quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

William Lane Craig responde: Deus é Verdadeiramente Infinito?

Questão 1: Prezado Sr. Craig,

Como sempre estou debatendo e defendendo o Kalam[1], eu sempre refuto a possibilidade de um passado eterno para o universo simplesmente explanando a diferença entre infinitos reais e potenciais. Agora, é muito simples provar a não existência de infinitos reais, mas com isto surge a questão “como Deus pode ser infinito se infinitos reais não existem?”. Eu tento dar o meu melhor para responder a esta questão, mas a resposta nunca sai tão boa quanto a maneira como gostaria que ela saísse. Eu geralmente digo que infinitos reais não existem no mundo físico; Deus é verdadeiramente infinito, mas Ele transcende o universo físico e não está limitado a espaço ou circunstâncias. Qualquer resposta será grandemente valiosa.

Russ.

Questão 2: Se infinitos reais não existem, como você argumenta, você discorda de que Deus conhece um número infinito de coisas?

Obviamente existe um imensurável, mas finito, número de coisas no universo a se conhecer, mas e sobre Seus próprios pensamentos? Não existiria um número infinito de pensamentos na mente da Trindade?

Alan


Dr. Craig responde:

Eu responderia sua questão de forma diferente, Russ. Alguma coisa ser ou não física parece, em minha opinião, ser irrelevante ao fato de que sua quantidade está entre os valores que podem ser numerados ou contados. Assim é, por exemplo, perfeitamente inteligível perguntar se existem um verdadeiro número infinito de anjos ou um número infinito de almas. As coisas não precisam ser físicas para poderem ser contadas. (Matematicamente, existem também alguns infinitos não numeráveis, mas estes casos não se enquadram ao caso aqui).

Antes, a chave para sua questão é entender que a noção matemática de um infinito real é uma concepção quantitativa. Trata-se de uma coleção de elementos precisos e discretos que são membros de uma coleção. Mas quando teólogos falam sobre Deus ser infinito, eles não estão tratando a palavra no sentido matemático, se referindo a um conjunto de infinitos números de elementos. A infinidade de Deus é, antes, qualitativa, e não quantitativa. Isto significa que Deus é metafisicamente necessário, moralmente perfeito, onipotente, onisciente, eterno, etc.

Na verdade “infinito” é apenas um “termo guarda-chuva” usado para cobrir todos os atributos superlativos de Deus. Se você retirar a abstração de todos os atributos, então não haverá nenhum atributo chamado “infinidade”. Nenhum dos atributos de Deus precisa envolver um número infinito de coisas. Para dar um exemplo, Alan, a onisciência não precisa implicar o conhecimento de um número infinito de, digamos, proposições, muito menos ter um número infinito de pensamentos; também não precisamos nós pensar que a onipotência implica a habilidade de realizar de um número infinito de ações[2]. Quando nós definimos onisciência como um conhecimento de todas as proposições verdadeiras, nós estamos expressando a amplitude do conhecimento de Deus, não o seu modo. O modo do conhecimento de Deus tem sido concebido tradicionalmente como não-proposicional na natureza. Deus tem uma intuição singular e não-dividida da realidade, o que nós – conhecedores finitos – fragmentamos em bits individuais de informação, chamadas “proposições”. Assim, o número de proposições é potencialmente infinito, na melhor das hipóteses. Similarmente, onipotência não é definida em termos da quantidade de poder possuído por Deus ou pelo número de ações que Deus pode realizar, mas em termos de Sua capacidade de realizar estados de afazeres. Como tal, a onipotência não envolve nenhum comprometimento com um infinito de real de coisas. Portanto, não há nenhuma razão para pensar que Deus é suscetível ao tipo de análise quantitativa imaginada pelos opositores.

Assim, negar que Deus é infinito no sentido quantitativo do termo de maneira algum implica que Deus é finito. Esta inferência non sequitur[3], uma vez que o senso quantitativo de infinidade pode simplesmente ser não aplicável a Deus.

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Notas

[1] – “Argumento Cosmológico Kalam”. Argumento que busca inferir a existência de Deus como causa explicativa para o início do universo. [Nota do tradutor]
[2] – William Alston, “Does God Have Beliefs?” Religious Studies 22 (1986): 287-306; Thomas P. Flint and Alfred J. Freddoso, “Maximal Power,” in The Existence and Nature of God, ed. Alfred J. Freddoso (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1983), pp. 81-113.
[3] - Expressão latina que significa "não segue". É utilizada para denominar conclusões que não seguem às premissas apresentadas. [Nota do tradutor]

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Para a versão original em inglês, clique aqui.

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Traduzido por: Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


21 comentários:

Eduardo Vaz disse...

craig deu uma aula...so poderia ter abordado mais sobre onipotencia..tava ficando gostoso de ler...

30 de dezembro de 2009 08:49
Glauber Ataide disse...

É por isso que Wittgenstein dizia não fazer sentido falar sobre essas coisas. Craig afirma que o "infinito" de Deus na verdade não é um "infinito".

É por isso que "negar que Deus é infinito no sentido quantitativo do termo de maneira algum implica que Deus é finito". Isso é claro, pois "infinito" não significa "infinito". E o troféu do non sequitur ainda vai para quem não sabia de antemão que "infinito" não é "infinito".

Quando ele fala da onisciência de modo não-proposicional, de forma "intuitiva", isso me remete aos paradoxos de Zenão sobre a impossibilidade do movimento.

Mesmo o modo de conhecimento sendo não-proposicional, isso não implica que Deus não conheça as proposições de forma individualizada. Sendo o número delas pelo menos "potencialmente" infinito, e sendo Deus capaz de conhecer não só o que existe em ato, mas também em potência, a pergunta que fica é: Ele conhece todas essas proposições "potencialmente" infinitas?

(Notando que Craig disse: "onisciência não precisa implicar o conhecimento de um número infinito de... proposições". Então existe algo potencial que Deus não saiba, já que a onisciência não implica conhecer tudo?)

30 de dezembro de 2009 09:58
Eliel Vieira disse...

Glauber,

Craig não supos que "'infinito' não é 'infinito'". Pelo o que eu entendi (e acho que isto ficou óbvio demais), existem duas ou mais aplicações para o termo "infinito" que devem ser diferenciadas. O "infinito" empregado para Deus é como um guarda-chuvas, um termo que convenientemente empregamos para resumir todos os atributos de Deus. Vale lembrar que a noção de infinitude de Deus foi tomada emprestada da concepção clássica grega, e não vemos ela na Bíblia (pelo menos não que eu me lembre).

Enfim, Craig não defendeu que "'infinito' não é 'infinito'", mas que as empregabilidades do termo devem ser diferenciadas a fim de evitar argumentações estupidamente lógicas como:

1 - Infinitos reais não existem.
2 - Deus é Infinito
3 - Logo, Deus não existe

Certa vez ouvi um silogismo parecido, que peca exatamente por não diferenciar as empregabilidades dos termos:

1 - A Bíblia diz que a mulher é a glória do homem.
2 - A Bíblia diz que o homem deve viver de glória em glória.
3 - Sendo assim, a Bíblia ensina que devemos trocar de mulheres frequentemente.

30 de dezembro de 2009 11:30
Glauber Ataide disse...

"...a noção de infinitude de Deus foi tomada emprestada da concepção clássica grega, e não vemos ela na Bíblia".

Qual o sentido de tomar este termo de empréstimo e depois alterar o seu significado? Se ele não existe na Bíblia, para que utilizá-lo, no final das contas? (Sem culpar os primeiros padres, please. O que eles estavam importando da filosofia grega não eram termos, mas sim conceitos.)

E minha dúvida ainda permanece: Deus conhece todas as proposições "potencialmente" infinitas? Porque se não, poderia se dar o caso em que uma proposição se tornasse ato sem que Deus a conhecesse de antemão. (Vide comentário anterior.)

4 de janeiro de 2010 03:57
Eliel Vieira disse...

Vamos lá Glauber eu vou tentar responder às suas perguntas. Leve em consideração que o assunto é altamente especulativo (como você bem sabe).

Primeiro sobre onisciência, os gregos e a Bíblia. Você deve saber muito bem (talvez até mais do que eu) que a noção cristã de Deus foi se moldando ao longo do tempo, sofrendo várias influências (internas e externas). A concepção sobrenatural de Deus, por exemplo, é fruto de uma influência neoplatônica na Teologia. É possível encontrar nos escritos dos padres apostólicos até concepções materialistas de Deus (afirmando que Deus era da mesma substância do restante do universo). Se não me falha a velha e cansada memória, Tertuliano era defensor desta visão materialista de Deus.

"Pegar emprestado" é só uma expressão que, obviamente, não exprime suficientemente o caso da influência grega sobre a Teologia. Não houve algo como "vamos tomar emprestado este conceito dos gregos". Ao que parece, esta influência foi bastante natural, conforme o cristianismo ia se "relacionando" com o mundo (especialmente após o século IV), bem como a medida que pensadores se convertiam à fé cristã.

Enxergamos na Bíblia passagens que parecem defender algo como a onisciência de Deus, porém, não há uma descrição direta e sistemática sobre isso. As passagens que parecem defender a onisciência, aliás, são sempre "poéticas" (como o salmo 139, ou o primeiro capítulo de Jeremias). Tais passagens não parecem (por elas mesmas) implicar que Deus possua um conhecimento onisciente sobre todos os eventos que acontecem no universo, seja os que já aconteceram, seja os que irão acontecer.

A noção de que Deus necessariamente deveria ser onisciente (bem como onipotente, onipresente e infinito) foi importada dos gregos. Ou melhor, o conceito cristão foi se moldando, levando em consideração o que os gregos já haviam refletido sobre a questão. Então, acredito, respondi suas questões "Qual o sentido de tomar este termo de empréstimo [onisciência] e depois alterar o seu significado? Se ele não existe na Bíblia, para que utilizá-lo, no final das contas?". Não houve algo como "vamos utilizar este conceito sobre Deus", a Teologia simplesmente foi se moldando em face às influências.

Sobre sua segunda pergunta: "Deus conhece todas as proposições ‘potencialmente’ infinitas?", vamos lá: Craig argumenta que a onisciência não implica o conhecimento de um numero infinito de coisas, pois, em suma, infinitos quantitativos reais não existem (de acordo com o autor). Bem, sendo assim, e sobre os potenciais infinitos? (Acredito que esta seja sua dúvida). Bem, como eu acredito na onisciência (ou alguma variação disto) eu acredito que todas as proposições verdadeiras do universo são conhecidas por Deus. O número de todas as proposições verdadeiras no universo (se você concordar) é potencialmente infinito - ou seja, pode crescer indefinidamente sem limites. Isto não significa (assim penso) que o número de proposições verdadeiras no universo um dia chegará a ter um número infinito – não, não é isto. O que “o número de proposições é potencialmente infinito” significa é que o número de proposições pode crescer indefinidamente, sem fim. Se ontem o número era de P, amanhã será de P+7 e depois de amanhã P+7+5. Sendo assim, sim, Deus conhece todas as proposições potencialmente infinitas, pois seu número, no fim das contas, é finito.

(continua...)

4 de janeiro de 2010 05:08
Eliel Vieira disse...

(continuação...)

Quando dizemos que Deus não pode conhecer um número infinito de coisas não estamos colocando um limite sobre a capacidade conhecedora de Deus – estamos dizendo que tal “número infinito de coisas” não existe. As coisas a se conhecer, por mais absurdo que o número seja, são finitas. É assim que eu entendo esta questão.

Há também a possibilidade de que o conhecimento de Deus seja uno, ou seja, Deus em um só ato conhece todas as proposições verdadeiras do universo. O que para nós seria vários conhecimentos, a Deus seria um só.

Existe também a teoria (acho até que Craig é defensor de alguma variante disto, se não me falha a memória) de que Deus possui apenas um conhecimento contingente sobre as proposições no universo – ou seja, Deus teria decidido limitar-se em vista às decisões humanas. De acordo com esta teoria, Deus não conhece o resultado de qualquer decisão que eu possa vir a tomar.

Enfim, especulações não faltam. O que era de se esperar, uma vez que estamos tentando entender algo que é incognosticível à nossa razão. Mas o pouco que sabemos é suficiente para demonstrar como a argumentação ateísta (Infinitos reais não existem / Deus é infinito / Logo, Deus não existe) é falaciosa.

4 de janeiro de 2010 05:09
Glauber Ataide disse...

Sobre a "importação" dos conceitos, todos sabemos que não foi algo "planejado". Eu mesmo reproduzi essa posição no último parágrafo de um post de abril de 2009 em meu blog (http://glauberataide.blogspot.com/2009/04/filosofia-grega-e-teologia-crista.html).

Mais uma vez temos uma grande confusão de termos nessa discussão, e mais uma vez Wittgenstein e sua filosofia da linguagem me vem à mente.

"Deus conhece todas as proposições potencialmente infinitas, pois seu número, no fim das contas, é finito."

Porém, uma coisa é uma coleção "tender ao infinito", outra coisa é ela ser realmente infinita.

Se dizemos que Deus não tem início e não tem fim, chamá-lo de "infinito" não é simplesmente um "termo guarda-chuva". Se Deus não tem início e nem fim, seus próprios pensamentos também não tiveram início e nem terão fim. Eles são infinitos, ao invés de apenas "tenderem" ao infinito, pois não tiveram um início.

Mesmo que o seu "modo" de conhecer seja não-proposicional, essa "massa" unificada que Ele conhece de uma só vez é potencialmente dividida em infinitas proposições, donde se segue que Deus conhece um número infinito de proposições.

4 de janeiro de 2010 08:08
nanuni--kokoritu disse...

Gostei bastante das respostas dele.
Bem claro e objetivo!

4 de janeiro de 2010 14:09
Eliel Vieira disse...

Glauber,

Você tem citado freqüentemente Wittgenstein. Li uma frase dele muito interessante, que diz “Se as palavras humanas não são capazes de descrever o aroma do café, como poderiam ter sucesso a respeito de algo tão sutil quanto Deus?”. Espero que você concorde comigo que tal “confusão de termos” e a especulação em excesso ao tentar definir Deus (ou este ou aquele atributo Dele) são normais, dado a “complexidade” do mesmo.

Mas este excesso nas especulações (dado nossa limitação cognitiva) de forma alguma seria uma razão para dizer que elas são “perda de tempo” ou “sem sentido”. (Pelo menos não a mim).

Também não acho que devemos mascarar a questão fugindo das dificuldades levantadas e fingindo que tudo está bem. Um paralelo à questão que você levantou que me fez pensar foi: “De acordo com a fé cristã haverá um pós-vida eterno. Eterno significa um número não limitado de tempo, logo, implica a existência de um número não limitado de eventos e proposições verdadeiras, para as quais um ser onisciente deveria conhecer. Existiria, assim, um número infinito e real de coisas às quais um ser onisciente deveria conhecer”.

Pensando na sua pergunta e na que veio à minha mente eu me lembrei do paradoxo dos pontos. Suponha que você faça um pequeno circulo que caibam dentro dele 10 pontos. Aparentemente não há incoerência alguma em dizer que em seu círculo caibam 10 pontos. Porém, se você aumentar um pouco o zoom, percebera que há espaço vazio entre os pontos, bem como que dentro dos próprios pontos cabem mais pontos. E pode acontecer ad infinitum. Imagine que você conseguiu colocar 1 trilhão de pontos dentro de seu círculo até que você se cansou. Imagine agora um ser que viva em um destes pontos que esteja refletindo sobre a quantidade de pontos existentes. Seria algo como “o número de pontos existentes ao meu redor é infinito. É impossível contabilizá-los. Nem mesmo um ser onipotente conseguiria isto”. Mas você, de sua perspectiva, vê apenas um círculo, um círculo comum.

Qual é meu ponto? Não é lá tão prudente assim tirar conclusões sobre uma não-onisciência de Deus visto que não conseguimos conceber como Ele pode conhecer um número infinito de proposições, pois, no fim das contas, sua perspectiva pode ser (e provavelmente é) bem distinta da nossa. Talvez o Ser Onisciente enxergue todas as proposições, mesmo que elas sejam de fato infinitas, como um pequeno círculo. Dentro de um círculo cabem infinitos pontos, mas, o círculo é limitado: podem-se ter pontos no círculo, mas apenas no interior do círculo – qualquer ponto fora do círculo não é um ponto dentro do círculo. Agora, como você bem disse, Deus é eterno (sem início e sem fim), mas deveríamos considerar Deus limitado à eternidade, ou a eternidade de alguma forma “subordinada” (não achei termo melhor) a Deus?

Claro. Apenas especulações. Mas gostaria que você me desse a sua opinião sobre a questão, já que estamos conversando sobre ela abertamente.

4 de janeiro de 2010 16:54
Glauber Ataide disse...

Mascarar a questão? Quem? Onde? Como?

Sobre este exemplo do círculo, essa questão eu já havia colocado no meu primeiro comentário quando citei o paradoxo de Zenão, que é exatamente isso. Mas acho que não havia ficado claro, já que eu dei o exemplo com laranjas e agora você o repete com maçãs.

O meu argumento, a propósito, está mesmo baseado na possibilidade de uma divisão ad infinitum de um determinado objeto. A diferença é que enquanto os paradoxos de Zenão falam sobre a divisão no espaço, eu o desloquei para o total do conhecimento divino.

E esta frase de Wittgenstein só corrobora o que eu vinha afirmando sobre isso, não diz nada de diferente. Não devemos pensar que ele estava "defendendo" esse tipo de discussão.

Eu não tenho um ponto de vista firmado sobre esta questão, pois eu não estou praticando apologética, mas fazendo Filosofia. Não estou tentando defender um ponto de vista por causa de uma "tradição" em que eu acredite. Eu apenas percebi que a posição do Craig poderia levar a um paradoxo, e estou apenas verificando se ela realmente vai levar a isso.

Eu não acho que o Craig respondeu apropriadamente à segunda questão feita pelo Alan. Eu não sei como o "modo" de conhecimento de Deus implica que Ele não conhece um número infinito de proposições, já que seus pensamentos não tiveram início e não terão fim. Mesmo que o seu "modo" seja não-proposicional, mesmo assim Ele conheceria esse número infinito de proposições - isso é, mesmo que ele não precise "percorrer" uma coleção de infinitos, um por um, Ele conhece esse infinito. Mas como conciliar isso com o argumento do Craig de que "infinitos reais não existem"? Qual o status ontológico dos pensamentos de Deus? Eles não existem?

E pra finalizar, sobre o termo "eterno" que utilizamos para a vida após a morte: É por isso que em inglês temos a palavra "everlasting". É impossível a qualquer humano ser "eterno". Mesmo que sua vida nunca mais acabe, o que teremos é uma vida que "tende ao infinito", (usando termos matemáticos), mas não "eterna" no sentido estrito do termo e que só se aplica à divindade.

5 de janeiro de 2010 03:46
Eliel Vieira disse...

Glauber,

Quando disse que "não devemos mascarar a questão" não me referi a você, mas aos demais cristãos que fingem que os "problemas" não existem e maqueiam sua teologia, tapando as lacunas. Refazendo a frase, seria algo como "Não é bom fazer como os demais cristãos que mascaram os problemas intelectuais às suas crenças. Bom é agir como estamos agindo. É saudável".

Acho interessante quando você diz que não tem "um ponto de vista firmado sobre esta questão", pois você não está "praticando apologética". Se formos olhar bem, o que estamos fazendo aqui não é apologética. Não há aqui algo como "defender a fé em vista das objeções levantas, independente de quais sejam". O que há aqui é especulação sobre um tema e, para especular sobre algum tema (mesmo que seja relacionado a Deus) não é necessário ser "apologeta".

Eu entendo a sua posição de tentar verificar se "a posição do Craig poderia levar a um paradoxo", mas gostaria de saber sua opinião superficial (dado as primeiras impressões que você tem) sobre a questão. Na sua opinião, a onisciência deve implicar o conhecimento de um número infinito de proposições? Você acredita que infinitos reais existem, ou eles são apenas "idéias em nossa mente" como Craig afirmou?

Eu gostaria aqui de reforçar uma possibilidade que eu levantei: a questão da perspectiva. Se Deus é eterno e onisciente, certamente a percepção que Ele tem sobre qualquer coisa é completamente distinta da nossa. Sendo assim, não seria uma possibilidade que o que para nós é uma impossibilidade intrinseca (infinitos potenciais reais) seja para Deus algo tão simples como um círculo? Digo, Craig afirmou que infinitos reais não existem, mas a perspectiva de Craig é completamente distinta da de Deus. Craig em sua limitação não consegue conceber a idéia de um infinito real. Para Deus, no entanto, isto seria algo simples de se conceber (tão simples como um círculo) já que sua perspectiva é a de um Ser onisciente, eterno, etc.

Sobre o termo "everlasting", nunca tinha parado para pensar no que você disse. Realmente, eterno nenhum dos humanos jamais será - pois tivemos um início. Interessante.

5 de janeiro de 2010 07:08
Glauber Ataide disse...

As perguntas feitas ao Craig não vieram de pessoas querendo "filosofar", mas sim defender a fé. Não me parece que aqueles dois leitores estejam fazendo essas mesmas perguntas a filósofos ateus por aí para "aprender".

Eu não tenho uma opinião superficial sobre isso. Se devemos levantar hipóteses para trilhar o desenvolvimento de uma pesquisa e tentar confirmá-la ou refutá-la, minha hipótese então é aquela que eu já expressei no outro comentário: a de que existe um paradoxo nessa questão.

Porque se um número infinito de proposições potenciais existe e Deus não conhece todas, segue-se que pelo menos uma delas poderia se tornar ato sem o conhecimento de Deus e "pegá-lo de surpresa". Mesmo sendo o conhecimento de Deus sobre a realidade uno e indivisível, Ele conhece o que é potencial, o que virá a ser, as contingências.

Sobre a possibilidade da perspectiva de Deus, eu acho que isso é verdadeiramente possível. Eu não tenho a pretensão de "compreender" Deus, e acho que por essa razão, eu não posso tampouco ter a pretensão de "harmonizar" fé e razão. E é isso que leva a paradoxos.

Se infinitos reais existem, isso é só para Deus. Como eu não posso conceber tal coisa por ser apenas um humano, então chegamos a um paradoxo. Só poderia aceitar tal coisa pela fé.

5 de janeiro de 2010 08:17
kkradioativo disse...

aqui está o segredo da coisa :
"Portanto, não há nenhuma razão para pensar que Deus é suscetível ao tipo de análise quantitativa imaginada pelos opositores. "

Engraçado como muitas proposições levantadas quanto a não existência de Deus são questionadas sobre coisas que de uma certa medida é difícil um ser -humano explicar pela limitação da mente humana . Pelo menos no meu entender , como disse o Eliel acima algumas concepções de Deus do que ele é ou não é não existem na bíblia , sou são colocadas de uma forma que não tinha o claro objetivo de explicar o que é Deus

kakaradioativo

5 de janeiro de 2010 14:53
Eliel Vieira disse...

Glauber,

Filosofando sobre isso algo veio em minha mente: podemos dizer (aproveitando o exemplo do círculo que cabem muitos pontos) que, no fim das contas, não importa a quantidade de pontos que se coloque no círculo, este número será finito. Podemos dizer que a potencialidade de pontos que cabem em um círculo é finita, mas, ao trazer a idéia para a realidade, a verdade é que qualquer que seja o número de pontos que se coloque dentro de um círculo, ele será finito.

Acho que é por isto que Craig diz que "infinito" é apenas uma "idéia em nossa mente, mas não algo que se encontre na realidade. (Lembrando aqui que "infinito" se trata de uma coleção qualquer cuja quantidade seja infinita).

É diferente perguntarmos "quantos pontos cabem em um círculo" e "quantos pontos existem efetivamente em um círculo". A resposta à primeira pergunta (que é uma pergunta mais idealista, reflexiva, especulativa) é "infinitos pontos cabem aqui". A resposta à segunda pergunta, porém, necessariamente deve ser "X pontos existem aqui".

Sendo assim, ao se deparar com o objeto que contem todas as proposições verdadeiras, duas perguntas Deus pode fazer (hipoteticamente), "Quantas proposições verdadeiras podem existir ou vir à existir no cosmo?" (resposta: infinitas proposições); e, "Quantas proposições verdadeiras efetivamente existem no cosmo?". Segue-se, para a segunda pergunta o número necessariamente deveria ser finito.

Esta distinção seria, assim, uma distinção entre potencialidade e realidade - entre o que é especulação e o que é fato.

Acredito que, de forma mais detalhada, esta seria a argumentação de Craig quando ele disse que "infinito é apenas uma idéia em nossa mente, mas não algo que exista na realidade".

Lembrando que, conforme Craig argumentou, a onisciência de Deus não se refere ao "modo" como ela se dá, mas sobre sua amplitude. De fato, ao que parece, estamos aqui debatendo sobre algo que Craig não defendeu (ele deixou explicito que a onisciência não se refere ao modo como ela se dá). Um silogismo que se poderia pensar, para ilustrar o ponto da "amplitude" da onisciência seria:

- Deus conhece todas as proposições verdadeiras da realidade.
- Potencialmente, o número de proposições verdadeiras é infinito (ou seja, cabe sempre mais uma unidade a este número).
- Olhando para a realidade como um todo, o número de proposições verdadeiras efetivamente deve ser finito. (deixando em aberto aqui a questão da quantidade de proposições verdadeiras dentro da "eternidade").
- Logo, o número de proposições verdadeiras a serem conhecidas é finito.
- Logo, não há incoerência intrinseca com o atributo da onisciência.

Acho que a questão da perspectiva faz muita diferença neste caso. Deus olharia à realidade "de cima", vendo o todo. Sendo assim, mesmo que a potencialidade do número de proposições verdadeiras seja infinito, Deus em um só ato (Aquino falava muito deste "em um só ato") conhece efetivamente o número de proposições existentes.

A única dificuldade que vejo aqui é para a questão da eternidade... ou do "everlasting". Pois se o "tempo" se tenderá ao infinito (como é a concepção mais comum de vida após a morte), logo o numero de proposições verdadeiras para este caso estará sempre crescendo, ininterruptamente, não sendo, assim, um número fixo.

5 de janeiro de 2010 17:39
Glauber Ataide disse...

Concordo com você quanto ao número de proposições verdadeiras que efetivamente podem se tornar ato ser um número limitado. Mas a questão é: quais serão essas proposições, dentre aquele número infinito de possibilidades?

Deus não conhece as proposições depois que elas se tornam verdadeiras. Se assim fosse, Ele realmente só teria um número finito de proposições a conhecer. Ao contrário, Ele conhece essas proposições antes, dentre um número infinito de proposições. E para saber quais proposições são falsas e quais são verdadeiras, Ele precisa conhecer todas.

E devemos lembrar que a questão não engloba somente as proposições verdadeiras e contingentes relativas à nossa realidade temporal, mas também os próprios pensamentos de Deus que duram toda a eternidade.

Resumindo, o que eu venho afirmando até aqui é: Deus conhece um número infinito de proposições. Não estou me referindo ao modo em que Ele adquire esse conhecimento. Isso não tem importância para o meu argumento até aqui. Estou me referindo apenas à quantidade. Deus tem conhecimento de todos os mundos possíveis.

O problema é que isso suscita uma discussão ontológica. As proposições que Deus conhece tem pelo menos uma propriedade: a propriedade de serem verdadeiras ou falsas. Ou seja, essas proposições existem. Então, um infinito real existe ou não? Ou devemos dizer que os pensamentos de Deus não existem?

6 de janeiro de 2010 02:50
Eliel Vieira disse...

Glauber,

Eu estou tendo certa dificuldade em identificar qual é o ponto do seu argumento (ou do seu questionamento). Estou confuso (rs).

Poderia elaborar um silogismo que o represente? Assim podemos nos focar em cada premissa.

Abraço!

7 de janeiro de 2010 00:03
Glauber Ataide disse...

Então vamos fazer o seguinte: vou repetir o comentário anterior mas especificando a qual pergunta estou respondendo, alterando uma ou outra coisa.

Sendo assim, ao se deparar com o objeto que contem todas as proposições verdadeiras, duas perguntas Deus pode fazer (hipoteticamente), "Quantas proposições verdadeiras podem existir ou vir à existir no cosmo?" (resposta: infinitas proposições); e, "Quantas proposições verdadeiras efetivamente existem no cosmo?". Segue-se, para a segunda pergunta o número necessariamente deveria ser finito.

Concordo que o número de proposições verdadeiras que efetivamente podem existir é um número limitado. Mas a questão é: quais serão essas proposições, dentre aquele número infinito de possibilidades, de mundos possíveis? Ele deve conhecer todos os mundos possíveis e saber discernir as proposições verdadeiras das falsas.

- Olhando para a realidade como um todo, o número de proposições verdadeiras efetivamente deve ser finito. (deixando em aberto aqui a questão da quantidade de proposições verdadeiras dentro da "eternidade").
- Logo, o número de proposições verdadeiras a serem conhecidas é finito.


Deus não conhece essas proposições depois que elas se tornam verdadeiras. Se assim fosse, Ele realmente só teria um número finito de proposições a conhecer. Ao contrário, Ele conhece essas proposições antes, dentre um número infinito de proposições. E para saber quais proposições são falsas e quais são verdadeiras, Ele precisa conhecer todas. Ele discerne as falsas das verdadeiras.


Resumindo este comentário: Deus conhece um número infinito de proposições. Não estou me referindo ao modo em que Ele adquire esse conhecimento. Isso não tem importância para o meu argumento até aqui. Estou me referindo apenas à quantidade. Deus tem conhecimento de todos os mundos possíveis, além de Seus próprios pensamentos.

O problema é que isso suscita uma discussão ontológica. As proposições que Deus conhece tem pelo menos uma propriedade: a propriedade de serem verdadeiras ou falsas. Sendo que elas possuem pelo menos uma propriedade, podemos dizer que elas existem? Se sim, então um infinito real existe. Se não, devemos dizer que os pensamentos de Deus não existem.

7 de janeiro de 2010 03:57
Eliel Vieira disse...

Glauber, acho que sua argumentação deixa um ponto (que penso ser muito simples) despercebido: para um ser onisciente não existe um tempo onde uma proposição verdadeira não seja verdadeira, de forma que ele a conhece “antes dela se tornar verdadeira”. Talvez as proposições verdadeiras se apresentem à onisciência simplesmente como proposições verdadeiras. Em um só ato, assim, a onisciência contempla todas as proposições verdadeiras, sem necessariamente ter de refletir nas infinitas “preterições”.

Para uma escolha, infinitas (potencialmente infinitas) possibilidades foram preteridas, sim, mas tais preterições não são “reais”, de forma que possamos “contabilizá-las”. Algo que foi preterido é um não-ser – não toma lugar na realidade. Entre duas possibilidades concorrentes das quais apenas uma foi levada a cabo, esta (a concluída) possui lugar na realidade, a preterida não. Podemos especular sobre ela (assim como podemos especular sobre como estaríamos se tivéssemos vestido aquela camiseta verde), mas a proposição verdadeira presente na realidade mesmo é apenas a que foi efetivamente levada a cabo (a roupa que estamos neste momento).

Portando, a amplitude da onisciência englobaria as proposições verdadeiras (Glauber está com uma camiseta do Atlético), mas, a questão aqui é: será que para ter ciência disto a onisciência necessariamente teria de ter um conhecimento sobre todos os mundos possíveis (todas as possibilidades) “antes” de ter seu conhecimento sobre as proposições verdadeiras?

Grosso modo, talvez o conhecimento de Deus seja bem análogo ao nosso. Por exemplo: você tem conhecimento sobre a roupa que você está vestindo. Vamos denominar este conhecimento de “ato primeiro”. Você poderia também, vislumbrar “possibilidades” – que não são conhecimento (conhecimento = crença + justificação) – como “como eu estaria se tivesse com a camiseta verde?” – vou chamar isto de “ato segundo”. É perfeitamente possível a você refletir sobre a possibilidade preterida de ter se utilizado da roupa verde (ato segundo), mas, se você procurar neste exato momento, não haverá na realidade nenhum “você” com camiseta verde. Em suma, não existe – não é real. Você pode imaginar (potencialmente) infinitos “e se”, mas, em suma, nada do que você imaginar será algo real.

A onisciência possui conhecimento de todos os “atos primeiros” existentes na realidade. Como você concordou, um número finito (deixando aqui a reserva sobre a questão da eternidade). Porém, Deus pode também refletir sobre “atos segundos”. Potencialmente, o números destes atos é infinito, porém, se se procurar na realidade, nenhum “ato segundo” jamais existiu.

PORÉM, Glauber, não acho que seja razoável aceitar que a Onisciência (para conhecer as proposições verdadeiras, ou os “atos primeiros”) TENHA que conhecer todas as preterições, ou os todos os “atos segundos”.

Você disse: Ele conhece essas proposições antes, dentre um número infinito de proposições. Minha teoria é o contrário: Ele conhece as proposições verdadeiras em ato único e, em segundo plano, reflete quando aprouver nos “atos segundos”.

Tem outro ponto também. Sua teoria parecer sustentar uma limitação às proposições verdadeiras em face às possibilidades existentes, quando você diz algo como “Deus precisa conhecer todos os mundos possíveis para conhecer as proposições verdadeiras existentes”. Talvez seja o inverso: as proposições verdadeiras simplesmente existem e são as preterições que possuem “existência” condicionada às proposições verdadeiras. Veja, sempre que você fala de algo preterido você inconscientemente se lembra de uma proposição verdadeira: “se tivesse sido assim...”.

7 de janeiro de 2010 08:03
Glauber Ataide disse...

"Para uma escolha, infinitas (potencialmente infinitas) possibilidades foram preteridas, sim, mas tais preterições não são 'reais', de forma que possamos 'contabilizá-las'."

As 'preterições' podem se referir a situações que não vieram a ocorrer, mas eu me refiro ao próprio pensamento das preterições. Isso é, não ao conteúdo do pensamento, mas ao pensamento em si.

Sobre "contabilizar" o que não existe, isso parece levar à conclusão de que eu não poderia contar meus pensamentos cujo conteúdo são preterições.

Não obstante, se eu penso alguma coisa, isto é irrefutável: o meu pensamento, em si, existe. E eu não preciso de "justificação" epistemológica para saber que estou pensando, isso é, para reconhecer a existência do meu pensamento.

O mesmo se aplica com os pensamentos de Deus, e eu refaço a pergunta do meu último comentário: os pensamentos de Deus existem ou não?

"Ele conhece as proposições verdadeiras em ato único e, em segundo plano, reflete quando aprouver nos 'atos segundos'. "

Mas isso é um tanto estranho. Deus teria que "refletir" para descobrir as contingências? Não foi afirmado que seu conhecimento se dá em um ato único?

"Sua teoria parecer sustentar uma limitação às proposições verdadeiras em face às possibilidades existentes..."

Mas este número tem que ser finito.

7 de janeiro de 2010 08:53
Eliel Vieira disse...

As 'preterições' podem se referir a situações que não vieram a ocorrer, mas eu me refiro ao próprio pensamento das preterições. Isso é, não ao conteúdo do pensamento, mas ao pensamento em si.

Mas acho que foi exatamente esta a razão de Craig ter dito sobre o “modo não proposicional do pensamento de Deus”. Isto, em um só ato, único e não-dividido, Deus conhece tudo aquilo a que se pode conhecer. Usando como imagem o exemplo do círculo e dos pontos, Deus contemplaria a realidade como um único ponto. O “pensamento” das preterições seria um só conforme a argumentação de Craig, não? Se o que você está argumentando é que existem infinitos “pensamentos” em Deus uma vez que existem “infinitas possibilidades”, você simplesmente não está refutando o argumento de Craig, você está refutando a sua visão da onisciência.

Apenas recapitulando, para não nos perdermos: segundo Craig a onisciência se refere à amplitude do conhecimento de Deus (todas as proposições verdadeiras existentes) e não ao modo, ou à quantidade de coisas que a onisciência engloba. Sendo assim, mesmo que um número infinito potencial de possibilidades preteridas existam, mesmo assim, como (1) o pensamento de Deus sobre estas proposições seria um só, e com (2) a onisciência engloba apenas as proposições verdadeiras e reais (algo, digamos, concreto) em um só ato, Deus continuaria sendo onisciente.

E aqui acho que você se confundiu um pouco no que eu disse na minha postagem, quando me referi a “atos primeiros” e “atos segundos”. Os “primeiros” e “segundos” se referem ao “status ontológico”das proposições, não à ordem que vêem à mente de Deus, apesar de ter dito na última postagem que Deus “reflete depois sobre os atos segundos”. Porém, tratou-se apenas de um antropomorfismo, que não esperava que você levaria ao pé da letra.

Na verdade, algo que já deveria ter sido dito desde o início da postagem é que estamos lidando com uma carga forte de antropomorfismo aqui. Inclusive você, quando pergunta por exemplo, se “os pensamentos de Deus existem?”.

“Pensamento” é algo muito humano. Ele pressupõe inclusive uma “falta”: pensamos porque desejamos conhecer, trazer à memória ou entender algo. Mas poderíamos dizer que um ser onisciente “pensa”, uma vez que (por definição) não pode faltar a ele conhecimento, “memória” ou entendimento?

(continua...)

10 de janeiro de 2010 06:27
Eliel Vieira disse...

(continuação...)

Você suscitou uma questão ontológica interessante sobre a questão das proposições que Deus conhece, e eu deixei esta interessante questão passar despercebido: O problema é que isso suscita uma discussão ontológica. As proposições que Deus conhece têm pelo menos uma propriedade: a propriedade de serem verdadeiras ou falsas. Sendo que elas possuem pelo menos uma propriedade, podemos dizer que elas existem? Se sim, então um infinito real existe. Se não, devemos dizer que os pensamentos de Deus não existem.

Vamos lá: as proposições verdadeiras são, por definição, verdadeiras. Deus conhece todas as proposições verdadeiras. Isto implica um infinito real? Não, absolutamente não. Veja:

Primeiramente, não existe apenas uma propriedade referente às proposições que Deus conhece: sabemos que umas de fato tomaram lugar na realidade, outras não. O número das proposições que tomaram lugar na realidade (ou seja, das “reais”) é finito. Quanto às preteridas, seu número é potencialmente infinito. Porém, como vou argumentar agora, mesmo que a potencialidade para a quantidade destas preterições seja infinita, a coleção de proposições preteridas “verdadeiras de fato” deve ser finito.

Vamos lá, você está com uma camisa X hoje. Certamente podemos dizer que o número de possibilidades preteridas para que você estivesse usando a camiseta X é potencialmente infinito. Existem infinitas maneiras de como você poderia estar vestido hoje. Porém, algumas das possibilidades preteridas são improbabilíssimas. Por exemplo, existiu a possibilidade de Silvio Berlusconi ter vindo à sua casa e ter te presenteado com uma camiseta de linho italiana. É extremamente improvável? Sim, mas era possível de ter acontecido? Sim, afinal, não existe quaisquer contradições internas a esta possibilidade (o que a tornaria intrinsecamente impossível). Entretanto, existem possibilidades preteridas que eram muito prováveis de terem acontecido, por exemplo, você poderia ter pego a camisa que estava ao lado da que você pegou.

O que quero dizer? Que nem todas as “possibilidades” são “possibilidades de fato”. Você pode colocar dentro de um círculo a quantidade de pontos que você quiser, mas, no fim das contas, a quantidade de pontos que você enxerga são apenas duas dezenas. Potencialmente o número de preterições é infinito, mas, no fim das contas, não seria o número de proposições “verdadeiras de fato” um número finito? Pois, se um por um lado é “verdadeiro” que o Silvio Berlusconi poderia ter presenteado com uma camisa italiana, por outro isto não é nem de longe uma possibilidade “verdadeira de fato”. Sabemos (para efeitos práticos) que isto era impossível de ter acontecido.

Não acho que seja razoável concluir que infinitos reais existem apenas porque podemos, com nossa mente, imaginar (potencialmente) infinitas quantidades de possibilidades que mesmo nós (seres não oniscientes) sabem de antemão que não são possibilidades “verdadeiras de fato”. Agora, será que um ser onisciente deixaria de ser onisciente apenas porque Ele não pode conceber todas as possibilidades (que não chegaram sequer a ser possibilidades de fato)?

10 de janeiro de 2010 06:27