psicanalistas que me ajudem, mas não seria esta busca pelos assentos mais elevados uma manifestação de algum impulso interior do ser humano de “estar por cima” dos demais que o cercam? Pode ser, pode não ser, mas o interessante é que viagem após viagem que eu faço usando este meio de locomoção, eu observo as mesmas coisas. Eu mesmo – quando percebo – estou sentado em algum destes bancos mais altos, tendo me guiado até eles por alguma razão que não sei dizer qual é. Mas, talvez eu esteja certo. Talvez as pessoas prefiram estes assentos mais elevados por se sentirem – ao menos por alguns minutos – em um patamar mais elevado do que os demais.

Talvez minha segunda observação em relação aos “bancos altos” corrobore minha sugestão. Um dos poucos (talvez único) benefícios destes assentos é que eles proporcionam menos esforço físico para aquele que lá se sentam na hora de se levantar. Por estarem posicionados mais alto em relação ao chão, a pessoa que quiser se levantar precisará apenas virar um pouco o quadril, colocar os pés no chão e seguir em direção à porta, ao passo que, nos demais bancos, a pessoa que quiser se levantar terá de movimentar seu quadril e esticar suas pernas que estavam até então flexionadas, exigindo assim o esforço de vários músculos da perna e depositando todo seu peso no movimento de seus joelhos. Para sentar acontece o mesmo, afinal, o esforço é maior entre uma pessoa que precisa se agachar para sentar e outra que precisa apenas virar seu bumbum e adequá-lo ao assento.

Isto me diz, por que não, que as pessoas querem “estar por cima” em relação às demais que a cercam, e, também, não querem fazer esforço algum para atingir este objetivo. E também não querem, depois que já “estão por cima”, realizar tarefa desgastante alguma!

Claro, talvez eu esteja enxergando pêlo em ovo, mas, o fato é que o anseio pelos bancos mais altos é evidente a mim 16 vezes por semana.

Percebi também outras características dentro de uma viagem de ônibus. Uma delas é que as crianças sempre desejam se sentar próximo à janela, ao passo que os adultos são indiferentes a isto. Trata-se de uma conjectura, mas provavelmente os mesmos adultos que hoje são indiferentes à janela eram, na infância, semelhantes às crianças que brigam para se sentar lá. E talvez as mesmas crianças que hoje fazem questão de se sentar colados na janela sejam, amanhã, adultos indiferentes a isto.

A explicação para este fenômeno é mais simples de se dar, porém mais triste. Os adultos perderam alguns sentimentos em relação ao mundo externo que, penso, são extremamente importantes para que sejamos mais do que sobreviventes neste mundo. Eles perderam a curiosidade, se conformando com as respostas pré-fabricadas que a mídia os dá; perderam o sentimento de contemplação das coisas existentes que, como afirmam alguns teólogos, nos aproxima mais da mente do Criador; perderam até mesmo o sentimento de identidade, pois, se você não reconhece o que está além de você, como pode saber o que você é? Explicando com uma analogia, se você é daltônico, como poderá distinguir o ponto em que o azul termina e o verde começa?

Tenho uma sobrinha de dois anos, e é maravilhoso observar a curiosidade existente em suas ações. Ela quer tudo, observa tudo! Um simples botão de camiseta pode ser das coisas mais extasiantes a ela. Seu desejo por conhecer e compartilhar de si mesma com as coisas que a cercam é a característica mais marcante em todas as suas atituldes. Daqui uns dois ou três anos ela certamente vai brigar para se sentar ao lado da janela no ônibus.

Dentro de um ônibus também podem surgir os mais variados tipos de pensamentos filosóficos. Eu diria até que os ônibus são os areópagos do tempo atual. Lá dentro você encontra pessoas de todos os tipos, culturas, raças e religiões. Claro que, as conversas sobre futebol são muito mais observáveis do que conversas sobre a relação entre “ser e existência”, por exemplo. Mas, ainda assim, podemos ouvir muita coisa produtiva. Há alguns meses, enquanto estava dentro do ônibus, um homem de aproximadamente 30 anos entrou no veículo após um aparente dia cansativo de trabalho e, como o ônibus já estava lotado, não conseguiu lugar para sentar. Ele então, cabisbaixo, começou a desabafar com as pessoas ao seu lado, exprimindo tudo o que incomodava:

– Isto é a maior vergonha! Neste país a gente paga pra ser humilhado. A gente paga pra nascer, para pra viver e paga até pra morrer. A gente não tem o direito nem de morrer em paz sem ter que dar dinheiro pros ladrões do governo. A gente trabalha o dia todo, dá boa parte do dinheiro pro governo, come com o que sobra e o que a gente recebe na volta pra casa? Um ônibus lotado, onde a gente vai agüentar em pé até ele sair do engarrafamento! Enquanto isso os bacanas sustentados pela gente estão lá andando de avião, carro importado e com motorista particular.

Eu não tomei parte da discussão que se deu depois que o homem disse isso. Apenas observei e refleti na profundidade das palavras deste homem e na discussão que se seguiu a ela, apesar de ter perdido boa parte da discussão porque estava imerso em meu pensamento refletindo sobre o que tinha ouvido.

Enfim, podemos enxergar muitas coisas sobre nós mesmos durante uma viagem de ônibus. Basta a nós parar um pouco e observar. E não apenas nos ônibus, podemos aprender sobre nós mesmos olhando para tudo o que nos cerca. Eu me arrisquei escrevendo uma Filosofia do Busão, alguém se arrisca a escrever sobre outra coisa?


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


5 comentários:

Lucas Alsil 20 de Agosto de 2009 07:27  

haha, só sobre o povo que conta a vida pra cidade toda dentro do onibuss

como eu tenho raiva disso

Certas Coisas!|! 20 de Agosto de 2009 07:34  

kkkkkkkkkkk, nao tem nada pior do que uma viagem com pessoas chatas, que nao tomam cha de sí mancol, e ficam falando tantas asneiras [e o pior ninguem perguntou]

eh froid.......

Se puder visite o meu

http://euvoustar.blogspot.com

Glauber Ataide 20 de Agosto de 2009 07:35  

Hahahaha, muito divertido.

De uns dois anos pra cá eu tenho andado só de carro pra ir ao trabalho e pra faculdade, mas antes disso eu também ficava observando muitos detalhes nas viagens de ônibus, principalmente porque sou um freudiano, e como Freud assinalou, toda ação, antes de se tornar consciente, é inconsciente.

A questão de se sentar nos bancos mais altos, pelo menos num primeiro nível de interpretação, pode sim representar um desejo de "estar por cima", e num nível mais profundo, talvez em algum componente exibicionista.

Eu também sempre reparei que o assento ao meu lado era quase que infalivelmente o último a ser ocupado. Isso é, as pessoas evitavam sentar ao meu lado a todo custo. Eu pensava: será o meu bigode? será a minha barba? será o meu cabelo? rssssrsrs.

Como eu gosto de tentar analisar todo mundo, o ônibus, por nos colocar em contato com muita gente diferente por vários minutos, é um local privilegiado, principalmente quando as pessoas estão falando. Mas às vezes até mesmo pelos acessórios pode-se inferir alguma coisa.

Quando eu vejo uma mulher que usa brincos de argolas grandes e muitas pulseiras e colares ao mesmo tempo, eu já tenho uns primeiros indícios de histeria nessa pessoa, já que mulheres histéricas geralmente usam esses tipos de acessórios.

Eu também gosto de tentar extrair informações sobre o relacionamento paternal das mulheres que gostam de se sentar perto do cobrador ou do motorista, já que eles representam figuras de autoridade dentro do ônibus.

Mas enfim, isso tudo é apenas passatempo de viagem de ônibus, nada realmente sério, rssrrssrsrsr. São brincadeiras intelectuais.

Irving Maynard 20 de Agosto de 2009 07:38  

Bom, aceca do bancos, não descarto a sua colocação, mas prefiro fazer uma breve comparação:

Se você ao mercado e todos os produtos são rotulados da mesma forma (preto e branco, por exemplo) e apenas um deles tem o rótulo diferente (colorido) a possibilidade de você se dirigir até ele e exageradamente mair.

As pessoas buscam coisas nova, diferentes. A sensação de estar em um banco mais alto e poder ver todo mundo que está à sua frente coom facilidade, faz com que o camarada quebre a rotina.

Abraço

Pedro Ramiro de Assis 25 de Agosto de 2009 14:21  

nemli

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