quarta-feira, 22 de outubro de 2008

João e os Filósofos Pré-socráticos

Lendo alguns textos sobre a história da Filosofia, me deparei com uma relação muito interessante entre o contexto que estava estudando (os filósofos pré-socráticos) e o prólogo do Evangelho segundo João.

Para entender a relação que eu enxerguei, primeiro vamos falar um pouco sobre os filósofos pré-socráticos:

À primeira vista, poderíamos dizer que esta escola da Filosofia foi batizada desta forma por que ela surgiu antes de Sócrates, porém, isto não é totalmente verdadeiro. Na verdade, os pré-socráticos foram batizados assim mais por sua forma de pensar do que pelo período histórico em que viveram. Apesar de ser verdadeiro que a grande maioria dos filósofos pré-socráticos viveram antes de Sócrates, alguns deles foram contemporâneos a ele e alguns vieram após sua morte.

O que difere os pré-socráticos dos filósofos que viriam posteriormente é o enfoque de sua filosofia: estes filósofos se concentravam em explicar qual é origem de todas as coisas, qual era o princípio explicativo e causador de todas as coisas.

Esse “princípio explicativo” era chamado pela palavra grega “arche” (daí de onde veio ao palavra “arqueologia”). Pelo fato de sua filosofia se focar completamente na natureza, os pré-socráticos também eram chamados de naturalistas ou filósofos da natureza.

Para Tales (620? – 540? a.C.) o princípio explicativo (arché) de todas as coisas era a Água, pois, como ele observou, que tudo o que tem vida necessita da água para existir, que os mortos ressecam, etc. Esse Tales é o mesmo do Teorema de Tales que aprendemos na matemática.

Anaxímenes (570? – 520? a.C.) pensava que a origem de todas as coisas teria de ser o ar ou o vapor. Por morar na mesma região que Tales (Mileto) e ter nascido enquanto Tales ainda filosofava, é bem provável que ele tenha compartilhado idéias com Tales. Para Anaxímenes a água seria ar condensado, dessa forma, a arché seria o ar, não a água conforme Tales havia dito.

Um importante filósofo pré-socrático para nosso estudo foi Heráclito (540 – 470 a.C.) de Éfeso. O pensamento de Heráclito é um tanto longo e confuso, mas, resumidamente, ele elaborou um pensamento de que o princípio de todas as coisas é o fogo. Para ele o cosmos é um só e nasce do fogo e de novo é pelo fogo consumido, em períodos determinados, em ciclos que se repetem pela eternidade. Baseava-se no fato de que tudo no Universo está em constante mudança para justificar seu pensamento. Para Heráclito, a ordem no Universo diante dessas transformações era garantida pelo Logos (palavra grega que significa verbo, discurso, razão).

Vários foram os filósofos pré-socráticos e o pensamento grego foi gradativamente se moldando conforme esses filósofos iam interpretando a teoria de seus antecessores e elaborando suas próprias teorias. Posteriormente vieram Parmênides, Empédocles, Demócrito e Xenófanes. Cada um buscava explicar o que gerou o Universo, porque existe alguma coisa ao invés do simples “nada”. Acompanhar a evolução do pensamento entre um filósofo e outro é uma tarefa bastante interessante.

Posteriormente surgiu uma escola (movimento) chamada de estoicismo. Os estóicos pegaram emprestada a filosofia de Heráclito e expandiram a idéia do Logos, a idéia dessa razão universal que não muda e que criou e rege o Universo. Para eles, o Logos era a razão universal, a força criadora eterna, a energia sustentadora e orientadora, a “alma do mundo”.

Pois bem, feitas as considerações históricas, vamos ao prólogo do evangelho segundo João. Ora, que relação o evangelho de João pode ter com a filosofia pré-socrática? Vamos ao texto:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no Princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele e, sem ele, nada do que foi feito se fez (...) Estava no mundo e o mundo foi feito por intermédio dele, e o mundo não o conheceu (...) E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade.” (João 1:1-14).

No original em grego, a palavra usada por João para “princípio” foi arché (razão explicativa dos pré-socráticos) e para “verbo” foi Logos (conceito inicado por um pré-socrático e ampliado pelos estoicos). Ou seja, João retomou toda discussão dos gregos, explicando, conforme a visão cristã, qual é o princípio explicativo de tudo o que existe.

Em linguagem mais informal, o que João na verdade estava dizendo era o seguinte: "Gregos, vocês estiveram por séculos procurando o princípio explicativo das coisas, o motivo pelo qual tudo existe. Vocês estavam certos em uma coisa, foi o Logos que criou tudo isso. No princípio (arché) esse Logos estava com Deus, ele era Deus, tudo foi feito por ele e sem ele nada teria sido feito. Ele sempre esteve no mundo, mas o mundo não o reconheceu, então, o Logos se fez carne e habitou entre nós. O Logos, a arché, é Jesus, vou contar a história dele a seguir..."

Se a argumentação foi bem recebida ou não pelos gregos não sabemos, mas hoje a única religião praticada na Grécia, berço da Filosofia, é o Cristianismo. Eles encontraram a arche.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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