segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Beleza Sim, Clichês Não!

Recentemente escrevi um texto expondo algumas de minhas opiniões em relação à música cristã. No texto em questão eu argumentei que, usando os salmos bíblicos como exemplos, as músicas evangélicas deveriam prezar pela simplicidade, sinceridade e beleza mais do que por qualquer outra coisa.

O texto que escrevi trouxe, porém, um problema a mim: explicar o que eu entendo como “beleza”, afinal, se eu não tenho um padrão definido e absoluto do que seja beleza, como posso dizer o que é ou não belo? Se eu não sei o que é um metro, como posso dizer se uma medida X é maior ou menor do que um metro?

Como não defini “beleza” naquele texto (por questões estéticas, para que o texto não ficasse enorme), resolvi faze-lo aqui. Na presente reflexão pretendo, portanto, expor o que eu aceito e entendo como “beleza” e, posteriormente, dizer por qual razão eu não considero que as músicas evangélicas atuais se enquadram no que entendo como “beleza”.

Afinal de contas, o que é belo?

Qualquer tentativa de resposta a esta questão é complicada, afinal, as preferências das pessoas são bastante relativas. Muitas pessoas me acham feio, mas minha namorada me acha bonito (como isto é possível ainda é um mistério a ser desvendado). Aparentemente nossa opinião sobre beleza é similar ao nosso gosto culinário. Ninguém jamais poderá dizer que um bife acebolado é, em si, mais saboroso que um bife temperado sem cebola, afinal, tudo depende no fim do degustador gostar ou não de cebola.

Apesar das dificuldades, porém, trago aqui algumas reflexões sobre a “beleza”. No final das contas, é possível que você relativise minhas conclusões e diga que seu gosto ou preferência por beleza se concentra exatamente no extremo oposto de tudo o que eu propus como necessário à “beleza”. Enfim, de qualquer forma, mesmo que se considere relativo tudo o que eu propor, o texto ainda permanece como uma reflexão pessoal da forma como eu entendo a beleza e, sendo assim, possui muita valia na minha tarefa de justificar as críticas que faço a tudo aquilo que eu não considero belo – mais especificamente aqui, as músicas evangélicas do tempo atual.

Ao refletir sobre meu entendimento sobre beleza, percebi, primeiramente, que ele está intrinsecamente associado ao meu gosto por "originalidade". Acho que não estou sendo muito equivocado se disser que esta relação entre “beleza” e “originalidade” é absolutamente comum a todas as pessoas, de forma que a maneira pela qual a “originalidade” é valorizada por uma pessoa determina significativamente a maneira como ela avalia a beleza de algo.

Antes de prosseguir, porém, duas possíveis confusões devem ser desfeitas: (1) trato aqui da “beleza” exclusivamente em produções artísticas humanas, afinal, existem coisas (como a beleza de um rosto humano) que não dependem de uma originalidade précia ou quaisquer outros elementos para serem belas. O fato de um casal "fazer amor" na posição convencional ou de ponta cabeça não irá influenciar na beleza da criança que irá nascer. Ela vai nascer bonita ou feia por simples “sorte”; (2) apesar da “originalidade” exercer um papel importante na produção de algo belo, ela não é determinante. Existem coisas que são mais belas simplesmente por serem simples e outras que não possuem beleza exatamente por serem “complexas” demais.

Temos, até aqui, portanto, o seguinte: a maneira como você enxerga a “originalidade” influi na forma como você avalia a beleza de algo. Mas, como foi dito, não apenas a originalidade determina a forma como enxergaremos algo. O rival da originalidade, o “pragmatismo”, também exerce um papel importante na formação de algo que se pretende analisar como “belo”. Além destes rivais, apontaria ainda a “identidade” e a “simplicidade” como elementos fundamentais que, em conjunto, determinam a beleza de uma criação artística.

Alguns preferem o pragmatismo, a repetição, a rotina; outros a originalidade, a diferenciação e as mudanças constantes. Claro que os extremos em ambas as posições devem ser rejeitadas (assim penso) e, sendo assim, deve haver um equilíbrio entre pragmatismo e originalidade, para que uma obra possua uma beleza. Por mais original que um pagodeiro seja, ele precisa ser pragmático em vários aspectos – por exemplo, usar cavaquinho e pandeiros na composição – a fim de que sua música mantenha sua “identidade”. A “identidade”, portanto, advém de um perfeito equilíbrio entre pragmatismo e originalidade na composição de uma obra.

Outro elemento que mencionei como responsável pela “beleza” de algo foi a “simplicidade”. Ora, todos entendem o que “simplicidade” representa, porém, trata-se de um termo de difícil definição. Simplicidade é algo de simples entendimento que se torna complicado quando se tenta explicar o que é. Acho que a melhor maneira de fazer com que você entenda a relação que enxergo entre “simplicidade” e “beleza”, ao invés de explicações longas e complexas, é através de um exemplo. Qual das expressões abaixo é mais engraçada e fiel ao seu objetivo de ser:

Destruir a extremidade de entrada de ar daquele objeto inflável muito comum em comemorações festivas de seres humanos que possuem menos de doze anos!” ou “Estourar a boca do balão!”?

Ou ainda um outro exemplo. Qual frase a seguir representa melhor sua intenção: “Sequer considerar a possibilidade de uma fêmea bovina expirar contrações laringo-bucais!” ou “Nem que a vaca tussa!”?

Creio que ficou evidente nos exemplos acima que a simplicidade possui uma importância enorme dentro dos elementos que definem a beleza de algo. Quando se complica demais algo que deveria ser simples, a beleza se esvai.

Apontei aqui alguns elementos que considero de essencial importância no estabelecimento da beleza de algo. Primeiramente, algo belo é algo que traz um equilíbrio entre originalidade e pragmatismo. Este equilíbrio faz uma composição ter novidades naquilo que se pode alterar, mas que mantém intactos os elementos que não podem ser alterados, a fim de que sua “identidade” se perdure. Além disso, a “simplicidade” final apresentada conta muito ao definir sobre a beleza de uma obra.

Após este longo caminho, estou apto a dizer o que considero como uma “música bela”. Uma música bela, em minha opinião, é aquela que possui originalidade, mas que não extrapola em inovações mantendo, assim, sua identidade, e que, no fim das contas, soa a mim com simplicidade. Claro, vários outros elementos podem ser apontados como relevantes na construção de uma composição (como a “inteligência” empregada ao compor uma obra ou a “relevância” da mesma, dado o contexto em que vivemos), mas, os elementos que foram aqui apresentados dizem muita coisa (ao menos dizem o suficiente) sobre como a beleza de algo é formado.

Olhando tudo o que foi dito aqui, entende-se porque é difícil criar qualquer coisa bela, seja uma musica, seja um texto, seja uma pintura, enfim, qualquer coisa. A beleza é como uma pedra que lenta e precisamente necessita ser lapidada, a fim de tomar uma forma ideal, perfeita, simétrica. Buscando uma fuga a este trabalho, surgem então os “clichês”. Se uma música X fez sucesso por suas características A e B, porque me dar ao trabalho de criar algo novo e original se posso simplesmente compor uma música com A’ e B ou com A e B’ e conseguir os mesmos resultados de quem se esforçou na elaboração original de A e B?

E é exatamente por isso que eu odeio as músicas evangélicas atuais: elas não passam de meros clichês repetitivos, sempre. Antes de qualquer CD de música evangélica ser lançado já se sabe, sem precisar ser profeta, o que o conteúdo lírico do CD vai trazer. Já tivemos a época das menções ao “fogo” nas músicas evangélicas, depois a fase do termo “chuva” atingir o auge, depois o termo “shekinah” fez seu sucesso, vários outros termos e expressões tiveram seu lugar ao sol e, atualmente, os termos “milagres” e “promessa” tomam conta do conteúdo lírico evangélico atual.

Neste sentido, a música evangélica atual é exatamente similar à música sertaneja atual. Eu não preciso gostar de música sertaneja para saber que os próximos lançamentos vão conter letras com histórias do tipo “estou apaixonado por você, mas você não me quer; aceite meu amor senão eu vou beber e desistir de viver”. Da mesma forma como as belas modas de viola da roça foram sucumbidas pelos clichês sertanejos de baixa auto-estima exigidas pelo mercado atual, a beleza de músicas evangélicas lindas como “Castelo Forte”, por exemplo, foram sucumbidas em um mercado que vende apenas clichês que prometem “prosperidade” e bênçãos materiais das mais variadas espécies.

Sinceramente, existe composição mais clichê, nojenta, pobre esteticamente e, ainda por cima, anti-bíblica do que “prosperarei e transbordarei para direita, para esquerda, para frente e para traz”?

O pior é que a resposta é sim! Sim, infelizmente, sim, existem composições mais absurdas que essa. Eu fico pensando em Deus olhando para o povo evangélico brasileiro e pensando: “De onde esse povo inventa tanta promessa de minha parte? Eu queria só que eles me amassem com sinceridade e sem segundas intenções!”.

Sobre a “mecânica da promessa” vou tratar em outro texto no futuro, mas ela segue uma lógica assim:

1 – Deus prometeu algo a fulano na Bíblia;
2 – Você está lendo a Bíblia;
3 – Logo, a promessa é para você também.
4 – Deus cumpriu a promessa que fez a fulano;
5 – Logo ele vai cumprir a promessa que ele fez a fulano em sua vida também.

Mas, como disse, tratarei disso em outro texto. Por hora, acho que disse o suficiente para justificar meu desgosto pela música evangélica nacional.

Não sou chato, apenas peço – pelo amor a Jesus Cristo – que os evangélicos se preocupem um pouco mais com a beleza de suas composições. Do contrário, continuarei saciando as minhas necessidades de beleza espiritual com as velhas e boas músicas antigas.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


2 comentários:

Sou blogueiro - INDICOESSE 3 de Agosto de 2009 20:09  

Mas é isso que acaba acontecendo mesmo .. .. alguns ficam nas antigas... O que pode acontecer é agente não entender o que as novas músicas teém de bonita, já que beleza é um conceito relativo.

As músicas góspeis atuais talvez prezem pela abertura ao rock, ao jingle sonoro, e perdem um pouco do conceito antigo de melodia e refrâos solenes...

Se as músicas gospeis nacionais estão ficando assim... chatas, vamos dizer, pode ser espaço para que novos músicos surjam.. talvez não tem surgido alguém ou uma banda que faça a diferença...

Glauber Ataide 4 de Agosto de 2009 09:14  

O juízo estético não é de todo "relativo".

Platão via a estética em termos absolutos, sendo que em sua obra a Forma do Belo era uma das principais Formas do hiperurânio (as três eram a Forma do Bem, a Forma do Belo e a Forma da Justiça).

Ele via o seguinte: se observamos uma bela praia, como a de Fernando de Noronha, lhe chamamos bela. Se vemos uma mulher como a Megan Fox, também lhe chamamos bela. Mas o que tem a praia a ver com essa mulher para que ambas recebam o adjetivo "bela"? Para Platão, isso é porque ambas participam da Forma do Belo.

A meu ver, uma certa dose de relativismo afeta o julgamento estético por causa do nível de sofisticação ou de "sensibilidade artística" do indivíduo diante de uma experiência estética.

Pelo menos é assim que vejo o caso do Eliel: quanto mais intelectualmente sofisticada é a pessoa, mais exigente é o seu juízo estético. Mas na minha opinião, o belo não é de todo "relativo", apesar das variações nos juízos.

Related Posts with Thumbnails

  © Blogger template 'A Click Apart' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP