domingo, 7 de fevereiro de 2010

Avatar e Panteísmo

Depois de vários sucessos cinematográficos como Exterminador do Futuro e Titanic, James Cameron trouxe à existência outra belíssima obra cinematográfica, o filme Avatar, que após bater vários recordes de bilheteria e faturamento, concorrerá a nove estatuetas do Oscar este ano.

A história futurística acontece em algum lugar longínquo próximo à estrela Alpha Centauri. Lá, militares humanos (americanos, claro) travam uma guerra contra os habitantes nativos, os Na’vi, por causa dos recursos naturais existentes em Pandora, planeta (sic) onde habitam os Na’vi. “Avatar” se refere aos corpos humanos-Na’vi criados pelos seres humanos, que capacita qualquer terráqueo a ter o mesmo tamanho, velocidade, aparência e força do que um Na’vi comum. Por trás da guerra pelos recursos naturais de Pandora, se desenvolve uma trama de deserção e amor entre um humano e uma Na’vi.

Tenho lido recentemente por parte dos cristãos muitas críticas (injustas a meu ver) a este filme. A principal destas críticas é a que Avatar prega alguma espécie de Panteísmo em sua história e, assim, criticam os cristãos, o filme deve ser evitado ou (1) por ser herético, ou (2) por gerar confusão na mente daqueles que o assistem.

Meu texto é uma resposta rápida, curta e direta a esta crítica.

Em primeiro lugar, Avatar é uma obra de ficção e deve ser tratada como tal. Avatar não é (nem a priori, nem a posteriori) uma obra de apologia a algum pensamento religioso particular, muito menos um tratado teológico.

É correto dizer, sim, que na história de Avatar o “sobrenatural” se assemelha mais à visão Panteísta de mundo do que ao Teísmo Clássico defendido pelos cristãos. Porém, Avatar não foi o primeiro filme a fazer isto. A série Guerra nas Estrelas (minha favorita, aliás) já ensinava um Panteísmo semelhante com o poder da “Força” (“Luke, que a Força esteja com você!”). E não foi apenas o Panteísmo já foi pressuposto em filmes americanos, o filme Sinais (estrelado por Mel Gibson) possui uma mensagem claramente cristã (eu diria até calvinista-determinista) em sua história. E, por falar em calvinismo, quem não conseguiu identificá-lo no recente filme Presságio (estrelado por Nicolas Cage)?

Eu não vejo tantos problemas assim em um filme (ou qualquer peça artística que tenha como objetivo principal entreter as pessoas) levar em consideração em sua história alguns pensamentos religiosos – sejam eles quais forem. Quando explorado pela arte, o mistério por trás do qual Deus se esconde, toma outra forma. Ele mexe com nossa imaginação, e também com nossas emoções. Especulações religiosas enriquecem qualquer filme. Quantos cristãos (inclusive os que criticam Avatar) não se emocionaram com o clássico filme Ghost: do outro lado da vida, apesar de ele pressupor uma visão “espírita” de mundo?

Eu particularmente gostei bastante de Avatar, e não precisei, para isto, começar a acreditar no Panteísmo, assim como não passei a acreditar na existência de bruxos quando vi a série Harry Potter, nem na existência de Trolls quando li Senhor dos Anéis, nem a existência de Faunos quando li As Crônicas de Narnia. No que se refere a “religião”, os filmes de entretenimento são para mim completamente inofensivos. Ademais, não há motivos para acreditar que Cameron queria fazer apologia ao Panteísmo. O mesmo Cameron que se utilizou do Panteísmo em Avatar utilizou o conceito cristão de “vida após a morte” para enfeitar o final de Titanic.

Em segundo lugar, eu acho que os cristãos (tanto os americanos quanto os brasileiros) têm mais com o que se preocupar além de criticar filmes de entretenimento que pressupõem pensamentos religiosos diferentes dos deles (neste caso, “nossos”). O maior mercado pornográfico do mundo vem dos Estados Unidos, da mais influente nação “cristã” do mundo e, convenhamos, existe muito mais heresia nos programas de TV evangélicos atuais do que em Avatar.

É muito mais urgente tirar um Malafaia ou um Macedo da TV do que impedir que as pessoas assistam Avatar. O filme de Cameron não pretende apresentar uma visão espiritual de mundo como verdadeira, mas as heresias que os pastores ladrões pregam na TV, eles pregam com o intuito objetivo de que as pessoas acreditem nelas; e, infelizmente, muitos acreditam!

Olha que incoerência cristã: prefere-se criticar filmes não-cristãos por eles não serem cristãos do que criticar cristãos que não agem como cristãos.

Eu resumiria esta segunda crítica minha da seguinte forma: temos mais com o que nos preocupar para podermos nos dar ao luxo de criticar aquilo que sequer deveria ser criticado. Não se pode exigir de Avatar um conhecimento teológico correto assim como não se deve exigir de uma criança de seis anos que ela consiga resolver cálculos matemáticos para os quais ela não tem capacidade de resolver.

Concluo, portanto, que Avatar foi um grande filme – em todos os sentidos o filme surpreendeu as minhas expectativas – e que as críticas cristãs a ele são desprovidas de senso.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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10 comentários:

Eli Vieira disse...

Eu adorei o filme, foi um ótimo entretenimento. Eu mesmo já havia pensado, apenas por diversão, no que aconteceria se houvesse um análogo do cérebro humano nas conexões entre as estruturas de um planeta inteiro.

A propósito, Arthur C. Clarke tem um conto em que este é o caso. Este conto fala de um planeta muito frio em que a evolução de diodos levou a circuitos complexos que fizeram de todo o planeta uma mente consciente. Esta mente contemplou a Terra de longe e pensou: "não é possível que haja vida num planeta tão quente!"

Não penso que panteísmo seja a interpretação correta para o que os Na'vi chamam de "Eywa". Eywa é uma mente, um computador, formada pelas conexões de todos os seres vivos de Pandora, principalmente as árvores. Isso é explicado no filme.

Portanto, pela natureza mental de Eywa, digo que a temática do Avatar é mais teísta do que os cristãos imaginam. Eywa é uma deusa natural. Palavra de ateu.

7 de fevereiro de 2010 19:20
IsakE disse...

Na verdade esse filme nunca me chamou atenção, sei la, não gosto de filmes que atraem por efeitos especiais.

Sobre as críticas, eu nunca vi ninguem(cristãos) criticar esse filme por esses motivos.
Por aqui as pessoas só criticam obras cinematográficas que tenham bruxaria, apologia a reencarnação e essas coisas sobrenaturais que rendem tanti ibope.

Bom blog Eliel, nunca tinha parado pra ler direito.
Abraço.

7 de fevereiro de 2010 20:23
Der Hexenhammer disse...

"não passei a acreditar na existência de bruxos quando vi a série Harry Potter, nem na existência de Trolls quando li Senhor dos Anéis, nem a existência de Faunos quando li As Crônicas de Narnia."

Assim como não se passa a acreditar no tal do Deus assistindo ao filme "Os 10 mandamentos" ou lendo o livro de mitologia judaico-fenícia-babilônica chamado Bíblia.

8 de fevereiro de 2010 05:09
Glauber Ataide disse...

Neste blog também há uma interessante crítica a este filme, mas abordando um outro aspecto: http://tudo-em-cima.blogspot.com/2009/12/ainda-sobre-avatar-qual-e-mensagem.html

8 de fevereiro de 2010 05:10
Eliel Vieira disse...

Der Hexenhammer,

Sua frase só terá algum efeito se você provar que a Bíblia é um livro de mitologia judaico-fenícia-babilônica. Até lá estou em meus plenos direitos de acreditar, dado as evidências que tenho, que os documentos reunidos sob o nome "Bíblia" possuem confiabilidade histórica.

O ônus está com você.

Eliel

8 de fevereiro de 2010 08:15
wesley disse...

"Portanto, pela natureza mental de Eywa, digo que a temática do Avatar é mais teísta do que os cristãos imaginam. Eywa é uma deusa natural. Palavra de ateu."

Verdade Eli.... Palavra de Ateu (2)

Eliel.........

Quanto à Bíblia fala sério....
Você só pode estar de brincadeira, não é mesmo?

8 de fevereiro de 2010 16:56
Eliel Vieira disse...

Não Wesley, não estou. Nenhum livro da antiguidade possui tanta confiabilidade histórica quantos os documentos que compoem o Antigo Testamento.

Esta é a minha opinião e não a mudarei enquanto não ver evidências do contrário. O ônus, como eu disse, está com vocês.

Abraço

8 de fevereiro de 2010 17:07
O Excêntrico disse...

É inacreditável mesmo o que algumas pessoas "enxergam" depois de assistir um filme.

A última coisa que pensei depois que assisti 'Avatar' foi Religião, e tem gente enxergando panteísmo!(tsc-tsc-tsc)

Você ja disse tudo, Eliel. Onde é que a gente assina? ;)

9 de fevereiro de 2010 15:11
Janos disse...

Eliel,

Concordo com você. Discuti um pouco sobre esse filme no meu grupo de discussão e falei sobre o fato de que ele apresentava uma versão da teoria de Gaia, uma divindade mundana, que não passa de uma rede neural bastante complexa, mas que no entanto é uma personagem importante da trama. Isso talvez revele uma tendência a misturar religião e ciência, já que a cientista passa a crer depois que experimenta a ação da divindade em primeira mão. Alguém me comentou que o filme defende um valor da esperança na ação da Providência, quando Jake faz sua "oração", e que também seria um filme sobre "conversão", como O último samurai. Acho que é um fato importante que o filme coloque o discurso religioso junto com o discurso científico. Essa união entre reconexão com a natureza e religare tem sim algum efeito sobre a percepção das pessoas a respeito da fé cristã, possivelmente para pior.

17 de fevereiro de 2010 19:19
informadordeopiniao disse...

Bem, o filme foi um espetáculo visual indescritível.
O roteiro foi linear e bem clichê. Mas, fazer o quê, tinha que pagar os custos..

Eu não tô nem aí pra esses papos velhos malucos dos "caça-heresia". Mas eu lamento é que o filme lança questões muito certeiras sobre justiça ambiental, acumulação primitiva de capital, mito do progresso imanente, etc. E estraga com apelos ululantes da ecologia profunda, o resgate do "bon selvagem", do "cientista puro vs político tacanho", que não são pertinentes para os debates mais concretos. É que nem discursos etéreis sobre "pobreza" que comovem a classe média que depois sai nas ruas xingando que paga impostos pra programas sociais.

Eu achei engraçado aqui também, para cutucar um pouco, uma visão acerca de mente/cérebro que li de onde não se esperava, apontando até algo acerca de transcedência da primeira....rsrsrs

19 de fevereiro de 2010 15:45