quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Resposta a Glauber Ataíde: Verdades, Mentiras, Comunismo e Cristianismo

Tenho conversado muito ultimamente com Glauber Ataíde, um amigo virtual que conheço há alguns anos, cuja inteligência sempre me foi de alguma forma útil. As conversas que tenho com ele quase sempre são bem agradáveis, mas, claro, como em qualquer tipo de relação entre duas pessoas, existem divergências de opiniões sobre determinados assuntos.

Antes de apresentar minha resposta a Glauber sobre a questão debatida na manhã/tarde de 16/09/09, vou contextualizar você, leitor, sobre quem é Glauber Ataíde, sobre o que conversamos e o que começou a última discussão que tivemos.

Conheci Glauber quando ele ainda era cristão, apologista, daqueles que entram em discussões e debates no intuito de defender a fé. O prosseguindo das leituras de Glauber o conduziu para uma posição que não sei mais qual é. Talvez ele ainda seja cristão, talvez não. Fato é que seus interesses intelectuais não repousam mais sobre assuntos relacionados à religião, à Bíblia, à Teologia, etc. Mas é facilmente notável que, apesar de todo o ceticismo de seus interesses intelectuais, Glauber não perdeu sua espiritualidade. Ele é apenas um questionador e, como a fé não dá margem para ser questionada (não penso assim, mas talvez esta seja a visão dele), a fé deixou de ser objeto de seu estudo.

Como ex-apologista, freudiano e comunista, Glauber sente uma completa repulsa por aqueles apologistas que consideram o freudismo ou o marxismo como meras fraudes, apenas porque Freud e Marx eram ateus. Tenho quase certeza que a percepção de posturas como esta foram um dos motivos que contribuíram para que Glauber buscasse se afastar de tudo aquilo que antes ele defendia. Glauber tem vergonha de ser relacionado com o tipo de impostura intelectual utilizada por muitos cristãos. E eu o entendo. Para dizer a verdade eu mesmo tenho grande vergonha de dizer que sou evangélico dentro de um círculo de pensadores.

Enfim, chega de introduções. Para quem quiser conhecer mais sobre Glauber e seus pensamentos, faça uma visita a seu blog e leia o rico conteúdo que lá se encontra.

Pois bem, o debate que tivemos recentemente se focou exatamente nesta questão de algumas pessoas, por já terem a “verdade”, desconsiderarem os pensamentos “rivais” apenas porque são rivais. O exemplo usado por Glauber foi o de o dono de um blog apologético ter o censurado por ser freudiano e comunista. Glauber o perguntou se ele havia lido Freud ou Marx e o dono do blog disse a ele que não havia motivos para desperdiçar seu tempo com este tipo de leitura. Glauber chamou esta postura de “Filosofia Tabajara”.

E foi aqui que fiz um comentário que gerou o debate que tivemos. Glauber não mencionou em seu texto, mas eu deixei claro a ele em nosso diálogo que eu não defendo este tipo de postura dos cristãos que o censuraram. O ponto que eu defendi foi outro: o mesmo Glauber que reclama dos cristãos que estabelecem julgamentos sobre Freud sem antes lerem-no, age da mesma forma em outros momentos. O exemplo usado por mim foi o da relação do Companheiro Glauber e as publicações burguesas.

Recentemente algo interessante aconteceu. Glauber postou um link de uma matéria sobre Hugo Chavez publicada no sítio eletrônico do PCdoB. Eu, em resposta, perguntei a ele se ele defendia Chavez fazendo algum trocadilho com sarcasmo. A resposta de Glauber foi na verdade um pergunta: “qual são suas fontes sobre Chavez?”. Então eu o disse que era a revista VEJA, tão odiada pelos comunistas. Glauber, então, limitou-se a dizer que “a VEJA não vê nada”.

Ora! É exatamente isto o que estou falando. Glauber agiu exatamente como o apologista que se negou a considerar Freud e Marx sem ter os lido. Vamos lá: Glauber é comunista. Como todo bom comunista, Glauber acredita que o capitalismo é um sistema selvagem que escraviza o proletariado, que a mídia é vendida aos “golpistas de direita”, e, claro, que toda informação anticomunista divulgada por meios de comunicação como Globo e VEJA são nada mais do que tentativas “burguesas” de continuar manipulando a mente das pessoas para que elas não enxerguem a condição social em que vivem.

Sendo assim, o que se espera de uma mídia golpista de direita? Ora, espera-se que ela fale mal mesmo dos comunistas, dos companheiros, das lutas sindicais, de Cuba, de Chavez, das FARC, etc. Porém, como eu mostrei a Glauber, este pensamento impede que um comunista (por mais honesto intelectualmente que ele seja) reconheça que veículos de comunicação como Globo e VEJA digam algo anticomunista que seja verdadeiro, mesmo que o que seja apresentado seja de fato verdadeiro.

Imaginemos um exemplo hipotético: imaginemos que um dos filhos de Hugo Chavez comece a discordar de seu pai e comece a armar um motim contra seu pai. Chavez descobre a trama e então decide forjar a morte de seu filho por envenenamento. A trama é bem organizada e ninguém desconfiou que Chavez envenenou e assassinou seu filho. Porém, entre os conselheiros de Chavez, encontra-se uma pessoa infiltrada da revista VEJA e ele envia todas as informações para o Brasil para serem divulgadas. Trata-se de um acontecimento puramente hipotético. Eu não estou dizendo que Chavez é o tipo de pessoa que faria uma coisa destas. Eu nem sei se Chavez tem filhos. É apenas uma história fictícia para exemplificar meu ponto.

A revista VEJA então é lançada. Matéria de capa: “Chavez envenena e assassina seu filho!”. Você leitor, principalmente se for comunista, o que você pensaria após dar uma primeira olhada na revista? Eu tenho quase certeza que o pensamento seria algo como “Lá vem a mídia golpista, ta vendo? Olha que absurdo eles inventaram desta vez! Estão fazendo de tudo para levar a opinião pública contra Chavez e nem respeitam o luto da família!”. Aí apareceria Chavez na TV para seu pronunciamento semanal e, como se esperaria de qualquer patife que assassinasse seu filho, ele estaria em prantos, dizendo que ele era um bom filho e que as mensagens da “mídia golpista” servem apenas para mostrar que ele sempre esteve certo, etc.

Agora, quem pode dizer que coisas semelhantes em proporção menor já não ocorreram? Que tremenda coincidência o fato das fontes confiáveis serem sempre comunistas e, ainda, que as fontes que apresentam críticas ao mesmo são sempre burguesas, não!?

Portanto, Glauber, acredito que você – como comunista, não em relação a tudo – age exatamente da mesma maneira que o apologista agiu com você quando o censurou porque você é leitor de Freud e Marx. Os caminhos são os mesmos:

- Sou cristão -> Marx e Freud negaram minha fé -> não há nada que preste nos autores ateus -> não devo levar o que eles escreveram a sério.
- Sou comunista -> VEJA é contra minha ideologia -> não há nada que presta em escritos burgueses -> não devo levar o que a VEJA escreve a sério.

O caminho é praticamente o mesmo.

Agora, algumas coisas devem ser deixadas bem claras aqui:

Primeiro, eu não defendi (nem no debate, nem deste texto) a postura daqueles que estabelecem opiniões sobre alguém sem ler e analisar o que este alguém disse. O que eu fiz foi questionar o que você disse à luz de uma “prática” que eu enxergo entre os comunistas em geral. Talvez você seja uma exceção, não sei. Talvez você fizesse questão de comprar a revista VEJA com a notícia de que o Chavez matou seu filho, e ainda pensando que eles poderiam estar falando a verdade. Mas, até onde eu conheço o comunismo e seus adeptos, eles (partindo de seus pressupostos) não analisariam a matéria da VEJA antes de dar seu veredicto de que ela é falsa.

O meu ponto é que, partindo de nossos pressupostos, a análise de alguns escritos contrários soará infrutífera. Você, como comunista, acha que a leitura da VEJA é algo completamente infrutífero. O apologista, como cristão, acha que a leitura de Freud é algo infrutífero pelos motivos dele. A questão é: por que você estaria correto e ele não?

Eu não defendi, Glauber, a posição do apologista. Eu questionei sua crítica a ele à luz de uma prática comum à maioria dos comunistas, sendo você mesmo um comunista.

Segundo, nosso debate não foi sobre capitalismo vs. Comunismo ou sobre livre-mercado vs. Estado maior. Não! Nós já tivemos este debate outro dia e, admito, parte dos meus pensamentos sobre o marxismo estava viciada. Seus argumentos até me deixaram mais a vontade para pesquisar sobre o assunto, ler os originais, etc. Coisa que, aliás, pretendo começar a fazer.

Terceiro, nosso debate não foi religioso. Seu texto deixa transparecer (pelo menos esta foi a impressão que tive) que nossa discussão foi relacionada à religião, e não foi! Aliás, mais especificamente agora sobre o texto que você escreveu, eu encontrei umas informações viciadas ali. Não houve estagnação do pensamento filosófico e científico entre o século V e o século XVI (período de mil anos ao qual você se refere). A Igreja, na verdade, representou até um papel de proteção à Filosofia após a invasão dos bárbaros em Roma no século V. Diga, se a Igreja não tivesse tomado conta da Filosofia logo após as invasões bárbaras, o que teríamos de Filosofia hoje?

Claro, perseguições e retaliações aconteceram e isto é lamentável. Mas, como argumenta Rubem Alves em seu esplêndido livro “Filosofia da Ciência”, não foi o sentimento religioso que foi a causa da intolerância para com quem pensava diferente, foi o dogmatismo científico. Alves argumenta que o mesmo dogmatismo científico existente hoje existia no passado, a diferença é que ele se encontrava em outro lugar. E, se houve estagnação de pensamento por parte da Igreja, a libertação desta opressão de pensamento surgiu de dentro dela mesma, através de Lutero.

Enfim, podemos voltar à questão, caso queira. Neste debate eu estou apenas perguntando, e minha pergunta, para lhe refrescar a memória, é: por que um comunista está justificado se desconsiderar uma matéria da revista VEJA antes de a ler e um apologista não está justificado em desconsiderar uma obra ateísta sem a ler?


Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

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7 comentários:

Davi e Gigliola 16 de Setembro de 2009 15:08  

Cara, venho lendo o seu blogo e o parabenizo pela qualidade do mesmo, continue assim =D!!! Agora discordo de "E, se houve estagnação de pensamento por parte da Igreja, a libertação desta opressão de pensamento surgiu de dentro dela mesma, através de Lutero". Não por ser um católico em formação mas, pelo que eu sei, a Lutero não libertou a opressão do pensamento mas só mudou o seu centro (que da Igreja passou para somente as escrituras), vide q quem discordasse das escrituras (ou de sua interpretação) era um herege e poderia ser torturado e morto por conta disso (vide ananbatistas, católicos, alguns cientistas, etc...). Exelente blog e fica com Deus =D.

Glauber Ataide 17 de Setembro de 2009 06:17  

Eu não disse que sinto "uma completa repulsa por aqueles apologistas que consideram o freudismo ou o marxismo como meras fraudes, apenas porque Freud e Marx eram ateus."

O que é inaceitável é a crítica sem exame, seja ela feita a Freud, Marx ou a quem quer que seja.

Outra coisa que nunca disse foi isso:

"Sou comunista -> VEJA é contra minha ideologia -> não há nada que presta em escritos burgueses -> não devo levar o que a VEJA escreve a sério."

Você está levantando argumentos-espantalhos e atacando esses "fakes" como se estivesse atacando o que eu realmente afirmo.

Quanto à Igreja ter representado um "um papel de proteção à Filosofia após a invasão dos bárbaros em Roma no século V", me parece haver um equívoco aqui.

Quem realmente preservou a Filosofia foram os árabes. Veja que os filósofos que inspiraram o próprio Tomás de Aquino eram muçulmanos. E observe ainda que o aristotelismo aqui no Ocidente teve um cunho apologético e até evangelístico para converter muçulmanos.

Quanto à sua última pergunta, "por que um comunista está justificado se desconsiderar uma matéria da revista VEJA antes de a ler e um apologista não está justificado em desconsiderar uma obra ateísta sem a ler?", repito: eu não disse nada disso.

Você está confundindo coisas completamente diferentes, traçando equivocados paralelos entre obras filosóficas e panfletos políticos.

Na política ninguém está na busca da "verdade", mas dos interesses. O comunista não quer a "verdade", ele quer a libertação da classe dos trabalhadores e uma sociedade mais justa.

Já o apologista cristão, ele sim quer provar que o cristianismo é "a verdade", e por isso faz uso da Filosofia.

O grande equívoco está aqui: achar que nós comunistas queremos "a verdade". Nós queremos a libertação dos pobres. Queremos a extinção da "verdade" burguesa, das leis e do direito burguês.

É como aquele teste psicológico de "pensar fora do quadrado". Nós não pensamos tendo o capitalismo como referência. Nós pensamos fora do quadrado.

Davi e Gigliola 17 de Setembro de 2009 09:30  

Senhor Glauber, sem querer se intrometer no assunto de vocês dois mas a Igreja Católica teve um papel decisivo no desenvolvimento intelectual da idade média (e por consequência do mundo ocidental), organizando e repassando os conhecimentos filosóficos/teológicos para as pessoas atravéz das escolas (uma ao lado para cada Igreja). Digo que os Árabes tiveram uma participação mais do que significativa no desenvolvimento filosófico mas não exclua a Igreja que teve participação equivalente (vide o aperfeiçoamento do método científico, da introdução do platonismo no cristianismo por Santo Agostinho, criação das faculdades, etc...). Desculpa aew qualquer coisa e fiquem com Deus =D.

[C. R.] O Cristão Revoltado! 17 de Setembro de 2009 18:25  

Em primeiro lugar, Eliel, o senhor comete um erro crasso, pois não existe "bom comunista". Vou considerar isto como uma "força de expressão" e fazer um esforço hercúleo para torná-la minimamente aceitável, uma vez que se a frase fosse "bom nazista", esta soaria completamente inaceitável (e seria mesmo, mas creio que o senhor compreende o que digo). Em segundo lugar, discordo da análise da problemática apresentada. Eu não preciso ler o desenvolvedor do comunismo, Marx, para saber se aquele regime presta ou não. Há 100 milhões de cadáveres que testemunham que aquilo é a pior coisa que o demônio já inspirou um homem a inventar. Como cristão que sou, não necessito perder o meu tempo lendo os escritos de um satanista para "aprender algo com ele". Não existe comunhão das trevas com a luz, Eliel, e você deveria saber disso, ao invés de tentar posar de "intelectual isento" para os seus colegas. Glauber, se você é um comunista você é um "cúmplice de genocídio" (Olavo de Carvalho), por mais que os crimes dos porcos, seus camaradas - que você subscreve - ainda não tenham sido punidos e a sua ideologia nefasta tratada com todo o furor e desprezo que qualquer ideologia anti-homem e anti-Deus merece.

Eliel Vieira 17 de Setembro de 2009 19:43  

Desculpe "Cristão Revoltado", mas devo discordar de você.

Se os "100 milhões de corpos" dizem que o comunismo é "a pior coisa que o demônio já inspirou um homem a inventar", o que dizer então da fé cristã?

Quantas pessoas não foram mortas, esquartejadas e queimadas em nome da "verdade" no Evangelho?

E mais, Marx é culpado pelos assassinatos de Stalin e Lenin? Se assim for, Jesus não seria culpado também pelos crimes cometidos em seu nome?

E aí? Como responde a isto?

[C. R.] O Cristão Revoltado! 17 de Setembro de 2009 20:05  

Eu lhe devolvo a pergunta, meu caro:

"Quantas pessoas foram mortas, esquartejadas e queimadas em nome do Evangelho?"

Responda você, a pergunta retórica é sua, e não minha. Cite números e depois eu lhe darei a minha opinião a respeito.

E mais: você questiona se o tal Glauber é um cristão?!E você, é um cristão, a comparar o Filho de Deus com um satanista?!

Hermes C. Fernandes 21 de Setembro de 2009 20:46  

Parabéns pelo belo trabalho no blog.

Já estou seguindo.

Aproveito para lhe convidar a conhecer o meu blog, e se desejar segui-lo, será uma honra.

Seus comentários também serão muito bem-vindos.

www.hermesfernandes.blogspot.com

Abraço fraterno!

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