quinta-feira, 18 de junho de 2009

Resposta a Timóteo Sampaio: Sobre os Milagres

Recentemente tive um debate virtual com um grande amigo meu (Timóteo Sampaio) sobre a natureza dos milagres e sua ocorrência. Ambos somos evangélicos e estudamos na mesma escola teológica, porém, em alguns pontos temos opiniões divergentes. Achei proveitoso escrever um texto sobre um destes pontos – a ocorrência dos milagres – uma vez que existe uma obsessão na igreja evangélica sobre milagres. E não estou mentindo. As várias imagens ao longo deste texto (e ainda tive que selecionar quais entrariam dentre as disponíveis, a grande maioria ficou de fora por falta de espaço) provam que a obsessão por milagres e pelo “sobrenatural de Deus” é bem real e verdadeira.

É preciso deixar uma coisa bem clara antes de começar a discorrer minhas opiniões: eu não nego a ocorrência de milagres como fazem, por exemplo, os naturalistas. Milagres são possíveis e eu acredito que Deus em alguns casos realmente interfira na natureza em favor de alguma questão específica. O que eu nego é a banalização dos milagres e a pregação de que milagres são eventos comuns e constantes na vida do cristão.

Por favor, leia o parágrafo anterior novamente. Eu não estou afirmando a impossibilidade de milagres. Neste texto eu vou argumentar duas coisas: (1) viver bem e “naturalmente” deve ser o objetivo de nossas orações a Deus, não a busca por milagres, pois os eventos naturais agradam mais a Deus do que os milagres; e (2) os milagres são eventos raros e são realizados por Deus apenas em situações específicas conforme a Sua vontade, não a nossa.

Como vou usar este termo por todo o texto, acho necessário definir o que são os “milagres”.

Milagres, conforme minha visão, são eventos de ordem não natural da parte de Deus que ocorrem em nosso mundo.

Uma vez que milagres são eventos “sem explicação natural” que acontecem em nosso mundo, uma confusão muito simples pode ocorrer (lê-se: acontece freqüentemente): podemos julgar serem sobrenaturais eventos que, na verdade, são simplesmente naturais, mas que ainda não temos explicação.

Até a descoberta da meteorologia, por exemplo, todos os fenômenos naturais climáticos (chuva, estiagem, seca, enchentes, etc.) eram considerados sobrenaturais, relacionados ao humor de algum deus. Descobriu-se a meteorologia, desfez-se o mistério. Hoje sabemos que a água que “cai do céu” é a mesma que um dia esteve aqui embaixo e nos foi útil de alguma forma. Ninguém mais acredita (assim espero) que a chuva em excesso ou em escassez se deve ao ânimo de Deus.

Portanto, em razão de nossa ignorância (falta de conhecimento) muitas coisas consideradas milagres não são de fato milagres. O que você considera “milagre” hoje pode ser apenas um evento natural cuja explicação você ainda não possui. Quando você vê um número de mágica, por exemplo, você fica pasmo perguntando-se como aquilo pode ter acontecido, porém, quando algum Mr. M desvenda o truque você diz a si mesmo “puxa, como eu não consegui pensar nesta possibilidade antes?”.

Além dos não-milagres que são considerados milagres por causa de nossa ignorância, existem ainda as fraudes. Nenhum evangélico gosta que toque neste assunto, mas, fraudes existem, e são muitas. Como eu argumentei com meu amigo Timóteo, por que deveria eu acreditar em milagres se os maiores panfletários desta prática são pessoas de índole questionável?

Me segurei para não citar nomes, mas não resisti em citar o mais importante de todos: Benny Himm (que inclusive tem um programa transmitido pela Rede Super de Televisão) é o mais famoso conferencista milagreiro do mundo. No Brasil ele se tornou famoso por causa do livro “Bom Dia Espírito Santo” e por causa de algumas cruzadas que ele andou fazendo por aqui. As heresias em seus ensinamentos são absurdas (leia alguns aqui). Ele também está rodeado por um número enorme de escândalos, o mais recente é o de que ele incitava os pastores de seu “ministério” ao uso de heroína (veja este vídeo).

Talvez você queria tirar Benny Himm fora, tudo bem. Quem sobra? Bispo Pedir Maiscedo? Se alguém ainda acredita nele, eu sugiro que assistam este vídeo.

Um nome muito mencionado é o do Missionário R. R. Soares. Apesar de não acreditar em todos os “milagres” que acontecem lá (afinal, 90% das curas são de caroços) não o considero uma fraude. Acho inclusive que ele tem o tipo de retórica que um pastor deve ter, gosto do tom de sua voz (ele não grita e isso é um diferencial hoje em dia entre os pastores) e muitas de suas mensagens me agradam pela sua habilidade de contextualizar uma mensagem antes de apresentá-la ao público. Porém, como eu disse, a maioria dos “milagres” que lá ocorrem é de cura de caroços e, pelo que sei, os milagres realizados por Jesus eram mais inquestionáveis.

Pois bem, vamos prosseguir. A primeira tese que vou defender neste texto é de que as ocorrências “naturais” agradam mais a Deus do que as “sobrenaturais” e, por esta razão, deveríamos amar mais o mundo como ele é do que ficar clamando por milagres o tempo todo.

Nosso universo é dotado de leis e constantes físicas. São várias estas constantes e elas existem tanto quando se observa o universo em sua forma quântica quanto podem ser observadas no dia a dia. Existe uma lei natural que me mantém preso ao chão e não me deixa sair voando por aí feito um balão de gás. Existe uma lei que faz meu organismo necessitar de oxigênio, de forma que, se eu prender minha respiração por uma quantidade de tempo superior à que meu organismo suporta, eu morro. Existe uma lei que faz minha vida depender do bombeamento de sangue pelo coração, de forma que, se eu comer muitas frituras e entupir as veias que vão a este órgão, eu morro. Existe uma lei que faz meu corpo armazenar toda a gordura que consome para possíveis momentos de escassez futuras, de forma que, se eu comer desenfreadamente, posso ficar grande e feio demais.

Resumindo tudo o que eu disse acima: existem leis naturais que regem nossa existência e, como tudo o que existe foi criado por Deus, logo estas leis são benéficas para nós mesmos. A Bíblia diz que Deus contemplou toda sua criação e a considerou muito boa em todos os aspectos (Gn 1:31). Ora, se as leis naturais foram criadas por Deus, logo Deus se agradou delas quando as criou. Se Deus quisesse ter criado um mundo onde Ele tivesse prazer de ficar interferindo em todas as questões a todo o tempo, não haveria necessidade alguma de ter criado as leis que regem nossa existência. Se Deus criou as leis que regem nossa existência (sejam as leis físicas, sejam as leis de equidade, sejam as leis morais) estas leis são boas e representam o propósito de Deus para nossa existência.

Você que fica cantando a Deus para fazer “milagres” na sua vida já percebeu que toda vez que você valoriza o “milagre” você está, inconscientemente, desvalorizando a grande obra Deus na criação das leis naturais? Por que ao invés de pedir que Deus faça um milagre, você não pede a Deus que dê força e capacidade a você, para que você mesmo consiga vencer conforme as leis que regem o universo?

Não seria mais justo pedir a Deus que te dê capacidade para conseguir uma promoção em seu trabalho ao invés de pedir a Deus que faça você ser o promovido dentre seus colegas de trabalho? Quando Deus promove você ao invés do seu colega mais capacitado, não estaria ele prejudicando o mais capacitado? Não seria Deus injusto se agisse desta forma? Não seria mais justo pedir a Deus que te dê entendimento para fazer uma prova difícil ao invés de pedir a Deus que faça um milagre na sua nota?

Meu amigo Timóteo argumentou que cristianismo não existe sem milagres. Bem, dado a ganância existente por milagres (vide, por exemplo, que toda música evangélica de sucesso faz alguma referência a “milagres”) eu sou obrigado a concordar com Timóteo. O cristianismo evangélico circense, sim, não consegue viver sem menções a milagres. Porém, o cristianismo real, verdadeiro, consegue. Não é intrínseca ao cristianismo a ocorrência contemporânea de milagres, uma vez que o verdadeiro cristão reconhece que o maior milagre de todos já ocorreu na cruz.

O cristianismo circense (que necessita de milagres para existir) canta que “o melhor de Deus ainda está por vir” enquanto o cristão verdadeiro canta que o melhor de Deus já veio a dois mil anos atrás. O cristianismo circense enfeita sua pregação com termos bonitinhos e fofinhos relativos à “promessa”, enquanto a fé cristã verdadeira canta, junto com o Grupo Logos, que “quando Ele me chamou, não fez promessas humanamente convincentes”. O cristianismo circense canta que “hoje meu milagre vai chegar” todo domingo porque, no fim das contas, ele nunca vem.

É muito interessante esta colocação de meu amigo Timóteo. “Não existe cristianismo sem milagres”. Bem, se isto é verdadeiro, gostaria de perguntar: se os milagres (até a cura de caroços) parassem de acontecer, você deixaria de ser cristão?

Se você disser que sim, você não é digno de ser cristão, pois estaria condicionando seu amor a Deus à ocorrência de sinais prodigiosos. Se você disser que não, você estará endossando meu ponto de que é possível existir cristianismo sem milagres.

Novamente eu repito: eu não nego a ocorrência de milagres, o que eu nego é o anseio desesperado pela ocorrência destes eventos por parte dos cristãos de ordem pentecostal e neo-pentecostal. Pedem-se milagres para qualquer coisa. Você é um consumista compulsivo e sempre termina o mês nas dívidas? Peça um milagre. Você quer namorar um gatinho que está namorando uma mocréia? Peça a interferência de Deus. Unha encravada? Hemorróidas? Varizes? Seu time não ganha títulos? Simples, ore e determine seu milagre.

Leia bem: ore e “determine”. Se você orar e pedir, Deus não faz. Você tem que orar e obrigar ele a fazê-lo, aí ele faz. Um modelo de oração é o seguinte:

Senhor, eu (seu nome) sou dizimista fiel, ofertante e semeador na sua obra. Eu não faço isso apenas por amor ao Senhor, pois, como disse Silas Malafaia, quem oferta a Deus por amor sem segundas intenções é um trouxa (fonte). Sendo assim, conforme as várias promessas que eu retirei do Velho Testamento (antiga aliança), eu ordeno a você que (diga o milagre que você quer) e assim determino minha vitória. Amém.

Fui sarcástico demais, admito. Porém, existem pessoas que quase chegam a fazer orações assim. Eu não acredito que meu amigo Timóteo ore assim, sei inclusive que ele é uma pessoa muito sincera e temente a Deus em sua fé, porém, pessoas oram assim, infelizmente.

Milagres são eventos raros, não cotidianos. Eles não acontecem a todo segundo e também não acontecem conforme a vontade do crente. Eles acontecem em momentos específicos e por causa da vontade de Deus.

Os evangélicos argumentam (Timóteo argumentou assim) que Jesus e os apóstolos realizaram muitos milagres e que, como Jesus disse que aqueles que crescem nEle fariam obras maiores do que as que Ele realizou, logo, milagres aconteceriam na mesma freqüência como aconteceu com Jesus caso tenhamos fé suficiente para tal (Jo 14:12).

É um questionamento justo, porém, fraco por duas razões. Veja, Jesus fez só milagres? Não! Jesus realizou muitas obras como, por exemplo, amar as pessoas indistintamente, sentar-se com os perseguidos e rejeitados, questionar o poder religioso de sua época, pregar a mensagem do Reino de Deus, enfim, além de milagres, Jesus fez muitos outros tipos de “obra”. Sendo assim, por que devemos interpretar “obra” apenas com relação aos milagres realizados por Jesus?

Abrindo um parêntese aqui, imagina como o mundo seria melhor se os cristãos pedissem a Deus – na mesma intensidade com que pedem milagres – que Deus os desse amor pelos pobres e perseguidos no mundo!

A segunda razão pela qual considero que a inferência da realização constante de milagres nos dias atuais por parte do versículo supracitado é falsa é a seguinte: a Bíblia contém muitos relatos de milagres, sim, porém, todas as citações de milagres ocorreram em pequenas janelas de eventos na história, mostrando que os eventos específicos justificavam a ocorrência de milagres. Norman Geisler e Frank Turek mostram isso de forma clara:

Contudo, existe um conceito errado muito comum por trás dessa questão. É a crença de que a Bíblia está cheia de milagres que aconteceram continuamente por toda a história bíblica. Isso é apenas parcialmente verdadeiro. É verdade que a Bíblia está cheia de milagres, acontecidos em cerca de 250 ocasiões diferentes. Mas a maioria desses milagres aconteceu em janelas históricas muito pequenas, durante três períodos distintos: durante a vida de Moisés, Elias e Eliseu, de Jesus e dos apóstolos. Por quê? Porque aqueles foram momentos quando Deus estava confirmando uma nova verdade (revelação) e novos mensageiros que portavam aquela verdade.(GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu. Vida, 2006)

Os milagres aconteceram com frequência na Bíblia APENAS em momentos em que Deus estava enviando uma “nova mensagem” e, por esta razão, seria proveitoso munir os portadores da mensagem com milagres, para que provassem ao povo que eles vinham da parte de Deus.

Não há nenhuma nova mensagem a vir até a vinda de Jesus, portanto, não há necessidade nenhuma de que Deus interfira nas leis que Ele criou a todo segundo.

Sendo assim, por que não vemos milagres bíblicos hoje? Porque se a Bíblia é verdadeira e completa, Deus não está confirmando nenhuma nova revelação e, assim, não tem o propósito principal de executar milagres hoje. Não há uma nova palavra vinda de Deus que precise ser confirmada por Deus. Agora, não nos interprete mal aqui. Nós não estamos dizendo que Deus não pode realizar milagres hoje ou que ele nunca possa fazê-la. Como soberano Criador e sustentador do Universo, ele pode realizar um milagre em qualquer momento que desejar. A questão é que simplesmente pode não ter uma razão para mostrar publicamente o seu poder como fazia durante os tempos bíblicos porque todas as verdades que ele queria revelar já foram reveladas e confirmadas. (GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu. Vida, 2006)

Pois bem, acho que escrevi o suficiente para responder ao meu amigo Timóteo de forma clara. Não nego a ocorrência de milagres, porém, não há razão nenhuma para acreditar que Deus interfira nas leis da natureza toda vez que um filho seu pede. Termino o texto com as palavras do pastor Ricardo Gondim, outro crítico ao evangelicalismo:

Não dá mais para agüentar tanta promessa de bênção. Enche ter de ouvir pastores oferecendo os mais ricos votos de felicidade e proteção divina a cada culto. Ser abençoado tornou-se quase uma obsessão evangélica nacional. Promete-se tanta riqueza, saúde física e felicidade que, pelo número de campanhas de oração realizadas, o Brasil já deveria ter melhorado em algum dos índices de qualidade de vida das Nações Unidas; com algum alívio na distribuição de renda ou menos fila nos ambulatórios públicos.




Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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3 comentários:

Timóteo Sampaio disse...

Bem, como o artigo surgiu de uma troca de idéias entre mim e ti, sugiro q todos os q lerem esse artigo, tbm entre no meu blog, e leia o q escrevi a respeito. Primeiro sobre as leis naturais

http://tim-ibt2.blogspot.com/2009/02/fe-lei-acima-das-leis-tim-sampaio.html

Depois, no mesmo blog estarei postando minha visão sobre os milagres.....

Gde Abraço

Tim Sampaio

18 de junho de 2009 15:54
Igor Miguel disse...

Eliel... vc conhece L'Abri? Gostei do seu blog...

21 de junho de 2009 07:53
Eduardo Vaz disse...

Eliel
vc está certo...tenho vergonha dessa cara da igreja que vc chamou circense... isso parece mais com espiritismo sujo, com todo respeito ao espiritas leitores do seu blog...
Milagres estao contidos na biblia, e talves deveriam ser clamados em ocasioes onde ja esgotamos as alternativas obvias naturais... isso louvaria mais a Deus..
abraços
eduardo vaz
eduardovaz.blogspot.com

6 de agosto de 2009 07:30