Onde está Deus quando vem a dor? Muitas pessoas refletem sobre esta pergunta durante algum momento de dor profunda, especialmente no luto. C. S. Lewis deveria saber a resposta para esta pergunta, afinal, ele é o autor de uma das mais famosas obras sobre esta questão, “O Problema do Sofrimento”. Lewis viu, porém, toda sua argumentação ir pelo ralo quando sua amada Joy faleceu. O problema da existência do sofrimento, que antes era intelectual, passou agora a ser real.



“A Anatomia de uma Dor” é um livro bem pequeno, com quatro capítulos, onde Lewis discorre sobre seu luto e sua revolta pela morte de sua esposa. Lewis usa palavras duras, fortes, em alguns momentos fortes demais ao se referir a Deus enquanto estava de luto. Tais palavras levaram algumas pessoas a acreditar que Lewis abandonou sua fé após a morte de sua esposa. O filme “Terra das Sombras”, que conta a história da vida de C. S. Lewis, parece defender esta visão (de que o autor abandonou a fé no fim de sua vida).

Tal pensamento, porém, não tem lógica. Não há discordância de que Lewis ficou extremamente desnorteado com a morte de sua esposa. Suas palavras no primeiro capítulo deixam isto transparecer com nitidez:

Mas, volte-se para Ele, quando estiver em grande necessidade, quando toda forma de amparo for inútil, e o que você encontrará? Uma porta fechada na sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes do lado de dentro.

Não que eu esteja (suponho) correndo o risco de deixar de acreditar em Deus. O perigo real é o de vir a acreditar em coisas horríveis sobre Ele. A conclusão a que tenho horror de chegar não é “então, apesar de tudo, não existe Deus nenhum”, mas “então, é assim que Deus é realmente. Não se iluda”.

Tais frases se encontram no primeiro capítulo do livro, onde Lewis realmente fala tudo o que tinha no coração. No segundo capítulo, vemos um Lewis mais moderado, pensando mais sobre o que ia escrever. No terceiro e no quarto capítulos Lewis passa de acusador para defensor de Deus. Ele tenta, nestes dois capítulos finais, dar algum sentido para o sofrimento à parte das especulações filosóficas que vemos em “O Problema do Sofrimento”. No quarto capitulo de "Anatomia de uma Dor", ele escreve:

Quando apresento essas questões a Deus não deixo de ter uma resposta; mas, em vez disso, uma variável do tipo “sem resposta”. Não se trata da porta fechada. É mais como uma contemplação silente, com certeza não impiedosa. Como se Ele meneasse a cabeça não em recusa, mas deixasse de lado a pergunta. Algo como “Fique em paz, meu filho; você não entende”. É mais como um olhar fixo e silencioso, com certeza não impiedoso.

Eu não sei a quem indicar este livro. Talvez ele seja de ajuda para quem esteja em luto, talvez não. A algumas pessoas ele pode trazer conforto e revigorar a fé; a algumas ele pode trazer algum efeito contrário ao esperado, como a perda da pouca fé que ainda existia. Talvez seja melhor não haver indicações. Quem quiser lê-lo, leia. Tenho certeza que você terá o que refletir após ler este livro, desde que você já tenha alguma “maturidade espiritual”. Eu, particularmente, considero “A Anatomia de uma Dor” uma das obras primas de Lewis, e vou retirá-lo da prateleira sempre que o sofrimento bater à porta.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org
-
Gostou? Então clique em "Share" e divulgue o texto para seus amigos!
Bookmark and Share

Creative Commons License
DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.


4 comentários:

Anatomia de uma Dor é pesado, mas é também o livro Cristão mais honesto que já lí! É, como a resenha aponta, um duro contraste com "Anatomia de uma dor" que busca ser tão racional e impessoal.

Paz de Cristo

Muito bom!
Não conhecia esse livro, agora tenho que lê-lo!

Gostei bastante de sua apresentação do Anatomia. Alguns veem neste livro uma espécie de "perda da fé" ou "apostasia" em Lewis. Eu não vejo assim. Pelo contrário, vejo no Anatomia uma lembrança bem próxima do conceito luterano do Deus "tremendum et fascinosum". O Deus que nos dá segurança porque tem um plano regenerador para o homem, mas que também nos dá pavor, uma vez que não nos livra da dor.

Legal, Eliel!

Abraços,
Jonas

Fiquei curioso em ler, não sabia desta do do autor!

Obrigado pela síntese!

Related Posts with Thumbnails