segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

William Lane Craig Responde: a Morte de Deus e a Morte de Cristo

Questão:

Olá Dr. Craig,

Eu gostaria primeiramente de agradecê-lo pelo tempo e trabalho que você dispensa ao seu ministério. Tem me beneficiado grandemente e foi o seu exemplo que me fez estudar e conseguir uma graduação em filosofia.

Sobre a minha questão, eu nunca consegui uma resposta clara a ela. Quando Jesus morreu na cruz, Deus morreu? Se sim, a essência de Jesus verdadeiramente morreu?

Esta questão realmente me incomodou enquanto eu estava escutando a música “And Can it Be?” [E pode ser?]. Tem uma parte nela, no fim do coro, que diz “Amazing Love! How can it be that Tho my God shoudst die for me? Amen!” [Grande amor! Como pode ser, Tu, meu Deus, morrer por mim? Amém!].

Eu nunca consegui uma resposta clara e concisa para esta questão e parecem existir diferentes opiniões entre os teólogos sobre a natureza desta questão. O pastor John MacArthur parece acreditar que Deus morreu, uma vez que Jesus é Deus. Já R. C. Sproul discorda e acredita que Deus não pode morrer.

Eu não consigo entender como pode ser possível que Deus pudesse verdadeiramente morrer. Por que se Deus pudesse, Ele não seria um Ser metafisicamente necessário. Mas isto é impossível porque, por definição, Deus deve ser necessário. Assim, quando Cristo morreu na cruz, foi apenas sua parte humana que morreu?

Esta é uma questão difícil, e eu apreciaria muito se você pudesse lançar alguma luz sobre ela.

Muito obrigado,

Jesse


Resposta do Dr. Craig:

Não pude resistir à sua questão, Jesse, uma vez que ela apela ao meu hino favorito, o magnífico “And Can it Be?”, de Charles Wesley. Eu desafio qualquer cristão que conheça apenas músicas de louvor e a adoração a ouvir este hino e contemplar sua maravilhosa letra sobre o incrível amor de Deus.

Sua questão é uma das que confunde nossos amigos mulçumanos e é, portanto, muito urgente. Felizmente, a Igreja cristã histórica já discutiu esta questão de forma clara.

O Concílio de Calcedônia (451) declarou que o Cristo encarnado era uma pessoa com duas naturezas, uma humana e outra divina. Isto gerou conseqüências muito importantes. Isto implica que, uma vez que Cristo exista antes de sua encarnação, ele era um ser divino antes de falarmos sobre sua humanidade. Ele foi e é a segunda pessoa da Trindade. Na encarnação, esta pessoa divina assume uma natureza humana também, mas não há outra pessoa em Cristo além da segunda pessoa da Trindade. Existe um acréscimo de natureza humana que o Cristo pré-encarnado não tinha, mas não há acréscimo algum de uma pessoa humana à pessoa divina. Existe apenas uma pessoa, com duas naturezas.

Portanto, o que Cristo disse e fez, Deus disse e fez, uma vez que quando falamos de Deus, estamos falando sobre uma pessoa. Esta é a razão do Concílio falar de Maria como “a mãe de Deus”. Ela carregou no ventre uma pessoa divina. Infelizmente, esta linguagem tem sido desastrosamente interpretada, porque soa como se Maria tivesse dado a luz à natureza divina de Cristo quando de fato ela deu a luz à natureza humana dele. Maomé aparentemente ensinou que os cristãos acreditavam que Maria era a terceira pessoa da Trindade, e Jesus era o descendente da relação entre Deus Pai e Maria, uma visão que ele corretamente rejeitou como blasfema, não obstante nenhum cristão ortodoxo a abraçasse.

Para evitar tais desentendimentos, é proveitoso falar do que ou como Cristo fez em relação a uma das suas naturezas. Por exemplo, Cristo é onipotente em relação a sua natureza divina, mas é limitado em poder em relação a sua natureza humana. Ele é onisciente em relação a sua natureza divina, mas ignorante sobre vários fatos em relação a sua natureza humana. Ele é imortal quando nos referimos a sua natureza divina, mas mortal quando nos referimos a sua natureza humana.

Você provavelmente já consegue entender agora aonde eu quero chegar. Cristo não poderia morrer em relação a sua natureza divina, mas ele poderia morrer em relação a sua natureza humana. O que é a morte humana? É a separação da alma do corpo quando o corpo cessa de ser um organismo vivo. A alma sobrevive ao corpo e se unirá com ele novamente algum dia em forma ressurreta. Foi isto que aconteceu com Cristo. Sua alma se separou do seu corpo e seu corpo cessou de viver. Por alguns instantes ele desencarnou. No terceiro dia Deus o ressuscitou dos mortos em um corpo transformado.

Em parte, sim, nós podemos dizer que Deus morreu na cruz porque a pessoa que submeteram à morte era uma pessoa divina. Então Wesley estava totalmente correto em perguntar “Como pode ser, Tu, meu Deus, morrer por mim?”. Mas dizer que Deus morreu na cruz é conduzir erradamente a questão, da mesma forma como fazem quando dizem que Maria era a mãe de Deus. Assim eu acho melhor dizer que Cristo morreu na cruz em relação a sua natureza humana, mas não em relação a sua natureza divina.

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Para a versão original em inglês, clique aqui.

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Traduzido por: Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


6 comentários:

Eduardo Vaz disse...

mas um ótimo raio de luz vindo do Dr.Craig..magnifico e ludico...como sempre..

2 de fevereiro de 2010 04:33
zwinglio rodrigues disse...

Eliel, paz!

Em Cristo não havia a relação hermenêutica eu-tu... sim... ele tinha duas naturezas, porém a doutrina da unipersonalidade é evidente no NT, o que fatalmente nos conduz à sentença da morte da pessoa divino-humana... Deus morreu sim... mas não quanto à sua Imortal Natureza...
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Abraços!
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Meu blog pessoal: www.blogdokimos.com

2 de fevereiro de 2010 13:55
Der Hexenhammer disse...

"Na encarnação, esta pessoa divina assume uma natureza humana também"

Então Deus não era perfeito. Incrível como a teologia católica é tão furada que qualquer saída tangencial de um paradoxo fatalmente conduz a outro...

3 de fevereiro de 2010 05:00
Glauber Ataide disse...

Eu não acho que essa "dupla natureza" seja algo fácil de se explicar e nem que seja uma solução definitiva para os inúmeros problemas que a divindade de Cristo-homem levanta.

Jesus não era nenhum "Cérbero" (cão da mitologia grega que tinha duas cabeças) com duas cabeças pensantes. O ser humano é um ser integral, e há uma interação entre corpo e alma.

Vejamos o exemplo da tentação de Cristo. Ele foi realmente tentado? Isso é, sentiu vontade de praticar o mal? E como fica a "natureza divina" nessa situação? Não podemos simplesmente separá-la artificialmente de Cristo e dizer: "Não, a natureza humana tinha vontade, mas a divina estava inabalável". Não podemos dizer isso pois o homem é um ser integral, uno.

Além disso, outras questões que podem não ser problemáticas, mas podem ser pelo menos embaraçosas podem surgir.

Vejamos: Jesus tinha sonhos eróticos? Jesus tinha polução noturna e ereção involuntária? Isso é absolutamente normal para qualquer ser humano, mas é embaraçoso quando pensamos em Jesus nessas situações. E para alguns cristãos, chega a ser ofensivo, blasfemo.

É por isso que o filme "A última tentação de Cristo" causou (e causa) tanta polêmica, pois essa obra de ficção representa um Jesus que toma uma consciência progressiva da sua divindade mas que também está sujeito às paixões humanas.

Se Deus morreu ou não na cruz, talvez não seja uma questão tão problemática dada a imortalidade da alma. Se nem nós mesmos deixamos de existir completamente com a morte, isso não parece trazer tantos problemas para a morte de Cristo.

Mas a dualidade da natureza de Cristo traz outros problemas que, a meu ver, não são tão simples de resolver quanto são fáceis de crer. Porque "crer" é outra coisa.

3 de fevereiro de 2010 05:22
Eliel Vieira disse...

Glauber,

Suas questões são pertinentes, e eu (e, acredito, ninguém) jamais terá uma resposta definitiva a elas. O que não é nada estranho, afinal, em um mundo possível no qual uma pessoa do Ser de Deus tivesse encarnado, neste mundo aqueles que estivessem refletindo sobre este fato dois mil anos depois provavelmente teriam as mesmas dificuldades que nós temos.

Eu particularmente não concordei com a proposta de Craig, de "separar" totalmente as duas naturezas totalmente. Mas não sei como explicar isto. Só podemos especular.


Der Hexenhammer,

Em que sentido Cristo deixaria de ser perfeito ao se "encarnar"?

3 de fevereiro de 2010 06:43
zwinglio rodrigues disse...

Glauber, paz!


"Mas a dualidade da natureza de Cristo traz outros problemas que, a meu ver, não são tão simples de resolver quanto são fáceis de crer. Porque "crer" é outra coisa."
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Em relação a essa sua fala acima eu estou de acordo... é como no caso da TRINDADE... ela sópode ser admitida pela REVELAÇÃO... se partirmos para a RAZÃO... teremos problemas que a questõ da UNIDADE não nos impõe...
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Pois bem, essa coisa da União Hipóstatica só é bem sedimentada no nosso coração pela REVELAÇÃO... fora isso, penso eu... concordando contigo... as coisas se complexificam... e muito...
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Veja você a lógica do DER HEXENHAMMER:
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"Então Deus não era perfeito."
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Ele diz isso, como você pode ver no comentário dele, demosntrando mesmo o problemão... no entanto, o escritor aos Hebreus diz-nos que Jesus em tudo foi tentado, mas em nada pecou... e aí? Sem pecado, não há defeito...
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Bom, também acredito que Jesus experimentou muito do que é normal ao ser humano... como eu e como você... digo normal, aquilo que está na esfera dos limites humanos (exceto o pecado)... por exemplo: ele angustiou-se até a morte no Getsemani... pensou em desistir da cruz, porém não cedeu... lite humano que não caracteriza-se em pecado... apenas não sei até onde Ele manifestou esse limites que são, digamos, legítimos...
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Não é fácil não...
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Desculpem-me a extensão do comentário.

3 de fevereiro de 2010 08:29