quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Argumento Ontológico Para a Existência de Deus

Quando estudamos a história da Igreja Cristã nos deparamos com um movimento teológico de cunho especulativo-filosófico na Idade Média denominado “Escolástica”. O nome que identifica o período é derivado das grandes scholae (escolas) medievais, onde debates de teologia e filosofia aconteciam a pleno vapor.

Vários pensadores de relevância teológica e filosófica despontaram neste período como Tomás de Aquino e Guilherme de Occam. Neste texto, um argumento a favor da existência de Deus proposto por um dos precursores da Escolástica será analisado. Trata-se do chamado “Argumento Ontológico”, proposto por Anselmo de Cantuária.

Nascido em Aosta – cidade alpina da Itália – em 1033, Anselmo estudou com monges beneditinos durante a infância e adolescência e, em 1056, deixou sua cidade natal para estudar no Mosteiro de Bec, na Normandia (França). Seus escritos geraram muitos frutos dentro do pensamento teológico.

Como pensador tipicamente escolástico, os textos de Anselmo são carregados de princípios filosóficos helênicos. Uma das maiores evidências da influência helênica no pensamento de Anselmo é em relação à Impassibilidade de Deus, ou seja, da incapacidade de Deus de ser afetado ou transformado por qualquer causa sentimental exterior a Ele (MCGRATH, 2005, p. 325) – a idéia de que o Ser Perfeito deveria ser tão perfeito ao ponto de não poder mudar de forma alguma foi originalmente concedido nos diálogos de Platão. Mas a maior contribuição de Anselmo não está relacionada aos seus pensamentos relativos à relação “fé x razão” e sim no chamado “argumento ontológico” para a existência de Deus.

Antes de apresentar esta contribuição de Anselmo à teologia, devemos desfazer uma confusão muito comum relativa ao “argumento ontológico”: Anselmo jamais tratou seu argumento como um argumento para a existência de Deus, nem mesmo jamais atribuiu o adjetivo “ontológico” a seu pensamento (quem batizou o pensamento de Anselmo como “argumento ontológico” foi o filósofo alemão Kant). A maior prova disto é que o pensamento de Anselmo foi concebido originalmente na forma de oração, como um diálogo íntimo da parte de Anselmo para com Deus. De acordo com MCGRATH (2005a, p. 291) Proslogium, a obra onde encontramos o “argumento ontológico”, não deve sequer ser entendida como uma obra de debate teológico, mas como uma obra de reflexão. Portanto, apesar de tratarmos aqui de um argumento a favor da existência de Deus proposto por Anselmo de Cantuária, o argumento não foi concebido originalmente como um argumento.

Alguns pensadores afirmam que o Argumento Ontológico não possui sentido algum fora do pensamento cristão, apesar de vários filósofos clássicos (p. ex. Duns Escoto, Descartes, Espinosa e Leibniz) e vários importantes filósofos contemporâneos (p. ex. Alvin Plantinga e William Lane Craig) serem defensores das conclusões universais e ousadas do pensamento de Anselmo. O argumento, obviamente, teve seus críticos ao longo da história como, por exemplo, Kant e Arthur Schopenhauer.

Feitas as considerações iniciais, vamos ao pensamento proposto pelo Arcebispo de Cantuária.

O pensamento de Anselmo é sustentado na concepção de Deus como “aquele a respeito de quem nada maior pode ser concebido” (aliquid quo nihil maius cogitari possit). Se esta definição estiver correta, diz Anselmo, ela implica necessariamente na existência de Deus. A explicação da conclusão de Anseio é simples: se Deus não existe na realidade, a noção de Deus permanece apesar de sua não-existência na realidade, porém, um ser existente apenas no pensamento não pode ser mais perfeito do que um ser existente de fato, sendo assim, entraríamos em contradição todas as vezes que nos referíssemos a Deus como o ser sobre o qual nada mais perfeito pode ser concebido. Se a definição de Deus é “aquele a respeito de quem nada maior pode ser concebido”, esta definição necessariamente deve nos conduzir à realidade de Sua existência. Nas palavras de Anselmo:

Esta [definição de Deus] é tão verdadeira que não se pode pensá-la de outra maneira. Pois é perfeitamente possível pensar em algo cuja não-existência não pudesse ser pensada. Precisaria ser maior do que aquilo cuja existência não pudesse ser pensada. Assim, se esta coisa (além da qual nada maior pode ser pensado) pudesse ser pensada como não existindo, então ela não seria “aquilo além do qual nada maior pode ser pensado”. Trata-se de uma contradição. Assim, é verdade que existe algo do qual nada maior pode ser pensado e que, portanto, não possa ser pensado como não existindo. E tu és, Senhor nosso Deus, essa coisa! Assim, tu existes de maneira tão verdadeira, ó Senhor meu Deus, que não se pode pensar que tu não existas, e com boas razões; pois, se a mente humana pudesse pensar em algo maior do que tu, a criatura subiria acima do Criador e te julgaria; mas isso, obviamente, é absurdo. Além disso, qualquer coisa fora de ti pode ser pensada como não existindo. Portanto, somente tu, mais verdadeiro do que todas as coisas, e maior do que todas elas, tens existência; porque qualquer outra coisa que exista não existe tão verdadeiramente como tu e, portanto, existe em grau menor. (In: MCGRATH, 2005b, p. 117)

O argumento ontológico para a existência de Deus, segundo o pensamento de Anselmo, portanto, diz que se uma pessoa compreender a noção de Deus como "ser sobre o qual nada maior pode ser concebido", então esta pessoa não será livre para pensar na não-existência de Deus, pois, se Deus não existir, então ele não será o ser sobre o qual nada maior pode ser concebido.

Como foi dito um pouco acima neste texto, o argumento ontológico teve seus defensores e seus críticos, moderados e fervorosos e está longe do objetivo deste texto introdutório fazer justiça a todas as menções e considerações referentes a este argumento. Fica a critério doe você, leitor, pesquisar e aprofundar mais sobre este argumento, bem como sobre a obra de Anselmo de Cantuária.

Como apaixonado leitor sobre assuntos apologéticos, me agrada bastante o argumento ontológico proposto por Anselmo – mesmo ele não sendo concebido originalmente na forma de argumento a favor da existência de Deus. O pensamento de Anselmo possui grande classe, sutileza, profundidade e, por que não, criatividade. Apesar das críticas (algumas justas) propostas pelos adversários do pensamento de Anselmo, em minha opinião o argumento ontológico deve ser considerado como um dos mais importantes pensamentos teológicos já elaborados.


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org


Obras consultadas:

- BECKWITH, Francis; CRAIG, William Lane; MORELAND, J. P. Ensaios Apologéticos. Tradução de José Fernando Cristófalo. São Paulo: Hagnos, 2006.
- MCGRATH, Alister (2005a). Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: uma introdução à teologia cristã. Tradução de Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd, 2005.
- _________ (2005b). Fundamentos do diálogo entre Ciência e Religião. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: Loyola, 2005.
- OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001.

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1 comentários:

Thiago Velozo Titillo 25 de Agosto de 2009 11:46  

Olá,

Bom texto. De fato, parece uma reflexãoútil para a alma, mas um argumento fraco na apologética (em minha opinião).

Um abraço.

Thiago

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