quarta-feira, 17 de março de 2010

O Espírito Santo como Testemunho Intrínseco de Veracidade (por William Lane Craig)

Questão:

Caro Dr. Craig,

Algumas vezes eu me preocupo com sua afirmação de que, mesmo que todos seus argumentos para a existência de Deus fossem refutados, mesmo assim você continuaria a ter fé, por causa do testemunho interno do Espírito Santo.

Isto significa que se qualquer um ou todos os argumentos abaixo:

1.Seja descoberto que o universo seja eterno;
2.O ajuste fino seja explicado por causas naturais;
3.A Moralidade seja apenas uma ferramenta sócio-evolucionária;
4.Descubra-se que os evangelhos não são confiáveis, ou se encontrem os ossos de Jesus (lembre-se do que Paulo disse, de que se Jesus não ressuscitou, vã é a nossa fé)

… forem provados como falsos, mesmo assim você continuaria a ser um cristão, encarando as evidências contrárias?

O motivo desta pergunta é que esta afirmação parece minar seus esforços apologéticos em alguns momentos. Você se lembra de Cristopher Hitchens apontando isto em seu debate ou de John Humphreys perguntando se você continuaria a ter fé se Lewis Wolpert tivesse derrotado seus argumentos?

Por último, e mais importante de tudo, se você está certo em ter fé mesmo que as evidências estejam contra você, então por que debater com mulçumanos? Não poderiam eles simplesmente dizer que a fé deles em Alá está além das “areias movediças da evidência”?

Obrigado,

Peter


Resposta do Dr. Craig:

Vamos ser cautelosos para formular corretamente a afirmação que você imputa a mim, Peter. O que eu afirmo é que para as pessoas que observam isto, o testemunho do Espírito Santo prevalece às acusações que alguém levanta contra as verdades que Ele testemunha. Alvin Plantinga chama esta ponderosa fundamentação como Testemunho Intrínseco de Veracidade, porque ela derrota todos os conflitos contra ela.

Agora, isto é completamente diferente de especular sobre o que eu faria na circunstância que você descreveu. Eu não tenho idéia do que, dado a fraqueza de minha carne, eu na verdade faria; mas eu sei o que eu deveria fazer. Eu deveria observar o testemunho do Espírito Santo. Mas, longe de ser rude com você Peter, “Mesmo que todos caiam, eu não cairei!” (Mc 14:28). Sendo assim eu não estou fazendo afirmações tão fortes quando você me acusa de fazer.

Por outro lado, eu afirmo algo muito mais forte do que o que você atribui a mim. Por que eu não apenas deveria continuar a ter fé em Deus com base no testemunho do Espírito Santo mesmo que todos os argumentos para a existência de Deus fossem refutados, mas eu deveria continuar a ter fé em Deus mesmo em face de objeções que eu não consiga responder neste tempo. A primeira afirmação não é assim tão radical: eu acho que a maioria dos teólogos, para não mencionar os crentes comuns, diria que os argumentos da teologia natural não são necessários para que se considere a fé em Deus uma crença racional. Na ausência de alguns argumentos que testifiquem a veracidade do ateísmo, eu estou de forma perfeitamente racional ao acreditar em Deus com base no testemunho do Espírito.

O que eu estou afirmando é que mesmo em face de evidências contra Deus que não possamos refutar, nós devemos crer em Deus com base do testemunho do Seu Espírito. A apostasia jamais foi uma obrigação racional a qualquer crente, nem a blasfêmia contra o Espírito Santo. Deus pode ter confiado a esta poderosa autoridade o poder de testificar sobre as verdades do Evangelho que nós nunca seremos obrigados racionalmente a rejeitá-Lo ou desertar-nos.

Então, para falar um pouco sobre seus cenários específicos:

1.Se descobrissem que o universo é eterno, nós seríamos obrigados a abandonar a inerrância bíblica (assim como o argumento cosmológico kalam), uma vez que a Bíblia ensina que o universo foi criado em um tempo finito passado. Mas obviamente isto não implicaria que Deus não existe ou que Jesus não ressuscitou de dentre os mortos.

2.Se mostrassem que o ajuste fino não passa de leis naturais, então deveríamos abandonar o argumento do design baseado no ajuste fino do universo. Poder-se-ia ainda elaborar um argumento para o designer, como Robin Collins fez, baseado na beleza e na precisão das leis da natureza, se não nos valores das constantes da natureza. Obviamente, de novo, mesmo a falha interna absoluta de qualquer argumento de design não significaria uma prova positiva de que Deus não existe.

3.Se fosse provado que a moralidade seja simplesmente uma ferramenta sócio-evolucionária, então o teísmo seria falso então não teríamos testemunho algum do Espírito Santo, uma vez que Deus não existiria. Uma vez que o teísmo implica que valores morais objetivos existem, se eles não existem, então o teísmo seria, obviamente, falso. A chave aqui é a palavra “simplesmente”. Nós podemos concordar que a maneira pela qual nós viemos a saber dos valores morais e direitos foi através do processo evolutivo, mas concluir a partir disto que eles não são objetivamente reais seria cometer a falácia genética de tentar invalidar uma visão ao mostrar como alguém veio a aceitá-la. Na ausência de uma prova ao ateísmo, o relato sócio-evolutivo de nossa moral não logra êxito algum em negar a validade de sua objetividade.

4.Novamente, se os ossos de Jesus fossem de fato encontrados, então a doutrina de sua ressurreição seria falsa e assim o Cristianismo não seria verdadeiro, nem existiria algo como o testemunho do Espírito Santo. Assim, se os ossos de Jesus fossem encontrados, ninguém deveria ser cristão. Felizmente, existe um testemunho do Espírito Santo, e disto se segue logicamente que os ossos de Jesus não serão encontrados.

Sobre seu ponto de que minha defesa do testemunho do Espírito Santo mina meus esforços apologéticos, bem, eu não tenho escolha a não ser defender a epistemologia religiosa que eu acredito ser verdadeira, não importando as conseqüências. Ironicamente, eu tenho apresentado em meus trabalhos publicados e debates uma teologia natural mais robusta e evidente para a apresentação cristã do que os auto-intitulados evidencialistas. Eu acho isto estranho porque eu também acredito que exista uma autenticação interna do testemunho do Espírito Santo, e este fato é apontado como que minando de alguma forma os argumentos e as evidências que eu apresento. Eu suspeito que as pessoas estejam apenas reagindo emocionalmente às minhas afirmações sobre o testemunho do Espírito Santo, ao invés de se esforçarem para analisar meus argumentos em detalhes, premissa por premissa.

Sobre sua questão final, eu a abordei no livro Reasonable Faith, 3rd Ed., p. 48 a 50. Claro, qualquer um (ou pelo menos qualquer tipo de teísta) pode afirmar ter um testemunho interno de Deus para a verdade de sua religião. Mas a razão de você argumentar com eles é porque eles realmente não têm isto: eles tem alguma experiência emocional ou eles interpretaram incorretamente suas experiências religiosas. Assim você apresenta argumentos e evidências em favor do teísmo cristão e objeções contra a visão de mundo deles na esperança de que a falsa confidência se desmanche ante o peso da argumentação e eles venham então a conhecer a verdade. (É exatamente isto que os ateus devem fazer comigo). Obviamente, ao apresentar tais argumentos, você não está trabalhando contra ou à parte do Espírito Santo. Ele está trabalhando, também, testificando aos corações deles a verdade do Evangelho e usando seus argumentos, quando você os apresenta amorosamente, para levar a pessoa à fé salvadora em Cristo.

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Postagem Orginial em: Reasonable Faith

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Traduzido por: Eliel Vieira
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sexta-feira, 12 de março de 2010

Sorteio - "O Cristianismo é bom para o mundo?" (Douglas Wilson e Christopher Hitchens)

O Cristianismo é bom para o mundo? Ou toda fé é apenas uma forma de retrocesso? Em 2007, uma revista norte-americana de circulação nacional promoveu um interessante debate entre dois pensadores brilhantes. O tema: até que ponto o cristianismo contribuiu para o progresso ou para o atraso do mundo? Que legados deixou para a sociedade moderna? Ele a ajudou no desenvolvimento da sociedade ou serviu apenas como obstáculo?

De um lado da discussão estava Douglas Wilson, apologista cristão, pastor da Christ Church, nos Estados Unidos, e acadêmico da Nova Faculdade Saint Andrews, além de bacharel em Estudos Clássicos e mestre em Filosofia. Do outro lado, Christopher Hitchens, jornalista britânico e analista político de prestígio, considerado um autêntico representante do movimento chamado "neoateísmo", autor de diversos livros, além de artigos para revistas como Harper's e The New Yorker.



A Garimpo Editorial acaba de lançar um grande livro no Brasil e o blog DESCONSTRUINDO vai sortear entre os leitores do blog três cópias desta obra (cortesia da editora). Leia abaixo a ficha técnica e as informações para sorteio.


Sobre o Livro:

Lançamento: Março de 2010
Editora: Garimpo Editorial
Hotsite do Livro: http://www.garimpoeditorial.com.br/hotsite_debate/index.html
Compre o livro: http://garimpoeditorial.com.br/cristianismo_ocristianismo.html
Leia um trecho do livro: Clique aqui.


Sobre o Sorteio:

Como Participar?
Para participar do sorteio é muito fácil. São dois passos a seguir:
- Você deve se tornar um “seguidor” deste blog. Para tal, procure na coluna direita a esta postagem o campo AMIGOS DO BLOG, clique em “Seguir”, logue com sua conta Google (a mesma que você usa para acessar Orkut ou Gmail) ou conta Yahoo e confirme que deseja “seguir publicamente” o blog.
- CLIQUE AQUI, preencha o formulário com seus dados completos e logo após clique em "Submit". (obs: quem chegou a fazer a inscrição via e-mail também estará concorrendo, portanto não há necessidade de fazer uma segunda inscrição).

Quando acontecerá o sorteio?
Dia 30 de Março. Os vencedores serão avisados por e-mail no mesmo dia, e seus nomes serão publicados logo abaixo, no campo "Comentários" desta postagem.

Por que devo seguir o blog para participar do sorteio?
Por duas razões: (1) evita que a mesma pessoa crie dezenas de contas de e-mail e fraude o sorteio e (2) ajuda a promover o blog DESCONSTRUINDO, que está realizando o sorteio.

O que acontece se eu for sorteado e não estiver seguindo o blog?
Simples: você não vai ganhar o livro e outra pessoa será sorteada no seu lugar. Portanto, antes de preencher o formulário, torne-se um seguidor do blog, não demora 10 segundos para isso.

Qual é a periodicidade dos sorteios aqui?
Não definida.

Posso divulgar este sorteio em meu blog?
Sim, claro!


Eliel Vieira
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terça-feira, 9 de março de 2010

Deus e o Monstro do Espaguete Voador (por William Lane Craig)

Questão:

Caro Professor Craig,

A defesa cumulativa da existência de Deus procede a partir de alguns dados (constantes físicas, existência das almas, testemunhos de milagres, etc.) que apontam para a existência de Deus como sendo a melhor explicação para estes dados. Existem contido algumas objeções importantes. 1. Tal inferência não mostra porque o teísmo deva ser uma explicação melhor do que, digamos, a hipótese de um Monstro de Espaguete Voador muito poderoso. 2. Também não mostra porque algum ser maligno – algum ser poderoso e maléfico como, digamos, Satanás – não deva ser considerado uma explicação melhor do que Deus; especialmente quando a existência do mal é inclusa dos dados observados. Como você responderia a isto? Obrigado.

Vlastimil




Resposta do Dr. Craig:

Sua questão é, na verdade, como os vários argumentos para a existência de Deus podem nos garantir inferências sobre a natureza deste Ser. Diferentes argumentos vão nos ajudar a inferir diferentes atributos, por isto a defesa da existência de Deus é, como você disse, cumulativa.

O muito amado Monstro de Espaguete Voador foi uma invenção de Bobby Henderson, que no verão de 2005 escreveu uma carta bem sarcástica à Secretaria de Educação do Estado do Kansas em protesto ao uso de adesivos em livros escolares que promoviam o Intelligent Design. Isto (ou ele, uma vez que o Monstro é um ser pessoal) se tornou uma sensação internacional (clique aqui e veja o site de Henderson).

Henderson usou o estranho monstro para parodiar a inferência a um Designer Inteligente para o universo. Ele escreveu assim, “Vamos lembrar que existem múltiplas teorias para o Designer Inteligente. Eu e muitos outros ao redor do mundo temos a forte convicção de que o universo foi criado por um Monstro de Espaguete Voador. Foi Ele quem criou tudo o que vemos e tudo o que sentimos”. Henderson afirmou conhecer um pouco sobre a natureza do Monstro de Espaguete Voador.

...será proveitoso dizer a vocês um pouco sobre nossas crenças. Nós temos evidências de que o Monstro de Espaguete Voador criou o universo. Nenhum de nós, obviamente, tem capacidade de vê-lo, mas temos relatos escritos sobre Ele. Nós temos muitos volumes pesados explicando todos os detalhes de Seu poder... Ele é obviamente invisível e pode passar pela matéria comum com facilidade... Eu incluí abaixo um desenho artístico Dele criando uma montanha, árvores, e um anão.

Como o desenho mostra, o Mostro é composto por duas grandes almôndegas envoltas por massa de espaguete, com dois grandes olhos no alto. É evidente que o Monstro de Espaguete Voador é um objeto físico finito que, por alguma razão não explicável, não é perceptível aos nossos sentidos.

Grande piada! Mas qual é seu objetivo? O que ela mostra? É notável o fato que a paródia de Henderson não diz nada sobre a legitimidade ou a necessidade de inferir um Designer Inteligente ao universo. Do contrário, o objetivo da paródia parece ser mostrar que nós não podemos conhecer muito, se é que podemos conhecer qualquer coisa, sobre a natureza do Designer. Portanto, é arbitrário reconhecer o Designer do universo como Deus, especialmente o Deus de alguma religião específica.

O que é curioso nesta paródia é que os teóricos do DI como William Dembski têm insistido no mesmo ponto há anos, mas todos parecem ignorar isto. Dembski deixa bastante claro que, com base na complexidade específica do universo, ninguém pode inferir que o Designer seja infinito, onipotente, onisciente e onibelevolente. É especificamente por esta razão que os teóricos do DI negam que o DI seja apenas religião disfarçada. A identificação do Designer como Deus é uma conclusão teológica que não pode ser justificada por si só com base apenas no argumento do desígnio.

Dembski escreve,

Os teóricos do design não apresentam Deus, uma vez que o raciocínio da teoria do design não garante o ensino sobre Deus. O raciocínio da teoria do design nos diz que certos padrões encontrados na natureza apontam para um projeto inteligente. Mas não há nenhuma inferência que conduza, a partir destes padrões da natureza, ao Deus Criador infinito, pessoal e transcendente das principais fés teístas... Como cristão eu defendo que o Deus da visão cristã é a fonte última de desígnio por trás do universo... Mas não há nenhuma maneira de atingir tal conclusão a partir da física e biologia... Longe de estarem sendo desonestos, quando os teóricos do desing não apresentam Deus, eles agem assim porque se mantêm dentro do âmbito de aplicação de sua teoria. ("The Design Revolution", p. 26).

Portanto, Dembski é inflexível ao fato de que as interpretações religiosas do Intelligent Design não deveriam ser ensinadas em escolas públicas. O próprio Dembski poderia ter apelado ao Monstro de Espaguete Voador para ilustrar seu ponto! Ironicamente, então, a paródia de Henderson na verdade reforça um dos pontos principais do movimento ID, de que o próprio não se trata de ensinamento religioso. A inferência a um Designer não é uma inferência a nenhuma deidade particular.

Isto não quer dizer que não podemos inferir nada sobre o Designer do universo com base na complexidade específica do cosmo. Podemos inferir, principalmente, que um ser pessoal, autoconsciente e volitivo de uma inconcebível inteligência foi quem projetou o universo. Se as pessoas realmente acreditarem que isto é verdade, elas ficariam de olhos e boca bem abertos com espanto, ao invés de zombarem e escarnecerem.

Além do mais, é razoável aceitar que qualquer explicação definitiva deva envolver um ser pessoal que é incorpóreo, porque quaisquer seres compostos de partes materiais exibem a mesma complexidade especificada que nós estamos tentando explicar. A velha objeção “Quem projetou o projetista?” inviabiliza assim qualquer construção de um Designer como um objeto físico (veja meu texto “Richard Dawkins’ Argument for Atheism in The God Delusion”). Isto imediatamente exclui o Monstro de Espaguete Voador como uma explicação final.

E o que dizer dos outros argumentos teístas? O argumento da contingência, se segue, prova a existência de um ser metafisicamente necessário, não-causado, atemporal, não-espacial, imaterial, e Criador pessoal do universo (veja meu texto “Argument from Contingency”). O Monstro de Espaguete Voador também não pode ser a Razão Suficiente para todas as coisas existentes, uma vez que, como objeto físico (mesmo que invisível aos nossos sentidos) não pode ser nem metafisicamente necessário, nem atemporal, nem imaterial.

O argumento cosmológico Kalam, se segue, nos dá bases para acreditar na existência de um ser que não teve um começo, não-causado, atemporal, não-espacial, imutável, imaterial, poderosamente grande, e Criador Pessoal do universo. De novo, um ser com tais atributos não pode ser algo como o Monstro de Espaguete Voador.

O argumento moral complementa os argumentos cosmológicos e de design ao nos dizer sobre a natureza moral no Criador do universo. Ele nos dá um ser pessoal e necessariamente existente que é perfeitamente bom, cuja natureza é o padrão de bondade e cujas ordens constituem valores morais. Este argumento exclui qualquer sugestão de que a explicação metafísica definitiva seja algum ser mal como Satanás. Como ausência do bem, o mal é apenas um parasita do Bem e assim não pode existir como o Ser maior.

E por fim o argumento ontológico nos dá razões para pensar que Deus, como o maior ser que pode ser concebido, é metafisicamente necessário e maximamente excelente, isto é, onipotente, onisciente e onibenevolente. O pobre Monstro de Espaguete Voador é, ai de mim!, deixado para comer poeira.

Eu acho que você consegue perceber que confia-se exageradamente no Monstro de Espaguete Voador, tanto como uma paródia como um ser. Como uma paródia, ele falha em mostrar que uma inferência a um designer inteligente para o universo é ilegítima ou injustificada. O que a paródia mostra é que nós não estamos justificados em atribuir aos nossos postulados explanatórios propriedades que não são justificadas pela evidência. Teólogos adeptos da Teologia Natural sempre souberam disto. Esta é a razão, por exemplo, de Tomás de Aquino, depois de seus cinco breves parágrafos em sua Suma Teológica que buscaram provar a existência do ser “que todos chama pelo nome ‘Deus’”, prossegue e discute a seguir nove questões sobre Deus: simplicidade, perfeição, bondade, infinidade, onipresença, imutabilidade, eternidade e unidade.

Como um ser, o Monstro de Espaguete Voador surge drasticamente deficiente como explanação destes fenômenos, alguns dos quais você lista, contradizendo já em sua base os argumentos para a existência de Deus. Estes argumentos, se todos seguem como eu penso que seguem, requerem cumulativamente um ser que é metafisicamente necessário, auto-existente, sem início, não-causado, atemporal, não-espacial, imaterial, pessoal, onipotente, onisciente, Criador e Projetista do universo, que é perfeitamente bom, cuja natureza é o padrão de bondade, e cujas ordens constituem valores morais.

A verdadeira razão que podemos tirar do caso do Mostro de Espaguete Voador é que ele mostra quão distante estão nossa cultura e a grande tradição da Teologia Natural. É como um idioma desconhecido. Estas pessoas que pensam que acreditar em Deus é como acreditar em um monstro de fantasia mostram o quão ignorantes elas são quanto a escritos de Anselmo, Aquino, Leibniz, Paley, Sorley e tantos outros do passado e do presente. Sem dúvida parte da culpa cabe aos cristãos igualmente ignorantes que não tem uma resposta para dar quando são convidados a dar a razão da esperança que eles têm e, portanto, passam a impressão de que sua fé é arbitraria ou sem fundamento. Parte também deve ser atribuída a educação deficiente, preguiça intelectual, e uma falta de curiosidade. Dado o renascimento da Teologia Natural em nossos de meio século para cá, não há desculpa para que tais caricaturas coxas da crença teísta como o Monstro do Espaguete Voador surjam.

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Traduzido por: Eliel Vieira
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quinta-feira, 4 de março de 2010

Resenha: “Oração: Cartas a Malcolm” – C. S. Lewis

O lançamento do livro “Oração: Cartas a Malcolm”, de C. S. Lewis, pela Editora Vida coincidiu exatamente com um período do ano de 2009 que eu estava (na verdade, eu ainda estou) querendo muito ler sobre a oração. Decidi comprar o livro já na sua semana de lançamento e ir lendo-o aos poucos. Terminei a leitura e, aqui, vai minha resenha sobre o livro.

“Oração” é algo difícil para se comentar. Há quem diga que oração não se entende, se faz. Tal pensamento simplista, no entanto, não sacia aqueles que possuem questionamentos sobre o ato de conversar com o Criador. Eu mesmo tenho muitas dúvidas referentes à oração, por exemplo: a Bíblia diz que Deus é imutável (isto é, não muda) e que seus planos e propósitos também não mudam. Então, suponhamos que o plano de Deus é que X aconteça com João. Se João orar pedindo por Y, isto não vai acontecer (pois Deus não muda seus planos); e orar por X seria de certa forma inútil, afinal, X aconteceria, pedindo João a Deus ou não. A Bíblia diz também que Deus já sabe o que vamos pedir, antes mesmo que as palavras tomem forma em nossa boca – se é assim, por que orar? Quando um grupo de quatro pessoas se reúne para orar sobre uma questão específica, se uma delas não orar, Deus deixará de responder (por causa desta uma que não orou)? Se for assim, inútil foi a oração das outras três pessoas. Ele vai responder? Se for assim, não era necessário que tivesse ali mais de uma pessoa orando (como se ensina na igreja, que quanto maior for o “clamor” levantando, mais isso “toca no coração de Deus”).



Questionamentos como esses não são apenas meus, mas todos têm. Este último (sobre o grupo de pessoas orando) eu lembro que o tive lá pelos meus oito anos de idade. Às vezes parece a nós que estamos falando sozinho – que não há ninguém “do outro lado” que esteja prestando atenção do que dizemos. Escrevendo sobre o luto que sentiu após sua amada morrer, C. S. Lewis escreveu palavras duras e profundas sobre a maneira pela qual Deus se posicionada ante as nossas orações: “Mas, volte-se para Ele, quando estiver em grande necessidade, quando toda forma de amparo for inútil, e o que você encontrará? Uma porta fechada na sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes do lado de dentro” (A anatomia de uma dor, Editora Vida, 2007).

Uma das razões de gostar de C. S. Lewis é esta maneira totalmente sincera de falar sobre coisas sobre as quais nós provavelmente mediríamos as palavras. Quem nunca teve a mesma impressão que Lewis de “uma porta na cara” após uma oração? Sendo assim, o que C. S. Lewis teria a nos dizer sobre a oração?

C. S. Lewis jamais escreveu um livro sobre a oração, porém, trocou cartas com seu amigo Malcolm tratando sobre o tema. “Oração: Cartas a Malcolm” é um ajuntamento destas 22 cartas enviadas por C. S. Lewis ao seu amigo Malcolm onde eles discutem sobre aspectos da oração e da adoração em geral.

Por alguma razão as cartas de Malcolm a Lewis não foram publicadas (talvez estas cartas tenham se perdido), o que torna a obra incompleta. Seria muito interessante podermos ler, depois da carta de um, a resposta do outro. Como não há no livro as cartas de Malcolm, temos que forçar nosso raciocínio e tentar imaginar qual foi o conteúdo da carta que Malcolm escreveu para Lewis, que gerou as reações de Lewis na carta seguinte. Tal exercício não é muito difícil uma vez que Lewis sempre comentava o conteúdo da última cara recebida de Malcolm, quando escrevia as suas.

Sobre o conteúdo das cartas de Lewis, como era de se esperar, é muito rico e válido. Suas argumentações perspicazes e, como eu disse, Lewis é extremamente sincero em suas palavras. Veja estas a seguir, da 21ª carta:

Bem, digamos a verdade agora, custe o que custar. A oração é enfadonha. Qualquer desculpa para preteri-la nunca é mal vinda. Quando acaba, espalha-se uma sensação de alívio e feriado sobre o restante do dia. Relutamos em começar. Deliciamo-nos em terminar. Enquanto estamos orando, mas não quando estamos lendo um romance ou resolvendo uma palavra cruzada, qualquer ninharia é suficiente para nos distrair.

Que cristão teria coragem de dizer isto dentro de sua igreja sem temer ser chamado de “desviado” (para dizer pouco)?

Enfim, as cartas de Lewis a Malcolm sobre a oração serão de muito valia a você que possui dúvidas e questionamentos sobre este aspecto da vida cristã. Lewis não maquia suas opiniões sobre o tema, mas os leva até as últimas conseqüências (o autor, por exemplo, chega a propor que o “purgatório” não é uma teoria assim tão sem lógica; que não é pecado fazer pedidos aos mortos; e também que não é pecado orar por eles).

Se você procura por livros de auto-ajuda que enfeitam o tema (jogando as questões polêmicas para debaixo do tapete), “Oração: Cartas a Malcolm” vai te escandalizar. Se você procura ler algo sobre a oração que aborde sem receios as questões que ninguém tem coragem de abordar, as cartas de Lewis a Malcolm vão ser úteis a você.

Como não se trata de um livro convencional (começo, meio e fim), “Oração: Cartas a Malcolm” não traz uma discussão mais detalhada sobre a oração, tratando de todos os pormenores relacionados ao tema. Trata-se, como eu já disse, de uma coleção de cartas. Tais cartas podem, no entanto, fomentar sua curiosidade de pesquisar e refletir sobre o tema.


Eliel Vieira
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segunda-feira, 1 de março de 2010

Sobre o Debate Entre Silas Malafaia e Iris Bernardi

No último dia 24 de Fevereiro, foi transmitido em rede nacional um debate sobre o polêmico projeto de lei sobre o crime de homofobia, no Programa do Ratinho, na SBT. O debate foi travado entre duas “personalidades” na questão: defendendo o projeto de lei, a ex-deputada Iara Bernardi, a própria autora do projeto; criticando o projeto de lei, o pastor Silas Malafaia, um dos mais famosos pastores do Brasil, e declaradamente crítico desta lei.

Pretendo neste texto apresentar alguns comentários sobre o debate, bem como alguns vislumbres sobre o projeto de lei. Entenda este texto, se quiser, como uma resenha crítica ao debate apresentado. Caso você não tenha o visto ainda, os vídeos podem ser assistidos no Youtube.



A verdade é que o debate em si foi horroroso. “Programa do Ratinho” é um lugar de baderna, de baixaria, de “quebra pau”. A platéia e o público deste programa desejam ver não debates de idéias, mas discussões, gritaria, humilhação alheia, etc. É inegável a importância de trazer este debate para mais próximo da população, como em um programa de TV aberta, mas isto deve ser feito em um lugar propício para debates sérios e com moderadores que saibam, efetivamente, conduzir um debate.

Sobre a participação dos debatedores, e sobre “quem venceu” o debate, está se dizendo por aí (especialmente entre os evangélicos) que Silas Malafaia venceu o debate com sobras, o que é mentira. Silas Malafaia gritou mais, esbravejou mais, bem como foi mais rude e sem educação. Mas isto de forma alguma implica vitória.

Para ilustrar meu ponto imagine um jogo de xadrez entre você e um galo. O objetivo de um jogo de xadrez é e sempre será derrubar o Rei do adversário, até mesmo se você jogar contra um galo. O que vai acontecer é que, apesar de você ter mais inteligência que o galo, o animal vai bater as asas, subir em cima do tabuleiro, derrubar todas as suas peças (inclusive o rei) e depois sair “cantando de galo”, como se tivesse vencido o jogo.

Foi exatamente o mesmo neste debate: Silas Malafaia gritou mais; veio com duas dúzias de frases de efeito decoradas; interrompeu a ex-deputada sempre que pôde; levou a discussão para um campo que lhe proporcionaria vantagem; demonstrou sua total falta de decoro; debateu gritando, como se tivesse em um bar; e, obviamente, como o Programa do Ratinho é um programa de baixarias e gritarias, o pastor Silas “levou a melhor”. O próprio Ratinho “elogiou” Silas ao final do debate, dizendo, “Estou torcendo pra você continuar só neste negócio de pastor senão você toma meu lugar”.

Se o debate tivesse ocorrido em uma arena mais propícia, com tempos estipulados para ambos debatedores, com regras de decoro e conduta, com possibilidades de pergunta e resposta, com punições a ataques pessoais, com uma boa moderação, enfim, se o debate tivesse sido um debate de fato, o resultado seria provavelmente outro. É possível que até mesmo o Silas venceria (já que vários pontos levantados por ele são pertinentes), mas não seria certamente a vergonha que vimos na TV semana passada.

Quanto à controvérsia que gerou o debate em questão, eu ainda não cheguei a uma conclusão definitiva sobre este projeto de lei. Ora tendo a aceitá-lo, ora tenho resistência a ele. O pr. Silas Malafaia foi muito inteligente ao expor a agenda por trás deste projeto, mostrando que se deseja aprová-lo de qualquer forma, por quaisquer meios, deixando a controvérsia longe da opinião pública.

Dizer que este projeto se faz necessário porque “a cada três dias um homossexual morre por homofobia” é uma piada. Isto significa que temos 121 mortes de homossexuais por ano, por causa de preconceito. Vamos a alguns casos “por ano” no Brasil: o tabagismo mata 200 mil fumantes por ano (também mata 2 mil e 600 não fumantes); acidentes de trânsito matam 40 mil por ano; doenças cardiovasculares matam 300 mil por ano; acidentes de trabalho causam 3 mil mortes por ano. A se julgar pelos números, até mesmo a gripe é mais perigosa que o “preconceito”, pois ela matou em 2008 763 pessoas.

Os homossexuais afirmam representar algo em torno de 10% da população. Se este for o caso, temos cerca de 18 milhões de homossexuais no país, e deste grupo 121 são assassinatos por ano. Isto significa 0,000007% de mortes. Nada mais insignificante. Talvez unha encravada mate mais que “homofobia”.

Mas isto não quer dizer que nada deve ser feito. O Estado brasileiro é laico, portanto não pode pressupor nenhuma crença religiosa. Isto não significa que o Estado deve ser ateu, mas um Estado neutro, que legisla buscando atender o maior número possível de pessoas. Aos olhos do Estado, um homossexual é tão cidadão quanto qualquer hetero, e deve lhe ser garantido os mesmos direitos que os heteros possuem.

A verdade é que apesar do número de assassinatos/ano serem pequenos, no dia a dia os homossexuais são alvos, sim, de preconceitos. E não apenas os homossexuais, os índios e os ciganos são outra parcela pequena da população que sofrem por causa do preconceito dos “normais”. E se estes grupos sofrem por preconceito, deve-se criar mecanismo que inibam esta prática ao máximo. Portanto, mesmo que a PL 122 não seja o mecanismo a ser usado, alguma coisa deve ser feita.

E mais importante, o debate deve estar ao alcance da população, pois o Estado nada mais é do que uma representação dela. Mas, convenhamos, nada de Programa do Ratinho...


Eliel Vieira
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