quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sobre a Redução da Jornada de Trabalho

Na última terça-feira tive um demorado debate virtual com meu amigo Glauber Ataíde sobre política e economia. Ele, comunista e filiado ao PC do B e eu, social democrata, ainda em busca de um partido político que seja compatível com minhas idéias (PPS, PSB e PV são algumas possibilidades).

O debate correu por uma série de questões pertinentes e, uma delas, foi a questão da jornada de trabalho. Como um bom comunista, Glauber argumentou que a jornada de trabalho em nosso país é muito alta e que todo trabalhador é, por esta e outras razões, explorado pelo sistema capitalista “burguês”.

Coincidentemente, está atualmente em discussão no legislativo uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sobre a redução da jornada de trabalho no país, de 44 horas semanais, para 40 horas semanais. A PEC ainda está em processo de trâmite em Brasília e precisa ser votada na Câmara e no Senado antes de entrar em vigor. Neste período de debates, opiniões das mais variadas surgem.

Hoje (quarta-feira, 26 de Agosto) pela manhã Glauber e eu tivemos mais uma discussão, desta vez menor, mais específica e via Twitter. O motivo foi exatamente esta PEC. Glauber postou em seu Twitter um texto escrito por Marcio Porchmann, economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicadas (IPEA). Para o economista, a jornada não apenas deve ser reduzida, mas deveria ser reduzida para 12 horas semanais! Algumas preocupações apresentadas pelo economista são válidas e dignas de reflexão:

“Estamos cada vez mais ignorantes. De cada dez jovens com 18 a 24 anos de idade, apenas um está estudando”, diz Pochmann, criticando a ida cedo ao mercado de trabalho por causa da falta de condições da família em manter os jovens na escola.

Pelos cálculos do economista, existem estudante com jornada de 16 horas, isso levando em conta as oito horas no emprego, quatro na faculdade e quatro para o deslocamento. “É uma jornada de trabalho igual a dos operários do século XIX. Como é que alguém vai ter tempo de ainda abrir um livro? Estudar e trabalhar não combina.”

Pois bem. Realmente as preocupações levantadas pelo economista são relevantes. Eu mesmo, por exemplo, por todo ano de 2008 acordava às 6:00 da manhã para ir trabalhar e ia dormir à 00:30 depois que chegava da faculdade, de segunda a sexta – e aos sábados ainda estudava de 7:40 às 13:00. E confesso ainda que só podia me dar ao luxo de levantar às 6:00, pois meu pai de dava carona de moto ao trabalho, senão teria de acordar às 5:30 ou antes.

Certamente, um país que pretende melhorar seus índices de educação e de capacitação de mão de obra precisa rever algumas posturas em relação à jornada de trabalho. E, acredito, isto está acontecendo como, por exemplo, com o debate que está ocorrendo atualmente.

Mas nem tudo são flores. Existem vários problemas aparentes caso se diminua bruscamente a jornada de trabalho. Como eu argumentei com Glauber, o mais evidente deles é o aumento da inflação. Menos horas trabalhadas geralmente corresponde a menos produção, e menos produção corresponde a aumento de preço no mercado.

Glauber discordou de mim (sem explicar onde minha crítica peca), mas pensemos em um caso prático: você possui uma empresa que produz shampoo que contém 50 funcionários. Ou seja, o total de horas trabalhadas é de 2200 por semana. Como bom capitalista, você tem exatamente a quantidade exata de funcionários que você precisa para produzir a demanda que o mercado te pede (afinal, se o que os comunistas dizem sobre o patrão visar apenas o lucro for verdadeiro, ele jamais vai empregar empregados além da conta do que ele precisa). São necessários 2200 horas para produzir X de produção, e você tem 50 funcionários trabalhando 44 horas para atingir X. Se fosse necessários menos horas, você certamente teria menos funcionários.

Então a PEC referente à redução da jornada de trabalho é aprovada. Seus 50 funcionários que antes trabalhavam 2200 horas semanais agora vão poder trabalhar apenas 2000, ou seja, para chegar ao número de 2200 horas semanais necessárias para se chegar a X, você vai precisar contratar mais 4 funcionários. Obviamente, você, como patrão, não vai querer tirar do seu bolso este custo de 4 salários (mais os benefícios, tributos e contribuições) e vai aumentar o preço do seu produto para compensar as despesas.

O mesmo ocorrendo em todas as empresas do país = pressão inflacionária.

Glauber não explicou porque, mas afirmou categoricamente que a redução da jornada de trabalho não aumentaria os preços dos produtos. De acordo com ele, “o avanço tecnológico permite sim essa redução de jornada, mantendo a produção”. Pergunto ao meu amigo Glauber, acaso já temos tecnologia suficiente para tal? Se sim, porque os maldosos e vilões “patrões” ainda empregam seus funcionários, uma vez que com o “avanço tecnológico” não é necessário manter o número de funcionários que estão trabalhando? Não são os próprios comunistas que dizem que os patrões visam apenas o lucro, e só o lucro? Ora, mas se eles mantêm um contingente de funcionários sem precisar, não estariam eles agindo bem e olhando além do "lucro"?

Ante uma aprovação desta PEC, um patrão se viria com as seguintes opções: (a) diminuir sua produção e manter o mesmo número de funcionários; ou (b) contratar mais funcionários e repassar o custo adicional para o preço final do produto. Em qualquer das opções escolhidas haverá contribuição para o aumento da inflação. Usando palavras do próprio Glauber, isto é “ABC da economia”: diminuição da produção ou aumento dos preços pressiona o aumento da inflação.

Nos jornais de hoje, especialistas em várias áreas comentaram sobre esta PEC:

Michel Aburachid, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário no Estado de Minas Gerais (Sindivest-MG), disse ao Jornal do Comércio que “se a mudança for aprovada será, literalmente, o fim das confecções em Minas Gerais”. Uma vez que a indústria do vestuário está perdendo mercado internacional (e até nacional) por causa da indústria chinesa (na China a carga horária semanal é de 60 horas) e da queda do Dólar ante ao Real, uma diminuição da carga horária seria altamente prejudicial ao setor.

E olha que estamos falando em uma redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas. Imagine o caos que este país ia virar se alguma idéia louca como a de Marcio Porchmann fosse aprovada!

Mas, falando de forma mais geral sobre este PEC, apesar do risco de inflação, acho que seria uma mudança proveitosa, sim. Se for bem organizada, será uma boa mudança. Antes de qualquer coisa, um trabalhador feliz e satisfeito produz em 40 horas muito mais do que um trabalhador indisposto em 44. Obviamente, nenhuma alternativa é aprovada sem antes se calcular os riscos (especialmente quando o risco é de inflação) e o governo possui algumas boas ferramentas que podem ajudar a conter o aumento de preço por parte dos produtores. Uma delas seria, talvez, diminuir a carga tributária aos setores que gerarem mais empregos em razão da diminuição da jornada de trabalho. Assim, o empregador veria seu custo com funcionários aumentar, porém, em contra-partida, teria alívios fiscais que compensariam este custo. Enfim, a PEC precisa ser debatida, o que não se pode é aprová-la irresponsavelmente sem pensar nas conseqüências negativas que ela pode trazer, nem descarta-la sem pensar no que ela pode trazer de bom à população, aos empregadores e ao Estado.

O importante é ter ciência de que, em economia, não existem respostas prontas e pré-fabricas, como os comunistas às vezes passam a impressão que é. Sempre existe "se" ou "mas" quando se pensa em alguma possibilidade econômica. Reduzir a jornada de trabalho é bom? Alivia a "carga" do trabalhador? Dá mais tempo para ele ficar em casa descansando? Sim, mas quais serão as consequências disto a curto prazo? E a longo prazo? Quem serão os mais prejudicados? Devemos pensar em todas estas questões antes de dar um veredicto, não postular sonhos como se fossem realidade.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

William Lane Craig responde: Inerrância e Ressurreição

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Texto escrito pelo filósofo William Lane Craig.

Traduzido para o português por Eliel Vieira (eliel@elielvieira.org)

Para a versão original em inglês, clique aqui.

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Questão:

Estava lendo um debate entre William Lane Craig e Bart Ehrman (para ler a tradução deste debate clique aqui) e não gostei do que li. Craig se recusou a responder se a Bíblia é ou não um livro inerrante quando foi perguntado sobre isso por um membro da platéia. Ele simplesmente deixou a questão de lado e respondeu que aquela não era a questão que eles estavam debatendo.

1 – O que existe fora do cânon que sustenta a morte Jesus, seu sepultamento, ressurreição física e ascensão aos céus?

2 – A mensagem de Jesus foi espalhada oralmente até que os evangelhos fossem escritos. Como sabemos que a mensagem não foi corrompida com lendas? Como Jesus ser sepultado por José de Arimatéia.

3 – E sobre outros realizadores de milagres das tradições pagãs como “Honi, o desenhista de círculos”, “Hanina ben Dosa” e “Apolônio de Tiana”. O fato destes pagãs terem praticado atos milagrosos similares aos de Jesus não enfraquece a credibilidade de Jesus como um realizador de milagres?

4 – E sobre as aparentes discrepâncias nos diferentes relatos sobre Jesus? Por favor, me dê uma resposta diferente de “tratam-se apenas de detalhes secundários e estas discrepâncias não contradizem o coração da questão”. Se formos a uma universidade e declararmos que a Bíblia é um livro inerrante, não deveríamos ser capazes de prover respostas a estas questões? Eu cito o sr. Ehrman em seu debate vs Craig na página 13:

“Em qual dia Jesus morreu e em qual horário? Ele morreu um dia antes do pão da Páscoa ser comido, como João explicitamente diz, ou ele morreu depois dele ser comido, como Marcos explicitamente diz? Ele morreu ao meio dia, como é dito em João, ou às 9 da manhã, como dito em Marcos? Jesus carregou sua cruz sozinho por todo o caminho ou Simão de Cirene a carregou? Isto depende de qual evangelho você lê. Os dois ladrões zombaram de Jesus a cruz ou apenas um deles zombou enquanto o outro o defendeu? Isto depende de qual evangelho você lê. O véu do templo se rasgou ao meio antes de Jesus morrer ou depois? Depende de qual evangelho você lê. Ou então pegue os relatos sobre a ressurreição. Quem foi à tumba no terceiro dia? Maria foi lá sozinha ou ela foi com outras mulheres? Se Maria foi lá com outras mulheres, quantas outras foram lá, quem eram elas e quais eram seus nomes? A pedra que lacrava o sepulcro rolou antes delas chegarem ou não? O que elas viram na tumba? Elas viram um homem, elas viram dois homens, ou elas viram um anjo? Depende do relato que você lê. O que elas disseram aos discípulos? Era para os discípulos permanecerem em Jerusalém e ver Jesus lá ou era para eles saírem e verem Jesus em Galiléia? As mulheres falaram com alguém ou não? Depende do relato que você lê. As mulheres falaram com alguém ou não? Depende do evangelho que você lê. Os discípulos nunca abandonaram Jerusalém ou eles a deixaram imediatamente rumo à Galiléia? Todas as respostas dependem de qual relato você lê”.

Bem, qualquer ajuda será bem vinda. Por favor, não me responda indicando livros ou websites como os que eu estou lendo destes debates: Evidences that Demands a Veredict [Evidências que Demandam um Veredicto] de McDowell e Em Defesa de Cristo (Editora Vida) de Strobell.

Posso receber uma resposta direta para cada uma destas questões do maior centro de apologética cristã do mundo?

Obrigado,

Grant


Resposta do Dr. Craig:

Você quer saber se pode receber respostas diretas a suas questões? Pode apostar! Leia:

Primeiro, para constar, você foi muito tendencioso quando disse que eu “simplesmente deixei de lado” a questão da inerrância bíblica em meu debate com Bart Ehrman sobre se existem evidências históricas para a ressurreição de Jesus. Uma maneira mais simpática e, eu acho, mais correta de colocar isto seria dizer, “Craig se recusou a permitir que Ehrman desencarquilhasse o debate para uma discussão sobre inerrância bíblica e manteve o debate nos trilhos”. Ou uma maneira mais correta ainda de se analisar a situação seria: “Ehrman tentou conduzir Craig a uma afirmação sobre a inerrância bíblica, assim ele poderia impugnar a objetividade de Craig e, por conseqüência, sua integridade como um historiador; mas Craig, sabendo que seu caso para a ressurreição de Jesus não pressupunha a inerrância bíblica, se recusou a morder a isca”.

Como eu expliquei em minha “Questão da Semana” sobre What Price Biblical Errancy [Qual é o preço da “Errância” Bíblica], Ehrman, quando era um cristão, tinha um sistema teológico muito falho no qual a inerrância bíblica ocupava o centro de suas crenças, então, assim que ele se convenceu de um único erro nas Escrituras, toda sua fé cristã entrou em colapso. Como resultado, a doutrina da inerrância bíblica soa absolutamente anormal ao seu pensamento. Mas o caso para a ressurreição de Jesus que eu propus no debate não pressupõe de forma alguma a inerrância dos documentos, desta forma, a doutrina da inerrância se torna irrelevante à medida que a convicção na ressurreição prossegue.

Agora, vamos às suas questões:


1 – O que existe fora do cânon que sustenta a morte Jesus, seu sepultamento, ressurreição física e ascensão aos céus?

Na verdade, existem muitas fontes extra-canônicas que sustentam a morte de Jesus, seu sepultamento e sua ressurreição, fontes que sobre as quais, eu suponho, você nunca pensou. Você está imaginando fontes extra-canônicas posteriores como Josefo e Tácito. Mas as fontes extra-canônicas realmente interessantes são as mais antigas, ou seja, as fontes utilizadas pelos escritores no Novo Testamento. Agora, antes que você proteste você precisa refletir e perceber que estas fontes não estão, elas mesmas, no cânon, mas elas encontram-se mais próximas aos eventos do que os livros canônicos. Estas fontes são, portanto, o centro do estudo histórico sobre Jesus atualmente, não as fontes extra-canônicas posteriores. Sinceramente, se você está focado em quais fontes posteriores existem sobre Jesus, você realmente está “comendo mosca”.

Quais são estas fontes? A história da Paixão usada por Marcos, a fórmula citada por Paulo em I Co 15: 3-5, a fonte especial de Mateus chamada M, a fonte especial de Lucas chamada L, e assim por diante. Algumas destas fontes são incrivelmente antigas (o que ajuda a responder a sua segunda questão). A história da paixão pré-Marcos provavelmente data dos anos 30 e está baseada em testemunhos oculares, e a fórmula pré-Paulina em I Co 15:3-5 foi datada para algum período dentro de poucos anos ou até mesmo meses após a morte de Jesus. Eu acho que você consegue perceber porque estas fontes são as que realmente importam, não alguns relatos posteriores como o de Josefo.

Agora, estas fontes em conjunto provêm testemunhos abundantes e independentes para a morte, sepultamento e ressurreição de Jesus. Referências posteriores a Jesus pelo historiador romano Tácito, o historiador judeu Josefo, o escritor sírio Mara bar Serapion, escritos rabínicos, e escritores extra-bíblicos que confirmam o que os documentos do Novo Testamento nos dizem sobre Jesus não nos dão nada absolutamente novo. Você pode encontrar estas fontes citadas e discutidas no livro de R. T. France The Evidence for Jesus [A Evidência de Jesus] ou no livro de Robert Van Voorst Jesus outside the New Testament [Jesus fora do Novo Testamento]. O que é chave para o historiador, entretanto, não serão estas fontes posteriores, mas os documentos do Novo Testamento e suas fontes.

O que me leva a perguntá-lo: por que você está mais interessado nas fontes extra-canônicas do que nos próprios documentos primários? Sua questão não revela o preconceito de que os documentos do Novo Testamento não são historicamente confiáveis? Mas, se existem fontes fora do Novo Testamento que falam sobre Jesus, ah, esta é um evidência real!

Você precisa ter em mente que originalmente não existia nenhum livro chamado “O Novo Testamento”. Existiam apenas estes documentos separados circulando no primeiro século, relatos como o evangelho de Lucas, o evangelho de João, os Atos dos Apóstolos, a carta de Paulo a Corinto, Grécia, etc. Apenas alguns séculos depois a Igreja reuniu oficialmente estes documentos sob uma capa única, que veio a ser conhecida como o Novo Testamento. A Igreja reuniu apenas as fontes antigas, próximas a Jesus e aos apóstolos e deixou de fora os relatos posteriores, secundários, como os evangelhos apócrifos forjados, que todos sabiam ser meras fraudes. Então, desta forma, as melhores fontes históricas são as que foram reunidas no Novo Testamento. Pessoas que insistem que as evidências podem ser encontradas apenas em escritos fora do Novo Testamento não compreendem o que elas estão buscando. Elas estão reclamando que nós ignoramos as fontes primárias sobre Jesus em favor de fontes posteriores, secundárias, e menos confiáveis, o que não confere com a metodologia histórica.

A verdadeira questão é: quão confiáveis são os documentos sobre a morte de Jesus que foram reunidos no Novo Testamento? Isto nos leva a sua segunda questão.


2 - A mensagem de Jesus foi espalhada oralmente até que os evangelhos fossem escritos. Como sabemos que a mensagem não foi corrompida por lendas? Como Jesus ser sepultado por José de Arimatéia.

Em meu artigo Who Was Jesus [Quem foi Jesus] neste site, eu discuto cinco razões do porque nós podemos confiar na credibilidade dos evangelhos:

1. Não havia tempo suficiente para que influências legendárias eliminassem o coração dos fatos históricos.
2. Os evangelhos não são análogos aos contos folclóricos ou às “lendas urbanas” contemporâneas à época.
3. A transmissão judaica de tradições sagradas era altamente desenvolvida e confiável.
4. Existiam constrangimentos significantes na adulteração de tradições sobre Jesus, como a presença de testemunhas oculares e a supervisão dos apóstolos.
5. Os escritores dos evangelhos possuem um registro de confiabilidade histórica.

Eu não vou repetir aqui o que eu disse lá.

Completando estas considerações gerais, estudiosos enunciaram certos “critérios de autencidade” para ajudar a detectar informações historicamente confiáveis sobre Jesus até mesmo em um documento que possa não ser em geral confiável. O que estes critérios realmente se importam são declarações sobre o efeito de certos tipos de evidência sobre a probabilidade de várias afirmações ou eventos narrados nas fontes. Para algum afirmação ou evento S, evidência de certo tipo E, e nosso conhecimento prévio B, os critérios vão estabelecer – se todas as variáveis tiverem valores equivalentes – que, Pr (S/E&B;) > Pr (S/B). Em outras palavras, sendo todos os valores iguais, a probabilidade de algum evento ou afirmação é maior dado, por exemplo, sua atestação independente e antiga do que se sem esta atestação.

Quais são os fatores que podem servir a favor de E aumentando a probabilidade de algum evento ou afirmação S? A seguir alguns dos mais importantes:

1. Congruência Histórica: S se enquadra com o conhecimento dos fatos históricos concernentes ao contexto no qual S supostamente ocorreu.
2. Atestação antiga e independente: S aparece em fontes múltiplas e próximas ao tempo no qual S supostamente aconteceu e que não dependem umas das outras nem de uma fonte comum.
3. Embaraço: S é incômodo ou contra-produtivo às pessoas que servem como fontes informativas de S.
4. Dissimilaridade: S provavelmente não se trata de pensamentos e tradições judaicas antecedentes e/ou pensamentos e tradições cristãs subseqüentes.
5. Semitismo: Vestígios de S são encontrados nas narrativas aramaicas ou hebraicas.
6. Coerência: S é consistente com fatos já estabelecidos sobre Jesus.

Observe que estes critérios não pressupõem a confiabilidade geral dos evangelhos. Eles se focam mais em um evento particular e dão evidência para pensar que este elemento específico da vida de Jesus é histórico, a despeito da confiabilidade geral do documento no qual este evento particular é relatado. Estes mesmos critérios são assim aplicados aos relatos de Jesus encontrados nos evangelhos apócrifos, ou escritos rabinos, ou até mesmo no Corão. Claro, se os evangelhos puderem ser demonstrados como documentos confiáveis, melhor ainda! Mas os critérios não dependem de nenhuma pressuposição deste tipo. Eles servem para encontrar vestígios do miolo histórico até mesmo no meio do lixo histórico. Assim, nós não precisamos nos inquietar em defender a confiabilidade geral dos evangelhos ou cada afirmação atribuída a Jesus nos evangelhos (muito menos sua inerrância!).

Agora, especificamente sobre o sepultamento de Jesus por José de Arimatéia, este é um dos fatos mais estabelecidos sobre Jesus. O espaço não me permite percorrer todos os detalhes da evidência sobre o sepultamento. Mas permita-me mencionar alguns pontos:

Primeiro, o sepultamento de Jesus é atestado multiplamente por fontes antigas e independentes. O relato do sepultamento de Jesus em uma tumba por José de Arimatéia faz parte da fonte de Marcos em relação à história da Paixão. Além disso, a fórmula citada por Paulo em I Co 15:3-5 se refere ao sepultamento de Jesus:

... que Jesus morreu pelos nossos pecados de acordo com as Escrituras,
e que ele foi sepultado,
e que ele foi ressuscitado ao terceiro dia de acordo com as Escrituras,
e que ele apareceu a Cefas, então aos Doze.

Mas, podemos pensar, este sepultamento mencionado na fórmula paulina se trata do mesmo sepultamento por José de Arimatéia? A resposta a esta questão se torna clara ao compararmos a fórmula paulina às narrativas dos evangelhos e os sermões presentes nos Atos dos Apóstolos.


Esta notável correspondência entre tradições independentes é uma prova convincente de que a fórmula paulina é um sumário em forma de tópicos dos eventos básicos sobre a paixão e ressurreição de Jesus, incluindo seu sepultamento na tumba. Nós, assim, temos evidências de duas das fontes independentes e antigas do Novo Testamento para o sepultamento de Jesus em uma tumba.

Mas isto não é tudo! Mais testemunhos independentes sobre o sepultamento de Jesus por José também são encontrados nas fontes por trás de Mateus e Lucas e o evangelho de João, para não mencionar o evangelho extra-bíblico de Pedro. As diferenças entre o relato de Marcos os relatos de Mateus e Lucas sugerem que os estes relatos posteriores (Mateus e Lucas) tiveram outras fontes além da fonte de Marcos. Estas diferenças existentes não são explicadas plausivelmente como os relatos de Mateus e Lucas sendo meras alterações do relato de Marcos, em razão de sua natureza irregular e variável, a inexplicável omissão de eventos como o interrogatório de Pilatos no centurião, e concordâncias em histórias presentes em Mateus e Lucas em contraste com Marcos. Além disso, Nós temos outro testemunho independente para o sepultamento no evangelho de João. Finalmente, nós temos o muito antigo sermão apostólico no livro de Atos, que muito provavelmente não foi uma criação de Lucas, mas uma antiga pregação dos apóstolos. Este sermão também faz menção ao sepultamento de Jesus em uma tumba. Assim, nós temos um número notável de fontes independentes para o sepultamento de Jesus, algumas destas fontes extraordinariamente antigas e próximas aos acontecimentos.

Segundo, como um membro do Sinédrio Judaico que condenou Jesus, José de Arimatéia dificilmente é uma invenção cristã. José é descrito como um homem rico, um membro do Sinédrio Judaico. O Sinédrio era uma espécie de alta corte judaica constituída de setenta dos líderes do judaísmo, que presidiam em Jerusalém. Existia uma hostilidade compreensível na igreja primitiva em relação aos membros do Sinédrio. Aos olhos dos cristãos, eles arquitetaram a condenação judicial de Jesus. Os sermões de Atos, por exemplo, chegam a dizer que os líderes judaicos crucificaram Jesus (Atos 2.23, 36; 4.10)! Dado este status que os membros do Sinédrio tinham – todos eles, de acordo com Marcos, votaram a favor da condenação de Jesus –, José é a última pessoa que alguém esperaria que cuidasse de Jesus. Assim, nas palavras do estudioso do Novo Testamento Raymond Brown, o sepultamento de Jesus por José é “muito provável”, uma vez que é “quase inexplicável” porque os cristãos inventariam uma história sobre um membro do Sinédrio fazendo um bem a Jesus.

Por estas e outras razões, a maioria dos críticos do Novo Testamento concorda que Jesus foi sepultado por José de Arimatéia em uma tumba. Uma vez que até Ehrman afirma isto, juntamente com a maioria dos estudiosos, por que você não?


3 – E sobre outros realizadores de milagres das tradições pagãs como “Honi, o desenhista de círculos”, “Hanina ben Dosa” e “Apolônio de Tiana”. O fato destes pagãos terem praticado atos milagrosos similares aos de Jesus não enfraquece a credibilidade de Jesus como um realizador de milagres?

Antes de qualquer coisa, estes personagens não são pagãos. Honi e Hanina ben Dosa eram santos judaicos que também tinham a fama de realizar milagres. Longe de enfraquecer a historicidade dos relatos dos evangelhos, a existência de tais figuras suporta a credibilidade dos relatos do ministério de Jesus como um realizador de milagres, uma vez que fica evidente que tais atividades estavam “em casa” no contexto judaico do primeiro século e não foram atribuídas a Jesus como resultado de alguma influência dos chamados “homens divinos” da mitologia pagã.

As histórias dos milagres de Jesus são tão representadas nas tradições dos evangelhos que seria uma ilusão considerá-las não fundamentadas na vida de Jesus. Assim, o consenso dos estudiosos do Novo Testamento é que Jesus praticou um ministério de realização de milagres – entretanto alguém pode querer interpretar ou explicar estes atos. No fim de seu longo e detalhado estudo dos milagres de Jesus, John Meier conclui,

A atestação principal da figura de Jesus como curador de enfermidades físicas e doenças é assim mais forte do que a atestação de sua atividade como exorcista... Em resumo, o afirmação de que Jesus atuou e foi visto como um exorcista e curador durante seu ministério junto às pessoas possui tanta corroboração histórica quanto qualquer outra afirmação que nós possamos fazer sobre o Jesus da história (MEIER, A Marginal Jew, 2: 969-70, grifo meu).

Os milagres de Jesus, como seus exorcismos, eram realizados para demonstrar a vinda iminente do Reino de Deus. Desta forma, eles funcionaram de forma fundamentalmente diferente do que as maravilhas realizadas pelos mágicos helênicos ou santos judaicos. Além disso, os milagres de Jesus diferem dos de Honi e Hanina uma vez que Jesus nunca orou para que um milagre fosse realizado; ele pode primeiro ter expressado agradecimento ao Pai, mas então ele efetivava os milagres por si mesmo. E ele os realiza em seu próprio nome, não no de Deus. Além disso, nem Honi nem Hanina exerceu um ministério profético, fez reivindicações messiânicas, ou trouxe qualquer ensinamento junto com seus milagres. Assim, Jesus é mais do que apenas um santo carismático judeu.

Quando a Apolônio de Tiana, trata-se de uma figura construída em parte por Philostratus séculos depois como um deliberado contra-ponto à cristandade. A Igreja havia alcançado um papel de bastante influência naquela época, então Philostratus construiu Apolônio como uma alternativa pagã a Jesus. De que forma isto prejudica a confiabilidade histórica dos relatos dos evangelhos sobre os milagres de Jesus?


4 – E sobre as aparentes contradições nos diferentes relatos sobre Jesus?

Aqui está sua resposta direta, Grant: não importa. Eu poderia aceitar que todas estas aparentes discrepâncias são insolúveis, e isto não afetaria meu argumento histórico em nada. Não acredita em mim? Então deixe Bart Ehrman dizer por si mesmo. Ele pensa que estas aparentes contradições citadas por ele prejudicam a credibilidade histórica dos fatos sobre os quais meu argumento está baseado? Não! Ele diz,

A ressurreição de Jesus se encontra no coração da fé cristã. Infelizmente, esta é uma tradição sobre Jesus que os historiadores têm dificuldade de lidar. Como eu disse, existem algumas coisas que nós podemos dizer com certeza sobre Jesus após sua morte. Nós podemos dizer que relativa certeza, por exemplo, que ele foi sepultado...

Alguns estudiosos têm argumentado que é mais plausível que Jesus tenha, na verdade, sido depositado em uma tumba comum, o que aconteceu em algumas vezes, ou foi, como aconteceu a muitas outras pessoas crucificadas, simplesmente deixado para ser comido por animais (o que também geralmente acontecia a pessoas crucificadas durante o Império Romano). Mas os relatos são bastante unânimes em dizer (os relatos primitivos que temos são unânimes em dizer) que Jesus foi, na verdade, sepultado por seu seguidor, José de Arimatéia e, assim, é relativamente certo que foi isto o que aconteceu.

Nós também temos sólidas tradições que indicam que as mulheres encontraram esta tumba vazia três dias depois. Isto é atestado em todas as fontes dos evangelhos, antigas e posteriores, e assim este fato parece ser um ponto de partida histórico. Assim, eu acho que nós podemos dizer que após a morte de Jesus, com alguma (provavelmente com alguma) certeza, ele foi sepultado, possivelmente por seu seguidor, José de Arimatéia, e que três dias depois ele pareceu não estar em sua tumba (“From Jesus to Constantine: a History of Early Christianity” Lecture 4: “Oral and Written Traditions about Jesus” [The Teaching Company,2003]).

O mesmo acontece em dobro – bem, muitas vezes mais do que o dobro – em relação à crucificação de Jesus. Este evento é reconhecido como um dos mais sólidos e estabelecidos fatos sobre a história de Jesus, negado apenas por malucos e por mulçumanos. Ainda que as cinco primeiras discrepâncias citadas por Ehrman estejam totalmente conectadas, elas não estão com as narrativas sobre o sepultamento e a tumba vazia, mas com os relatos da crucificação! Então você vai negar que Jesus de Nazaré foi crucificado pelas autoridades romanas durante a Páscoa judaica no ano 30 d.C. em razão destas diferenças nas narrativas? Se sim, Grant, você não apenas vai marginalizar a si mesmo intelectualmente, mas também vai mostrar que você não está buscando sinceramente a verdade.

Viu agora, Grant, porque eu me recusei a entrar em uma disputa sobre quantos anjos estavam junto à tumba? Uma vez que a historicidade da tumba vazia é posta, a disputa sobre a quantidade de anjos lá presentes simplesmente não importa.

Você diz que aqueles que vão à universidade compromissados com a inerrância bíblica devem ser aptos a explicar estas discrepâncias. Não mesmo, Grant! Por que pensar que o treinador Holmquist deve ser capaz de explicar estas discrepâncias? Por que pensar que até mesmo alguém no departamento de Novo Testamento deve ser capaz de explicá-las? Talvez simplesmente não existam informações históricas disponíveis para resolver todas as discrepâncias. Parece a mim que você deve achar que a crença na inerrância bíblica é conseguida através de indução lógica, neste caso, você realmente precisa, de fato, ler minha “Questão da Semana” What Price Bíblical Inerrancy?

Eu acho que o que você realmente quer dizer é que aqueles matriculados em tal universidade devem ter o interesse em explicar estas discrepâncias e, portanto, não devem “fugir” delas, como você me acusou de ter agido. Sim, eu concordaria com você que nós que acreditamos na inerrância devem ter o interesse em explicar tais discrepâncias. Mas existe tempo e lugar para tudo. Um debate sobre a historicidade da ressurreição de Jesus, onde o tempo é limitado e os fatos centrais sobre o caso são aceitos pela maioria dos estudiosos da área, não é lugar para se divertir discutindo tal questão. Esta questão da inerrância pode ser levantada e é levantada em tempos apropriados.

Então, vamos observar estas discrepâncias por alguns instantes:

Data e hora da crucificação: Todas as fontes concordam que Jesus foi crucificado na sexta-feira. O que está se discutido é se a Páscoa era celebrada na quinta-feira ou na sexta-feira. Os evangelhos sinóticos parecem sugerir que a Última Ceia de Jesus com seus discípulos na quinta-feira à noite era a refeição da Páscoa. João concorda que Jesus compartilhou a Última Ceia com seus discípulos na quinta-feira à noite antes da traição de Judas e de sua prisão. Mas João diz que os líderes judeus queriam eliminar Jesus antes que as festividades pascais começassem na sexta-feira à noite. Então, a Páscoa começava na quinta ou na sexta? A disputa se concentra toda nesta questão! (espero que isto coloque a questão em sua perspectiva correta a você).

Uma possibilidade é que João tenha movido a Páscoa para sexta para que a morte de Jesus se coincidisse com sacrifício pascal do cordeiro no Templo. Mas, talvez não: uma vez que existiam diferentes calendários em uso na Palestina do primeiro século, os sacrifícios podem ter sido realizados em mais de um dia. Os fariseus e as pessoas da Galiléia contavam os dias como começando no nascer do sol e terminando no próximo nascer do sol. Mas os saduceus e as pessoas da Judéia contavam os dias como começando no pôr-do-sol e terminando no próximo pôr-do-sol.

Em nossa era moderna, nós adotamos o que eu acho ser a convenção mais estranha sobre a contagem dos dias: começando no meio da noite à meia-noite e terminando na próxima madrugada. Bem, esta diferença na contagem dos dias desorienta completamente a datação de certos eventos, como você pode ver no comparativo abaixo:


O cordeiro da Páscoa era sacrificado no 14º dia do mês de Nisan. De acordo com a contagem galiléia, o 14º dia de Nisan começa às 6:00 da manhã, no dia que chamamos quinta-feira. Mas para os habitantes da Judéia, o 14º dia de Nisan começa 12 horas depois, às 6:00 da noite na nossa quinta-feira. Então, enquanto os galileus, seguidores das tradições judaicas, sacrificam o cordeiro da Páscoa na tarde do 14º dia de Nisan, em qual dia eles o fazem? Quinta-feria. E quando os habitantes da Judéia ofereceram seu cordeiro em sacrifício na tarde do 14º dia de Nisan, que dia era? Sexta-feira! Quando a noite caía eles comiam o cordeiro, por sua contagem, no 15º dia de Nisan. Assim, a fim de atender à demanda de galileus-fariseus e habitantes da judéia-saduceus na Páscoa, o sacerdócio do Templo tinha que realizar os sacrifícios da Páscoa tanto na quinta-feira como na sexta-feira. Jesus, como era galileu e como sabia de sua iminente prisão, escolheu celebrar a Páscoa na noite de quinta-feira, ao passo que os sacerdotes e escribas responsáveis pela prisão de Jesus celebraram a Páscoa pelo calendário da Judéia, como João diz. Embora não tenhamos nenhuma evidência de que os sacrifícios da Páscoa eram realizados em ambos os dias, tal solução é muito plausível. A população em Jerusalém se aglomerava em torno de 125 mil pessoas durante as festividades. Seria logisticamente impossível para os sacerdotes do templo sacrificar cordeiros suficientes para tantas pessoas entre 3:00 e 6:00 em uma tarde. Os sacrifícios deveriam ser realizados em mais de um dia, o que torna perfeitamente possível que Jesus e seus discípulos tenham celebrado a Páscoa na quinta-feira à noite, antes da prisão de Jesus.

O mesmo pode ser dito sobre o tempo da crucificação de Jesus: Marcos diz que a crucificação aconteceu à terceira hora, isto é, 9:00 da manhã, mas João diz que Jesus foi condenado “na sexta hora”, ou seja, por volta das 9:00. Novamente, talvez João mudou o tempo para depois. Mas, talvez não: nos evangelhos sinóticos e nos Atos dos Apóstolos as únicas horas do dia que são mencionadas (com apenas uma exceção) são a terceira, a sexta e a nona hora. Em uma época em que não se existia relógios, obviamente, números arredondados ou quartos de dia eram usados para identificar um tempo. A terceira hora poderia se referir a qualquer tempo entre 9:00 da manhã e o meio-dia.

Jesus carregou sua cruz por todo o caminho? – Não, Simão de Cirene provavelmente foi um personagem histórico, cujo papel João simplesmente escolheu omitir em sua narrativa. Simão provavelmente se impressionou com a ação dos soldados quando Jesus estava tão fraco para carregar a cruz por todo o percurso do Gólgota.

Os ladrões zombaram de Jesus? – Marcos simplesmente diz que aqueles que estavam crucificados com Jesus zombaram dele. Nenhum detalhe é dado. Mas Lucas nos diz como um destes bandidos expressou fé em Jesus. Você pode desconsiderar a história contada por Lucas como uma mera alteração piedosa da narrativa da crucificação. Mas como podemos saber que Lucas não está trabalhando ali com uma fonte independente que se lembra do arrependimento de um dos ladrões, ao passo que Marcos deixou isto passar batido? Não vejo motivos para acreditar que temos uma contradição aqui.

Quando véu do Templo se rasgou? – Esta suposta discrepância é puramente imaginária, uma vez que Marcos e Lucas mencionam este fato relativo à cortina do templo sem a intenção de especificar o tempo exato em que ocorreu. Lucas ficaria impressionado se ele lesse as acusações modernas de que ele contradisse Marcos ao reunir os sinais sobrenaturais que ocorreram durante o momento da morte de Jesus.

Quem foi à tumba? – Um grupo de mulheres, incluindo Maria Madalena que sempre é mencionada. João a prioriza em seu relato para conseguir um efeito dramático, mas ele sabe sobre as outras mulheres, como é evidente nas palavras de Maria, “Eles retiraram os Senhor da tumba e nós não sabemos onde o colocaram” (João 20.2, compare com 20.13). Nós não sabemos todos os nomes das outras mulheres presentes, mas entre elas estavam outra Maria, mãe de Tiago, José e Salomé. O fato de terem sido mulheres, além de homens, aparecerem nas narrativas como descobridoras da tumba vazia, é, a propósito, um dos fatos mais convincentes, que leva a maioria dos estudiosos a aceitar a historicidade da narrativa.

A pedra que lacrava o sepulcro não estava mais lacrando a tumba antes delas chegarem lá? O que elas viram? – Sim, a pedra não estava mais lacrando a sepultura quando elas chegaram lá; não há discrepância alguma aqui. Elas viram um ou dois anjos. O “homem jovem” citado por Marcos é claramente uma figura angélica, como pode ser evidenciado por seu traje branco, sua mensagem reveladora e a reação de medo e tremor das mulheres a ele. Além disso, os antigos interpretes de Marcos (Mateus e Lucas) entenderam que o jovem homem era um anjo.

O que foi dito a elas? – Foi dito a elas para que fossem à Galiléia, onde elas veriam Jesus. Como a narrativa de Lucas não menciona nenhuma aparição na Galiléia, ele altera o relato de Marcos da mensagem do anjo para seus propósitos literários. A tradição das aparições na Galiléia é muito antiga e virtualmente aceitada universalmente.

As mulheres falaram com alguém? – Claro, elas contaram! Quando Marcos diz que elas não disseram nada para ninguém, ele obviamente quis dizer que elas correram rapidamente até os discípulos. Marcos pressupõe as aparições na Galiléia, então, obviamente, ele não quis dizer que as mulheres falharam em sua missão de transmitir a mensagem do anjo aos discípulos. A discrepância é puramente imaginária.

Os discípulos deixaram Jerusalém rumo a Galiléia? – Claro, como a resposta acima indica. Lucas apenas escolheu não narrar nenhuma das aparições na Galiléia porque seu propósito era mostrar como o Evangelho se estabeleceu na mais santa das cidades dos judeus, Jerusalém.

Assim, algumas destas supostas discrepâncias são fáceis de responder e elas são exatamente o que esperamos encontrar em relatos independentes sobre o mesmo evento. Outras discrepâncias são mais difíceis de responder, mas no fim das contas elas não trazem grandes conseqüências. Historiadores esperam encontrar inconsistências como estas até mesmo nas fontes históricas mais sólidas. Nenhum historiador simplesmente joga fora uma fonte porque ela possui alguma inconsistência. Além disso, as inconsistências sobre as quais Ehrman está falando não estão dentro de uma fonte sozinha; elas estão entre fontes independentes comparadas. Mas não é uma conclusão lógica dizer que porque duas fontes independentes comparadas apresentam inconsistências, ambas as fontes são falsas. Na pior das hipóteses, uma delas é falsa, caso as inconsistências não possam ser harmonizadas.

O problema em se focar em discrepâncias é que nós deixamos de vigiar a floresta por causa de algumas árvores. O fato mais importante é que os evangelhos são incrivelmente harmoniosos no que eles relatam. As discrepâncias entre eles são em detalhes secundários. Todos os quatro evangelhos concordam que:

Jesus de Nazaré foi crucificado em Jerusalém pelas autoridades romanas durante as festividades da Páscoa, tendo sido preso e acusado de blasfêmia pelos líderes judaicos e então caluniado pelo crime de traição perante o governador Pilatos. Depois de várias horas ele morreu e foi sepultado na tarde da sexta-feira por José de Arimatéia em uma tumba, que foi selada com uma pedra. Algumas mulheres seguidoras de Jesus, incluindo Maria Madalena, observaram seu sepultamento, visitaram sua tumba no domingo pela manhã e a encontraram vazia. Então, Jesus apareceu vivo aos seus discípulos, incluindo Pedro, que então começaram a ser proclamadores da mensagem de Sua ressurreição.

Todos os evangelhos atestam estes fatos. Vários outros detalhes podem ser fornecidos ao se adicionar fatos que são atestados por três das quatro fontes. Portanto, não se engane por causa das pequenas discrepâncias. Caso contrário, você terá de ser cético também em relação a todas as outras narrativas históricas seculares que contém inconsistências como estas, o que é absolutamente irracional.

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Texto traduzido por:

Eliel Vieira
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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Sexta Política #1: E Agora PT?

Muitos políticos tiveram o que comemorar ao fim desta semana. Do lado governista, como já se esperava, todas as 11 acusações contra Sarney no Conselho de Ética do Senado foram arquivadas, terminando assim, em pizza, todo o barulho que tem sido levantando desde Junho contra o presidente da Casa. Do lado da oposição, o senador Arthur Virgílio também teve todas as acusações contra ele arquivadas.

Desta pizza sobe um cheiro forte de “acordão”. Em outras palavras, eu não te acuso e em troca você não me acusa. PMDB e PSDB realmente têm o que comemorar. Talvez, aliás, já estejam ensaiando suas ações em conjunto, afinal, caso Serra ganhe as eleições presidenciais no próximo ano, certamente o PMDB (partido mais chuchu do país) marchará junto com os tucanos na próxima administração.

Mas a pizza não agradou ao paladar de todos, não mesmo. O PT foi o mais prejudicado nesta história. Primeiro, por se ver na encruzilhada de, ou negar o apelo ético de suas raízes e apoiar José Sarney, ou, manter-se fiel ao lema do partido e propor a continuação das investigações contra o presidente da Casa – o que, obviamente, minaria a governabilidade de Lula, já que o PT está escravo ao PMDB há muito.

Diante desta encruzilhada, a direção nacional do partido optou por negar a ética pela qual o partido tanto brigou e recomendou aos parlamentares petistas na Comissão de Ética a votarem pelo arquivamento de todos os processos contra Sarney. Alguns petistas, como o senador Aloísio Mercadante (SP) e Flávio Arns (PR), se mostraram profundamente contrários à postura da direção executiva nacional do partido e há sinais evidentes de racha no partido.

Mas não é apenas isso. Além de tomar para si o peso da opinião pública e de ver a possibilidade do partido se desmantelar e não seguir unido para as importantes eleições do próximo ano, o partido sofreu esta semana a baixa de Marina Silva (AC), ex-ministra do Meio Ambiente e militante do PT há mais de 30 anos, que está de malas prontas para o PV, que pretende lança-la candidata à presidência da república no próximo ano.

Uma candidata nova e da importância de Marina Silva é um enorme perigo às pretenções petistas de eleger Dilma Roussef ano que vem. No mínimo, toda a empolgação de se ter uma candidata mulher à presidência vai ser dividido entre as duas.

Pois é PT, e agora?



Eliel Vieira
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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Filosofia do Busão

Sempre andei de ônibus. Como integrante daquilo que os demógrafos chamam de classe média baixa, me locomover usando este meio de transporte sempre foi algo usual em minha vida. Atualmente, faço uso deste meio de transporte 16 vezes por semana entre idas e vindas para a faculdade, casa da vovó e casa da namorada.

Muito observador, passei a perceber algumas características existentes dentro de uma viagem de ônibus metropolitano que são perfeitamente análogas à nossa vida. Filosofia do Busão não é um texto de especulação filosófica, antes, um chamado para que passemos a observar mais atentamente as coisas que nos cercam em nosso cotidiano.

Uma das primeiras coisas que observei é em relação aos “bancos altos”. Não sei como os ônibus são projetados em sua cidade, mas aqui na região metropolitana de Belo Horizonte, alguns poucos assentos são montados em um patamar mais alto do que os demais. Eles se encontram exatamente acima das rodas e, por isso, são mais altos do chão em relação aos demais assentos.

Achei muito interessante observar que as pessoas sempre buscam sentar nestes bancos. Claro, se eles estiverem ocupados, uma pessoa vai se sentar em um banco comum, mas, se ela for a primeira pessoa a entrar no ônibus, provavelmente ela escolherá algum dos “bancos altos”. Isto eu já observei muitas vezes. Depois que observei esta curiosa preferência, passei a notar algumas ações engraçadas como, por exemplo, que quando alguém que estava sentado em um destes assentos mais elevados chega a seu destino e desce do ônibus, alguém se levanta do banco em que estava e ocupa o banco do alto que ficou vazio.

Ora, o que os “bancos altos” têm de especial em relação aos demais assentos? Aqui em minha região, pelo menos, nada. O mesmo material é usado na construção de ambos os tipos de banco. Aliás, estou até um pouco equivocado em dizer “ambos os tipos de banco” uma vez que os assentos são rigorosamente iguais. O que faz uns bancos ficarem mais elevados em relação aos demais é a armação de ferragens que sustenta os bancos (nos bancos elevados esta armação é maior).

Os psicanalistas que me ajudem, mas não seria esta busca pelos assentos mais elevados uma manifestação de algum impulso interior do ser humano de “estar por cima” dos demais que o cercam? Pode ser, pode não ser, mas o interessante é que viagem após viagem que eu faço usando este meio de locomoção, eu observo as mesmas coisas. Eu mesmo – quando percebo – estou sentado em algum destes bancos mais altos, tendo me guiado até eles por alguma razão que não sei dizer qual é. Mas, talvez eu esteja certo. Talvez as pessoas prefiram estes assentos mais elevados por se sentirem – ao menos por alguns minutos – em um patamar mais elevado do que os demais.

Talvez minha segunda observação em relação aos “bancos altos” corrobore minha sugestão. Um dos poucos (talvez único) benefícios destes assentos é que eles proporcionam menos esforço físico para aquele que lá se sentam na hora de se levantar. Por estarem posicionados mais alto em relação ao chão, a pessoa que quiser se levantar precisará apenas virar um pouco o quadril, colocar os pés no chão e seguir em direção à porta, ao passo que, nos demais bancos, a pessoa que quiser se levantar terá de movimentar seu quadril e esticar suas pernas que estavam até então flexionadas, exigindo assim o esforço de vários músculos da perna e depositando todo seu peso no movimento de seus joelhos. Para sentar acontece o mesmo, afinal, o esforço é maior entre uma pessoa que precisa se agachar para sentar e outra que precisa apenas virar seu bumbum e adequá-lo ao assento.

Isto me diz, por que não, que as pessoas querem “estar por cima” em relação às demais que a cercam, e, também, não querem fazer esforço algum para atingir este objetivo. E também não querem, depois que já “estão por cima”, realizar tarefa desgastante alguma!

Claro, talvez eu esteja enxergando pêlo em ovo, mas, o fato é que o anseio pelos bancos mais altos é evidente a mim 16 vezes por semana.

Percebi também outras características dentro de uma viagem de ônibus. Uma delas é que as crianças sempre desejam se sentar próximo à janela, ao passo que os adultos são indiferentes a isto. Trata-se de uma conjectura, mas provavelmente os mesmos adultos que hoje são indiferentes à janela eram, na infância, semelhantes às crianças que brigam para se sentar lá. E talvez as mesmas crianças que hoje fazem questão de se sentar colados na janela sejam, amanhã, adultos indiferentes a isto.

A explicação para este fenômeno é mais simples de se dar, porém mais triste. Os adultos perderam alguns sentimentos em relação ao mundo externo que, penso, são extremamente importantes para que sejamos mais do que sobreviventes neste mundo. Eles perderam a curiosidade, se conformando com as respostas pré-fabricadas que a mídia os dá; perderam o sentimento de contemplação das coisas existentes que, como afirmam alguns teólogos, nos aproxima mais da mente do Criador; perderam até mesmo o sentimento de identidade, pois, se você não reconhece o que está além de você, como pode saber o que você é? Explicando com uma analogia, se você é daltônico, como poderá distinguir o ponto em que o azul termina e o verde começa?

Tenho uma sobrinha de dois anos, e é maravilhoso observar a curiosidade existente em suas ações. Ela quer tudo, observa tudo! Um simples botão de camiseta pode ser das coisas mais extasiantes a ela. Seu desejo por conhecer e compartilhar de si mesma com as coisas que a cercam é a característica mais marcante em todas as suas atituldes. Daqui uns dois ou três anos ela certamente vai brigar para se sentar ao lado da janela no ônibus.

Dentro de um ônibus também podem surgir os mais variados tipos de pensamentos filosóficos. Eu diria até que os ônibus são os areópagos do tempo atual. Lá dentro você encontra pessoas de todos os tipos, culturas, raças e religiões. Claro que, as conversas sobre futebol são muito mais observáveis do que conversas sobre a relação entre “ser e existência”, por exemplo. Mas, ainda assim, podemos ouvir muita coisa produtiva. Há alguns meses, enquanto estava dentro do ônibus, um homem de aproximadamente 30 anos entrou no veículo após um aparente dia cansativo de trabalho e, como o ônibus já estava lotado, não conseguiu lugar para sentar. Ele então, cabisbaixo, começou a desabafar com as pessoas ao seu lado, exprimindo tudo o que incomodava:

– Isto é a maior vergonha! Neste país a gente paga pra ser humilhado. A gente paga pra nascer, para pra viver e paga até pra morrer. A gente não tem o direito nem de morrer em paz sem ter que dar dinheiro pros ladrões do governo. A gente trabalha o dia todo, dá boa parte do dinheiro pro governo, come com o que sobra e o que a gente recebe na volta pra casa? Um ônibus lotado, onde a gente vai agüentar em pé até ele sair do engarrafamento! Enquanto isso os bacanas sustentados pela gente estão lá andando de avião, carro importado e com motorista particular.

Eu não tomei parte da discussão que se deu depois que o homem disse isso. Apenas observei e refleti na profundidade das palavras deste homem e na discussão que se seguiu a ela, apesar de ter perdido boa parte da discussão porque estava imerso em meu pensamento refletindo sobre o que tinha ouvido.

Enfim, podemos enxergar muitas coisas sobre nós mesmos durante uma viagem de ônibus. Basta a nós parar um pouco e observar. E não apenas nos ônibus, podemos aprender sobre nós mesmos olhando para tudo o que nos cerca. Eu me arrisquei escrevendo uma Filosofia do Busão, alguém se arrisca a escrever sobre outra coisa?


Eliel Vieira
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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Porque o lobby do movimento "Intelligent Design" agradece a Deus por Richard Dawkins

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Artigo escrito por Madeleine Bunting. Publicado no The Guardian em 27 de Março de 2006.

Traduzido por Eliel Vieira (eliel@elielvieira.org) em 17 de Agosto de 2009.

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Darwinistas anti-religiosos estão propagando uma falsa dicotomia entre fé e ciência que ajuda os criacionistas

Na noite de quarta-feira, em um debate em Oxford, Richard Dawkins vai receber os aplausos por sua longa e produtiva carreira intelectual. Trata-se do 30º aniversário da sua muito influente obra O Gene Egoísta. Um festschrift[1], “How a Scientist Changed the Way We Think” [Como um Cientista Mudou a Maneira de Pensar], foi publicado este mês, com contribuições de estrelas como Philip Pullman.

Uma semana atrás foi a vez do filósofo norte-americano Daniel Dennett, segundo, atrás apenas de Dawkins, no ranking mundial dos darwinistas contemporâneos, ser homenageado com uma série de leituras e debates nos EUA em razão do lançamento de seu livro sobre a religião “Breaking the Spell” [Quebrando o Encanto]. Ambos formam um bom time, um esbanjando generosos elogios ao outro na medida em que Dennett tenta comportar sua disciplina nas descobertas científicas de Dawkins.

O curioso, no meio destas celebrações, é a proeminência destes dois darwinistas para um grupo inesperado: o movimento Intelligent Desing americano. Huh? Dawkins, particularmente, se tornou a personalidade favorita deles.

Como isto é possível? William Dembski (um dos líderes do movimento Intelling Design americano) mencionou isto em um e-mail enviado a Dawkins: “Eu sei que você não acredita em Deus, mas eu gostaria de agradecê-lo pelo maravilhoso trabalho que você tem prestado para o teísmo e para o Intelligent Design mais especificamente. Na verdade, eu costumo dizer aos meus colegas que você e seu trabalho são um dos maiores presentes de Deus ao movimento Intelligent Design. Então, por favor, continue assim!”.

Mas enquanto Dembski, Dawkins e Dennett estão brindando com champagne por seus diferentes motivos, existem aqueles que não se agradam nem um pouco com esta festa. Michael Ruse, um proeminente filósofo darwinista (e agnóstico) americano, com alguns livros neste assunto, está irritado: “Dawkins e Dennett são realmente perigosos, moral e legalmente”. A essência do argumento de Ruse é que o darwinismo não conduz inevitavelmente ao ateísmo, e afirmar que ele conduz (como Dawkins faz) dá ao movimento Intelligent Design uma brecha legal: “se o darwinismo equivale ao ateísmo, então ele não pode ser ensinado nas escolas americanas por causa da separação constitucional entre igreja e Estado. Isto dá aos criacionistas um caso legal. Dawkins e Dannett estão dando a estas pessoas uma grande ferramenta”.

Não há lugar para satisfação, argumentou Ruse em um almoço semana passada em Londres. A decisão da corte contra o ensinamento do Intelligent Desing em algumas escolas da Pensilvânia em Dezembro passado talvez tenha sido um golpe contra o lobby, mas agora a estratégia do lobby criacionista/intelligent-designer é “mudar o discurso no nível acadêmico”. O Centro Nacional para Educação Científica acredita que pelo menos 20% das escolas americanas estão ensinando o criacionismo de alguma forma. A evolução está perdendo a batalha, disse Ruse, e isto é culpa de Dawkins e Dennett com seu ateísmo agressivo: eles são os melhores recrutas do criacionismo.

Ruse chegou a um momento ousado de sua carreira. Ele prefaciou o ensaio sobre o festschrift a Dawkins com a citação de Dembski mencionada acima e prosseguiu declarando que “senti intensamente irritado com Dawkins... é ruim demais brigar com um inimigo tendo que vigiar meu traseiro em razão dos meus amigos“. Os editores ficaram horrorizados e ordenaram que Ruse reescrevesse o prefácio de forma diferente – o que ele convenientemente fez.

Mais ousado ainda, Ruse colocou na net uma troca de e-mails entre ele e Dennett na qual ele acusou seu adversário de ser um “desastre absoluto” e que se recusa a estudar a cristandade seriamente: “é um plano tolo e grotescamente imoral afirmar que os cristãos são simplesmente uma força do mal”. A resposta de Dennett consistiu apenas de uma única linha opaca: “Eu duvido que você acredite em tudo o que você disse”.

Mas Ruse conseguiu um ponto. Por todos os Estados Unidos, a batalha sobre a evolução no ensino de ciência prossegue. Só no mês passado tivemos projetos de lei em Nova Iorque, Mississipi, Nevada e Kansas promovendo o Intelligent Desing. Em Novembro passado o estado do Kansas promulgou uma nova definição de ciência que permite explicações sobrenaturais para os fenômenos naturais. Uma secretaria de educação do Kansas se rebelou mês passado, acusando a decisão do estado de “uma crença extremamente falsa de que a ciência evolucionária e o método científico são baseados em uma filosofia ateísta. Promover este falso conflito entre ciência e fé cria barreiras desnecessárias”. No centro de todas estas controvérsias locais está a firme crença de que o darwinismo conduz ao ateísmo, aliás, que o darwinismo é ateísmo. Por todos os Estados Unidos, um bruto e errôneo conflito está sendo criado entre ciência como ateísmo e religião.

É importante que a Grã-Bretanha se mantenha longe desta armadilha na qual a América caiu, não apenas porque ela põe em perigo a boa ciência, mas porque existe um debate fascinante acontecendo sobre o que o método científico pode revelar sobre a fé, e o que os teólogos podem nos dizer sobre a ciência. Um barco de disciplinas, da biologia evolucionária e psicologia à antropologia, estão gerando novos insights dentro deste fenômeno humano persistente: a crença religiosa. Nas melhores partes de seu livro, Dennett escreve sobre isto, como o faz também Lewis Wolpert em seu novo livro, Six Impossible Things Before Breakfest [Seis Coisas Impossíveis Antes do Café da Manhã]. Wolpert argumenta que a origem da crença religiosa está ligada à nossa exclusiva capacidade de criar ferramentas; Dennett relaciona a origem do fenômeno religioso a um instinto de sobrevivência de atribuir personalidade a fenômenos.

Ambos, Dennett e Wolpert, reconhecem que a religião pode ter provido vantagens evolutivas aos humanos. Existem boas evidências de que a fé melhora a saúde mental e o otimismo, e reduz o stress; o shamanismo, com seu efeito terapêutico, foi o melhor sistema de cuidado com a saúde por milhares de anos. Dennett menciona aqueles que argumentam que a fé melhora a cooperação interior aos grupos (embora não entre eles). Este argumento levanta a questão crucial se, em uma era de globalização e recursos limitados, a religião deixou para trás sua vantagem evolutiva.

Este é o tipo de discussão que queremos ter em nosso país, mas nós ainda não estamos a salvo das falsas dicotomias do tipo americano entre fé e ciência (que trariam fortes conseqüências aos milhares de jovens mulçumanos que estudam ciência neste país). Na época em que Rowan Williams, o arcebispo de Cantuária, fez uma intervenção útil e inequívoca rejeitando o criacionismo, Charles Clarke, em uma conferência sobre fé no estado, se sustentava perigosamente no provérbio: “este é um bom debate para se ter nas escolas”. Mal percebia ele que estava usando uma linha chave do manual do lobby criacionista: “ensine a controvérsia”.

Sejamos claros, Clarke está errado – alguns debates não são dignos de se ter. Ninguém argumentaria que seria um projeto útil pesquisar teorias sobre a terra plana, então, por que o Intelligent Design? Mas se você concorda com isto, então você pode concordar também que alguns debates são tão corrompidos pelo preconceito e ignorância que não vale a pena tê-los.

Todos os protagonistas em um debate possuem uma responsabilidade moral de assegurar que o ar quente que eles despendem gere luz, não apenas calor. Este é um ponto que escapa a Dawkins. Seu livro sobre religião, Deus, um delírio, será lançado neste outono. Dembski e o movimento Intelligent Design já devem estar ajoelhados, agradecendo a Deus.

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Notas:

[1] - No mundo acadêmico, um "Festschrift" é um livro homenageando a um acadêmico respeitado. O termo, emprestado do alemão, poderia ser traduzido como uma "publicação de celebração”. Um "Festschrift" contém contribuições originais oferecidas ao homenageado por seus mais próximos colegas acadêmicos, geralmente incluindo seus passados estudantes de doutorado. Em geral é publicado por ocasião de algum aniversario. Um "Festschrift" pode variar desde um volume pequeno até uma obra de varios volumes. Frequentemente inclui contribuições importantes para bolsas de estudo ou para a ciencia. (Nota do tradutor)

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Traduzido para o português por:

Eliel Vieira
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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

[1/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 1 de 8.

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Um debate entre William Lane Craig e Bart D. Ehrman. Para baixar o transcript original deste debate (em inglês), clique aqui.

College of the Holy Cross, Worcester, Massachusetts
28 de Março de 2006


Traduzido para o português por Eliel Vieira (eliel@elielvieira.org).

Este debate também está disponível em versão PDF, para baixá-la clique aqui.

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Introdução

Estudantes, faculdade, equipe, e visitantes, estou feliz em dar as boas vindas a vocês aqui no Hogan Campus Center do College of the Holy Cross. Meu nome é Charles Anderton e eu sou professor de economia aqui no Holy Cross. Junto aos patrocinadores deste evento – o Center for Religion, Ethics and Culture e o Campus Christian Fellowship – eu calorosamente dou as boas vindas a todos vocês para o debate desta noite. A questão diante de nós hoje é de grande interesse para cristãos e para muitos não-cristãos: existem evidências históricas para a ressurreição de Jesus? Sustentando a resposta afirmativa teremos o Dr. William Lane Craig, pesquisador e professor de Filosofia no Talbot School of Theology em La Mirada, Califórnia. Sustentando a resposta negativa teremos Dr. Bart Ehrman, notável professor e titular do departamento de Estudos da Religião na Universidade da Carolina do Norte.

Durante o debate, eu peço a vocês que respeitosamente considerem os pontos de vista dos debatedores. Por favor, evitem qualquer aplauso, comentário, ou manifestação de crítica ou apoio. Teremos uma sessão de “perguntas e respostas” em um momento específico do debate e então vocês terão então uma oportunidade de interagir com os debatedores. Por favor, saibam que o debate e a sessão “perguntas e respostas” serão filmados e gravados, portanto, peço também que desliguem seus celulares.

O moderador do debate de hoje a noite será Dr. William Shea, Diretor do Center for Religion, Ethics and Culture aqui do Holy Cross. Dr. Shea recebeu seu Ph.D. em 1973 na Columbia University School of Philosophy. Ele estudou na Catholic University of America, University of South Florida e na Saint Loius University. Ele também atuou como presidente do College Theology Society. Dr. Shea já publicou mais de 50 ensaios e artigos em jornais escolares e já escreveu e editou um bom número de livros como “Naturalism and the Supernatural”, “The Struggle Over the Past: Religious Fundamentalism in the Modern World”, “Knowlegde and Belief in America: Enlightenment Traditions and Modern Religions Thought”, “Trying Times: Essays on Catholic Higher in the 20th Century” e mais recentemente seu livro “Lion and the Lamb: Evangelicals and Catholics in America”. Por favor, Dr. William Shea, seja bem vindo.


Observações do Moderador

Boa Noite. O debate é uma antiga forma de discussão que combina elementos de informação, educação, esperança de convencimento alheio e entretenimento. Os filósofos gregos, os “sofistas”, eram excelentes nos debates, e os diálogos platônicos e as dialéticas aristotélicas eram formas literárias refinadas de debate. Os cristãos incorporaram a forma literária de debate e debateram sobre um grande número de questões teológicas e filosóficas. As universidades medievais eram lotadas com estudantes e professores que queriam debater. Alguns cristãos medievais pensavam que se eles simplesmente pudessem discursar bem para a comunidade judaica em um debate, as massas de judeus então se converteriam para o Evangelho cristão. Em um famoso debate no século XIII, um frade dominicano desafiou um notável rabino para um debate se Jesus era ou não o Messias. O rabino hesitou em aceitar debater, sabendo que se ele vencesse o debate apresentando boas razões do por que Jesus NÃO era o Messias, ele e seus companheiros judeus sairiam perdendo de qualquer forma, e foi exatamente isto o que ocorreu: o rabino venceu o debate, o frade perdeu, e então os cristãos queimaram as casas e os negócios dos judeus. Eu espero que após o debate de hoje a noite nenhum de vocês queime o Talbot Divinity School ou a University of North Carolina.

Meu debate favorito aconteceu em Cincinnati, em 1834, quando Alexander Capmbell, o fundador da denominação protestante “The Disciples of Christ” [Os Discípulos de Cristo] debateu com o bispo católico de Cincinnati, John Purcell, sobre a questão se a Igreja católica era o anti-Cristo e a Besta vinda do mar. O debate durou seis dias – seis horas em cada dia – e foi impresso em um volume de 500 páginas. Ambos os debatedores viveram por muitos anos após o debate e nenhum deles jamais cessou de falar sobre a questão. Você está a salvo hoje à noite. Eu mesmo tenho que me apressar, porque estamos aqui seguindo a risca a alguns parâmetros. E eles são:

- Professor Victor Mathson irá marcar o tempo de cada debatedor.
- Cada debatedor terá 20 minutos para seu discurso de abertura.
- Cada debatedor terá 12 minutos para a primeira réplica.
- Cada debatedor terá 8 minutos para a segunda réplica.
- Cada debatedor terá 5 minutos para suas conclusões.
- Então vocês poderão aplaudi-los – não antes.
- Vocês poderão fazer perguntas para cada debatedor, durante um período de 30 minutos.
- Vocês poderão aplaudi-los novamente.
- Dr. Anderson fará um discurso final.
- Aplaudiremos novamente, e então iremos para nossas casas em paz, sem queimar nada durante o percurso.

Os dois debatedores não conhecem um ao outro exceto pelo nome e pela reputação. Eles não fizeram nenhum treinamento um com o outro. Este é um debate sério; não um encontro da World Wrestling Federation. Eles estão debatendo uma questão séria, a saber, que tipo de literatura se trata os livros que compõem o Novo Testamento e quais são suas utilidades. Ambos são estudiosos, escritores e oradores consagrados.

William Lane Craig tem um doutorado em Filosofia pela University of Birmingham e um doutorado em Teologia pela University of Munich. Ele também estudou na Catholic University of Louvain por sete anos. Craig tem atuado como professor pesquisador de Filosofia no Talbot School of Theology pelos últimos dez anos, também já escreveu e editou mais de trinta livros, incluindo um intitulado “Assessing the NT Evidence of the Historicity of the Ressurrection of Jesus” [Avaliando as Evidências do Novo Testamento para a Historicidade da Ressurreição de Jesus], e dois volumes de debates anteriores, um com Gerd Lüdemann da Göttingen University, na Alemanha, e outro com John Dominic Crossan do DePaul University.

Barth Ehrman é um importante professor de estudos religiosos na University of Noth Carolina. Ele recebeu seu doutorado no Princeton Theological Seminary em 1985 e está na North Carolina desde 1988. Ele já escreveu 19 livros. Entre meus favoritos estão suas introduções para o Novo Testamento e literatura cristã primitiva e seu recente livro sobre O Código DaVinci.

Dr. Craig fará o primeiro discurso de abertura, seguido por Dr. Ehrman.


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[2/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 2 de 8.

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Dr. Craig – Discurso de Abertura

Boa noite! Eu gostaria de expressar o quão grato eu estou pelo convite para participar do debate de hoje à noite. Eu tenho estado muito ansioso para discutir as questões desta noite com o Dr. Ehrman.

Enquanto me preparava para este debate eu tive uma surpresa. Fiquei espantado em descobrir como nossas histórias de vida são parecidas: uma vez pequenos adolescentes rebeldes com alguma familiaridade em relação ao cristianismo, as vidas de ambos foram transformadas por volta dos 15 ou 16 anos ao experimentarmos um renascimento espiritual através da fé pessoal em Jesus Cristo. Ansiosos por servi-lo, ambos freqüentamos o mesmo colégio em Illinois, Wheaton College, onde também estudamos grego com mesmo professor. Após a graduação, ambos fomos atrás de nossos diplomas de doutorado.

Todavia, nossos caminhos se divergiram radicalmente. Eu recebi uma oportunidade do governo alemão para estudar a ressurreição de Jesus sobre direção de Wolfhart Pannenberg e Ferdinand Hahn na University of Munich e na Cambridge University. Como resultado dos meus estudos, fiquei mais convencido da credibilidade histórica deste evento. Claro, desde minha conversão, eu já acreditava na ressurreição de Jesus com base em minha experiência pessoal, e eu ainda penso que esta abordagem experimental sobre a ressurreição é uma maneira perfeitamente válida para saber que Cristo ressuscitou. Esta é a maneira pela qual a maioria dos cristãos atualmente sabe que Jesus está vivo. Mas, como resultado de meus estudos, eu percebi que uma extraordinária argumentação pode ser proposta para a ressurreição de Jesus de forma histórica também, e eu espero mostrar hoje à noite que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para certos fatos estabelecidos sobre Jesus.

Infelizmente, Dr. Ehrman chegou a conclusões radicalmente diferentes a partir de seus estudos. Em seus livros mais recentes, ele dolorosamente descreve como ele veio a perder sua fé adolescente. Não estou certo, baseado nos escritos do Dr. Ehrman, se ele ainda acredita na ressurreição de Jesus ou não. Ele nunca negou isto. Entretanto ele negou que possam existir evidências históricas para a ressurreição de Jesus. Ele sustenta que não podem existir evidências históricas para a ressurreição de Jesus. Agora, esta é uma afirmação muito ousada, e então, naturalmente, eu fiquei interessado em ver qual argumento que ele ofereceria para justificá-lo. Fiquei impressionado em descobrir que o argumento filosófico que ele proveu para sua afirmação é um velho argumento contra a identificação de milagres que eu estudei durante minha pesquisa de doutorado e que é considerado pela maioria dos filósofos atualmente como claramente falacioso. Então, para não passar com o carro na frente dos bois, esperarei até que ele apresente seu argumento antes de mostrar onde esta falácia mente.

Por agora, eu quero esboçar brevemente como o argumento histórico para a ressurreição de Jesus se apresenta. Ao construir uma argumentação para a ressurreição de Jesus, é importante fazer uma distinção entre evidência e a melhor explicação para a evidência. Esta distinção é importante, pois na argumentação em questão a evidência é relativamente não-controversa. Como veremos, a evidência é aceita pela maioria dos estudiosos. Por outro lado, a explicação para a evidência é controversa. Que a ressurreição é a melhor explicação para a evidência é uma questão controversa. Embora Dr. Ehrman diga que não possa existir qualquer evidência histórica para a ressurreição, veremos que o que ele realmente quer dizer com suas palavras é que a ressurreição não pode ser a melhor explicação para a evidência, não que não exista evidência.

Prossigo, então, para meu primeiro ponto, a saber:

(I) Existem quatro fatos históricos que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica adequada:
- O sepultamento de Jesus.
- A descoberta de seu túmulo vazio.
- Suas aparições post-mortem.
- A origem da crença dos discípulos em sua ressurreição.

Agora, vamos analisar este primeiro ponto mais de perto. Eu quero compartilhar quatro fatos que são largamente aceitos pelos historiadores atualmente.

Fato #1: Após sua crucificação Jesus foi sepultado por José de Arimatéia em uma tumba. Os historiadores sustentam este fato baseando-se em evidencias como:

1. O sepultamento de Jesus é atestado multiplamente por fontes primitivas independentes – Nós temos quatro biografias de Jesus, por Mateus, Marcos, Lucas e João, que formam o Novo Testamento juntamente com várias cartas do apóstolo Paulo. O relato do sepultamento é uma parte do relato de Marcos sobre a história do sofrimento e morte de Jesus. Trata-se de uma fonte muito próxima aos acontecimentos que provavelmente é baseada no testemunho de um observador dos eventos e que, sobre a qual, o comentarista Rudolf Pesch data para algum momento entre sete anos após a crucificação. Além disso, Paulo cita uma fonte extremamente antiga para o sepultamento de Jesus que a maioria dos estudiosos data para algum momento entre cinco anos após a crucificação de Jesus. Testemunhos independentes sobre o sepultamento de Jesus por José de Arimatéia são também fundamentados nas fontes por trás de Mateus e Lucas e o evangelho de João, para não citar o evangelho apócrifo de Pedro. Assim, nós temos pelo menos cinco notáveis fontes independentes sobre o sepultamento de Jesus, algumas extremamente próximas ao evento da crucificação.

2. Como um membro do Sinédrio Judaico que condenou Jesus, José de Arimatéia provavelmente não é uma invenção cristã – Existia uma hostilidade compreensível no início na igreja em relação aos líderes judeus. Aos olhos dos cristãos, eles planejaram a condenação judicial de Jesus. Assim, de acordo com o estudioso do Novo Testamento Raymond Brown, o sepultamento de Jesus por José é “muito provável”, uma vez que é “quase inexplicável” porque os cristãos inventariam uma história sobre um membro do Sinédrio Judaico que fez um bem a Jesus[1].

Por estas e outras razões, a maioria dos críticos do Novo Testamento concordam que Jesus foi sepultado por José de Arimatéia em uma tumba. De acordo com John A. T. Robinson da Cambridge University, o sepultamento de Jesus em sua tumba é “um dos mais antigos e melhor-atestados fatos sobre Jesus”[2].

Fato #2: No domingo após a crucificação, a tumba de Jesus foi encontrada vazia por um grupo de seguidoras de Jesus. Entre as razões que levaram a maioria dos estudiosos a esta conclusão estão:

1. A tumba vazia também é atestada multiplamente por fontes antigas independentes – A fonte de Marcos não terminou com o sepultamento, mas com a história da tumba vazia, que está ligada à história do sepultamento verbal e gramaticalmente. Além disso, Mateus e João contêm fontes independentes sobre a tumba vazia; esta história também é mencionada nos sermões nos Atos dos Apóstolos (2.29; 13.36); e esta é implícita por Paulo em sua primeira carta à igreja de Corinto (I Co. 15.4). Assim, novamente nós temos múltiplas fontes antigas atestando o fato da tumba vazia.

2. A tumba foi descoberta vazia por mulheres – Na sociedade judaica patriarcal o testemunho de mulheres não possuía consideração. De fato, o historiador judeu Josefo disse que não era permitido às mulheres servirem como testemunhas em um tribunal judaico. À luz deste fato, quão extraordinário é o fato de terem sido mulheres quem descobriram a tumba vazia de Jesus. Qualquer invenção posterior certamente colocaria discípulos homens como Pedro e João como descobridores da tumba vazia. O fato de terem sido mulheres, mais do que homens, que descobriram a tumba vazia, é melhor explicado pelo fato de que elas eram as principais testemunhas para o fato da tumba vazia, e os escritores dos evangelhos sinceramente relataram isto, para eles, a descoberta da tumba pelas mulheres foi um fato incomodo e embaraçoso.

Eu poderia continuar, mas eu acho que foi dito o suficiente para indicar porque, nas palavras de Jacob Kremer, um especialista austríaco sobre a ressurreição, “a confiabilidade das narrativas bíblicas em relação à tumba vazia é sustentada firme-mente pela grande maioria dos exegetas”[3].

Fato #3: Em diferentes ocasiões e sobre várias circunstâncias diferentes indivíduos e grupos de pessoas experimentaram aparências de Jesus ressuscitado da morte. Este é um fato que é virtualmente reconhecido universalmente pelos estudiosos, pelas seguintes razões:

1. A lista de Paulo das testemunhas oculares das aparições do Jesus ressurreto garante que tais aparições ocorreram – Paulo nos diz que Jesus apareceu para seu principal discípulo Pedro, então para o grupo dos apóstolos conhecido como “os doze”; então depois ele apareceu para um grupo de 500 discípulos de uma só vez, então para seu irmão mais novo Tiago, que até então era aparentemente um descrente, então para os discípulos. Finalmente, Paulo acrescenta, “ele apareceu também a mim”, quando Paulo era ainda um perseguidor de cristãos (I Co 15.5-8). Dado o momento no qual Paulo escreveu tais informações, bem como sua familiaridade com as pessoas envolvidas, estas aparições não podem ser desconsideradas como simples lendas.

2. Os relatos das aparições nos evangelhos provêm múltiplas e independentes atestações das aparições – Por exemplo, a aparição a Pedro é atestada por Lucas e Paulo; a aparição aos “doze” é atestada por Lucas, João e Paulo; e a aparição para as mulheres é atestada por Mateus e João. As narrativas das aparições alcançam tantas fontes independentes que não se pode racionalmente negar que os primeiros discípulos tiveram tais experiências. Assim, até mesmo o crítico cético do Novo Testamento Gerd Lüdemann conclui, “Pode ser tomado como historicamente certo que Pedro e os discípulos tiveram experiências após a morte de Jesus nas quais Jesus apareceu a eles como Cristo ressurreto”[4].

Finalmente,

Fato #4: Os discípulos de repente e sinceramente começaram a acreditar que Jesus havia ressuscitado dos mortos não obstante suas muitas predisposições para o contrário. Pense na situação que os discípulos encararam após a crucificação de Jesus:

1. Seu líder estava morto – E as expectativas judaicas messiânicas não continham a idéia de um Messias que, ao invés de triunfar sobre os inimigos de Israel, seria vergonhosamente executado pelos seus inimigos como um criminoso.

2. Crenças judaicas sobre o além-vida excluíam a possibilidade de qualquer pessoa ressuscitando da morte para a glória e imortalidade antes da ressurreição geral da morte no fim do mundo – Todavia, os discípulos repentinamente começaram a crer tão fortemente que Deus ressuscitou Jesus de dentre os mortos que eles se dispuseram a morrer pela verdade desta crença. Mas então surge a questão óbvia: O que no mundo fez-los acreditar em algo tão antijudeu e estranho? Luke Johnson, um estudioso do Novo Testamento na Emory University, comenta, “Alguma espécie de experiência poderosa e transformativa é necessária para gerar o tipo de movimento como o do cristianismo primitivo”[5]. E também N. T. Wright, um eminente estudioso britânico, conclui, “Esta é a razão porque, como um historiador, eu não consigo explicar o surgimento do cristianismo primitivo a não ser por Jesus ressuscitando, deixando uma tumba vazia para trás”[6].

Em resumo, existem quatro fatos que são reconhecidos pela maioria dos estudiosos: o sepultamento de Jesus, a descoberta do túmulo vazio, suas aparições post-mortem, e a origem da crença dos discípulos em sua ressurreição.

Agora, em uma publicação mais antiga, Dr. Ehrman expressou ceticismo sobre estes fatos. Ele insistiu que não podemos afirmar esses fatos[7]. Por que não? Bem, ele apresentou duas razões:

Primeiro, ele diz, historiadores não dizem que um milagre provavelmente ocorreu. Mas aqui ele estava obviamente confundindo a evidência para a ressurreição com a melhor explicação para a evidência. A ressurreição de Jesus é uma explicação miraculosa para a evidência existente. Mas a evidência em si não é milagrosa. Nenhum destes quatro fatos é de alguma forma sobrenatural ou inacessível para um historiador. Para prover uma analogia, você sabia que após o assassinato de Abraham Lincoln, houve uma conspiração para roubar seu corpo enquanto este estava sendo transportado por trem de volta a Illinois? Agora, os historiadores obviamente vão querer saber se esta conspiração falhou ou não. O corpo de Abraham Lincoln sumiu do trem? O corpo foi enterrado com sucesso em uma tumba em Springfield? Seus assessores próximos, como o Secretário de Guerra Stanton ou o Vice-Presidente Johnson, afirmaram ter visto aparições de Lincoln após sua morte? Estas são questões que qualquer historiador pode investigar. E o mesmo ocorre em relação aos quatro fatos sobre Jesus.

Mas Professor Ehrman tinha uma segunda razão que justificasse seu pensamento de que historiadores não podem afirmar estes fatos: os relatos dos Evangelhos destes eventos são irremediavelmente contraditórios. Mas o problema com esta linha de argumentação é que ela assume três coisas: (i) que as inconsistências são mais insolúveis do que simplesmente aparentam; (ii) que as inconsistências negam a parte mais importante da narrativa mais do que em relação aos detalhes secundários e periféricos; e (iii) que todas as narrativas possuem a mesma confiabilidade histórica, desde que a presença de inconsistências numa fonte posterior e menos confiável não diminui em nada a credibilidade de uma fonte anterior e mais fidedigna. Na verdade, quando você olha para as supostas inconsistências, o que você descobre é que a maioria delas – como nomes e número de mulheres que visitaram a tumba – são simplesmente aparentes inconsistências, não inconsistências reais. Além do mais, as alegadas inconsistências encontram-se em detalhes secundários e circunstanciais da história e não têm absolutamente nenhum efeito sobre os quatro fatos que eu citei.

Assim, a maioria dos historiadores não foi dissuadida por este tipo de objeção. E, na verdade, o Dr. Ehrman repensou sua posição nestas questões. Não obstante as inconsistências em detalhes, ele agora reconhece que nós temos “sólidas tradições”, não apenas para o sepultamento de Jesus, mas também para a descoberta da tumba vazia pelas mulheres e, portanto, ele diz, nós podemos concluir com “certa certeza” que Jesus foi de fato sepultado pode José de Arimatéia em uma tumba e que três dias depois a tumba foi encontrada vazia[8].

Quando eu descobri que Professor Ehrman mudou de opinião em relação a esta questão, minha admiração por sua honestidade cresceu. Pouquíssimos estudiosos, uma vez que já se declararam em relação a um assunto, possuem coragem para repensar sobre este assunto e admitir que estavam enganados. A mudança do Dr. Ehrman em sua opinião sobre estas questões é testemunha, não apenas para a força da evidência acerca destes quatro fatos, mas também para sua determinação de seguir a evidência não importa aonde ela o conduza. O que isto significa é que meu primeiro ponto não é uma questão de discordância no debate desta noite. O debate vai se concentrar em relação à resposta de Dr. Ehrman para meu segundo ponto, a saber:

(II) A melhor explicação para estes fatos é que Jesus ressuscitou dentre os mortos.
Esta, obviamente, foi a explicação que as testemunhas oculares deram aos acontecimentos, e eu não consigo pensar em uma explicação melhor. A hipótese da ressurreição passa por todos os critérios para ser uma melhor explicação, como poder explanatório, escopo explicativo, plausibilidade, e os demais critérios. Claro, através da história várias explicações naturalistas alternativas para a ressurreição têm sido propostas, como a hipótese de Conspiração, a hipótese da Aparente Morte, a hipótese de Alucinação, etc. No julgamento dos estudiosos contemporâneos, entretanto, nenhuma destas hipóteses naturalistas proveu uma explicação para os fatos. Nem mesmo o Dr. Ehrman sustenta alguma destas explicações naturalistas para os fatos.

Então, podemos perguntar, por que Dr. Ehrman não aceita a ressurreição como a melhor explicação? A resposta é simples: a ressurreição é um milagre, e Dr. Ehrman recusa a possibilidade de se estabelecer um milagre. Ele escreve, “Uma vez que historiadores podem estabelecer apenas o que provavelmente aconteceu, e um milagre desta natureza ser um evento altamente improvável, o historiador não pode dizer que a ressurreição ocorreu”[9]. Este argumento contra a identificação de um milagre é velho, já refutado no século XVIII por alguns eminentes estudiosos como William Paley e George Campbell, e é rejeitado como falacioso por muitos filósofos contemporâneos igualmente. Prometo dizer mais sobre isto depois; mas, por agora, permitam-me dizer que na ausência de alguma explicação naturalista para os fatos, a hesitação do Dr. Ehrman em abraçar a ressurreição de Jesus como a melhor explicação é desnecessária. Dr. Ehrman estaria completamente dentro de seus direitos racionais se ele abraçasse uma explicação miraculosa como a ressurreição – como nós também estaríamos.

Concluindo, então, eu penso que existem boas evidencias históricas para a ressurreição de Jesus. Especificamente, eu expus dois pontos para a discussão desta noite:

(I) Existem quatro fatos históricos que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica adequada: o sepultamento de Jesus, a descoberta de seu túmulo vazio, suas aparições post-mortem, e a origem da crença dos discípulos em sua ressurreição; e
(II) A melhor explicação para estes fatos é que Jesus ressuscitou dentre os mortos.


Notas:

[1] - Raymond E. Brown. The Death of Messiah, 2 vols. (Garden City, N.Y.: Doubleay, 1994), 2: 1240-1.
[2] - John A. T. Robinson, The Human Face of God (Philadelphia: Westminster, 1973), p. 131.
[3] - Jacob Kremer, Die Osterevangelien – Geschichten um Geschichte (Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1997), pp. 49-50.
[4] - Gerd Lüdermann, What Really Happened to Jesus?, trans. John Bowden (Louisville, Kent.: Westminster John Knox Press, 1995), p. 8.
[5] - Luke Timothy Johnson, The Real Jesus (San Francisco: Harper San Francismo, 1996), p. 136.
[6] - N. T. Wright, “The New Unimproved Jesus”, Christianity Today (September 13, 1993), p. 26.
[7] - Bart Erhman, “The Historical Jesus”, (The Teaching Company, 2000), Part II, p. 50.
[8] - Bart Erhman, “From Jesus to Constantine: A History of Early Christianity”, Lecture 4: “Oral and Written Traditions about Jesus” (The Teaching Company, 2003).
[9] - Ehrman, “Historical Jesus”, Part II, p. 50.


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[3/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 3 de 8.

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Dr. Ehrman – Discurso de Abertura

Eu gostaria de agradecer ao Bill por este impressionante discurso de abertura. Tenho ouvido por estes anos que Bill é um talentoso debatedor e orador, e agora eu vejo porque os evangélicos de quem ele fala são tão orgulhosos de suas habilidades.

Em meu discurso de abertura aqui eu não vou lidar com todos os muitos e muitos pontos que Bill levantou. Eu vou, do contrário, explicar meu próprio argumento que, a propósito, não se trata exatamente do argumento que ele disse que eu faria, apesar de que existem alguns pontos em comum. Eu vou expor meu argumento e em meu próximo discurso eu vou mostrar porque, em minha opinião, a posição de Bill é tão problemática.

Eu quero dizer no início alguma coisa parecida com o que ele disse no começo de seu discurso. Eu acreditava absolutamente em tudo o que Bill apresentou aqui. Ele e eu freqüentamos a mesma escola cristã evangélica, Wheaton, onde estas questões são ensinadas. Antes disso eu freqüentei uma escola ainda mais conservadora, o Moody Bible Institute, onde “Bíblia” é nosso nome do meio. Lá aprendemos estas coisas ainda mais avidamente. Eu acreditava nelas com todo meu coração e alma. Preguei sobre estas conclusões e tentei convencer outras pessoas que elas eram verdadeiras. Mas então eu comecei a estudar estas questões, não apenas aceitando o que meus professores diziam, mas olhando profundamente para elas. Eu aprendi grego e comecei a estudar o Novo Testamento em sua língua original, aprendi hebraico para ler o Antigo Testamento, também aprendi latim, sírio, e cóptica para poder estudar os manuscritos e as tradições não-canônicas de Jesus em suas línguas originais. Eu mergulhei no mundo do primeiro século, lendo judeus não-cristãos, textos pagãos anteriores e contemporâneos ao Império Romano, e tentei analisar tudo o que foi escrito por um cristão durante os primeiros três séculos da Igreja. Me tornei um estudioso sobre tempos antigos, e por vinte e cindo anos eu tenho pesquisado nesta área, noite e dia. Eu não sou um filósofo como Bill; eu sou um historiador dedicado a encontrar a verdade histórica. Após anos de estudo, eu finalmente cheguei à conclusão de que tudo no qual eu pensava anteriormente sobre a evidência histórica para a ressurreição estava absolutamente errado.

Vou começar explicando em termos simples o que os historiadores fazem. Historiadores tentam estabelecer com suas capacidades o que provavelmente aconteceu no passado. Nós não podemos saber realmente o que aconteceu no passado porque o passado já passou. Nós achamos que sabemos o que aconteceu em alguns acontecimentos do passado porque temos algumas boas evidências para o que aconteceu, mas em outros casos nós não sabemos, e em alguns casos nós apenas podemos jogar as mãos para o alto, nos entregar e desistir.

É relativamente certo que Bill Clinton venceu a eleição presidencial americana em 1996. Poderá ser de alguma forma menos claro quem venceu a eleição seguinte. É perfeitamente claro que Shakespeare escreveu seus sonetos, mas existe um considerável debate sobre isto. Por que? Isto foi a centenas de anos atrás, e estudiosos surgem com opiniões alternativas. É provável que César atravessou o rio Rubicão, mas nós não temos muitas testemunhas oculares deste fato. Historiadores tentam estabelecer níveis de probabilidade sobre o que aconteceu no passado. Algumas coisas são absolutamente certas, algumas prováveis, outras possíveis, algumas são “talvez”, algumas não são prováveis.

Que tipo de evidências os estudiosos procuram quando tentam estabelecer probabilidades sobre o passado? Bem, o melhor tipo de evidência, claro, consiste de relatos contemporâneos aos eventos; pessoas que viveram próximas ao tempo dos acontecimentos dos eventos. Em última análise, se você não tem uma fonte que se encontra próxima ao tempo de ocorrência dos eventos, então você não tem uma fonte fidedigna. Existem apenas dois tipos de fontes de informações para eventos passados: ou relatos baseados em testemunhas oculares, ou relatos que foram inventados. Estes são os únicos tipos de relatos que você tem do passado – ou coisas que aconteceram ou coisas que foram inventadas. Para determinar que relatos correspondem de fato com o que aconteceu, você necessita de narrativas contemporâneas aos acontecimentos, fontes que estão próximas ao tempo de ocorrência dos eventos, e ajuda se você tiver muitos destes relatos. Quanto mais, melhor! Você precisa de muitos relatos contemporâneos, e você precisa que eles sejam independentes uns dos outros. Não te ajudará nada ter diferentes relatos que sofreram influências uns dos outros; você precisa de relatos que atestam independentemente os resultados. Além disso, mesmo que você precise de relatos independentes uns dos outros, que não foram influenciados por outros relatos, você precisa de relatos que corroboram uns aos outros; relatos que são consistentes com aquilo que eles têm a dizer sobre o assunto em questão. Além de tudo isso, finamente, você necessita de fontes que não sejam tendenciosas acerca do assunto. Você necessita de relatos desinteressados. Você precisa de muitos deles, você precisa que eles sejam independentes uns dos outros, e você ainda precisa que eles sejam consistentes uns com os outros.

O que nós temos sobre os evangelhos do Novo Testamento? Bem, infelizmente não estamos tão abastados quanto gostaríamos de estar. Nós gostaríamos de estar extremamente abastados porque os evangelhos nos contam sobre Jesus, e eles são nossas melhores fontes sobre Jesus. Mas o quão boas estas fontes são? Eu não estou questionando se elas são fontes teológicas válidas para assuntos religiosos. Mas quão boas historicamente elas são? Infelizmente, elas não são tão boas como nós gostaríamos que elas fossem. Os evangelhos foram escritos 35 ou 36 anos após a morte de Jesus – 35 ou 36 anos após sua morte, não por pessoas que foram testemunhas oculares, mas por pessoas que viveram depois. Os evangelhos foram escritos por pessoas altamente letradas, treinadas, fluentes em grego e que viveram em uma segunda ou terceira geração após a morte de Jesus. Eles não foram escritos pelos seguidores de Jesus que falavam aramaico. Eles foram escritos por pessoas que viveram 30, 40, 50, 60 depois. Onde estas pessoas conseguiram suas informações? Devo salientar que os evangelhos afirmam ter sido escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João. Mas, isto é apenas em sua Bíblia em português. Estes são os títulos dos evangelhos, mas quem quer que tenha escrito o evangelho de Mateus, não o chamou de Evangelho de Mateus. Quem quer que tenha escrito o evangelho de Mateus simplesmente escreveu este evangelho, e alguém depois disse que ele era o evangelho de acordo com Mateus. Alguém depois está dizendo a você quem o escreveu. Os títulos são adições posteriores. Os evangelhos não são relatos de testemunhas oculares. Então, de onde eles conseguiram suas informações?

Após os dias de Jesus, as pessoas começaram a contar histórias sobre ele a fim de converter outras pessoas à fé. Eles estavam tentando converter judeus e gentios. Como você convence alguém a parar de adorar seu Deus para começar a adorar Jesus? Você precisa contar histórias sobre Jesus. Então você converte uma pessoa a partir daquilo que você diz. Esta pessoa converte outra que converte outra, e ao mesmo tempo as pessoas continuam contando suas histórias.

A maneira como isto funciona é assim: eu sou um negociador em Éfeso e alguém vem à cidade e me conta histórias sobre Jesus; a partir destas histórias, eu me converto. Eu digo à minha mulher estas histórias. Ela se converte. Ela então conta as histórias à nossa vizinha do lado. Ela se converte. A vizinha conta as histórias a seu marido. Ele se converte. Ele viaja a Roma a negócios, e conta a algumas pessoas lá estas histórias. Eles se convertem. Estas pessoas que ouviram as histórias em Roma, onde eles as ouviram? Eles as ouviram de um homem que morava perto de mim. Bem, ele estava lá para ver as coisas acontecendo? Não. De onde ele ouviu as histórias, então? Ele as ouviu de sua mulher. De onde ela as ouviu? Ela estava lá? Não. Ela as ouviu de minha mulher. De onde minha mulher as ouviu? Ela as ouviu de mim. Bem, de onde eu as ouvi? Nem eu mesmo estava lá.

Histórias estão em circulação ano após ano após ano, e em razão disto, as histórias são alteradas. Como sabemos que as histórias foram alteradas no processo de transmissão? Nós sabemos as histórias que foram alteradas quando existem numerosas diferenças em nossos relatos que não podem ser reconciliados uns com os outros. Você não precisa acreditar nisso porque eu estou falando; apenas confira por si mesmo. Eu digo a meus alunos que a razão de nós não percebemos que existem tantas diferenças nos evangelhos é porque nós os lemos verticalmente, isto é, do início ao fim. Você começa ler Marcos, o lê do início ao fim; então você lê Mateus, lê-lo do início ao fim, e Mateus soa muito parecido com Marcos; então você lê Lucas do início ao fim, e Lucas soa muito parecido com Mateus e Marcos; depois você lê João, um pouquinho diferente, mas soa igual com os demais. A razão é porque você os está lendo verticalmente. A maneira de enxergar as diferenças nos evangelhos é lê-los horizontalmente. Leia uma história em Mateus, então a mesma história em Marcos, e compare as duas histórias e veja o que perceberá. Você enxergará grandes diferenças. Apenas pegue o caso da morte de Jesus. Em qual dia Jesus morreu e em qual horário? Ele morreu um dia antes do pão da Páscoa ser comido, como João explicitamente diz, ou ele morreu depois dele ser comido, como Marcos explicitamente diz? Ele morreu ao meio dia, como é dito em João, ou às 9 da manhã, como dito em Marcos? Jesus carregou sua cruz sozinho por todo o caminho ou Simão de Cirene a carregou? Isto depende de qual evangelho você lê. Os dois ladrões zombaram de Jesus na cruz ou apenas um deles zombou dele enquanto o outro o defendeu? Isto depende de qual evangelho você lê. O véu do templo se rasgou ao meio antes de Jesus morrer ou depois? Depende de qual evangelho você lê.

Ou então pegue os relatos sobre a ressurreição. Quem foi à tumba no terceiro dia? Maria foi lá sozinha ou ela foi com outras mulheres? Se Maria foi lá com outras mulheres, quantas outras foram lá, quem eram elas e quais eram seus nomes? A pedra que lacrava o sepulcro rolou antes delas chegarem lá ou não? O que elas viram na tumba? Elas viram um homem, elas viram dois homens, ou elas viram um anjo? Depende do relato que você lê. O que elas disseram aos discípulos? Era para os discípulos permanecerem em Jerusalém e ver Jesus lá ou era para eles saírem e verem Jesus em Galiléia? As mulheres falaram com alguém ou não? Depende do evangelho que você lê. Os discípulos nunca abandonaram Jerusalém ou eles a deixaram imediatamente rumo a Galiléia? Todas as respostas dependem de qual relato você lê.

Você tem os mesmos problemas com todas as fontes e com todos os evangelhos. Eles não são relatos fidedignos. Os autores não foram testemunhas oculares; eles foram cristãos fluentes em grego que viveram 35 a 65 anos após os eventos que eles narraram. Os relatos que eles narraram são baseados em tradições orais que estavam em circulação por décadas. Ano após ano os cristãos tentaram converter as demais pessoas contando histórias sobre Jesus ter ressuscitado da morte. Estes escritores estão contando histórias que os cristãos estão repetindo por todos estes anos. Muitas histórias foram inventadas e a maioria das demais foi alterada. Por esta razão, estes relatos não são tão úteis como nós gostaríamos que eles fossem para propósitos históricos. Eles não são contemporâneos aos acontecimentos, eles não são desinteressados, e eles não são consistentes.

Mas até mesmo se estas histórias fossem as melhores fontes no mundo, ainda permaneceria um obstáculo principal que nós simplesmente não podemos vencer se abordarmos a questão da ressurreição historicamente mais do que teologicamente. Tudo bem para mim se Bill quiser argumentar teologicamente que Deus ressuscitou Jesus ou até mesmo se ele quiser argumentar que Jesus ressuscitou a si mesmo da morte. Mas isto não pode ser uma reivindicação histórica, e não pela razão que ele impôs a mim como um velho argumento do século XVIII que já foi refutado. Historiadores podem estabelecer apenas o que provavelmente aconteceu no passado. O problema dos historiadores é que eles não podem repetir um experimento. Hoje, se você quiser provar alguma coisa, é muito simples conseguir provas para muitas coisas na ciência natural; na ciência experimental nós temos provas. Se eu quisesse provar a você que barras de sabão flutuam, mas barras de metal afundam, tudo o que eu preciso fazer é pegar 50 litros de água e começar a jogar as barras. As barras de sabão vão sempre flutuar, as barras de metal sempre vão afundar, e depois de algum tempo teremos um nível do que podemos chamar de probabilidade, onde se eu colocar o ferro novamente, ele afundará novamente, e se eu colocar o sabão, ele flutuará novamente. Nós podemos repetir experiências naturais fazendo experimentos científicos. Mas nós não podemos repetir experimentos na histórica porque uma vez que eles acontecem, acabou.

O que são milagres? Milagres não são impossíveis. Eu não vou dizer que eles são impossíveis. Você pode até pensar que eles são possíveis e, se você pensar assim, então você vai concordar com meu argumento mais do que eu mesmo. Eu estou dizendo que milagres são tão altamente improváveis que eles são a possibilidade mais remota em qualquer instância. Eles violam a maneira como a natureza normalmente trabalha. Eles são tão altamente improváveis, sua probabilidade é infinitesimalmente remota, que nós os chamamos milagres. Ninguém neste planeta pode andar sobre as águas. Quais são as chances de um de nós conseguir fazer isso? Bem, nenhum de nós pode, então vamos dizer que as chances são de uma em dez bilhões. Bem, alguém supostamente consegue. Isto dado que as chances são de uma em dez bilhões, mas, de fato, ninguém de nós consegue andar sobre as águas.

E sobre a ressurreição de Jesus? Eu não estou dizendo que isto não aconteceu; mas, se a ressurreição aconteceu, isto seria um milagre. A reivindicação de que Jesus ressuscitou não trata apenas do corpo de Jesus voltar à vida; ele voltou à vida para não morrer novamente. Esta é uma violação do que naturalmente acontece, todos os dias, tempo após tempo, milhões de vezes por ano. Quais são as chances de uma ressurreição acontecer? Bem, isto seria um milagre. Em outras palavras, seria tão altamente improvável que nós mão podemos explicar este evento por meios naturais. Um teólogo pode dizer que a ressurreição aconteceu, e para argumentar com o teólogo nós devemos argumentar em terreno teológico porque não há bases históricas para argumentação. Historiadores podem estabelecer apenas o que provavelmente aconteceu no passado, e por definição um milagre é a possibilidade mais remota a se considerar. Sendo assim, pela natureza do canons da pesquisa histórica, nós não podemos reivindicar historicamente que um milagre provavelmente aconteceu. Por definição, a ressurreição provavelmente não aconteceu. E a história pode estabelecer apenas o que provavelmente ocorreu.

Eu gostaria que pudéssemos estabelecer milagres, mas não podemos. Não é por culpa de ninguém. Simplesmente os canons da pesquisa histórica não permitem que se estabeleça como provável a mai improvável de todas as ocorrências. Por esta razão, as quatro evidências levantadas por Bill são completamente irrelevantes. Não pode ser provavelmente histórico um evento que desafia a probabilidade, mesmo que o evento tenha ocorrido. A ressurreição deve ser considerada pela fé, não com base em provas.

Permitam-me ilustrar um cenário alternativo do que poderia ter acontecido para explicar a tumba vazia. Eu não acredito no que vou dizer. Eu não acho que tenha acontecido desta forma, mas é mais provável que um milagre acontecendo, porque um milagre, por definição, é a possibilidade mais remota. Então, deixe-me dar mostrar a vocês uma teoria, apenas uma que eu inventei aqui. Eu poderia inventar vinte destas teorias que são implausíveis, mas que ainda assim são mais plausíveis que a ressurreição.

Jesus foi sepultado por José de Arimatéia. Dois parentes de Jesus então ficaram irritados por um desconhecido líder judeu ter enterrado o corpo. No fim da noite, estes dois parentes roubaram a tumba, pegaram o corpo e o enterram eles mesmos. Mas os soldados romanos na vigília os viram carregando o corpo pela estrada, lutaram com eles e os mataram. Eles jogaram os três corpos em uma mesma caverna, onde depois de três dias estes corpos estavam impossíveis de seres reconhecidos. A tumba então está vazia. Pessoas vão à tumba e a encontram vazia, começam a pensar que Jesus ressuscitou dos mortos, e elas começam a pensar que o viram, pois eles sabem que Jesus ressuscitou, afinal a tumba está vazia.

Este é um cenário improvável, mas você não pode objetá-lo como impossível de ter acontecido porque não é. Pessoas roubaram tumbas. Soldados mataram civis com um pretexto mínimo. Pessoas foram enterradas em uma mesma caverna e deixadas à podridão. Não é provável, mas este cenário é mais provável que um milagre, que é tão improvável que você deve apelar para uma intervenção sobrenatural para fazê-lo funcionar. Esta explicação alternativa que eu dei a vocês – que não é a que eu creio ser verdadeira – é pelo menos plausível, e é histórica, em oposição à explicação de Bill, que não é uma explicação histórica. A explicação de Bill é uma explicação teológica.

A evidência de que o próprio Bill não vê sua explicação como histórica é que ele reivindica que sua conclusão é que Jesus foi ressuscitado da morte. Quem o ressuscitou? Bem, presumidamente Deus! Esta é uma reivindicação teológica sobre alguma coisa que aconteceu com Jesus. Trata-se de alguma coisa que Deus fez com Jesus. Mas historiadores não podem presumir crença ou descrença em Deus ao fazerem suas conclusões. Discussões sobre o que Deus fez são naturalmente teológicas, elas não são históricas. Historiadores, sinto em dizer, não têm acesso a Deus. Os canons da pesquisa histórica são restritos apenas ao que acontecem aqui neste plano terreno. Eles não podem nem pressupõe nenhum tipo de crença sobre o mundo natural. Eu não estou dizendo que isto é bom ou mau. Simplesmente é a maneira pela qual a pesquisa histórica trabalha.

Permitam-me lhes dar uma analogia. Não é ruim que não existam provas matemáticas para a evidência de uma polêmica antisemitista em O Mercador de Veneza. Matemática é simplesmente irrelevante em relação a questões literárias. Da mesma forma, as pesquisas históricas não podem conduzir reivindicações teológicas sobre o que Deus fez.

Em resumo, as fontes que temos não são tão boas quanto desejamos que elas fossem. As narrativas foram escritas muitas décadas após os fatos por pessoas que não estavam lá para vê-las acontecendo, que herdaram histórias que foram alteradas no processo de transmissão. Estes relatos que temos sobre a ressurreição de Jesus não são internamente consistentes; eles são cheios de discrepâncias, incluindo o relato da morte e ressurreição de Jesus. Mas existe o problema com o milagre. Não se trata do problema filosófico com o milagre discutido nos séculos XVII e XVIII. Trata-se de um problema histórico com o milagre, Historiadores não podem estabelecer milagres como ocorrência mais provável porque milagres, por sua natureza são as mais improváveis ocorrências. Obrigado!


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[4/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 4 de 8.

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Dr. Craig – Primeira Refutação

Bem, obrigado Bart, vejo que teremos um bom debate esta noite. Agora, vocês vão se recordar que eu estabeleci dois pontos para defender esta noite:

I. Existem quatro fatos que alguma hipótese histórica precisa explicar.
II. A ressurreição de Jesus é a melhor explicação para estes fatos.

Agora, eu gostaria de pular este primeiro ponto por causa do tempo e ir direto para o segundo porque ele é a chave onde Dr. Ehrman e eu discordamos.

Dr. Ehrman sustenta que nós nunca podemos dizer que um milagre como a ressurreição provavelmente aconteceu porque milagres, por sua própria natureza, são intrinsecamente improváveis. Agora, a despeito do que ele disse, este argumento não é novo. Ele já foi proposto no século XVIII por David Hume em seu ensaio Of Miracles. O argumento do Dr. Ehrman é apenas uma versão recauchutada do pensamento de David Hume. Agora, o que os filósofos contemporâneos pensam sobre o argumento de Hume contra a identificação de milagres? Bem, permitam-se apresentar-lhes outro Earman, John Earman, Professor de Filosofia da Ciência na University of Pittsburgh.

**O Slide de Powerpoint mostra a capa do livro de John Earman, “Hume’s Abject Failure: The argument Against Miracle” [O Fiasco Desprezível de Hume: O argumento contra o milagre]**

Este Professor Earman não é um cristão; na verdade, ele é um agnóstico. Ele nem mesmo acredita na existência de Deus. Todavia, veja o que ele pensa sobre o argumento de Hume: não é apenas um fiasco, é um fiasco desprezível. Isto é para dizer que, ele é demonstradamente, irremediavelmente, desesperadamente falacioso.

Permitam-me explicar por que.

Quando falamos sobre a probabilidade de algum evento ou hipótese A, esta probabilidade é sempre relativa a um corpo de informações de um contexto B. Assim, nós dizemos sobre a probabilidade de A sobre B, ou de A em relação a B.

**Slide de Powerpoint mostra a fórmula Pr (A/B)**

Então, a fim de descobrirmos a probabilidade da ressurreição, tomemos B como o corpo de informações que nós temos à parte de qualquer evidência para a ressurreição. Tomemos E para a evidência específica da ressurreição de Jesus: a tumba vazia, as aparições post-mortem, etc. Finalmente, tomemos R como a ressurreição de Jesus. Agora, o que nós queremos descobrir é a probabilidade da ressurreição de Jesus dado o corpo de informações que nós temos e a evidência específica neste caso.



Os teóricos em probabilidade desenvolveram uma fórmula muito complexa para calcular probabilidades como esta, e eu vou caminhar com vocês passo a passo, então vocês a entenderão.

O primeiro fator que nós precisamos considerar é a probabilidade da ressurreição sobre o corpo de informações que nós temos, apenas:



Pr (R/B) é chamada de intrínseca probabilidade da ressurreição. Ela nos diz o quão provável a ressurreição é dado o corpo de informações que temos.

A seguir nós a multiplicamos pela probabilidade da evidência dado o corpo de informações que temos e a ressurreição:



Pr (E/B & R) é chamado de poder explanatório da hipótese da ressurreição. Ela nos diz o quão provável a ressurreição torna a tumba vazia e os demais fatos. Estes dois fatores formam o numerador do cálculo.

Agora, na linha de baixo, no denominador, apenas reproduza o denominador. Apenas mova tudo o que está no numerador para a linha de baixo:



Finalmente, nós adicionamos a este produto dois novos fatores: a intrínseca probabilidade que Jesus não ressuscitou de dentre os mortos e o poder explanatório da hipótese da não-ressurreição:



Basicamente, Pr (not-R/B) x Pr (E/B& not-R) representa a intrínseca probabilidade e o poder explanatório de todas as explicações naturalistas alternativas à ressurreição de Jesus.

Assim, a probabilidade da ressurreição de Jesus relativa ao corpo de informações que temos e a específica evidência é equivalente nesse cálculo complicado.

Agora nós estamos prontos para observar precisamente onde o erro do Dr. Ehrman mente. Então, em homenagem ao desprezível erro de Hume, eu lhes dou: o Erro Escandaloso de Ehrman.



Ele diz: “Uma vez que historiadores podem estabelecer apenas o que provavelmente aconteceu, e como um milagre é em sua natureza muito improvável, os historiadores não podem dizer que a ressurreição provavelmente aconteceu”.

Em outras palavras, ao calcular a probabilidade da ressurreição de Jesus, o único fator que ele considera é a intrínseca probabilidade apenas [Pr (R/B)]. Ele simplesmente ignora todos os outros fatores. E isto é uma falácia aritmética. A probabilidade da ressurreição poderia ainda ser muito alta mesmo que a Pr (R/B) tivesse um valor muito baixo. Especificamente, Dr. Ehrman ignora os fatores cruciais das alternativas naturalistas para a ressurreição [Pr (not-R/B) x Pr (E/B & not-R)]. Se estes fatores possuem baixos valores, eles vão contrabalançar a qualquer intrínseca improbabilidade da hipótese da ressurreição.

Nós podemos ver isto ao olhar para a forma dos cálculos de probabilidade. Eles têm esta forma:



Eles têm esta forma, pois o numerador é reproduzido no denominador. Agora, observe que quanto mais próximo de zero o Y estiver, mais o valor deste cálculo se aproxima de 1, que na teoria de probabilidade representa “absoluta certeza”. Então, o que é realmente crucial aqui é a probabilidade de Y, que representa a intrínseca probabilidade e o poder explanatório das explicações naturalistas para a ressurreição de Jesus. Então, o Dr. Ehrman não pode simplesmente ignorar estas hipóteses inconsistentes. Se ele quiser explicar que a ressurreição é um evento improvável, ele precisa não apenas derrubar todas as evidências para a ressurreição, mas ele também precisa erigir um caso positivo em favor de alguma explicação naturalista alternativa à ressurreição.

Mas isto não é tudo. Dr. Ehrman apenas assume que a probabilidade da ressurreição em relação ao corpo de informações que temos [Pr (R/B)] é muito pequeno. Mas aqui, eu penso, ele se confundiu. O que, afinal de contas, é a hipótese da ressurreição? É a hipótese de que Jesus ressuscitou sobrenaturalmente da morte. Não é uma hipótese de que Jesus reviveu naturalmente da morte. Que Jesus ressuscitou naturalmente da morte é fantasticamente improvável. Mas eu não vejo nenhuma boa razão para considerar como improvável o fato de Deus ter ressuscitado Jesus de dentre os mortos.

A fim de mostrar que esta hipótese é improvável, você teria de mostrar que a existência de Deus é improvável. Mas Dr. Ehrman disse que um historiador não pode dizer nada sobre Deus. Portanto, ele não pode dizer que a existência de Deus é improvável. Mas se ele não pode dizer isto, ele também não pode dizer que a ressurreição de Jesus é improvável. Portanto, a posição do Dr. Ehrman é literalmente autocontraditória.

Mas isto fica ainda pior. Existe outra versão da objeção do Dr. Ehrman que é ainda mais falaciosa que o “Erro Escandaloso de Ehrman”. Eu o chamo de “A Mancada do Ehrman”.



Aqui está: “uma vez que historiadores podem estabelecer apenas o que provavelmente aconteceu no passado, eles não podem mostrar que milagres aconteceram, uma vez que isto envolveria uma contradição – que o maior dos eventos improváveis é mais provável”.

A verdade é que não existe em absoluto nenhuma contradição aqui porque estamos falando sobre duas probabilidades diferentes: a probabilidade da ressurreição em relação ao corpo de informações que temos e a evidência [Pr (R/B & E)] e a probabilidade da ressurreição sobre o corpo de informações que temos apenas [Pr (R/B)]. Não é surpresa alguma que a primeira probabilidade possa ser muito alta enquanto a segunda possa ser muito baixa. Não existe absolutamente nenhuma contradição. Em suma, o fundamental argumento do Dr. Ehrman contra a hipótese da ressurreição é demonstradamente falacioso.

Hume, porém, tinha uma desculpa para sua desprezível falácia: o cálculo de probabilidade não havia sido desenvolvido em seu tempo. Mas hoje os estudiosos do Novo Testamento não têm mais esta desculpa ao usar a seu favor um pensamento demonstradamente falacioso. Agora, Dr. Ehrman já mostrou que possui honestidade intelectual para mudar de opinião sob o poder da evidência empírica. Mas, neste caso, a mudança de sua opinião é matematicamente obrigatória, e eu espero que ele faça uso da mesma honestidade intelectual que o levou a mudar de opinião a respeito dos quatro fatos, que esta honestidade o conduza a repensar sua oposição à hipótese da ressurreição.

Agora, em meus poucos minutos restantes, permitam-me voltar ao meu primeiro ponto e tratar a respeito das respostas de Ehrman.

Ele disse existe uma espécie de lista que ele poderia oferecer para as fontes históricas e que os evangelhos não são fontes tão boas como gostaríamos que eles fossem. Permitam-me dizer que esta lista é tão idealista quanto irrelevante para o trabalho de um historiador. O único propósito para qual ela serve é para o efeito psicológico em criar uma barreira tão irrealisticamente alta para a qual os evangelhos parecem estar aquém, por comparação. Na verdade, entretanto, nenhuma fonte da história antiga corresponde a esta lista, e quatro em seis dos documentos do Novo Testamento, penso, cumprem as exigências desta lista completamente, e as outras duas parcialmente. Então a questão não é se os relatos que tão boas quanto gostaríamos que elas fossem, mas, elas são boas o suficiente para estabelecer estes quatro fatos? E elas certamente são.

E sobre as inconsistências? Bem, vocês se lembram que eu disse que ele precisaria mostrar três coisas para levar a adiante este argumento? Primeiro, que as inconsistências são insolúveis. Segundo, que elas negam a parte mais importante da narrativa, mais do que os detalhes. E terceiro, que ele teria de mostrar que todos os documentos possuem a mesma confiabilidade histórica, uma vez que a presença de inconsistências em uma fonte posterior e menos confiável não diminui em nada a credibilidade de uma fonte anterior e mais fidedigna. Então, eu não acredito que ele realmente mostrou que estas inconsistências apontadas por ele invalidam as narrativas.

A verdade é que, quando olhamos para os evangelhos, vemos que todos eles concordam que Jesus de Nazaré foi crucificado por autoridades romanas durante a Páscoa, após ser preso e condenado pelo crime de blasfêmia no Sinédrio Judaico e então levado ao governador romano sob a acusação de crime de traição. Ele morreu após algumas horas e foi enterrado na sexta feira à tarde por José de Arimatéia em uma tumba que foi selada com uma pedra. Certamente algumas seguidoras de Jesus, incluindo Maria Madalena, que é sempre mencionada, visitaram sua tumba no domingo pela manhã, encontrando-a vazia. Por conseguinte, Jesus apareceu vivo aos seus discípulos, incluindo Pedro, que então se tornaram proclamadores da mensagem da ressurreição.

Todos os quatro evangelhos atestam todos estes fatos. Mais detalhes pode-riam ser mencionados simplesmente citando fatos relatados em três dos evangelhos, três em quatro. E, como eu digo, a questão relevante é que o próprio Dr. Ehrman agora admite, desde 2003, que a despeito das inconsistências dos relatos, que estes quatro fatos são históricos. N. T. Wright, na conclusão de sua massiva pesquisa sobre as narrativas da ressurreição, diz que a tumba vazia e as aparições post-mortem possuem uma probabilidade histórica tão alta que poderiam ser chamadas de “virtualmente certezas”, como a morte de Augustus no ano 14 dC ou a queda de Jerusalém no ano 70 dC[10]. Isto é incrível!

Então, eu acho que o debate não está sobre estes fatos. A questão aqui é qual é a melhor explicação para estes fatos. E a objeção que o Professor Ehrman oferece não é uma objeção histórica. Ele não oferece um argumento histórico e sim um argumento filosófico, que é baseado em um mal entendido sobre as probabilidades envolvidas. Uma vez que já esclareci sobre este ponto, não vejo nenhuma razão em absoluto do por que alguém não pode inferir a partir da evidência histórica que Jesus de Nazaré ressuscitou dos mortos.


Notas:

[10] - N. T. Wright, The Ressurrection of the Sono f God (Minneapolis, MInn.: Fortress Press, 2003), p. 710.


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[5/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 5 de 8.

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Dr Ehrman – Primeira Refutação

Obrigado Bill por esta refutação incrível! Mas tenho de dizer que se você pensa que eu vou mudar de opinião apenas porque você tem uma prova matemática da existência de Deus, sinto muito, mas isto não vai acontecer! Então, me desculpe, eu tenho apenas doze minutos para minha refutação e preciso de três horas, como eu imagino que você também precise.

Permitam-me dizer que eu respeito a fé pessoal de Bill de que Jesus ressuscitou de dentre os mortos, mas eu penso que sua reivindicação de que esta fé possa ser provada historicamente é falsa. Eu vou dividir minha resposta em quatro partes, apresentando aspectos duvidosos da apresentação de Bill, dando exemplos ao invés de tentar lidar com cada detalhe desta apresentação.

Primeiro, Bill faz uso duvidoso das menções de autoridades modernas. Bill freqüentemente cita estudiosos modernos como se de alguma forma estas citações constituíssem evidência para seu ponto de vista. Como o próprio Bill sabe, o fato da maioria dos estudiosos do Novo Testamento concordar com seus quatro pontos não prova que eles estão corretos. Por uma simples razão: a maioria dos estudiosos do Novo Testamento acredita no Novo Testamento, isto é, eles estão comprometidos com o texto, então eles obviamente vão concordar com os quatro pontos. Eu poderia mencionar aqui que a maioria dos historiadores não concorda com a conclusão de Bill. Isto torna suas conclusões falsas? Não. Isto simplesmente significa que suas conclusões não são persuasivas para a maioria dos historiadores. Tendo dito isto, estou surpreso com algumas das autoridades que Bill menciona, porque na realidade a maioria dos estudiosos críticos que pesquisa sobre a história de Jesus discorda da conclusão de Bill de que um historiador pode mostrar que o corpo de Jesus imergiu fisicamente de sua tumba. Bill pode até se surpreender com isto e a razão é o contexto onde ele trabalha – um seminário evangélico conservador. Neste ambiente, o que ele pronuncia não é nada mais do que todo mundo acredita. E é impressionante como até mesmo algumas das autoridades chave que ele citou não concordam com suas conclusões. Ele cita um bom número de estudiosos, que eu considero como amigos e conhecidos, e eu posso dizer a vocês, eles não concordam com seu ponto de vista. Isto o torna errado? Não, isto simplesmente significa que sua impressionante lista de citações é tendenciosa, parcial, e falha na tarefa de nos contar a história real, que é que ele representa a opinião minoritária no debate.

Segundo, Bill faz uso duvidoso das fontes primitivas. Bill cita o apóstolo Paulo sobre José de Arimatéia ter enterrado Jesus, apenas para pegar um exemplo, como uma fonte datada apenas cinco anos após a morte de Jesus. Paulo não estava escrevendo cinco anos após a morte de Jesus; ele estava escrevendo vinte e cinco anos depois, e nunca mencionou José de Arimatéia. José de Arimatéia não é citado até que você chegue ao evangelho de Marcos, 35 ou 40 anos após o fato. Quando Paulo menciona que Jesus foi sepultado, ele quer dizer que ele foi sepultado em uma caverna comum, o que freqüentemente acontecia com criminosos crucificados. Paulo disse que ele foi sepultado; ele pode ter sido sepultado em uma caverna comum. Devo frisar que em alguns de seus trabalhos, Bill cita um grande número de frases minhas, e ele as tira fora de seu contexto, como mostrarei em alguns minutos, porque o que ele disse sobre eu ter mudado de idéia, eu não concordo. Mas em seus escritos ele menciona que Marcos trás uma narrativa mais simples sobre o sepultamento e que, por esta razão, seu relato se trata de uma narrativa não adulterada por alterações e então, segundo suas palavras, mais provável de ser histórica. Eu gostaria de saber se ele ainda pensa assim – que uma tradição não adulterada é mais provável de ser histórica. Porque se isto for verdade, então eu gostaria que ele nos dissesse se ele pensa que o relato de Mateus não é histórico, por ser a tradição mais adulterada de todas. Isto pode ser comparado com seu comentário alguns minutos atrás de que todas as tradições primitivas concordavam com alguma coisa, então que nós não deveríamos nos preocupar com as a tradições posteriores. Bem, então, nos diga Bill, você acha que as tradições posteriores não são históricas?

Terceiro, Bill faz reivindicações e asserções duvidosas. Por exemplo, Bill diz que a história das mulheres indo à tumba jamais poderia ter sido inventada pelos primeiros cristãos. Devo frisar que Paulo jamais mencionou as mulheres indo à tumba, apenas os relatos posteriores de Marcos e demais evangelhos. Aqui o problema é um dentre outros típicos da posição de Bill. Seu argumento não analisa seriamente a natureza das fontes. Qualquer um que analisasse o evangelho de Marcos não teria nenhuma dificuldade de ver porque, 35 anos após o evento, ele ou qualquer outra pessoa em sua comunidade poderia ter inventado esta história. O evangelho de Marcos é cheio de reflexões teológicas sobre o sentido da vida acerca de Jesus; este é o evangelho de Marcos. Ele não é um relatório, é um evangelho. É uma proclamação das boas novas, como Marcos mesmo disse, da morte e ressurreição de Cristo. Um dos temas abordados por Marcos é que nenhuma pessoa durante o ministério de Jesus conseguiu entender quem ele era. Sua família não entendeu. Seus conterrâneos não entenderam. Os líderes de seu povo não entenderam. Nem mesmo seus discípulos entenderam Jesus – especialmente os discípulos! Para Marcos, apenas os estrangeiros tinham um palpite de quem Jesus era: uma mulher desconhecida que o ungiu, um centurião, etc. Quem entendeu quem ele era no final das contas? Nem a família de Jesus, nem os discípulos! Apenas um grupo de mulheres desconhecidas. Por outro lado a narrativa das mulheres à tumba se encaixa perfeitamente com os propósitos do evangelho de Marcos. Desta forma, elas não podem ser tomadas como uma espécie de evidência histórica para o fato. Elas claramente se encaixam na “agenda” do evangelho. O mesmo pode ser dito sobre José de Arimatéia. Qualquer um que não consiga pensar porque os cristãos podem ter inventado a idéia que Jesus tinha um seguidor secreto entre os líderes judeus está simplesmente em falta com a imaginação histórica.

Quarto, Bill faz inferências duvidosas em seus argumentos. Bill infere que Paulo deve ter acreditado na tumba vazia uma vez que ele falou sobre as aparições de Cristo. Cristo apareceu, então a tumba vazia deve ser verdade. Este é um ponto de vista muito problemático. Para os antigos, como em oposição a pensadores pós-iluministas com Bill, uma aparição não requer necessariamente uma reanimação do corpo físico. De acordo com os evangelhos, Moisés e Elias apareceram a Jesus, Tiago e João. Você acredita que estes homens, Moisés e Elias, voltaram à vida? Aquele corpo de Moisés foi reconstituído, voltou da morte e então apareceu vindo dos céus? Ou aquilo foi uma visão apenas? Certamente foi uma visão; Moisés e Elias desapareceram imediatamente. As pessoas antigamente não tinham problema em acreditar que os corpos podem ser espirituais, não físicos. Evidências para isto podem ser encontradas abundantemente em todas as fontes antigas – judaicas, pagãs e cristãs. Fontes pagãs do oitavo século ao segundo século anterior a Cristo; de mitos pagãos a romances pagãos a poetas pagãos a filósofos pagãos, eles estão repletos de relatos de Deus aparecendo na forma humana aos seres humanos. Mas estas aparições são visões; não corpos humanos reais. O divino pagão Apolônio de Tiana aparece a seus seguidores após sua morte, mas trata-se de uma visão, não de uma reanimação de seu corpo. Com textos judeus da mesma forma: anjos, arcanjos e demônios aparecem às pessoas em imagem humana, mas eles não possuem corpos reais.

Em resumo, Bill erra ao assumir que se os discípulos afirmaram ter visto Jesus vivo após sua morte, eles necessariamente acreditaram ou sabiam que se seu corpo físico havia ressuscitado. A presunção de Bill é moderna, não antiga. Os textos com os quais estamos lidando são textos antigos, não modernos. As pessoas de antigamente não tinham absolutamente nenhuma dificuldade de pensar que uma aparição divina não era física. Um corpo poderia ser sepultado e a pessoa poderia aparecer viva logo em seguida sem que seu corpo deixasse a tumba. Se Bill tem dúvidas quanto a isso, eu sugiro a ele que leia mais alguns textos antigos para que ele veja como eles tratam disto. Ele pode começar com os textos cristãos do século segundo, como Atos de João ou Apocalipse de Pedro ou o Segundo Tratato de Seth, ou ele pode considerar os argumentos propostos por Basílides, que foi discípulo de Pedro. Para as pessoas daquela época, aparências post-mortem não eram sinônimos de reanimação de corpo.

Além do mais, o corpo de Jesus ressuscitado podia fazer coisas que corpos comuns não podem fazer. Ele entra em salas que estão com as portas trancadas por dentro, ele ascende aos céus. Bill está seriamente argumentando com bases históricas que o corpo ressurreto de Jesus poderia fazer estas coisas? Trata-se de afirmações teológicas sobre Jesus, não de uma afirmação histórica. Historiadores não são aptos a estabelecer o que Deus faz. Este é o trabalho de um historiador. O mesmo acerca de sua conclusão de que Deus ressuscitou Jesus dos mortos. Trata-se de uma conclusão teológica, não histórica. Se ele quer juntar evidências matemáticas sobre o que Deus provavelmente fez no mundo, eu devo dizer que isto não vai convencer à maioria dos matemáticos e certamente não vai convencer a maioria dos historiadores. Historiadores não têm acesso a Deus. O historiador pode dizer que Jesus morreu na cruz, mas ele não pode dizer que Deus aceitou seu corpo como uma expiação. O historiador pode dizer que o apóstolo Paulo afirmou ter tido uma visão de Jesus após sua morte, mas ele não pode dizer que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos.

A verdade é que: nós não sabemos se Jesus foi sepultado por José de Arimatéia. O que nós temos são relatos escritos décadas depois dos eventos por pessoas que ouviram histórias em circulação, e não é de maneira nenhuma difícil imaginar alguém inventando esta história. Nós não sabemos se a tumba de Jesus estava vazia três dias depois. Nós não sabemos se ele foi visto fisicamente pelos seus seguidores após sua morte. Bill vai dizer que eu contradisse a mim mesmo, mas eu gostaria de lembrar que mais cedo ele me elogiou por ter mudado de opinião!

Eu tenho três questões conclusivas para Bill. Se Bill está reivindicando ser um historiador, então eu acho que é importante avaliar sua relação com os documentos históricos nos quais ele está apelando. Bill acha que os evangelhos dos quais ele está retirando suas informações possuem muitos erros? Se sim, ele poderia nos dizer dois ou três destes erros? Se não, como ele pode esperar que nós acreditemos que ele esta avaliando historicamente estas fontes? Por causa de seus pressupostos prévios, estes textos têm de estar corretos.

Segunda questão: Bill acredita que pode ser mostrado historicamente que Jesus realizava milagres, especialmente sua ressurreição, mas também os milagres de sua vida, sem dúvida. Eu gostaria que ele discutisse sobre as evidências em relação aos outros realizadores de milagres contemporâneos de Jesus aparte da tradição cristã. Estaria ele disposto a admitir a partir das mesmas bases históricas que estas pessoas realizaram milagres? Estou me referindo à tradição dos milagres realizados por “Apolônio de Tiana”, “Hanina ben Dosa”, “Honi, o desenhista de círculos”, “Vespasiano”. Estaria Bill disposto a reconhecer que Apolônio apareceu aos seus seguidores após sua morte ou que Otaviano ascendeu aos céus? Ou ele pode pegar qualquer outro milagreiro das tradições pagãs que ele escolher.

Terceira, e finalmente, se apenas os milagres que Bill aceita como tendo acontecido são aqueles pertencentes à tradição judaico-cristã que ele próprio professa, eu gostaria que ele nos dissesse o que os faz ser históricos. Como a fé que ele adotou ainda na adolescência pode ser a única que tem credibilidade histórica? Foi simples coincidência o fato de ele ter nascido em uma família religiosa ou em uma cultura religiosa que pode ser demonstrada historicamente como a única religião verdadeira?


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[6/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 6 de 8.

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Dr. Craig – Segunda Refutação

Agora, penso que neste último discurso nós ouvimos muito barulho, mas, penso, uma notável ausência de substância. Permitam-me primeiramente falar sobre as contentas em relação aos quatro fatos: o sepultamento, a tumba vazia, as aparências e a origem da fé cristã.

Aqui o Dr. Ehrman diz que eu faço uso duvidoso de autoridades modernas. Eu concordo que a citação de autoridades modernas não prova nada por si mesma. Esta é a razão porque eu dei argumentos sobre cada um dos pontos. Ele deve lidar com os argumentos. Ele diz que eu represento a opinião da minoria. Não em relação a estes quatro fatos! Eu disse que é controverso se a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para estes fatos, mas eu posso dar a ele nomes das pessoas que apóiam a veracidade destes quatro fatos. E sobre a historicidade destes quatro fatos, ela representa a opinião da larga maioria dos estudiosos sobre esta questão. Enquanto Dr. Ehrman agora escolhe negar o terrível sepultamento, a tumba vazia, as aparências post-mortem, ele aderiu, na verdade, à opinião da decidida minoria dentre estudiosos do Novo Testamento a respeito destes fatos.

Segundo, ele diz que eu faço uso duvidoso de fontes antigas. Por exemplo, ele diz que Paulo escrevia 25 anos depois, não antes como eu afirmei. Mas certamente Dr. Ehrman sabe que Paulo em I Coríntios 15:3-5 estava citando uma antiga tradição cristã que ele próprio recebeu e que pode ser datada para algum momento entre cinco anos após a crucificação. Na verdade, James D. G. Dunn data esta tradição para algum momento entre 18 meses após a morte de Jesus[11]. Então nós estamos confiando aqui nestas tradições pré-paulinas, não na data da presente carta de Paulo.

Ele também diz que Paulo talvez estivesse falando sobre uma tumba comum. Não quando você olha o quarto versículo de I Coríntios 15! Este versículo é como um esboço dos eventos sobre a morte e ressurreição de Jesus, o sepultamento por José de Arimatéia, a tumba vazia, e então os relatos sobre as aparições. Comparado aos Atos dos Apóstolos de um lado e os evangelhos de outro, esta síntese em I Coríntios 15 se assemelha a um esboço, que inclui de forma implícita o sepultamento de Jesus em uma tumba por José de Arimatéia.

Dr. Ehrman também pergunta, “é verdade que relatos não adulterados são mais prováveis de ser históricos?”. Eu diria que sim. É isto que sua própria lista inclui, que quanto mais antigo for o relato, melhor. Similarmente, que quanto menos adulterado for o relato, maior é sua credibilidade histórica.

Terceiro, ele disse que eu faço asserções duvidosas. Por exemplo, as mulheres na tumba: ele diz que elas foram colocadas lá pelo evangelho de Marcos porque elas seriam um paradigma para os outros. Isto não faz sentido. Estas mulheres eram seguidoras de Jesus; particularmente Maria Madalena é uma dentre os discípulos de Jesus. Então esta sua justificativa não procede. Além do mais, como eu disse, este fato é atestado independentemente. Ele está assumindo que Marcos é a única fonte; mas nós temos no mínimo cinco fontes independentes para a história da tumba vazia e o envolvimento das mulheres encontra-se nestas fontes. Então sua justificativa simplesmente não funciona. O mesmo acerca de José de Arimatéia; Eu não estou inferindo isto com base nas cartas de Paulo. Nós temos múltiplas fontes independentes para o envolvimento de José com o sepultamento. E o próprio Dr. Ehrman usa este critério em seus trabalhos sobre a historicidade de Jesus.

Ele diz, número quatro, que eu faço inferências duvidosas. Por exemplo, que uma vez que Paulo disse que Jesus apareceu, então existe uma tumba vazia. Eu nunca fiz tal inferência, neste debate ou qualquer de meus trabalhos escritos. Pelo contrário, nos meus livros meu argumento era que quando Paulo diz “e ele foi sepultado e ele ressuscitou”, nenhum judeu do primeiro século perguntaria, “mas o corpo permaneceu no túmulo?”. Para um judeu do primeiro século foram os restos da pessoa na tumba que ressuscitaram para a nova vida. A crença judaica para a vida após a morte era uma crença na ressurreição física do corpo ou do que sobrou dele, principalmente os ossos. Esta é a razão pela qual os judeus preservavam os ossos dos mortos em ossuários para a ressurreição no fim do mundo. Então, temos boas razões para acreditar na existência do túmulo vazio, e nenhum judeu do primeiro século poderia ter pensado de outra forma. Mas, certamente, dizer apenas que Jesus apareceu após sua morte não significa que esta aparição foi física.

Mas observem que Paulo distinguiu entre as aparições do Jesus ressurreto e as simples visões de Jesus. E eu desafiaria Dr. Ehrman a dar qualquer explicação sobre a diferença entre uma visão de Jesus, como aquela que Estevão teve (Atos 7:56), e uma aparição genuína do Jesus ressurreto, outra além do fato de que umas eram extra-mentais no mundo externo (aparições físicas) enquanto as outras (as visões) eram puramente intra-mentais.

Então, pelo que pude ver, Dr. Ehrman não foi capaz de invalidar nenhum dos argumentos que eu apresentei para os quatro fatos. Eles estão todos estabelecidos pelos mesmos critérios que Dr. Ehrman usa em seus próprios trabalhos: múltipla atestação por fontes independentes, fontes próximas à ocorrência dos eventos, e o critério de dissimilaridade ou, melhor, constrangimento.

Agora, e sobre o segundo ponto, de que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação aos fatos? Ele não respondeu aos meus argumentos além de dizer que não existem evidências matemáticas para o que Deus faz no mundo. E, claro, este não foi meu ponto. Meu ponto foi que ele não pode dizer que a ressurreição é improvável simplesmente porque milagres são eventos improváveis em relação ao conhecimento que temos do mundo. Você precisa olhar a todo o escopo do cálculo de probabilidade, ele falhou nisto. Em particular, sua visão é autocontraditória porque, como ele disse, historiadores não podem fazer asserções sobre Deus, e se este é o caso, então ele não pode dizer que a ressurreição é improvável porque a ressurreição é a hipótese de que Deus ressuscitou Jesus dos mortos.

Agora ele parece sugerir que um historiador não pode fazer este tipo de inferência uma vez que de alguma forma Deus é inacessível. Bem, eu tenho alguns pontos que eu gostaria de mencionar aqui. Primeiro, você não precisa ter acesso direto às entidades explicativas em suas hipóteses. Pense nos físicos contemporâneos, por exemplo. Os físicos contemporâneos fazem uso de uma série de realidades para as quais os cientistas não têm acesso direto: cordas, objetos em outras dimensões além das três que conhecemos, e até universos paralelos que não estão relacionados com o nosso. Mas eles postulam tais entidades como melhor explicação a partir das evidências que temos atualmente.

Segundo, observe que o historiador não tem acesso direto a nenhum dos objetos de seu estudo. Como Dr. Ehrman disse, o passado já passou. Não está mais aqui. Tudo o que temos é resíduo do passado, e o historiador infere a existência de entidades e eventos no passado com base nas evidências que ele tem. E é exatamente este o movimento que eu estou fazendo com respeito à ressurreição de Jesus.

Mas, finalmente, número três, este não é um debate sobre o que os historiadores profissionais podem fazer. Este seria um debate sobre metodologias, sobre as regras de conduta do profissional. O debate desta noite é sobre se existem ou não evidências históricas para a ressurreição. E mesmo se o historiador for proibido profissionalmente por algumas imposições metodológicas de inferir a ressurreição de Jesus, vocês e eu não somos. Nós não somos impedidos e, eu diria, nem mesmo o historiador o é fora de sua profissão. Seria uma tragédia e uma vergonha se nós perdêssemos a verdade sobre o passado de Jesus simplesmente em razão de algumas imposições metodológicas.

Finalmente, em relação às menções a “Apolônio de Tiana” e “Honi, o desenhista de círculos”, permitam-me simplesmente citar Robert Yarbrough, que assinala que estas figuras não possuem nenhum tipo de evidência anterior ao primeiro século, o tempo de Jesus[12]. “Apolônio de Tiana” é uma figura do terceiro século que não é citada nem momento algum antes do terceiro século. Da mesma forma acontece com “Hanina bem Dosa” e “Honi, o desenhista de círculos”: John Meier e Ben Witherington mostraram que estas figuras possuem pouca relevância para com a situação de Jesus no primeiro século[13]. Então, estas figuras apontadas, penso, são comparações simplesmente inválidas.

Eu gostaria de responder às três questões que ele fez a mim, mas meu tempo acabou. Então, talvez elas apareçam novamente na sessão de perguntas e respostas e então eu as respondo.


Dr. Ehrman – Segunda Refutação

Eu acho que estou mais impressionado pela recusa de Bill em lidar com a alternativa histórica do que eu estou em relação a sua reivindicação de que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos. Bill entende que a idéia de Deus ressuscitando é completamente racional, que faz sentido. A razão disto é porque ele acredita em Deus, então, claro, Deus pode agir no mundo. Por que não? Deus faz coisas todo o tempo, e não há nada absolutamente nada impossível em Deus ressuscitar Jesus dos mortos.

Bem, isto pressupõe a crença em Deus. Historiadores não podem pressupor crenças em Deus. Historiadores só podem trabalhar com o que nós temos entre nós. Historiadores podem ter qualquer religião, podem ser budistas, podem ser hindus, podem ser mulçumanos, podem ser cristãos, podem ser judeus, podem ser agnósticos, podem ser ateus, e a teoria por trás dos canons da pesquisa histórica diz que pessoas que qualquer religião podem olhar para a evidência e chegar às mesmas conclusões. Mas a hipótese proposta por Bill requer uma crença pessoal em Deus. Não a questiono como maneira de pensar. Eu a questiono como uma maneira histórica de pensar, porque a hipótese proposta por Bill não é histórica, é teológica.

Bill afirma que a melhor explicação para seus quatro fatos é que um milagre aconteceu. Hume, na verdade, não estava falando sobre o que eu estou falando. Hume estava falando sobre a possibilidade de milagres acontecerem. Eu não estou falando sobre a possibilidade de um milagre acontecer. Eu não aceito o argumento de Hume de que milagres não podem acontecer. Eu estou perguntando, supondo que milagres acontecem, os historiadores podem demonstrá-los? Não, eles não podem. Se Bill quiser mostrar seu cálculo matemático de possibilidades novamente, então eu sugiro que ele faça o mesmo em relação a outras opções históricas – por exemplo, aquela que eu propus de que dois membros da família de Jesus roubaram o corpo e que então eles foram mortos e lançados dentro de uma tumba comum. Isto provável-mente não aconteceu, mas é mais plausível do que a explicação de que Deus ressuscitou Jesus de dentre os mortos.

Deixe-me lhes dar outra explicação, uma que veio à minha mente ontem à noite enquanto estava sentando pensando sobre esta questão. Vocês sabem que nós temos de tradições cristãs sírias que dentre os irmãos de Jesus, que são mencionados no evangelho de Marcos, um deles se chamava Judas, que era particularmente próximo a Jesus e que um destes irmãos, Judas, também conhecido como Judas Thomas, era o irmão gêmeo de Jesus. Agora, eu não estou dizendo que isto está correto, mas é o que os cristãos sírios pensavam no segundo e terceiro séculos, que Jesus tinha um irmão gêmeo. Como ele poderia ter tido um irmão gêmeo? Bem, eu não sei como ele poderia ter tido um irmão gêmeo, mas era isto que os cristãos sírios diziam. Na verdade, nós temos histórias interessantes sobre Jesus e seu irmão gêmeo em um livro chamado “Atos de Tomás”, segundo o qual Jesus e seu irmão gêmeo eram gêmeos idênticos. Eles se assemelhavam em tudo e a todo o momento Jesus confundia as pessoas: quando eles viam apenas Thomas saindo da sala, lá estava ele novamente, e eles não entendiam. Bem, é seu irmão gêmeo aparecendo. Suponha que Jesus teve um irmão gêmeo – nada implausível! Pessoas têm gêmeos. Após a morte de Jesus, Judas Tomás e outras pessoas ligadas a Jesus se esconderam e ele escapou de Judá. Alguns anos depois um dos seguidores de Jesus viu Judas Tomás e eles pensaram que era Jesus. Outros começaram a relatar o mesmo. Começa-se então a se espalhar a notícia de que Jesus não está mais morto. O corpo de Jesus na tumba após o tempo se decompôs perdendo a possibilidade de ser conhecido. A histórica de que Jesus ressuscitou dos mortos começa a ganhar a confiança entre as pessoas, e nas tradições orais mais relatos começavam a ser contados sobre o caso, incluindo versões de que eles encontraram uma tumba vazia. Esta é uma explicação alternativa. É altamente improvável. Eu não apostaria nela por um segundo, mas ela é mais provável do que a idéia de que Deus ressuscitou Jesus de dentre os mortos porque esta hipótese apela para o sobrenatural, e os historiadores não têm acesso a isto.

Bill não comentou sobre as inconsistências que eu levantei sobre nossos relatos. Ele simplesmente disse, “Bem, relatos primitivos são melhores que relatos posteriores”. Se isto é o que ele pensa, eu gostaria que ele fosse claro e me dissesse se ele pensa se os relatos posteriores são inconsistentes ou que existem erros neles – sim ou não? Bill admite que relatos não adulterados são mais prováveis de ser históricos. Se isto é o que lê pensa, eu gostaria que ele respondesse a minha questão, sim ou não. Isto significa que os relatos adulterados dos evangelhos não são históricos? Vejam, ele não pode manter seu argumento em ambos os caminhos. Ele não pode dizer que os relatos não adulterados como a descrição do sepultamento por Marcos são mais prováveis historicamente porque eles não são adulterados, e então dizer que o relato de João, que é adulterado, é também histórico. Se ambos os tipos de relatos - adulterados e não adulterados – são igualmente históricos, então não há importância alguma dizer que relatos não adulterados são mais prováveis de ser históricos.

Ele pergunta, porque as mulheres apareceriam na tumba? Eu expus meu argumento do porquê Marcos, ou alguém de sua comunidade, poderia ter inventado as mulheres na tumba. Sua resposta foi, “Bem, Maria Madalena foi uma seguidora de Jesus”. Bem, Maria Madalena é muito popular nos dias atuais, principalmente depois que todos leram O Código DaVinci, e se você não o leu ainda, ele foi reimpresso na versão brochura recentemente. Sim, Maria Madalena era uma seguidora de Jesus, mas seu argumento foi de que ninguém inventaria as mulheres por que elas eram marginalizadas, porque os homens não davam muito valor às mulheres. Minha resposta é: esta é precisamente a razão pela qual Marcos inventaria a tradição, porque no evangelho de Marcos, são os marginalizados que entendem quem Jesus é, não os discípulos homens. Este é o motivo de você ter a história das mulheres descobrindo a tumba.

Bill afirma que nenhum judeu do primeiro século duvidaria de que o corpo sumiu da tumba se Jesus aparecesse. Minha única sugestão é que ele leia mais fontes judaicas do primeiro século, porque sua afirmação simplesmente não é verdadeira. Eu lhe indico uma: leia a segunda revelação do Apocalipse de Pedro, um livro que é completamente repleto com visões judaicas de mundo, no qual não há nenhuma dúvida de que o autor acreditava que o corpo de Jesus não se encontrava em apenas um lugar, mas que ele podia estar em três lugares ao mesmo tempo, e que o corpo físico não era o único corpo que Jesus tinha, mas que ele também tinha um corpo espiritual.

Bill, claro, não respondeu às minhas questões, e talvez na sessão de perguntas e respostas ele o faça. Se ele está reivindicando ser um historiador ao usar estas fontes como fontes históricas, eu quero saber, ele acha que podem existir erros nestas fontes? Se ele não acha que podem existir erros nelas, então eu gostaria de saber como ele pode avaliá-las como fontes históricas como um historiador crítico. Ele afirma que “Honi, o desenhista de círculos”, “Hanina ben Dosa” e “Apolônio de Tiana”, a propósito, eram pessoas do terceiro século; eles não eram pessoas do terceiro século, eles eram pessoas que viveram nos dias de Jesus.

Meu último ponto é muito simples. Mesmo que nós queiramos acreditar na ressurreição de Jesus, esta crença seria uma crença teológica. Você não pode provar a ressurreição. Este evento não é suscetível à evidência histórica; é fé. Os crentes acreditam na ressurreição e o fazem pela fé; história não pode prová-la.


Notas:

[11] - James, D. G. Dunn, Jesus Remembered (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eedmans, 2003), p. 885
[12] - Robert W. Yarbrough, “The Power and Pathos of Professor Ehrman’s New Testament Introduction”, Perspectives in Religious Studies 27 (2004): 364.
[13] - Jonh P. Meier, A Marginal Jew, Vol. 2 (New York: Doubleday, 1994), pp. 518-8; Ben Witherington III, The Jesus Quest (Downers Grove, III.: InterVarsity, 1995), pp. 108-12.


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[7/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 7 de 8.
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Dr. Craig – Conclusão

Em meu discurso de abertura eu comentei que existem duas maneiras de saber sobre a ressurreição de Jesus: a histórica e a experimental. Nesta noite nós nos detemos quanto à histórica. Eu argumentei, primeiro, que existem quatro fatos históricos que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica e que, segundo, a melhor explicação para estes fatos é que Jesus ressuscitou de dentre os mortos.

Agora, eu não acho que vimos qualquer destes quatro fatos serem refutados nesta noite. A maioria dos estudiosos concorda com os argumentos que eu dei para o sepultamento de Jesus por José de Arimatéia, para o fato de a tumba ter sido encontrada vazia, para as aparições de Jesus a vários indivíduos e grupos de pessoas, e para a origem da fé dos discípulos na ressurreição de Jesus. Dr. Ehrman baseou seu argumento nas inconsistências presentes nas narrativas; como eu mostrei, estas inconsistências se encontram em detalhes periféricos, não em relação ao coração das narrativas e que nós temos relatos extraordinariamente harmoniosos para estes quatro fatos fundamentais. Seu único ponto que permaneceu no seu último discurso foi a respeito do caso das mulheres à tumba, e novamente eu simplesmente sugiro que, como discípulas de Jesus, que eram fiéis a Jesus e envolvidas com sua obra e seguidoras dele, elas não representavam pessoas marginalizadas. E, além disto, este fato é multiplamente atestado. Esta não é uma característica de Marcos; lembrem-se: nós temos fontes múltiplas e independentes no papel das mulheres no descobrimento da tumba de Jesus.

E sobre o segundo ponto, e crucial, sobre a ressurreição de Jesus ser a melhor explicação para os fatos? Eu mostrei como o argumento baseado na probabilidade que ele deu por várias vezes em seus livros é falacioso. E ele diz, “Bem, Hume não está falando sobre meu argumento; ele está falando sobre a impossibilidade de milagres”. Isto é simplesmente um engano. O argumento de Hume é contra a identificação de milagres baseado em sua improbabilidade. E isto não responde ao meu ponto fundamental de que ele não pode dizer que a ressurreição de Jesus é improvável porque ele diz que historiadores não podem fazer julgamentos sobre este tipo de acontecimento. E mesmo que este evento fosse improvável, ele precisa considerar todas as outras evidências que contrabalançariam esta improbabilidade.

Agora, ele diz, “Bem, olhe para estas outras hipóteses. Talvez, por exemplo, familiares de Jesus roubaram seu corpo. Isto não é mais provável?“. Eu não acho. Observe que não há nenhum motivo neste caso para se roubar o corpo; os familiares de Jesus não acreditavam nele durante sua vida. Ninguém mais além de José e seus servos e as discípulas de Jesus sabiam onde o corpo havia sido sepultado. O tempo foi insuficiente – entre a noite de sexta e a manhã de domingo – para que tal conspiração fosse planejada e executada. Também, as roupas encontradas na sepultura desaprovam a hipótese do saque na tumba; ninguém iria despir o corpo antes de levá-lo.

Conspirações como estas sempre vêm à tona; os soldados romanos que guardavam a tumba ficariam felizes em informar aos líderes judeus o que aconteceu. E esta hipótese não explica as aparências de Jesus nem a origem da fé cristã na ressurreição de Jesus. Então, por todas estas razões, esta é uma hipótese improvável.

Em contraste, eu não acho que ele mostra nenhuma improbabilidade ao dizer que Deus ressuscitou Jesus de dentre os mortos. Tudo o que ele diz é que esta hipótese apela a Deus e que historiadores não podem inferir Deus. Mas lembrem, eu dei três respostas a esta questão. Primeiro, como na física, você não tem acesso direto às entidades explanatórias a fim de inferi-las. Segundo, todo o projeto do historiador é lidar com o passado inacessível, onde você tem que inferir acontecimentos baseando-se na evidência presente, mesmo que você não tenha acesso direto. E terceiro, este não é um debate sobre o que os historiadores podem fazer profissional-mente e sim um debate sobre se existem evidências históricas para a ressurreição de Jesus e as conclusões que nós podemos traçar. E mesmo que um historiador não possa fazer esta conclusão em uma publicação histórica ou uma sala de aula, ele pode aceitar esta conclusão enquanto ele volta para casa com sua esposa. E nós podemos aceitar esta conclusão se nós acharmos que as evidências são melhor explicadas desta forma, também. Em resumo, eu não acho que exista qualquer boa razão para pensar que as evidências históricas para a ressurreição de Jesus não sejam mais bem explicadas pela ressurreição.

Finalmente, eu quero concluir agora dizendo que existe outra forma de saber sobre a ressurreição: o experimento. Veja, se Jesus realmente ressuscitou de dentre os mortos como as evidências apontam, então isto significa que Jesus não foi somente uma figura antiga da história ou uma imagem desenhada nos vidros de uma catedral. Isto significa que ele está vivo hoje e que ele pode ser conhecido pela experiência. A mim, o cristianismo deixou de ser apenas uma religião ou um código de vida quando eu entreguei minha vida a Cristo e experimentei um renascimento espiritual em minha própria vida. Deus se tornou uma realidade viva em mim. A luz entrou onde antes só havia escuridão, e Deus se tornou uma realidade que eu posso experimentar, junta-mente com a grande alegria, paz e sentido que Ele concedeu à minha vida. E eu diria apenas que se você está procurando por este tipo de sentido e propósito à sua vida, então não olhe apenas para as evidências históricas, mas também pegue o Novo Testamento e comece a lê-lo e perguntar a si mesmo se o que está escrito ali pode ou não ser verdadeiro. Eu acredito que isto pode mudar sua vida da mesma forma que a minha vida foi mudada.


Dr. Ehrman – Conclusão

Bem, eu aprecio muito seu testemunho pessoal, Bill. Contudo eu penso que o que nós vimos é o que Bill realmente é, no fundo, um evangelista que deseja que as pessoas compartilhem de sua crença em Jesus e que ele está tentando se passar por um historiador. Eu aprecio isto, mas não se trata de um historiador profissional poder ou não argumentar alguma coisa, se trata sobre a história poder ser usada para demonstrar afirmações sobre Deus. Eu tenho, na verdade, discutido sobre os quatro fatos aos quais Bill continuamente se refere. Sobre o sepultamento por José de Arimatéia eu argumentei que poderia ter sido uma invenção posterior. A tumba vazia também poderia ser uma invenção posterior. Nós não temos uma referência a estes fatos em Paulo; você só tem estas referências posteriormente nos evangelhos. As aparições de Jesus podem ter sido visões de Jesus porque pessoas tinham e tem visões todo o tempo.

E um dos primeiros pontos levantados por Bill é de que os discípulos estavam dispostos a morrer por sua fé. Eu não ouvi nenhum tipo de evidência para isto. Eu ouço esta afirmação com freqüência, mas lendo todas as fontes cristãs do primeiro aos quinto século da cristandade, eu gostaria que ele nos dissesse qual evidência ele tem de que os discípulos morreram por sua crença na ressurreição.

Prosseguindo em sua análise sobre porque minha explicação alternativa não funciona, ele diz que a possibilidade dos familiares de Jesus terem roubado seu corpo é mais implausível do que a possibilidade de Deus ter ressuscitado Jesus de dentre os mortos. Por que? Eles não tinham motivo para isso. Bem, a verdade é que as pessoas agem por uma série de motivos, e motivos são coisas das mais difíceis de se estabelecer. Historicamente, talvez sua família quisesse que ele fosse sepultado em uma tumba da própria família. Ninguém sabia onde ele havia sido sepultado, ele diz. Bem, isto não é verdade; a verdade é que os evangelhos dizem que as mulheres observaram o sepultamento de longe, junto com a mãe de Jesus. Não havia tempo suficiente para isto acontecer. Aconteceu à noite. De quanto tempo alguém precisa? Isto não explica as roupas na caverna. Bem, as roupas na tumba provavelmente são um acrescimo posterior, uma lenda. Isto não explica as aparências de Jesus. Sim, pessoas têm visões o tempo todo. Uma vez que as pessoas começaram a acreditar que a tumba de Jesus estava vazia, eles começaram a pensar que ele ressuscitou dos mortos, e eles tiveram visões. Não estou dizendo que penso que isto aconteceu. Eu acho que é plausível. Isto poderia ter acontecido. É mais plausível do que afirmar que Deus deve ter ressuscitado Jesus de dentre os mortos. A ressurreição não é a explicação histórica mais provável. Notem que Bill teve mais cinco minutos para responder às minhas questões, e ele se recusou a fazê-lo; alguém poderia perguntá-lo por quê.

Vou concluir dizendo a vocês o que eu realmente penso sobre a ressurreição de Jesus. A única coisa que nós sabemos sobre os cristãos após a morte de Jesus é que eles analisaram suas escrituras no intuito achar algum sentido aos eventos que haviam ocorrido. Eles acreditavam que Jesus era o Messias, mas então ele morre crucificado, então ele não poderia ser o Messias. Nenhum judeu, antes do cristianismo, pensava que o Messias seria crucificado. O Messias era para ser um grande guerreiro, um grande rei ou um grande juiz. Ele deveria ser uma figura de grandeza e poder, não alguém que fosse esmagado por seus inimigos como um mosquito. Como poderia Jesus, o Messias, ser morto como um criminoso comum? Os cristãos se voltaram às suas escrituras e tentaram entende-las, e eles encontraram passagens que faziam referências à sofrida morte do Justo de Deus. Mas nestas passagens, como Isaías 53 e Salmos 22 e 63, aquele que é punido ou morto é também exaltado por Deus. Os cristãos acreditaram que Jesus era o Justo e que Deus deve ter o exaltado. E então os cristãos começaram a pensar que Jesus era aquele que, mesmo sendo crucificado, foi exaltado nos céus, como Elias e Enoque nas escrituras hebraicas. Como Jesus pode ser o Messias se ele foi exaltado aos céus? Bem, Jesus deve voltar em breve para estabelecer seu reino. Ele não era um Messias terreno; ele é um Messias espiritual. Esta é a razão pela qual os primeiros cristãos pensavam que o fim estava chegando em breve. Este é o motivo pelo qual Paulo ensinou que Cristo foi o primeiro fruto da ressurreição. Mas se Cristo foi exaltado, ele não está mais morto, e então entre os cristãos começaram a circular histórias sobre sua ressurreição. Isto não foi três dias depois dos eventos; talvez um, dois anos. Cinco anos depois eles não sabiam mais quando as histórias começaram. Ninguém podia mais ir à tumba para conferir a veracidade das histórias; o corpo estava decomposto. Crentes que sabiam que ele ressuscitou de dentre os mortos começaram a ter visões dele. Outros contaram histórias sobre estas visões, como Paulo. Histórias destas visões circularam. Alguns tiveram visões como a que Paulo teve, outros contaram histórias sobre visões de Jesus como um a um grupo de 500 pessoas que o viram de uma só vez. Com base nestas histórias, narrativas foram construídas e espalhadas e finalmente tivemos os evangelhos do Novo Testamento, que foram escritos, 30, 40, 50, 60 anos depois.


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[8/8] Existem Evidências Históricas para a Ressurreição de Jesus?

Parte 8 de 8.

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Sessão de Perguntas e Respostas

Questão para o Dr. Ehrman: Minha questão é para o Dr. Ehrman. Muito obrigado pela sua apresentação. Um dos comentários feitos por você é que historiadores não podem pressupor a crença em Deus. Eu sou um historiador e, na verdade, eu estou fazendo minha dissertação de Ph.D. atualmente sobre historiografia, e eu concordo com você que não se pode pressupor a crença em Deus. Mas você não pode também pressupor a crença no passado, o período, ou que nós podemos até mesmo conhecê-lo parcialmente. Nós temos de ser capazes de respaldar esta crença. Assim, os historiadores não podem ter nenhuma pressuposição; eles devem ser capazes de respaldar quaisquer crenças metafísicas que eles vão jogar sobre a mesa. Assim, se você vai acreditar em Deus, como o Dr. Craig, você tem que justificar isto. Mas eu não acho que o mesmo esteja fora do escopo do estudo histórico, uma vez que historiadores têm de percorrer outras disciplinas freqüentemente. Eu gostaria de saber como você lida com isto.

Resposta do Dr. Ehrman: Bem, obrigado pela questão! Eu não acredito que História seja uma disciplina objetiva para começarmos. Soa de sua questão que você concorda com o ponto que foi levantado, mas nós precisamos conversar mais sobre seu uso da teoria pós-moderna. A minha visão é que os historiadores não devem respaldar nenhuma pressuposição que ele ou ela tenha. Mas meu ponto é que para um historiador fazer seu trabalho, deve existir certos pressupostos compartilhados em comum, mas estes pressupostos devem poder ser observados. Deus não pode ser observado. Assim nós podemos muito bem discordar sobre eventos históricos importantes. Existem pessoas em nosso mundo que, por exemplo, negam o holocausto, que dizem que o holocausto nunca aconteceu. Bem, como alguém pode demonstrar que o holocausto aconteceu? Bem, este alguém reúne relatos de testemunhas oculares, fotografias e vídeos e ainda adiciona as citações de historiadores que concordam que o material colhido é válido, e então este alguém tenta elaborar seu caso. Mas as informações recolhidas devem ser de tal forma que historiadores de todos os tipos concordam que elas sejam válidas, o mesmo em relação às testemunhas oculares. E apelar para o sobrenatural não é aceitável na comunidade histórica como sendo um critério válido para se avaliar um evento passado. A razão disto, em parte, é porque alguém pode vir com qualquer explicação teológica alternativa para o caso. Vejo que passei do meu tempo, mas eu ia lhes dar uma explicação teológica alternativa à hipótese da ressurreição, mas farei isto depois.

Resposta do Dr. Craig: A visão do Dr. Ehrman parece ser que, para fazermos história, devemos pressupor um tipo de ateísmo metodológico. E a mim isto parece não apenas falso, mas, como eu já disse, literalmente autocontraditório. Porque se é verdade que o historiador não pode fazer nenhum julgamento sobre Deus, então ele não pode fazer o julgamento de que é improvável que Deus tenha ressuscitado Jesus de dentre os mortos. E, sendo assim, ele não pode fazer nenhuma avaliação probabilística sobre a ressurreição baseado no corpo de informações que temos. Este valor probabilístico seria inescrutável. E se é inescrutável, então ele não pode fazer julgamentos sobre as fantasiosas explicações naturalistas alternativas que ele nos deu. Assim me parece que o historiador deve estar aberto, pelo menos metodológica-mente. Ele não pode ser um ateísta metodológico. E em todo caso, digo novamente, este não é um debate sobre o que os historiadores podem fazer. Eu, como filósofo, penso poder inferir esta conclusão com base na evidência histórica, e não há nada ilegítimo ou ilícito ao se fazer isto.

Questão para o Dr. Craig: Dr. Craig, nós temos [má recepção do microfone], que são: você acredita que existem alguns problemas, enganos ou erros nos documentos do Novo Testamento? E segunda, ele está sugerindo que, como você disse que é uma fonte confiável por não possui adulterações, Mateus não seria assim uma fonte confiável por ter sido adulterada. Então você precisa responder a isto.

Resposta do Dr. Craig: OK, Dr. Ehrman está tentando pregar uma pequena trapaça de debatedor aqui em mim, na qual eu simplesmente me recuso a participar. O critério desta questão é: se um relato é simples, não contém adulterações teológicas, etc. então ele possui mais probabilidade e credibilidade de ser histórico. E eu penso que isto é verdadeiro. Mas este debate não é sobre a inerrância bíblica. Então minha atitude sobre a questão de existir ou não erros ou enganos na Bíblia é irrelevante. Esta seria uma convicção teológica. Historicamente, eu estou usando os mesmos critérios que ele usa, e eu estou completamente aberto à sua demonstração de que existem erros e enganos nas narrativas. Esta não é a questão do debate nesta noite.

A inerrância da Bíblia é uma grande questão na fé pessoal do Dr. Ehrman que o levou a abandonar sua fé cristã. Mas eu não estou pressupondo nenhum tipo de doutrina teológica sobre a inerrância bíblica ou de sua inspiração – nem estão todos os estudiosos que pensam que estes quatro fatos são estabelecidos por critérios de autencidade que ele mesmo defende. Então minha atitude teológica acerca de eu pensar que existem ou não erros na Bíblia é irrelevante nesta noite. A questão é, o que você pode provar positivamente usando os critérios padrões? E meu argumento é que quando você usa estes critérios, você pode provar positivamente estes quatro fatos básicos subseqüentes à crucificação de Jesus.

Resposta do Dr. Ehrman: Então aparentemente tudo bem em se ter pressupostos teológicos sobre a ressurreição, mas não está OK ter pressupostos teológicos sobre as fontes históricas sobre as quais a crença na ressurreição está baseada. Se a crença na ressurreição é baseada em certas fontes que estão na Bíblia e se estas fontes, em sua própria natureza, devem ser inerrantes, então naturalmente você concluiria que a ressurreição aconteceu. Mas Bill se recusa a nos dizer se ele acha que a Bíblia contém erros ou não. Ele não nos dirá isso porque ele ensina em uma instituição na qual o colegiado concorda que a Bíblia é inerrante sem nenhum tipo de erro em suas palavras. Então ele não pode acreditar que existam quaisquer erros na Bíblia. Se ele acha que a Bíblia contém erros, então eu gostaria que eles nos falasse dois ou três deles. Se ele não acha que a Bíblia contém erros, eu gostaria de saber com ele pode dizer que está usando os evangelhos do Novo Testamento como fontes históricas. Ele não pode avaliar criticamente estas fontes, e uma coisa que os historiadores devem fazer é ser capazes de avaliar criticamente as fontes sobre as quais suas afirmações estão baseadas.

Questão para Dr. Ehrman: Obrigado Dr. Ehrman, Você acha que a Teologia é de algum modo uma fonte válida de conhecimento ou você acredita no naturalismo filosófico? [Má recepção do microfone]

Resposta do Dr. Ehrman: Eu acho que os métodos teológicos de conhecimento são perfeitamente aceitáveis e legítimos com métodos teológicos de conhecimento. Mas eu acho que as afirmações teológicas devem ser avaliadas em bases teológicas. Por exemplo, a idéia que estes quatro fatos que Bill continua a se referir mostram que Deus ressuscitou Jesus de dentre os mortos. Você pode surgir com uma visão teológica diferente desta proposta por Bill. Suponha, por exemplo, para explicar estes quatro fatos, que o deus Zulu enviou Jesus para 12ª dimensão, e nesta 12ª dimensão ele era permitido retornar periodicamente à Terra para um breve descanso de seus sofrimentos eternos. Mas ele não pode falar aos seus discípulos sobre isto porque Zulu o disse que, se o fizesse, ele iria acrescentar mais dor à suas agonias eternas. Então, esta é outra explicação teológica para o que aconteceu. Ela explicaria a tumba vazia e explicaria as aparências de Jesus. Ela não é tão provável quanto deus ter ressuscitado Jesus dos mortos e tê-lo feito sentar ao seu lado direito; que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó interferiu na história e exaltou seu nome ao ressuscitar seu Messias? Bem, você pode pensar que não, que na verdade a primeira explicação do deus Zulu é louca. Bem, sim, OK, é louca; mas é teologicamente louca. Não é historicamente louca. Ela não é menos provável como explicação para o que aconteceu do que a explicação de que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó ressuscitou Jesus dos mortos porque ambas as explicações são teológicas; elas não são explicações históricas. Então, na esfera da Teologia, eu certamente penso que a Teologia é um método legítimo de pensamento. Mas os critérios para avaliação teológica são teológicos; eles não são históricos.

Resposta do Dr. Craig: Hipóteses teológicas como esta certamente podem ser avaliadas pelos critérios que eu usei para avaliar a ressurreição de Jesus. Em particular, uma hipótese como a que foi sugerida, eu penso, possui um ad hoc gigantesco e altamente implausível, considerando que o contexto religioso-histórico no qual a ressurreição de Jesus supostamente ocorreu, eu acho extremamente plausível pensar que na exaltação do Deus de Israel à afirmação radical de Jesus de Nazaré como sendo o Filho de Deus e a revelação de Deus à humanidade. Quando você observa o contexto, eu acho que ele provê a chave ou uma pista para a interpretação adequada do milagre. Então eu acho que devemos avaliar as reivindicações teológicas filosoficamente e também de acordo com os mesmos critérios que eu propus que usássemos ao avaliar as explicações para os quatro fatos.

Questão para o Dr. Craig: Estou muito interessado no cálculo de probabilidade que você mostrou. Para dizer que foi provável que Jesus ressuscitou você precisa colocar números naquela equação e chegar a uma resposta maior do que 0,5. Eu estou interessado em qual é o resultado deste cálculo e qual é a margem de erro dele. E como estes números foram determinados?

Reposta do Dr. Craig: Obrigado pela questão! Richard Swinburne, que é um estudioso na Universidade de Oxford, escreveu um livro sobre a encarnação e a ressurreição no qual ele faz uso do cálculo de probabilidade que eu demonstrei. Sua estimativa é de que a probabilidade da ressurreição de Jesus é de 0,97, e você pode ler neste livro a razão deste resultado. Eu particularmente não uso o cálculo da probabilidade para argumentar sobre a ressurreição de Jesus. A razão de eu o trazer aqui foi para prover uma resposta para os argumentos do Dr. Ehrman ofereceria com base no argumento de Hume contra a verificação de milagres, que eu penso ser completamente errado porque ele tenta dizer que a ressurreição é improvável simplesmente por causa da improbabilidade da ressurreição sobre o corpo de informações que temos à parte das evidências para a ressurreição de Jesus, apenas. Na verdade, eu penso que esta probabilidade é inescrutável, uma vez que estamos lhe dando com um agente livre. Eu não vejo como nós podemos inferir ou assegurar um número específico para as variáveis do cálculo. Então a maneira na qual eu argumento sobre a ressurreição não é usando o cálculo de probabilidades. E sim usando aquilo que chamamos de “inferência à melhor explicação”, que é a maneira pela qual os historiadores normalmente trabalham. Isto quer dizer, você avalia hipóteses históricas concorrentes sob os mesmos critérios como: poder explanatório, escopo explicativo, plausibilidade, menor quantidade de ad hoc, concordância com as crenças já aceitas, etc. E eu estou preparado para argumentar que quando você coloca a hipótese da ressurreição ao lado das alternativas naturalistas, você verá que a hipótese da ressurreição vence com sobras suas teorias rivais naturalistas – a não ser que você pressuponha algum tipo de ateísmo metodológico para travar a hipótese da ressurreição. Eu acho que é exatamente isto o que o Dr. Ehrman faz. Da mesma que eu acredito em Deus e, portanto, acho que a existência de Deus é bem plausível, como alguém que não acredita, ele acha que a possibilidade da ressurreição é absurdamente improvável. Mas ele não nos deu nenhuma boa razão para pensarmos que a existência de Deus é improvável ou que é improvável que Deus ressuscitou Jesus de dentre os mortos. Na verdade, ele não pode fornecer uma avaliação de probabilidade, uma vez que ele mesmo comentou sobre os limites de um historiador.

Resposta do Dr. Ehman: Desculpe. Eu não acredito que estamos tendo uma conversa séria sobre a probabilidade estatística da ressurreição ou a probabilidade estatística da existência de Deus. Eu acho que em qualquer universidade do país, se nós estivéssemos perante um grupo de acadêmicos, nós seríamos expulsos do palco...

Dr. Craig: Isto não é verdade.

Dr. Ehrman: Bem, talvez não seja verdade na escola onde você ensina, mas na instituição de pesquisa onde eu ensino...

Dr. Craig: Bem, o que você me diz sobre a Universidade de Oxford, onde o Professor Swinburne ensina?

Dr. Ehrman: Bem, Swinburne mostrou que a probabilidade é de 0,97. E quantas pessoas se convenceram disto exatamente? Estes argumentos são aqueles que só convencem quem quer ser convencido. Eles não são argumentos sérios para ser considerados pelas pessoas, então eles podem dizer, “Ah sim, agora eu vou acreditar porque existe uma probabilidade de 0,97”. Isto não faz sentido; você não pode demonstrar a existência do sobrenatural por cálculos estatísticos.

Questão para o Dr. Ehrman: O que eu quero perguntar é, os relatos de ocorrências de milagres através do tempo tornam a probabilidade maior que os historiadores pensam?

Reposta do Dr. Ehrman: Boa pergunta. A questão é: o relato da ocorrência de milagres através do tempo aumenta a probabilidade? Eu diria que a resposta é provavelmente “não” porque em todas as instâncias você precisa avaliar se o evento é provável ou não e um milagre nunca seria um evento provável. Então, se alguém pensa que sim, que um milagre é um evento provável, o que eu gostaria que Bill fizesse é nos dizer por que ele não acha que Maomé realizou milagres uma vez que certamente temos relatos disto. Por que ele não acha que Apolônio de Tiana realizou milagres? Ele citou Larry Yarbrough, que, na verdade, provavelmente nunca leu sobre a vida de Apolônio. Eu sei disso porque eu tive uma conversa com Larry Yarbrough sobre isto. Ele nunca leu os textos. Eu não sei se Bill leu os textos. Eles são muito interessantes; são textos gregos e estão amplamente disponíveis. Eles nos dizem que Apolônio de Tiana realizou muitos milagres semelhantes aos que Jesus realizou; ele podia expulsar demônios, curar doenças, ressuscitar os mortos, e no final de sua vida ele subiu aos céus. E Apolônio de Tiana foi apenas um dentre uma centena de pessoas do mundo antigo sobre as quais estes fatos foram atribuídos. Então, se permitirmos a possibilidade de Jesus, o que faremos quanto à possibilidade de Apolônio? Ou Honi, o desenhista de círculos, ou Hanina ben Dosa ou o imperador Vespasiano? Você pode acrescentar quantos nomes você quiser. Agora, a razão de nós não sabermos muito sobre estas pessoas é porque, claro, o único milagreiro Filho de Deus que conhecemos é Jesus. Mas, na verdade, no mundo antigo existiam centenas de pessoas como Jesus, com centenas de histórias contadas sobre eles. Nós não os contamos porque eles não estão em nossa tradição. Esta é a razão do porque minha explicação alternativa de Zulu soou implausível a Bill: em sua tradição é o Deus de Jesus, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó que deve estar envolvido no mundo. E, claro, pessoas de outras religiões dizem que são outros deuses que estão envolvidos. Então, está não é apenas uma questão sobre se Deus está envolvido. Qual Deus está envolvido? E como eu frisei anteriormente, será apenas uma coincidência acontecer de Deus ser o Deus que Bill pôde mostrar historicamente sua existência e também o Deus para o qual ele se converteu quando tinha 16 anos de idade.

Resposta do Dr. Craig: A razão de nós não acreditarmos em muitos outros milagres não é porque não estamos abertos a eles. Pelo contrário, estou completamente aberto à idéia de que Deus realizou milagres aparte de Jesus. Mas, por exemplo, em relação a Maomé, com todo respeito, não há nenhuma evidência de que eles aconteceram. Não há nenhuma afirmação do Corão de que Maomé realizou milagres. A primeira biografia que temos de Maomé é datada de no mínimo 150 anos após sua morte, e eu não estou certo se até mesmo lá existem afirmações sobre milagres. Em relação a Apolônio de Tiana, as afirmações de milagres são mitos e lendas que não possuem qualquer valor histórico. Trata-se de invenções pós-cristãs, onde Apolônio é uma figura que deliberadamente foi construída para competir com os cristãos primitivos. Então, a razão de alguém não acreditar em milagres nestes casos é porque não existe nenhuma boa evidência que os sustentem. Mas, em contraste, a maioria dos estudiosos do Novo Testamento, como Bart Ehrman sabe, acredita que Jesus de Nazaré executou um ministério de obras milagrosas e exorcismos. Você pode acreditar que os relatos de milagres contém acréscimos, mas não há dúvida hoje de que Jesus de Nazaré foi aquilo que ele pensou que era, um realizador de milagres.

Questão para o Dr. Craig: Dr. Craig, um dos pontos levantados por você mais cedo acerca das probabilidades foi que devemos comparar as probabilidades da ressurreição com as probabilidades das outras explicações. E o Prof. Ehrman tem esta história de que ele não acredita e insinuou que não acha que elas aconteceram. Assim eu gostaria apenas de ler alguns versículos do evangelho de Lucas e lhe dar a chance de comentar sobre estes versículos e dizer, baseado no que o Prof. Ehrman disse, se é a sua visão ou a dele que faz mais sentido à luz destes versículos. Então, a passagem está em Lucas 24 e é quando Jesus apareceu aos dois homens no caminho de Emaús e eles não o reconheceram. Ele está conversando com eles e eles não o reconheceram. E eles falaram sobre todas as coisas que aconteceram, que eles estavam confusos e que não sabiam o que estava acontecendo. Então Jesus disse a eles, “Como vocês custam a entender e como demoram a crer em tudo o que os profetas falaram! Não devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua glória?” E começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes a respeito dele em todas as escrituras. Ao se aproximarem do povoado para o qual estavam indo, Jesus fez como quem ia mais adiante. Mas eles insistiram muito com ele: “Fique conosco, pois a noite já vem; o dia está quase findando”. Então ele entrou para ficar com eles. Quando estava à mesa com eles, tomou o pão, deu graças, partiu-o e o deu a eles. Então os olhos deles foram abertos e eles o reconheceram, e ele desapareceu da vista deles. Perguntaram-se um ao outro: “Não estava queimando o nosso coração, enquanto ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?”.

Interrupção do Dr. Craig: E qual é sua questão sobre esta passagem? Não estou certo qual é sua questão.

Continuação da questão ao Dr. Craig: A questão é: você sabe que o Prof. Ehrman argumentou que estes documentos antigos não são unicamente para o propósito de estabelecer evidências históricas para os eventos, mas que eles podem ser usados mais retoricamente. Assim, a questão é, poderiam estes versículos ser uma pintura da origem da fé cristã, uma vez que, como Dr. Ehrman argumentou, os primeiros seguidores de Jesus abriram as escrituras e encontraram referências para o servo sofredor que é exaltado por Deus? Porque se você observar estes versículos, eles não dizem que seus corações queimaram porque eles tocaram sua carne, ouviram sua voz e que isto significava que Deus havia realizado um milagre, que então eles tinham a evidência e que falariam dela para todos. Eles dizem que seus corações queimaram quando eles abriram as escrituras.

Resposta do Dr. Craig: Eu acho que esta é uma maneira plausível de ler esta passagem, esta que você sugeriu. Mas, claro, isto não está no coração do meu caso esta noite. Eu não estou construindo o caso que eu apresentei hoje com base em passagens com esta. Eu construí meu caso sobre quatro fatos fundamentais que são, penso, atestados por testemunhos múltiplos e independentes, por critérios de embaraçamento, nos quais a maioria dos estudiosos no assunto concordaria. Sendo assim, eu não estou supondo nada do que eu disse esta noite na historicidade da aparição de Jesus no caminho de Emaús ou na interpretação que você proveu a esta passagem. Isto simplesmente não faz parte do meu caso.

Agora, no geral, entretanto, permita-me dizer, com respeito à sua idéia dos discípulos indo à escritura e encontrando Jesus lá, eu acho que todo o caso que eu expus sobre os quatro fatos é que invalida esta idéia. Nós temos boas fontes independentes que atestam que Jesus foi sepultado por um membro do Sinédrio judaico em uma tumba, que esta tumba foi encontrada vazia no Domingo pela manhã após a crucificação, que vários indivíduos e grupos de pessoas experimentaram aparições de Jesus, e que eles começaram a acreditar que ele havia ressuscitado de dentre os mortos. E estas passagens que estão no Antigo Testamento são tão obscuras e difíceis de encontrar que é altamente improvável que elas sejam a fonte para a crença na ressurreição, como o Dr. Ehrman imagina. Em vez disso, elas só podem ter sido descobertas a posteriori. Uma vez que você acredita na ressurreição de Jesus, então você vai à escritura procurar textos que comprovam e validam-na. Mas a hipótese contrária é a velha visão de Bultmann de que de alguma forma ao ler as escrituras, os seguidores de Jesus começaram a acreditar na ressurreição. Mas o problema com esta hipótese é que as passagens no Antigo Testamento são muito obscuras e ambíguas para que eles criassem a idéia da ressurreição com base nelas. Judeus seguidores de um Messias como Jesus, confrontados com sua crucificação, ou teriam voltado para suas casas ou teriam conseguido um novo Messias, mas eles não começariam a acreditar que ele ressuscitou de dentre os mortos.

Resposta do Dr. Ehrman: Bill continua falando sobre nossas boas fontes primitivas e continua negligenciando que estas boas fontes foram escritas 40, 50, 60 anos após os eventos e que isto implica que os autores destes relatos conseguiram suas informações da tradição oral que estava em circulação ano após ano após ano, quando histórias foram inventadas e histórias foram alteradas. E, assim, eu não acho que nós devamos sustentar nossas conclusões nestes quatro fatos. A idéia de que estas passagens eram muito obscuras a ponto de que ninguém pudesse se basear nelas – estas passagens estão em Isaías e nos Salmos. Não são passagens escondidas em algum lugar da carta de Malaquias. Estas passagens eram textos centrais na vida e na religião judaica, e os discípulos de Jesus demonstraram que eles foram às escrituras para entender o que os eventos significavam. Isto também, a propósito, é encontrado nas boas fontes primitivas, que os discípulos de Jesus fizeram exatamente isto. Então eu acho que esta é uma explicação completamente plausível para como os discípulos vieram a crer na ressurreição.

Questão para o Dr. Ehrman: Estou feliz pela oportunidade. Eu acho que perdemos boas oportunidades para aplaudir! Dr. Ehrman, os historiadores podem verificar um milagre se tivéssemos testemunhas oculares de que um milagre aconteceu? Levando em conta seu método histórico, algum milagre já aconteceu e, se sim, quais? Se não, isto significa que você sempre se recusará a acreditar em milagres?

Resposta do Dr. Ehrman: Boa questão, obrigado! Vejamos, “mesmo se você tiver testemunhas oculares”. Suponha que nos anos 1850, nós temos um relato de um pastor de uma igreja do Kansas que andou sobre um lago durante as festas de Julho e que tinham 12 pessoas que o viram fazer isto. O historiador terá de avaliar este relato e perguntar, isto provavelmente aconteceu ou não? Agora, estas testemunhas oculares disseram que isto aconteceu. Mas existem outras possibilidades que qualquer um pode imaginar. Poderia haver pedras no lago, por exemplo. Ele poderia estar distante o suficiente para que eles não o vissem. Existem outras possibilidades que você poderia pensar. Se você está tentando estabelecer o que aconteceu pela probabilidade, qual é a probabilidade de um ser humano poder andar sobre um lago a não ser que ele esteja congelado? A probabilidade é virtualmente zero porque, na verdade, o ser humano não pode fazer isso. E se você acha que os seres humanos podem fazer isto, então me apresente uma instância onde eu possa conferir. Nenhum de nós pode andar sobre um lago. Ninguém em nosso planeta pode. Bilhões de pessoas que já viveram não puderam. Então, sendo assim, o historiador vai concluir que provavelmente Joe Smith, o pastor desta igreja, provavelmente andou sobre o lago? Eu acho que não. Historiadores não vão concluir que ele andou sobre o lago porque um milagre simplesmente é uma violação da maneira pela qual a natureza naturalmente trabalha. Assim, você nunca poderá verificar um milagre com base em testemunhos oculares. Segundo, além disso, nós aqui não estamos falando sobre alguém que viveu nos anos 1850. Estamos falando sobre alguém que viveu há 2000 anos, e nós absolutamente não temos relatos de testemunhas oculares. Os relatos que temos são de pessoas que acreditavam nele. Não se trata de relatos desinteressados. São narrativas contraditórias e narrativas que foram escritas 30, 50, 60 anos depois dos eventos.

Resposta do Dr. Craig: Eu concordo que a ressurreição de Jesus é naturalmente impossível. Mas está não é a questão. A questão é, é improvável que Deus tenha ressuscitado Jesus de dentre os mortos? E o Dr. Ehrman não pode fazer este julgamento porque ele afirma que os historiadores não podem fazer declarações sobre Deus. Sendo assim, ele está preso em uma autocontradição esta noite. Por um lado, ele diz que o historiador não pode dizer nada sobre Deus, por outro, ele diz que é improvável que Deus tenha ressuscitado Jesus de dentre os mortos; e isto é simplesmente uma autocontradição.

Um dos embaraços do argumento de Hume era que ele sustentava que uma pessoa que vivesse nos trópicos jamais poderia aceitar testemunhos de viajantes de que a água poderia existir na forma sólida, como gelo. Assim este homem, baseado no argumento de Hume, seria conduzido a negar fatos perfeitamente naturais dos quais nós temos evidências em abundância apenas porque estes fatos contradizem o que ele conhecia. E exatamente da mesma forma, este argumento que ele nos deu seria um impedimento à ciência. Se você diz que nós jamais teremos testemunhos suficientes – evidência suficiente – para acreditar em alguma coisa que contradiz o caminho normal da natureza trabalhar.

Questão para o Dr. Craig: Obrigado! Nós estamos falando aqui sobre evidências independentes e imparciais. Então eu estava pensando se vocês dois podem apresentar evidências que sustentam seus pontos de vista fora da literatura canônica cristã.

Resposta do Dr. Craig: O fato é que nós não estamos trabalhando com fontes desinteressadas. Mas, veja, esta é uma característica de toda história antiga. As pessoas do mundo antigo não escreviam relatos desinteressados; todos tinham um ponto de vista. Assim, os historiadores devem levar isto em consideração ao investigar a história. O mesmo fazem os estudiosos a respeito dos evangelhos. Eles perguntam, qual é a credibilidade destes eventos dado que as narrativas vêm de cristãos? E uma maneira de rodear este problema é através de múltiplos e independentes depoimentos, porque se uma tradição ou um evento é independente e multiplamente atestado por fontes antigas, então é muito improvável que esta tradição tenha sido inventada porque, do contrário, você não a teria atestada por fontes independentes. E, assim, os estudiosos costumam aceitar um evento que é atestado por, digamos, duas ou três fontes independentes. Mas no caso da tumba vazia e do sepultamento, nós temos cinco ou seis fontes independentes. Então, aparte de uma predisposição contra os milagres, não há nenhuma boa razão para negar que o coração histórico destas narrativas, especialmente quando se observa que nós não estamos falando sobre fontes 30, 40, 60 anos posteriores aos eventos. Estamos falando de tradições nas quais estes relatos são baseados, tradições que se encontram em algum lugar entre cinco a sete anos após a crucificação. Comparadas com as fontes da histórica greco-romana, os evangelhos ganham com sobra, pois os relatos com os quais os historiadores greco-romanos têm de trabalhar geralmente são datados de centenas de anos após os eventos, geralmente envolvendo poucas testemunhas oculares e geralmente narradas por alguém completamente tendencioso aos fatos. E ainda assim os historiadores do período greco-romano reconstroem o curso da história do mundo antigo. E como eu disse, N. T. Wright disse que a tumba vazia e as aparições de Jesus são tão certas como a morte de Augusto César em 14 d.C. e a queda de Jerusalém em 70 d.C.. E mesmo que você pense que isto é um exagero, eu acho que estes fatos são mais bem atestados do que vários outros eventos na história antiga que nós comumente aceitamos como fatos históricos.

Resposta do Dr. Ehrman: Então, você está pedindo fontes não canônicas. Eu acho que a única razão de Bill não ter te respondido é porque as fontes não-canônicas não sustentam a posição dele. As fontes não-canônicas pagãs, na verdade, nunca se referiram à ressurreição de Jesus até alguns séculos depois da crucificação. Na verdade, Jesus não aparece em nenhuma fonte não-canônica pagã até 80 anos depois de sua morte. Então, ele claramente não teve um grande impacto no mundo pagão. O historiador romano Josefo menciona Jesus, mas não acreditava em sua ressurreição. Existem fontes não-canônicas que falam sobre a ressurreição, mas infelizmente todas elas, embora sejam evangelhos não-canônicos, narram o evento de um jeito que discorda da reconstrução de Bill. Eles não acreditam que Jesus ressuscitou fisicamente de dentre os mortos. Para prova disto, apenas leia o relato do Segundo Tratado do Grande Seth ou o Apocalipse de Pedro. Nós temos um relato no qual Jesus sai da tumba, o evangelho segundo Pedro; é um relato apocalíptico. Jesus sai de sua tumba tão alto como um arranha-céu; segundo este relato, existe uma cruz que fala dos céus, certamente um relato lendário de pouco uso aos historiadores que querem saber o que aconteceu.

Moderador: Agora, podemos aplaudir!

Fechamento: Chegou a hora de terminarmos o debate desta noite, e eu gostaria de novamente agradecer aos patrocinadores – o Center for Religion, Ethics, and Culture e o Campus Christian Fellowship – a nosso moderador, William Shea. Vocês foram uma platéia brilhante com ótimas questões, e nós agradecemos por estarem aqui. Temos uma mesa lá atrás com alguns livros de ambos os debatedores disponíveis junto com outros livros. Finalmente, eu gostaria de agradecer novamente aos estudiosos William Lane Craig e Bart D. Ehrman, por compartilharem seu tempo e seu talento conosco.

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Traduzido por Eliel Vieira
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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Argumento Ontológico Para a Existência de Deus

Quando estudamos a história da Igreja Cristã nos deparamos com um movimento teológico de cunho especulativo-filosófico na Idade Média denominado “Escolástica”. O nome que identifica o período é derivado das grandes scholae (escolas) medievais, onde debates de teologia e filosofia aconteciam a pleno vapor.

Vários pensadores de relevância teológica e filosófica despontaram neste período como Tomás de Aquino e Guilherme de Occam. Neste texto, um argumento a favor da existência de Deus proposto por um dos precursores da Escolástica será analisado. Trata-se do chamado “Argumento Ontológico”, proposto por Anselmo de Cantuária.

Nascido em Aosta – cidade alpina da Itália – em 1033, Anselmo estudou com monges beneditinos durante a infância e adolescência e, em 1056, deixou sua cidade natal para estudar no Mosteiro de Bec, na Normandia (França). Seus escritos geraram muitos frutos dentro do pensamento teológico.

Como pensador tipicamente escolástico, os textos de Anselmo são carregados de princípios filosóficos helênicos. Uma das maiores evidências da influência helênica no pensamento de Anselmo é em relação à Impassibilidade de Deus, ou seja, da incapacidade de Deus de ser afetado ou transformado por qualquer causa sentimental exterior a Ele (MCGRATH, 2005, p. 325) – a idéia de que o Ser Perfeito deveria ser tão perfeito ao ponto de não poder mudar de forma alguma foi originalmente concedido nos diálogos de Platão. Mas a maior contribuição de Anselmo não está relacionada aos seus pensamentos relativos à relação “fé x razão” e sim no chamado “argumento ontológico” para a existência de Deus.

Antes de apresentar esta contribuição de Anselmo à teologia, devemos desfazer uma confusão muito comum relativa ao “argumento ontológico”: Anselmo jamais tratou seu argumento como um argumento para a existência de Deus, nem mesmo jamais atribuiu o adjetivo “ontológico” a seu pensamento (quem batizou o pensamento de Anselmo como “argumento ontológico” foi o filósofo alemão Kant). A maior prova disto é que o pensamento de Anselmo foi concebido originalmente na forma de oração, como um diálogo íntimo da parte de Anselmo para com Deus. De acordo com MCGRATH (2005a, p. 291) Proslogium, a obra onde encontramos o “argumento ontológico”, não deve sequer ser entendida como uma obra de debate teológico, mas como uma obra de reflexão. Portanto, apesar de tratarmos aqui de um argumento a favor da existência de Deus proposto por Anselmo de Cantuária, o argumento não foi concebido originalmente como um argumento.

Alguns pensadores afirmam que o Argumento Ontológico não possui sentido algum fora do pensamento cristão, apesar de vários filósofos clássicos (p. ex. Duns Escoto, Descartes, Espinosa e Leibniz) e vários importantes filósofos contemporâneos (p. ex. Alvin Plantinga e William Lane Craig) serem defensores das conclusões universais e ousadas do pensamento de Anselmo. O argumento, obviamente, teve seus críticos ao longo da história como, por exemplo, Kant e Arthur Schopenhauer.

Feitas as considerações iniciais, vamos ao pensamento proposto pelo Arcebispo de Cantuária.

O pensamento de Anselmo é sustentado na concepção de Deus como “aquele a respeito de quem nada maior pode ser concebido” (aliquid quo nihil maius cogitari possit). Se esta definição estiver correta, diz Anselmo, ela implica necessariamente na existência de Deus. A explicação da conclusão de Anseio é simples: se Deus não existe na realidade, a noção de Deus permanece apesar de sua não-existência na realidade, porém, um ser existente apenas no pensamento não pode ser mais perfeito do que um ser existente de fato, sendo assim, entraríamos em contradição todas as vezes que nos referíssemos a Deus como o ser sobre o qual nada mais perfeito pode ser concebido. Se a definição de Deus é “aquele a respeito de quem nada maior pode ser concebido”, esta definição necessariamente deve nos conduzir à realidade de Sua existência. Nas palavras de Anselmo:

Esta [definição de Deus] é tão verdadeira que não se pode pensá-la de outra maneira. Pois é perfeitamente possível pensar em algo cuja não-existência não pudesse ser pensada. Precisaria ser maior do que aquilo cuja existência não pudesse ser pensada. Assim, se esta coisa (além da qual nada maior pode ser pensado) pudesse ser pensada como não existindo, então ela não seria “aquilo além do qual nada maior pode ser pensado”. Trata-se de uma contradição. Assim, é verdade que existe algo do qual nada maior pode ser pensado e que, portanto, não possa ser pensado como não existindo. E tu és, Senhor nosso Deus, essa coisa! Assim, tu existes de maneira tão verdadeira, ó Senhor meu Deus, que não se pode pensar que tu não existas, e com boas razões; pois, se a mente humana pudesse pensar em algo maior do que tu, a criatura subiria acima do Criador e te julgaria; mas isso, obviamente, é absurdo. Além disso, qualquer coisa fora de ti pode ser pensada como não existindo. Portanto, somente tu, mais verdadeiro do que todas as coisas, e maior do que todas elas, tens existência; porque qualquer outra coisa que exista não existe tão verdadeiramente como tu e, portanto, existe em grau menor. (In: MCGRATH, 2005b, p. 117)

O argumento ontológico para a existência de Deus, segundo o pensamento de Anselmo, portanto, diz que se uma pessoa compreender a noção de Deus como "ser sobre o qual nada maior pode ser concebido", então esta pessoa não será livre para pensar na não-existência de Deus, pois, se Deus não existir, então ele não será o ser sobre o qual nada maior pode ser concebido.

Como foi dito um pouco acima neste texto, o argumento ontológico teve seus defensores e seus críticos, moderados e fervorosos e está longe do objetivo deste texto introdutório fazer justiça a todas as menções e considerações referentes a este argumento. Fica a critério doe você, leitor, pesquisar e aprofundar mais sobre este argumento, bem como sobre a obra de Anselmo de Cantuária.

Como apaixonado leitor sobre assuntos apologéticos, me agrada bastante o argumento ontológico proposto por Anselmo – mesmo ele não sendo concebido originalmente na forma de argumento a favor da existência de Deus. O pensamento de Anselmo possui grande classe, sutileza, profundidade e, por que não, criatividade. Apesar das críticas (algumas justas) propostas pelos adversários do pensamento de Anselmo, em minha opinião o argumento ontológico deve ser considerado como um dos mais importantes pensamentos teológicos já elaborados.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org


Obras consultadas:

- BECKWITH, Francis; CRAIG, William Lane; MORELAND, J. P. Ensaios Apologéticos. Tradução de José Fernando Cristófalo. São Paulo: Hagnos, 2006.
- MCGRATH, Alister (2005a). Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: uma introdução à teologia cristã. Tradução de Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd, 2005.
- _________ (2005b). Fundamentos do diálogo entre Ciência e Religião. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: Loyola, 2005.
- OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001.

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terça-feira, 4 de agosto de 2009

Resposta a Renato Camargos: Fé, Conhecimento e Rubem Alves

Prezado Eliel,

Sobre o artigo que você escreveu a respeito da exortação da sua namorada, tem uma frase sua lá assim "Mas, cristão que tenha abandonado a fé após o estudo, sinceramente, não conheço nenhum.". Cara, gostaria de te ouvir sobre isso a respeito da Rubem Alves. Ele não seria um exemplo?

Confesso que tenho muito preconceito com os escritos dele. Mesmo sabendo que entre uma linha e outra existe abundância de pensamento e inteligência.

Obrigado,

Renato Camargos. (Por e-mail em 21/07/2009)



RESPOSTA


Caro Renato,

Primeiramente, obrigado pelo contato e me desculpe pela demora em te responder. Estava viajando e, assim, longe do computador. Mas, apesar de demorada, eis a resposta que você queria.

Sua dúvida reside na minha afirmação (presente neste texto) de que eu não conheço nenhuma pessoa que tenha abandonado a fé cristã após começar a estudar mais profundamente as questões que nos cercam. Esta afirmação te causou desconforto, pois, ao que parece, você acredita que Rubem Alves é um exemplo que contradiz minha afirmação.

Sua dúvida está, portanto, no jeito de ser de Rubem Alves, em sua espiritualidade (ou falta dela) mais do que em relação ao meu texto em si. A verdade, porém, é que Rubem Alves não constitui uma exceção a minha afirmação. Sinto-me um pouco a vontade quando falo sobre Rubem Alves, pois se trata de um dos escritores que mais leio (e releio, e releio, e releio). Ironicamente (ou não) eu aprendi a gostar de Rubem Alves no seminário teológico batista onde eu estudei, por indicação do meu então professor de Antropologia, Pr. Marcos Cunha.

Rubem Alves, certamente, não se trata de uma pessoa que abandonou a fé após um exame mais profundo das questões que cercam nossa existência, por duas razões: (1) se ele perdeu a fé, não foi por causa de seus estudos, mas em razão de um procedimento rude e intolerante da Igreja Presbiteriana do Brasil para com ele, após ele escrever suas primeiras idéias mais liberais e humanistas. Rubem Alves, que era teólogo e pastor formado em seio presbiteriano, chegou a ser proibido de falar em púlpitos da Igreja Presbiteriana do Brasil (leia mais sobre a história de Rubem Alves aqui); (2) não diria sequer que ele chegou a abandonar sua fé em Deus, apesar de negar absolutamente muitos princípios que regem as igrejas cristãs atualmente.

Portanto, se ele perdeu sua fé, ele não constitui uma exceção à minha afirmação, pois ele não a perdeu após começar a estudar, mas por uma série de outras razões, e, se ele não perdeu sua fé, ele também não contradiz minha afirmação.

O fato, porém, é que Alves não perdeu sua fé, ele apenas mudou o enfoque dela. Pelo menos eu enxergo "contornos de fé" em cada crônica de Rubem Alves que eu leio. A fé toma um lugar sutil, mas importantíssimo, em cada texto do autor. Em alguns momentos, chega a parecer que ele tenta se desvencilhar da influência da fé em seus textos, sem sucesso, como se ele sucumbisse na tentativa de se livrar da verdade que ele sabe ser real. A maior prova de que isto é verdadeiro é que, mesmo após abandonar (ou ser expulso) do seio do protestantismo brasileiro, o autor escreveu quilômetros de textos ligados, direta ou indiretamente, à fé e a Deus.

Em seu e-mail, Renato, você confessou possuir “muito preconceito” em relação aos dos textos do autor. Gostaria de lhe convidar a deixar este preconceito de lado por um instante e conhecer os textos dele que se relacionam à fé. Não há maneira melhor de conhecer um autor que "ler" o que este autor escreveu. Eu te garanto que você vai mudar seus conceitos em relação a Rubem Alves se ler suas obras. Como sugestão, eu lhe indico os textos “Corpus Christi”, “Deus e a Beleza”, “O Deus Criança”, “O Travesti e os Religiosos”, “Sobre a Oração”, “A Sabedoria” e, se você se interessar mais, procure por seus livros “Perguntaram-me se acredito em Deus”, “O que é religião?”, “Dogmatismo e Tolerância” e “Se eu pudesse viver minha vida novamente” (este não exclusivamente sobre a fé, mas com os tais contornos que eu mencionei acima). Tudo o que foi citado aqui como sugestão de leitura é de qualidade e profundidade indescritível.

Confesso sem medo que Rubem Alves foi uma das maiores influências espirituais e intelectuais que tive, tanto que uma frase sua está presente no texto que explica a razão de ser deste blog.

Espero ter respondido sua pergunta,

Um abraço,

Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

[obs: nas foto acimas, Rubem Alves autografando meus livros em Maio de 2008]

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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Beleza Sim, Clichês Não!

Recentemente escrevi um texto expondo algumas de minhas opiniões em relação à música cristã. No texto em questão eu argumentei que, usando os salmos bíblicos como exemplos, as músicas evangélicas deveriam prezar pela simplicidade, sinceridade e beleza mais do que por qualquer outra coisa.

O texto que escrevi trouxe, porém, um problema a mim: explicar o que eu entendo como “beleza”, afinal, se eu não tenho um padrão definido e absoluto do que seja beleza, como posso dizer o que é ou não belo? Se eu não sei o que é um metro, como posso dizer se uma medida X é maior ou menor do que um metro?

Como não defini “beleza” naquele texto (por questões estéticas, para que o texto não ficasse enorme), resolvi faze-lo aqui. Na presente reflexão pretendo, portanto, expor o que eu aceito e entendo como “beleza” e, posteriormente, dizer por qual razão eu não considero que as músicas evangélicas atuais se enquadram no que entendo como “beleza”.

Afinal de contas, o que é belo?

Qualquer tentativa de resposta a esta questão é complicada, afinal, as preferências das pessoas são bastante relativas. Muitas pessoas me acham feio, mas minha namorada me acha bonito (como isto é possível ainda é um mistério a ser desvendado). Aparentemente nossa opinião sobre beleza é similar ao nosso gosto culinário. Ninguém jamais poderá dizer que um bife acebolado é, em si, mais saboroso que um bife temperado sem cebola, afinal, tudo depende no fim do degustador gostar ou não de cebola.

Apesar das dificuldades, porém, trago aqui algumas reflexões sobre a “beleza”. No final das contas, é possível que você relativise minhas conclusões e diga que seu gosto ou preferência por beleza se concentra exatamente no extremo oposto de tudo o que eu propus como necessário à “beleza”. Enfim, de qualquer forma, mesmo que se considere relativo tudo o que eu propor, o texto ainda permanece como uma reflexão pessoal da forma como eu entendo a beleza e, sendo assim, possui muita valia na minha tarefa de justificar as críticas que faço a tudo aquilo que eu não considero belo – mais especificamente aqui, as músicas evangélicas do tempo atual.

Ao refletir sobre meu entendimento sobre beleza, percebi, primeiramente, que ele está intrinsecamente associado ao meu gosto por "originalidade". Acho que não estou sendo muito equivocado se disser que esta relação entre “beleza” e “originalidade” é absolutamente comum a todas as pessoas, de forma que a maneira pela qual a “originalidade” é valorizada por uma pessoa determina significativamente a maneira como ela avalia a beleza de algo.

Antes de prosseguir, porém, duas possíveis confusões devem ser desfeitas: (1) trato aqui da “beleza” exclusivamente em produções artísticas humanas, afinal, existem coisas (como a beleza de um rosto humano) que não dependem de uma originalidade précia ou quaisquer outros elementos para serem belas. O fato de um casal "fazer amor" na posição convencional ou de ponta cabeça não irá influenciar na beleza da criança que irá nascer. Ela vai nascer bonita ou feia por simples “sorte”; (2) apesar da “originalidade” exercer um papel importante na produção de algo belo, ela não é determinante. Existem coisas que são mais belas simplesmente por serem simples e outras que não possuem beleza exatamente por serem “complexas” demais.

Temos, até aqui, portanto, o seguinte: a maneira como você enxerga a “originalidade” influi na forma como você avalia a beleza de algo. Mas, como foi dito, não apenas a originalidade determina a forma como enxergaremos algo. O rival da originalidade, o “pragmatismo”, também exerce um papel importante na formação de algo que se pretende analisar como “belo”. Além destes rivais, apontaria ainda a “identidade” e a “simplicidade” como elementos fundamentais que, em conjunto, determinam a beleza de uma criação artística.

Alguns preferem o pragmatismo, a repetição, a rotina; outros a originalidade, a diferenciação e as mudanças constantes. Claro que os extremos em ambas as posições devem ser rejeitadas (assim penso) e, sendo assim, deve haver um equilíbrio entre pragmatismo e originalidade, para que uma obra possua uma beleza. Por mais original que um pagodeiro seja, ele precisa ser pragmático em vários aspectos – por exemplo, usar cavaquinho e pandeiros na composição – a fim de que sua música mantenha sua “identidade”. A “identidade”, portanto, advém de um perfeito equilíbrio entre pragmatismo e originalidade na composição de uma obra.

Outro elemento que mencionei como responsável pela “beleza” de algo foi a “simplicidade”. Ora, todos entendem o que “simplicidade” representa, porém, trata-se de um termo de difícil definição. Simplicidade é algo de simples entendimento que se torna complicado quando se tenta explicar o que é. Acho que a melhor maneira de fazer com que você entenda a relação que enxergo entre “simplicidade” e “beleza”, ao invés de explicações longas e complexas, é através de um exemplo. Qual das expressões abaixo é mais engraçada e fiel ao seu objetivo de ser:

Destruir a extremidade de entrada de ar daquele objeto inflável muito comum em comemorações festivas de seres humanos que possuem menos de doze anos!” ou “Estourar a boca do balão!”?

Ou ainda um outro exemplo. Qual frase a seguir representa melhor sua intenção: “Sequer considerar a possibilidade de uma fêmea bovina expirar contrações laringo-bucais!” ou “Nem que a vaca tussa!”?

Creio que ficou evidente nos exemplos acima que a simplicidade possui uma importância enorme dentro dos elementos que definem a beleza de algo. Quando se complica demais algo que deveria ser simples, a beleza se esvai.

Apontei aqui alguns elementos que considero de essencial importância no estabelecimento da beleza de algo. Primeiramente, algo belo é algo que traz um equilíbrio entre originalidade e pragmatismo. Este equilíbrio faz uma composição ter novidades naquilo que se pode alterar, mas que mantém intactos os elementos que não podem ser alterados, a fim de que sua “identidade” se perdure. Além disso, a “simplicidade” final apresentada conta muito ao definir sobre a beleza de uma obra.

Após este longo caminho, estou apto a dizer o que considero como uma “música bela”. Uma música bela, em minha opinião, é aquela que possui originalidade, mas que não extrapola em inovações mantendo, assim, sua identidade, e que, no fim das contas, soa a mim com simplicidade. Claro, vários outros elementos podem ser apontados como relevantes na construção de uma composição (como a “inteligência” empregada ao compor uma obra ou a “relevância” da mesma, dado o contexto em que vivemos), mas, os elementos que foram aqui apresentados dizem muita coisa (ao menos dizem o suficiente) sobre como a beleza de algo é formado.

Olhando tudo o que foi dito aqui, entende-se porque é difícil criar qualquer coisa bela, seja uma musica, seja um texto, seja uma pintura, enfim, qualquer coisa. A beleza é como uma pedra que lenta e precisamente necessita ser lapidada, a fim de tomar uma forma ideal, perfeita, simétrica. Buscando uma fuga a este trabalho, surgem então os “clichês”. Se uma música X fez sucesso por suas características A e B, porque me dar ao trabalho de criar algo novo e original se posso simplesmente compor uma música com A’ e B ou com A e B’ e conseguir os mesmos resultados de quem se esforçou na elaboração original de A e B?

E é exatamente por isso que eu odeio as músicas evangélicas atuais: elas não passam de meros clichês repetitivos, sempre. Antes de qualquer CD de música evangélica ser lançado já se sabe, sem precisar ser profeta, o que o conteúdo lírico do CD vai trazer. Já tivemos a época das menções ao “fogo” nas músicas evangélicas, depois a fase do termo “chuva” atingir o auge, depois o termo “shekinah” fez seu sucesso, vários outros termos e expressões tiveram seu lugar ao sol e, atualmente, os termos “milagres” e “promessa” tomam conta do conteúdo lírico evangélico atual.

Neste sentido, a música evangélica atual é exatamente similar à música sertaneja atual. Eu não preciso gostar de música sertaneja para saber que os próximos lançamentos vão conter letras com histórias do tipo “estou apaixonado por você, mas você não me quer; aceite meu amor senão eu vou beber e desistir de viver”. Da mesma forma como as belas modas de viola da roça foram sucumbidas pelos clichês sertanejos de baixa auto-estima exigidas pelo mercado atual, a beleza de músicas evangélicas lindas como “Castelo Forte”, por exemplo, foram sucumbidas em um mercado que vende apenas clichês que prometem “prosperidade” e bênçãos materiais das mais variadas espécies.

Sinceramente, existe composição mais clichê, nojenta, pobre esteticamente e, ainda por cima, anti-bíblica do que “prosperarei e transbordarei para direita, para esquerda, para frente e para traz”?

O pior é que a resposta é sim! Sim, infelizmente, sim, existem composições mais absurdas que essa. Eu fico pensando em Deus olhando para o povo evangélico brasileiro e pensando: “De onde esse povo inventa tanta promessa de minha parte? Eu queria só que eles me amassem com sinceridade e sem segundas intenções!”.

Sobre a “mecânica da promessa” vou tratar em outro texto no futuro, mas ela segue uma lógica assim:

1 – Deus prometeu algo a fulano na Bíblia;
2 – Você está lendo a Bíblia;
3 – Logo, a promessa é para você também.
4 – Deus cumpriu a promessa que fez a fulano;
5 – Logo ele vai cumprir a promessa que ele fez a fulano em sua vida também.

Mas, como disse, tratarei disso em outro texto. Por hora, acho que disse o suficiente para justificar meu desgosto pela música evangélica nacional.

Não sou chato, apenas peço – pelo amor a Jesus Cristo – que os evangélicos se preocupem um pouco mais com a beleza de suas composições. Do contrário, continuarei saciando as minhas necessidades de beleza espiritual com as velhas e boas músicas antigas.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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