sábado, 31 de outubro de 2009

Sentido Protestante?

Duas semanas atrás eu ouvi uma conversa interessante entre duas colegas de trabalho que se sentam próximas a mim. Como comemoramos hoje (31 de Outubro de 2009) 492 anos de reforma protestante, decidi escrever um texto usando como base este diálogo que eu ouvi. Vamos ao diálogo (por motivos óbvios os nomes abaixo são fictícios):

– Clara! Olha só (mostra a ela um ingresso para um show do Hillsong United).
– Paloma! Você é doida? Este show não vai ser lá em São Paulo?
– Sim... mas United é a banda da minha vida! Nossa, fala que se não fosse um show de uma banda que você ama muito você não iria?
– Talvez. Mas quem são esses caras? Eles são bons?
– Nooooooossa! Demais!


[diálogo infrutífero sobre o quão boas são as músicas do Hillsong United]

– Nossa Clara, e sabe o que é mais legal? Eles são cristãos!
– Ora, mas eu também sou cristã. Sou católica.
– Não... tipo assim... cristãos no sentido “protestante” do termo.
– Humm


Após ouvir este deplorável diálogo, me perguntei: o que vem a ser este “sentido protestante” do termo “cristão"? Talvez você, evangélico, não esteja acostumado com o termo, afinal, os evangélicos atualmente detestam ser denominados por ele. Até mesmo o termo “crente” não é usado mais pelos evangélicos, que buscam se afastar de qualquer conotação forte que estes termos trazem.

Mas a história deste termo “protestante” é muito bonita e deveria ser lembrada com orgulho pelos evangélicos! Completam-se hoje 492 anos desde que tudo começou. Para você que não conhece a história, abaixo vai um resumo:

No ano de 1516 um frade da ordem agostiniana chamado Martinho Lutero começou a se indignar com o quadro de hipocrisia e falsidade da liderança da Igreja na época. O estopim para a culminação da Reforma Protestante da Igreja foi a venda das indulgencias. Visando arrecadar mais dinheiro dos fiéis, a Igreja começou a vender cartas de salvação para quem quisesse comprar. As pessoas poderiam comprar cartas de indulgências para si mesmas, ou para seus parentes já mortos, que estavam sofrendo penitências no purgatório.

Após um ano de pregações contra as indulgências, na noite de 31 de Outubro de 1517, Lutero pregou na porta da igreja do Castelo em Wittenberg uma carta contendo 95 teses sobre a Igreja e a cobrança de indulgências.

As teses eram confrontadores e extremamente desconcertantes à liderança da Igreja na época. Alguns exemplos: “doar aos pobres ou emprestar ao necessitado é melhor que comprar indulgências” (tese 43) e “por que o Papa não esvazia o purgatório por santo amor ao invés de o fazer por meio do miserável dinheiro?” (tese 82).

O povo leu estas teses e as vendas de indulgências romanas caíram drasticamente. Após uma série de eventos, Lutero e sua Teologia foram censurados e condenados pela Igreja Romana em um evento chamado “Dieta de Worms”. Vários camponeses locais protestaram em relação às decisões da dieta, e começaram a partir dali a praticar sua religiosidade à parte da Igreja Romana. Tais pessoas foram chamadas de forma pejorativa de “os protestantes”. Foi deste grupo que vieram todos os grupos de evangélicos. Todos os evangélicos deveriam ser, portanto, a rigor do termo, “protestantes”.

Foi por esta razão que minha amiga Paloma disse que os integrantes do grupo Hillsong United eram cristãos no “sentido protestante do termo”.

Mas, aproveitando o diálogo exposto e o aniversário da Reforma de Lutero, pergunto: acaso os evangélicos são, de fato, protestantes?

Não! Não são mais. Simplesmente não se é livre dentro de uma igreja evangélica para discordar ou fazer uma auto-crítica da igreja. Você não é livre para dizer “não concordo!” quando o pastor pergunta “amém?”. Se você ousar dizer isto, você não será livre para expor suas razões e será abafado pela voz de quem está com o microfone. Digo por experiência própria que isto é totalmente verdadeiro. Já passei por várias experiências assim.

Da mesma forma que a Igreja Romana não permitia que nenhum de seus frades fizessem auto-críticas (como Lutero fez), a Igreja Evangélica não permite que seus membros façam auto-críticas. Aliás, as semelhanças entre a Igreja Evangélica atual e a Igreja Romana do século XVI são maiores ainda! Qualquer pessoa com bom senso percebe que a ganância evangélica por dinheiro é a mesma da Igreja Romana da época de Lutero. Antigamente vendia-se salvação, hoje se vende prosperidade. Da mesma forma, no passado a palavra do Papa era infalível e inerrante, hoje os mesmos status são atribuídos ao o que o pastor fala em púlpito. Antigamente a Igreja Romana promovia encenações nas praças sobre o julgamento final e o inferno para assustar as pessoas e forçá-las a comprar indulgências, hoje promove-se shows evangélicos e cruzadas proféticas com o mesmo interesse de arrecadar “doações para o ministério” e as imagens do inferno continuam sendo presentes nos cultos evangélicos (as vezes costuma-se falar mais do inferno e do diabo nos cultos do que sobre Jesus e o paraíso).

Lembrando da coragem de Lutero e de como surgiu o movimento evangélico (contexto de auto-crítica) percebo que os evangélicos deixaram de ser protestantes a muito tempo. O “sentido protestante do termo” não cabe mais aos evangélicos, pois aos mesmos não é garantida a liberdade de poder protestar contra seus líderes que praticam e ensinam o que não é correto.

Em seu livro "Dogmatismo e Tolerância" (Loyola, 2004), Rubem Alvez conta uma história de sua infância sobre quando ele se sentiu protestante pela primeira vez. É interessante, vejam:

Num belo dia, sem aviso prévio, a professora entrou em classe acompanhada de um padre com batinha preta. "Quem é que vai para a confissão e a comunhão?", perguntou ele com voz taquaral clerical. A meninada toda levantou a mão. Menos eu e o Estelino, que era espírita. Todo mundo olhou espantado para a gente, enquanto o sangue subia ao rosto e os nossos olhos se enterravam no chão. Miseravelmente diferente, sem saber por que, enquanto os outros cochichavam risos contra minha singularidade. E o padre e sua batina foram crescendo, crescendo sem parar, e o menino indefeso foi sentido a dor do estigma. Eu era diferente. Nunca me esqueci.

Mas aí aconteceu uma coisa gozada, que a psicanálise deve explicar. A vergonha de ser diferente virou orgulho de ser diferente. Foi então que eu, sem saber, me senti protestante pela primeira vez. De fato, o protestantismo tem muito a ver com a coragem para assumir a própria individualidade.

Tenho orgulho de dizer que sou protestante. “Evangélico não! Protestante” diz o título de uma comunidade no Orkut. Sinto algo mais ou menos assim. Sei que muitos olham para mim com aversão, outros com pena. Mas com Lutero também foi desta forma, portanto, nós (“os críticos recalcados e invejosos que não fazem nada”, como nos chamou Silas Malafaia) estamos no caminho certo: o caminho do protesto, o caminho da contra-mão, o caminho do Evangelho!

Parabéns Reforma! Parabéns protestantes!

Eliel Vieira
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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sorteio – "Oração: Cartas a Malcolm" (C. S. Lewis)

A Editora Vida acaba de lançar mais uma obra de C. S. Lewis em português e o blog DESCONSTRUINDO vai sortear entre os leitores do blog uma cópia desta magnífica obra onde o grande mestre de Oxford fala sobre o diálogo entre o homem e seu Criador. Leia abaixo a sinopse do livro e, mais abaixo, como participar do sorteio.

Sinopse:
Oração: cartas a Malcolm de C. S. Lewis é uma abordagem franca e honesta sobre a oração. Publicação póstuma, ainda assim permaneceu na lista dos mais vendidos por muito tempo.

Oração: cartas a Malcolm é um livro belamente concretizado e profundamente emocionante que trata dos temores e das fraquezas do homem. Em forma de cartas afetuosas e descontraídas a um amigo muito chegado, C. S. Lewis medita em várias questões relativas ao diálogo íntimo entre homem e Deus. Pondera sobre aspectos práticos e metafóricos da oração. Indaga sobre nossa real necessidade de falar com Deus e sobre a forma ideal de oração. Busca saber qual dos nossos muitos eus mostramos a Deus enquanto oramos. E muito mais. A carta final contém pensamentos instigantes sobre “cristãos liberais”, alma e ressurreição.

Como Participar?
Para participar é muito fácil. São dois passos a seguir:

1º - Você deve se tornar um “seguidor” deste blog. Para tal, procure na coluna direita a esta postagem o campo SEGUIDORES, clique em “Seguir”, logue com sua conta Google (a mesma que você usa para acessar Orkut ou Gmail) ou conta Yahoo e confirme que deseja “seguir publicamente” o blog.

2º - Envie um e-mail para “sorteio@elielvieira.org” no seguinte modelo.

Assunto do email: “Sorteio # 1
Corpo do email: seus dados

Confira na imagem abaixo (clique para ampliar).


Quando acontecerá o sorteio?
Dia 20 de Novembro. O vencedor será avisado no mesmo dia.

Por que devo seguir o blog para participar do sorteio?
Por duas razões: (1) evita que a mesma pessoa crie dezenas de contas de e-mail e fraude o sorteio e (2) ajuda a promover o blog DESCONSTRUINDO.

O que acontece se eu for sorteado e não estiver segundo o blog?
Simples: você não vai ganhar o livro e outra pessoa será sorteada. Portanto, antes de enviar qualquer e-mail, torne-se um seguidor do blog, não demora 10 segundos para isso.

Qual será a periodicidade dos sorteios aqui?
Não definida. Provavelmente, no começo, os sorteios serão mensais.

Posso divulgar este sorteio em meu blog?
Sim, claro.


Eliel Vieira
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Filosofia do Pé de Manga

Gosto muito de trazer à memória meus tempos de infância. Tempos felizes e alegres, sem preocupações. Tempos em que tocava a campainha das casas das pessoas e sair correndo; tempos em que colocava sapos nas caixas de correio das pessoas; tempos em que jogava bola na rua; e, para funcionar como analogia para este texto, tempos dos pés de manga!

Aqui em Minas Gerais são três as frutas mais apreciadas pela criançada: goiaba, jabuticaba e manga. Não falo das metrópoles em Minas, mas das regiões periféricas e do interior. Se você visitar uma fazenda em Minas Gerais certamente você encontrará lá goiabeiras, jabuticabeiras e mangueiras. Mas as mangas são diferentes. Elas são as únicas frutas que são mais gostosas se comidas no próprio pé. Goiabas e jabuticabas não! Você pode comprá-las em qualquer quitanda e elas terão o mesmo gosto.

Outra característica interessante nas mangas é que o modo de des-frutar delas é absoluto por aqueles que a degustam. Eu quero dizer com isto que, se você gosta de chupar manga se lambuzando, você não vai gostar de comê-la picada; se você gostar de comê-las picadas, você vai detestar se lambuzar; se você gosta de subir no pé para colher as mangas que quiser, você não vai gostar que façam isso para você, e vice e versa.

E uma das lembranças mais prazerosas que tenho de minha infância e adolescência são as mangas e seus pés!

Subir ao pé, escolher as mangas, chupá-las lá em cima e depois jogar o caroço (ainda todo lambrecado) na cabeça de algum amigo seu lá embaixo. Dá saudades!

Enfim, todo estas lembranças dos pés de manga e as peripécias de minha infância me trouxeram um insight filosófico. As semelhanças são inúmeras! Para visualizar isto, pense nas possibilidades de aprendizado e conhecimento sobre a fé como se fossem um grande pé de manga, totalmente recheado de frutas.

Da mesma forma como as pessoas se divergem da forma como vão escolher suas mangas, as pessoas se divergem na hora escolher o que estudar (se estudar). Algumas pessoas são mais conservadoras, e preferem comprar suas mangas na quitanda (não querem se dar o trabalho de ir ao pé apanhá-las por si mesmas); assim como existem aquelas pessoas que não desejam ir ao pé de manga das possibilidades de conhecimento para pegar suas mangas. Já outras pessoas preferem ir ao pé e tacar pedras lá debaixo tentando acertar as mangas que elas acham que são boas, não conseguem aí catam as mangas que estão no chão (certamente, as piores); assim como existem também aqueles que apenas vislumbram as possibilidades conhecimento, mas tentam achar atalhos para consegui-lo e acabam apanhando apenas porcarias. E também existem os mais moleques, que sobem ao pé, vão às galhas mais altas e mais perigosas, apalpam todas as mangas, mordem umas, chupam outras, etc.; assim como existem os moleques filosóficos, que sobem ao pé das possibilidades de conhecimento e fazem o que querem quando estão lá, sem se importarem com os outros.

Quando se chupa manga, alguns são mais conservadores e comem-na em fatias; outros se lambuzam, enchem os dentes de linhas, roem o suco da manga até o caroço ficar liso, etc! Quando se busca conhecimento, alguns são mais conservadores e sistemáticos, outros não estão nem aí, são apenas crianças desbravadoras do conhecimento!

Fisicamente eu não agüento mais subir a pés de mangas e ficar lá em cima por horas chupando mangas e tenho saudades desta época. Mas ainda sou apreciador de mangas como era quando criança: não suporto manga fatiada! Coisa de fresco!

Filosoficamente, porém, sou uma eterna criança. Subo ao pé das possibilidades de conhecimento, apalpo várias mangas, escolho as melhores, desfruto delas por horas e, como bom moleque pirralho que ainda sou, depois de desfrutar ao máximo das mangas do conhecimento, eu jogo os caroços na cabeça dos preguiçosos para despertá-los!


Eliel Vieira
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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Quem Lê Muito Conversa Pouco. Por que?

Minha namorada tem reclamado comigo ultimamente dizendo que eu sou uma pessoa que fala muito pouco. Na verdade eu nunca escondi isto de ninguém (claro, afinal, não há como esconder de uma pessoa próxima uma coisa dessas) e isto na verdade este jeito de ser nunca me incomodou.

Pensei em escrever um texto sobre por que acho que a leitura e a escrita (ou seja, o exercício intelectual) conduz uma pessoa a uma vida mais “calada”, mas, após pensar um pouco, decidi reproduzir aqui o que um escritor que aprecio já chegou a escrever antes de mim (e com propriedade).

Seu nome é Philip Yancey. Ele é um dos escritores cristãos mais respeitados do mundo atualmente. Abaixo, apenas reproduzi integralmente algumas palavras encontradas no décimo capítulo do seu livro Alma Sobrevivente: sou cristão apesar da igreja (Mundo Cristão, 2004):

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A partir de cartas que recebo e dos comentários que ouço em festas e lançamentos de livros, chego à conclusão de que as pessoas têm uma visão romântica da vida de um escritor. Estas pessoas nunca estiveram ao lado de um escritor que fica parado 15 minutos diante de um dicionário de sinônimos em busca de uma única palavra. Devido ao próprio trabalho, os escritores levam uma vida solitária. Trabalhamos sozinhos, fugindo de qualquer distração, e criamos nossa própria realidade particular, explorando-a e domesticando-a até que chega o momento quando o editor começa a instigar outras pessoas a trabalharem conosco – momento em que, naturalmente, estamos felizes, construindo outra realidade falsa. Na maior parte das vezes, o mundo que criamos é muito mais interessante do que aquela triste realidade na qual vivemos.

Às vezes tenho a impressão de que a minha vida de escritor se sobressai à minha vida real. Fico pensando: “Se eu não escrevesse, será que eu chegaria mesmo a existir?”. Como posso saber o que penso ou sinto sem abrir meu computador e começar a escrever sobre aquilo? Lembro-me de um dia em que trabalhava em uma pequena história numa manhã bem cedo. Por três horas, esforcei-me para desenvolver personagens tridimensionais, tirando todos os clichês de seus diálogos. Iniciante na ficção, estava ficando com uma terrível dor de cabeça por causa do esforço. Naturalmente, usava isto como desculpa para parar de escrever, atravessar a rua e tomar um café. Imagine a minha surpresa ao descobrir que todas as pessoas da cafeteria eram pessoas bidimensionais, que falavam usando clichês! Nenhuma daquelas pessoas parecia-me tão interessante quanto as pessoas que povoavam minha história. Corri de volta para a segurança de minha falsa realidade que me esperava (e somente a mim) no meu escritório no porão.


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Comentários gerais sobre estas palavras de Philip Yancey: leituras como esta acima geram em algumas pessoas um grande desconforto. Tem pessoas que tem pavor de viver da forma como Yancey diz que vive. Outras pessoas (como eu), porém, sentem alívio. É bom saber que não sou somente eu quem acho que a solidão de uma falsa realidade é mais muito mais agradável do que a esta vida estranha que vivemos.

Quem lê e escreve muito se sente estranho neste mundo. Também, como poderia ser diferente? Enquanto lê ou escreve você idealiza o mundo da forma como quiser: pessoas sem defeito, igrejas sem defeitos, mundo sem defeitos... porém, quando se volta ao mundo real e se depara com a realidade... é realmente frustrante.

Imagine que decepção eu sinto quando tenho de parar de ler “O Senhor dos Anéis” e me preparar para uma aula de Matemática Financeira. Imagine como é frustrante passar horas escrevendo um capítulo para um livro sobre a racionalidade da crença em Deus em resposta a acusações ateístas e depois, no domingo seguinte, ir a um culto e ver a triste verdade de que a realidade é completamente distante da idealização que você escreveu no papel!

Quem lê muito ou tem o hábito de escrever fala pouco, pois não há muito o que falar! Aquilo que nos interessa quase sempre não interessa às pessoas de fora. No fim, só nos resta a nós amar a nós mesmos, e as folhas de papel que hora trazem coisas interessantes para nós lermos, hora aceitam sem reclamar aquilo que falamos com elas através da escrita.

Enfim, é difícil explicar estas coisas. Mas não se assustem achando que sou infeliz em minha vida. Pelo menos no meu caso eu jamais me incomodei com esta solidão que o hábito da leitura traz, pelo contrário, raramente me encontro triste ou decepcionado. Como Yancey disse, nós podemos criar uma realidade falsa e viver nela sempre que desejarmos!

Comentário específico à minha namorada: jamais pense que falo pouco por não te considerar. Muito pelo contrário, eu te considero meu maior poema. Você é o poema mais lindo já escrito! Viver com você é mais excitante do que ler qualquer conto de fadas! Aliás, eu sempre penso em você como uma linda princesa, e em nosso amor como algo poético tão como os romances de Shakespeare. Na verdade, somente seu olhar e seu beijo fazem o sapo Eliel se sentir (pelo menos por alguns instantes) um príncipe. A realidade é incrivelmente chata, mas você é tão perfeita que quase penso que você é irreal. Enfim, as palavras de Philip Yancey usadas neste texto foram retiradas de um livro que você me deu de aniversário. Elas me ajudaram a perceber que não é tão estranho assim ser uma pessoa solitária e calada... então agora agüenta!, a culpa é sua (risos).


Eliel Vieira
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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A Indiferença de Deus em Relação às Heresias

Quanto mais eu estudo e leio, mais me torno menos “xiita” e mudo de opinião em relação a alguns assuntos de fé. Atualmente os estudos bíblicos têm me conduzido à conclusão de que o temor que as pessoas nutrem em relação às “heresias” é de certa forma descabido, e que aqueles que se preocupam em eliminar as heresias, como se esta preocupação fosse a mais importante de todas, estão profundamente equivocadas. Pretendo neste texto abordar esta questão.

Recentemente escrevi uma resposta a uma pessoa que argumentava, dentre outras coisas, que é a “verdade” que deveria gerir a união dos cristãos. Sendo assim, meu interlocutor argumentou, o ecumenismo não deveria ser considerada uma prática bíblica, pois o ecumenismo é uma prática que tolera heresias e Deus abomina “heresias”.

Porém, este tipo de pensamento não condiz com a realidade. Uma vez que Deus se revela apenas sutilmente a nós através de suas obras criadas, e se revela plenamente somente através da revelação pessoal pela fé, se as coisas são assim como a Teologia diz que são, será que Deus vai ficar tão irritado assim com aqueles que não conseguirem compreender de forma 100% perfeita todas as minúcias dos assuntos “espirituais”? Em outras palavras, será que Deus vai ficar irritado com uma pessoa caso ela não consiga realizar a impossível tarefa de compreender e conhecer Deus da forma plenamente correta?

Vamos colocar uma analogia para exemplificar um caso: um pai ficaria muito irritado com seu filho se ele falasse inglês errado sem nunca ter tido aula de inglês? Indo um pouco além: um pai tem dois filhos (um que estuda inglês a 8 anos e outro que nunca estudou). Será que é justo ele cobrar o mesmo conhecimento da língua de ambos os filhos?

Enquanto refletia sobre isto li um salmo muito interessante: o salmo 15, de Davi.

Davi começa este salmo perguntando: quem pode habitar na tenda de Deus? É uma pergunta retórica, panfletária. É o ponta-pé inicial do salmo de Davi. O salmista pergunta, em outras palavras, quais são as práticas e posturas que Deus espera que nós tenhamos. Quem é aquele que agrada a Deus? E as respostas apontadas por Davi são:

1 – quem anda com integridade;
2 – quem pratica a justiça;
3 – quem fala a verdade;
4 – quem não é fofoqueiro (no original “quem não deixa a língua correr”);
5 – quem não lesa seu irmão;
6 – quem não insulta seu próximo;
7 – quem despreza as coisas ímpias;
8 – quem honra os que temem a Deus;
9 – quem não jura em nome dos outros;
10 – quem cumpre o que diz;
11 – quem não cobra juros quando empresa dinheiro a alguém;
12 – quem não aceita suborno contra o inocente.

Davi listou 12 características que uma pessoa deve ter, afim de que ela possa “habitar” na casa de Deus e, a não ser que eu não tenha entendido este salmo direito, nada é falado sobre “acreditar estritamente na verdade” ou “estar correto em tudo o que pensa acerca de Deus”.

Alguém pode argumentar que o item número 4 da lista acima está relacionado à questão das heresias, afinal, uma pessoa que acredita e prega uma “heresia”, está pregando e acreditando em não-verdades, logo estaria contradizendo este item. Porém, uma leitura sincera do texto não nos passa esta impressão. O que este trecho diz é que devemos falar a verdade, sermos honestos e jamais mentirosos.

Enquanto escrevia este texto, lembrei-me de uma passagem que havia lido há algum tempo sobre as coisas que aborreciam a Deus, nos provérbios da Bíblia. A passagem é Provérbios 6:16-19. De acordo com este texto, existem seis coisas que o Senhor odeia, e uma sétima que Ele abomina:

1 – olhos altivos;
2 – língua mentirosa;
3 – mãos que derramam sangue inocente;
4 – coração que trama projetos iníquos;
5 – pés que se apressam para correr para o mal;
6 – testemunha falsa que profere mentiras;
7 – aquele que semeia contenda entre irmãos.

Novamente, nada sobre as “heresias” é mencionado.

Alguém pode, no entanto, argumentar: mas Jesus não criticou avidamente os mestres da lei, que escravizavam a mente das pessoas? Jesus não criticou a religiosidade judaica? Jesus não chegou um dia ao Templo e chamou os lá presentes de “raça de víboras”? (Mt 12:22-37) E os apóstolos? Eles não eram implacáveis em relação às heresias? Paulo não disse que deveríamos considerar como anátema a todo aquele que pregasse um evangelho diferente daquele que ele estava pregando? (Gl 1:6-10) Mais ainda: você mesmo, Eliel, não é um crítico ávido contra aquilo que você considera heresia?

Sim, a resposta a todas as perguntas acima é “sim”. Porém, devemos ter muito cuidado aqui. Jesus ou os apóstolos jamais usaram o termo “heresia” e, como veremos a seguir, tanto Jesus quanto os apóstolos faziam uma distinção importante entre os “erros teológicos” que as pessoas acreditavam, de forma que eles não procediam da mesma forma para com todas as pessoas.

Tomemos como exemplo Jesus. Jesus era implacável para com os mestres judaicos da lei, já na infância ele discutia com os doutores sobre a lei de Moisés (Lucas 2:41-52). O mesmo Jesus, porém, parecia ser indiferente em relação às distorções teológicas do povão, das pessoas simples. Veja por exemplo a atitude amorosa que Jesus teve para com a mulher adúltera (Jo 8-1-11), ou para com os samaritanos (Jo 4:7-24) e, claro, até mesmo para com aqueles que o torturaram (Lc 23:34).

A parábola do bom samaritano (Lc 10:25-37) é um clássico. Os samaritanos eram um povo profundamente odiado pelos judeus (e vice e versa). Os samaritanos não eram apenas “hereges” aos olhos dos judeus, eles eram considerados “inimigos de Deus”, inimigos da nação judaica, pessoas depravadas e sem qualquer coisa boa. Os judeus possuíam profunda repulsa pelos samaritanos como por nenhum outro povo. Trazendo para o nosso contexto evangélico atual, um samaritano seria tão repulsivo quanto um travesti que fosse todos os domingos “fazer ponto” próximo à porta da igreja (e este exemplo ainda é fraco, se comparado a toda repulsa que os judeus tinham pelos samaritanos). Então, conforme a história da parábola, um homem estava caído no chão após ter sido assaltado e maltratado por ladrões. Passaram pelo mesmo caminho um doutor da lei e um levita, e ambos não o ajudaram, seguindo seu caminho. Então passou pelo caminho um samaritano, a mais herege e repulsiva pessoa do mundo, e o que ele fez? Ele tratou da pessoa necessitada, tomou-a pelos braços, tratou dos seus machucados, levou a uma hospedaria e deixou ainda algum dinheiro extra com o dono do lugar para que ele cuidasse do necessitado.

Jesus, então, pergunta: qual deles agiu conforme a ordenança de amor ao próximo?

Se trouxéssemos esta parábola para os dias atuais, ela seria mais ou menos assim: havia uma pessoa caída no chão, após ter sido assaltada por traficantes. Passaram por ela um pastor e um ministro de louvor, e nenhum deles o ajudou. Então veio um espírita, ou um mulçumano, ou um travesti, ou um ateu, e o ajudou. Quem, pergunta Jesus a nós, praticou o mandamento de amor ao próximo? Quem foi “cristão”?

A verdade é que Jesus distinguia os “erros teológicos” das pessoas. Jesus era implacável para com os hipócritas, mas era compassivo para com os humildes. Jesus sabia que todas as pessoas eram pecadoras e ele, ao que parece, até relevava esse fato (claro, afinal ele pagou o preços dos pecados da humanidade). Existe até um versículo que diz que Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes (Tg 4:6).

Meu argumento aqui é o seguinte: quando o erro teológico é intencional, descarado e tem como objetivo alcançar benefício próprio (como a Teologia da Prosperidade, ou como o proselitismo denominacional, ou como o “não me critique” dos pastores e dos líderes espirituais em geral, ou como o “eu tenho a verdade e você precisa aceita-la ou queimará no inferno seu incrédulo” dos cristãos em geral), nestes casos, o erro é grave e, se Jesus estivesse aqui para criticar este erro, Ele o faria grossa e implacavelmente; quando o erro teológico não é intencional, é sincero, provem de falta de conhecimento bíblico ou de uma interpretação equivocada (porém sincera) do Evangelho, e ele não tem objetivo de trazer benefícios ao “herege”, nestes casos, se Jesus estivesse aqui para criticar este erro, ele o faria de forma mansa, humilde e compassiva.

É por isso que eu digo: Deus terá muito mais misericórdia para com um homossexual do que para com um pastor comprometido com a Teologia da Prosperidade.

Por fim, concluo dizendo que a prática da fé é muito mais valorizada por Deus do que o testemunho da fé. Deus dá muito mais valor a uma pessoa que alimenta um faminto do que a aqueles que discutem se a salvação é pela graça ou pelas obras. Um “herege” espírita que alimenta os pobres agrada muito mais a Deus do que um evangélico dono da verdade que é indiferente à fome do seu próximo.

Temos, portanto, uma inversão de valores muito grande em nossa concepção de “heresia”, e qual vem a ser a importância dela a Deus. Um ateu pode agradar muito mais a Deus do que nós, cristãos, e isto me preocupa, me preocupa muito: não há espaço para conforto na fé cristã.

Não há outro caminho, a fé deve ser uma prática, não um ideal.

Concluo meu texto aqui. Pode ser que eu esteja errado e tenha dito um monte de heresias. Mas, se foi assim, não o fiz deliberadamente, sabendo que o que escrevi foi uma heresia. Escrevi conforme a maneira pela qual eu entendo o Evangelho, nada mais. E não tenho medo algum de ser julgado por Deus pelo que eu escrevi, pois sei que Ele valoriza a sinceridade acima de todas as coisas.


Eliel Vieira
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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Resenha: A Verdade Sobre o Cristianismo - Dinesh D’Souza

A literatura apologética cristã não evoluiu muito dos anos 2000 para cá. Quando pegamos algum livro, encontramos nele os mesmo argumentos que são anunciados a décadas em palavras diferentes. Especialmente depois de Deus, um delírio, pouca coisa original foi lançada pelos cristãos em resposta.

A Verdade Sobre o Cristianismo é um diferencial em relação a este quadro. D’Souza conseguiu fazer uma apologia criativa da fé, abordando temas ainda não abordados e levantando questões interessantes para que os ateus respondam (ou tentem responder). Seu raciocínio é bem perspicaz, lógico, concatenado e bem embasado com um chão histórico fundamentado, criado pelo autor antes da argumentação.

Suas maiores façanhas, eu diria, foram as argumentações sobre a importância que o cristianismo representou ao longo da história no surgimento de tudo o que conhecemos como louvável hoje em dia, como o Estado Laico; a exposição da falácia ateísta de que a fé inibe o conhecimento científico, bem como a mentira de que os ateus estão preocupados com a aquisição do mesmo; algumas informações interessantes sobre o famoso caso Galileu e a Inquisição, tão citados pelos ateus; a contra-argumentação ao argumento de Dawkins do “Relojoeiro Cego”; os benefícios darwinianos que a fé traz às pessoas e as conseqüências que o ateísmo têm trago à sociedade; a interessante convergência entre as idéias de Kant e a argumentação teísta e, por fim, sobre a imaterialidade da alma.

Mas calma! O livro não é perfeito e totalmente inovador. A afirmação da contra-capa de que A Verdade Sobre o Cristianismo é o sucessor atual de Cristianismo Puro e Simples (C. S. Lewis) não é nem de longe verdadeira. O livro é bom, inovador em muitos aspectos, sim! Porém, possui alguns pontos fracos:

- Apesar de inovador, vários vícios de livros apologéticos – como não expor com total sinceridade os argumentos dos ateus – são encontrados neste livro. Apesar de na maioria dos casos D’Souza analisar honestamente os argumentos ateístas, em alguns casos isso claramente não acontece.
- D’Souza pretendeu refutar Dawkins, Harris, Hitchens e Dennett (principalmente Dawkins) em seu livro, porém, o principal argumento de Dawkins (argumento da improbabilidade de Deus) sequer foi citado.
- O autor faz uso de vários argumentos elaborados por outras pessoas e não dá os créditos a elas. O capítulo 11, por exemplo, contém o argumento cosmológico kalam elaborado por William Lane Craig – D’Souza usa a mesma seqüência lógica de Craig, com as mesmas palavras – e o nome do filósofo sequer é mencionado!
- A resposta ao “Problema do Mal” é fraca, muito fraca.

Ainda há outra coisa que não gostei, mas foi um erro da editora, não do autor. A tradução A Verdade Sobre o Cristianismo não exprime o sentido original do título em inglês: What’s So Great About Christianity. Uma tradução mais aproximada seria O que há de tão maravilhoso com a fé crista.

Enfim, o livro possui seus defeitos – como todos os livros também – mas, no fim das contas, é um livro que vale a pena ler. Bons questionamentos e argumentações são encontrados ali. Um fator que me interessou muito neste livro foi a abordagem conciliatória do autor entre a teoria da evolução e a fé cristã, mostrando a compatibilidade existente entre elas. Além, claro, de o autor ter mostrado como a teoria proposta por Darwin acarreta mais problemas aos ateus do que aos cristãos.

Um livro bom! Se você se interessa por questões apologéticas certamente vai gostar!


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.



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