Filosofia do Futebol Mineiro: Vale a Pena Ouvir Atleticanos?
A vida às vezes nos prega algumas peças. No futebol, o curso existencial não é diferente. Há apenas três dias eu – juntamente uma multidão de torcedores do Cruzeiro – estava confiante de que o sonho do tri-campeonato da Copa Libertadores da América se tornaria real. Porém, o sonho não se realizou.
Imediatamente após o fim da partida, uma multidão de atleticanos (pessoas que torcem pelo time rival do Cruzeiro, para quem não sabe) começou a fazer gozações das mais variadas espécies com os cruzeirenses. Hoje (quinta) pela manhã, atleticanos desfilavam orgulhosos com a camisa de seu time, com um grande sorriso amarelo na face e se sentindo totalmente vitoriosos pelo fato do seu rival ter perdido o campeonato mais importante das américas na final.
Aparentemente, tudo normal. Afinal, o que poderia ser melhor para um torcedor do que torcer por um time vitorioso e ainda ser agraciado com as derrotas vergonhosas do rival?
Porém, a realidade é muito distinta ao atleticano. O time, na verdade, nunca foi vencedor. Em 101 anos de história, o único título importante conquistado foi em 1971 – o primeiro Campeonato Brasileiro. O último título mediano que o clube tem foi conquistado há 12 anos (Copa Conmembol). A grande maioria dos atleticanos que hoje acordaram felizes com a derrota do rival jamais viram o time levantar uma taça importante.
Em compensação, a história do time pelo qual eu torço é diferente. O título que ele perdeu ontem, ele já venceu duas vezes. Além, claro, de já ter conquistado uma série de outros títulos importantes, tanto no âmbito nacional (1 Taça Brasil, 1 Campeonato Brasileiro, 4 Copas do Brasil), quanto no âmbito internacional (Recopa Sul-americana e Super Copa).
Talvez o atleticano queira se gloriar nas vitórias que tem contra o Cruzeiro, afinal, no último domingo o atlético aplicou a impressionante goleada de 3 x 0 contra o time reserva do Cruzeiro (que, convém mencionar, tinha em campo dois jogadores recém liberados do departamento médico e ainda teve um jogador expulso aos 7 segundos de jogo). Mas, que glória um clube tem em vencer um time reserva de seu rival após ficar doze partidas sem vencer esse rival (dentre estas doze partidas, lembrando aos atleticanos de mente frágil, duas vitórias esmagadoras e humilhantes pelo placar de 5 x 0).
Um atleticano pode dizer: “ah, mas você está olhando apenas para os últimos jogos, por que você não menciona os 4 x 0 que aplicamos em vocês em 2007?”. Justo, porém, voltar no tempo não ajuda em nada ao atleticano, afinal, nos últimos 20 jogos foram 13 vitórias do Cruzeiro, 4 empates e apenas 3 vitórias do Atlético/MG (uma destas três, lembrando, contra um time misto do Cruzeiro).
Mas, alguém pode dizer que eu ainda estou selecionando resultados, porém, pelo que pude evidenciar nos últimos 23 anos de vida, o Cruzeiro sempre teve mais vitórias que Atlético/MG. Não tenho os dados em mãos, mas estou plenamente certo que de 1986 para cá (ano em que eu nasci) o Cruzeiro possui muito mais vitórias que o Atlético em partidas entre as duas equipes.
Claro, se você contabilizar todos os clássicos disputados desde que o Cruzeiro surgiu, sim, o Atlético/MG tem mais vitórias. Mas, duas considerações devem ser feitas em relação a esta superioridade atleticana: (1) o Cruzeiro surgiu muito depois do Atlético/MG. Portanto, por muitos anos em que o Cruzeiro ainda era um time novo e inexperiente e o Atlético/MG um time 20 anos mais velho, jogos ocorreram e, obviamente, o Atlético/MG acumulou vitórias; e (2) a diferença de vitórias a favor do Atlético/MG em clássicos tem despencado rapidamente ano após ano e, para desespero dos atleticanos, ela está quase terminando. Posso dizer com certeza que vou evidenciar duas coisas ainda em minha vida se Deus me permitir que eu viva até os 60 ou 70 anos: o Cruzeiro ultrapassar o Atlético/MG em números de clássicos vencidos e também em número de campeonatos estaduais vencidos. As únicas diferenças restantes a favor do Atlético/MG em relação ao Cruzeiro estão diminuindo drasticamente.
Claro, existe outra diferença positiva do Atlético/MG em relação ao Cruzeiro. O Galo já foi campeão brasileiro da segunda divisão, mas, esta diferença nós não fazemos questão de tirar.
Diante deste quadro estranho (perdedores rindo dos vencedores) eu me pergunto: por que devo me chatear com a gozação dos atleticanos? Aliás, permitindo-me modificar um pouco a questão: por que deveria eu sequer levar em consideração alguma coisa que provenha de torcedores arco-íris?
Torcedores arco-íris? O que vem a ser isso?
Torcedores arco-íris são aqueles que, dado a total incapacidade de seu time em conquistar títulos, depositam toda a esperança esportiva nos times que jogam contra o rival. Somente nas últimas semanas, os atleticanos já vestiram o vermelho/preto do São Paulo, o Azul/Preto do Grêmio e o Vermelho/Branco do Estudiantes. Isto, claro, levando em conta apenas as últimas semanas.
A grande diferença entre vencedores e perdedores encontra-se em qual verbo melhor os define. Se o verbo que define uma nação é o ser, ela é vencedora; se é o ter, ela não é. Se você é um vencedor, mesmo tendo derrotas você continua vencedor; porém, se você apenas tem vitórias, o dia que você deixar de tê-las, nada sobra que possa te identificar entre os vencedores.
Esta é a grande diferença entre cruzeirenses e atleticanos. O Cruzeiro é um time vencedor. Porém, como qualquer time vencedor, às vezes algumas derrotas vêm. O Cruzeiro perdeu uma possibilidade de conquista perante o bom time do Estudiantes, mas ainda permanece respeitado no Brasil como um time cheio de glórias, tradição e vitórias.
Já nosso simpático adversário, que glórias tem? Se fosse o Atlético/MG que tivesse perdido ontem, como o Brasil o olharia? Como um grande time vencedor que naturalmente perdeu um título (que é a forma como o Brasil viu o Cruzeiro)? Ou como um perdedor que azaradamente chegou à final, mas que provavelmente perderia mesmo? Alguém ironicamente falou que o Atlético/MG é um time que “há 101 anos goza com o pinto dos outros”.
Outro sábio pensador certa vez disse que “perder um título é humano, perder todos é atleticano”. Talvez não exista maior verdade no futebol brasileiro.
Por fim, a diferença entre as duas equipes rivais de MG se mostra em seus hinos: enquanto o Cruzeiro “na realidade é um grande Campeão”, o Atlético apenas “vibra com alegria nas vitórias" (claro que "vitórias" ali se refere a vitórias dos outros times ante o Cruzeiro).
Como cruzeirense, estou sim chateado por ver meu time perdendo. Mas sei que tenho muito mais motivos para ainda o amá-lo e ter orgulho de estampar suas cores em meu corpo. Meu time é vencedor, diferentemente do nosso simpático freguês Atlético/MG, que só tem a comemorar títulos de campeonatos de segunda divisão, vitórias contra times reservas do Cruzeiro e, claro, derrotas eventuais de meu time.
Vamos Cruzeiro!
Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.
Imediatamente após o fim da partida, uma multidão de atleticanos (pessoas que torcem pelo time rival do Cruzeiro, para quem não sabe) começou a fazer gozações das mais variadas espécies com os cruzeirenses. Hoje (quinta) pela manhã, atleticanos desfilavam orgulhosos com a camisa de seu time, com um grande sorriso amarelo na face e se sentindo totalmente vitoriosos pelo fato do seu rival ter perdido o campeonato mais importante das américas na final.
Aparentemente, tudo normal. Afinal, o que poderia ser melhor para um torcedor do que torcer por um time vitorioso e ainda ser agraciado com as derrotas vergonhosas do rival?
Porém, a realidade é muito distinta ao atleticano. O time, na verdade, nunca foi vencedor. Em 101 anos de história, o único título importante conquistado foi em 1971 – o primeiro Campeonato Brasileiro. O último título mediano que o clube tem foi conquistado há 12 anos (Copa Conmembol). A grande maioria dos atleticanos que hoje acordaram felizes com a derrota do rival jamais viram o time levantar uma taça importante.
Em compensação, a história do time pelo qual eu torço é diferente. O título que ele perdeu ontem, ele já venceu duas vezes. Além, claro, de já ter conquistado uma série de outros títulos importantes, tanto no âmbito nacional (1 Taça Brasil, 1 Campeonato Brasileiro, 4 Copas do Brasil), quanto no âmbito internacional (Recopa Sul-americana e Super Copa).
Talvez o atleticano queira se gloriar nas vitórias que tem contra o Cruzeiro, afinal, no último domingo o atlético aplicou a impressionante goleada de 3 x 0 contra o time reserva do Cruzeiro (que, convém mencionar, tinha em campo dois jogadores recém liberados do departamento médico e ainda teve um jogador expulso aos 7 segundos de jogo). Mas, que glória um clube tem em vencer um time reserva de seu rival após ficar doze partidas sem vencer esse rival (dentre estas doze partidas, lembrando aos atleticanos de mente frágil, duas vitórias esmagadoras e humilhantes pelo placar de 5 x 0).
Um atleticano pode dizer: “ah, mas você está olhando apenas para os últimos jogos, por que você não menciona os 4 x 0 que aplicamos em vocês em 2007?”. Justo, porém, voltar no tempo não ajuda em nada ao atleticano, afinal, nos últimos 20 jogos foram 13 vitórias do Cruzeiro, 4 empates e apenas 3 vitórias do Atlético/MG (uma destas três, lembrando, contra um time misto do Cruzeiro).
Mas, alguém pode dizer que eu ainda estou selecionando resultados, porém, pelo que pude evidenciar nos últimos 23 anos de vida, o Cruzeiro sempre teve mais vitórias que Atlético/MG. Não tenho os dados em mãos, mas estou plenamente certo que de 1986 para cá (ano em que eu nasci) o Cruzeiro possui muito mais vitórias que o Atlético em partidas entre as duas equipes.
Claro, se você contabilizar todos os clássicos disputados desde que o Cruzeiro surgiu, sim, o Atlético/MG tem mais vitórias. Mas, duas considerações devem ser feitas em relação a esta superioridade atleticana: (1) o Cruzeiro surgiu muito depois do Atlético/MG. Portanto, por muitos anos em que o Cruzeiro ainda era um time novo e inexperiente e o Atlético/MG um time 20 anos mais velho, jogos ocorreram e, obviamente, o Atlético/MG acumulou vitórias; e (2) a diferença de vitórias a favor do Atlético/MG em clássicos tem despencado rapidamente ano após ano e, para desespero dos atleticanos, ela está quase terminando. Posso dizer com certeza que vou evidenciar duas coisas ainda em minha vida se Deus me permitir que eu viva até os 60 ou 70 anos: o Cruzeiro ultrapassar o Atlético/MG em números de clássicos vencidos e também em número de campeonatos estaduais vencidos. As únicas diferenças restantes a favor do Atlético/MG em relação ao Cruzeiro estão diminuindo drasticamente.

Diante deste quadro estranho (perdedores rindo dos vencedores) eu me pergunto: por que devo me chatear com a gozação dos atleticanos? Aliás, permitindo-me modificar um pouco a questão: por que deveria eu sequer levar em consideração alguma coisa que provenha de torcedores arco-íris?
Torcedores arco-íris? O que vem a ser isso?
Torcedores arco-íris são aqueles que, dado a total incapacidade de seu time em conquistar títulos, depositam toda a esperança esportiva nos times que jogam contra o rival. Somente nas últimas semanas, os atleticanos já vestiram o vermelho/preto do São Paulo, o Azul/Preto do Grêmio e o Vermelho/Branco do Estudiantes. Isto, claro, levando em conta apenas as últimas semanas.
A grande diferença entre vencedores e perdedores encontra-se em qual verbo melhor os define. Se o verbo que define uma nação é o ser, ela é vencedora; se é o ter, ela não é. Se você é um vencedor, mesmo tendo derrotas você continua vencedor; porém, se você apenas tem vitórias, o dia que você deixar de tê-las, nada sobra que possa te identificar entre os vencedores.
Esta é a grande diferença entre cruzeirenses e atleticanos. O Cruzeiro é um time vencedor. Porém, como qualquer time vencedor, às vezes algumas derrotas vêm. O Cruzeiro perdeu uma possibilidade de conquista perante o bom time do Estudiantes, mas ainda permanece respeitado no Brasil como um time cheio de glórias, tradição e vitórias.
Já nosso simpático adversário, que glórias tem? Se fosse o Atlético/MG que tivesse perdido ontem, como o Brasil o olharia? Como um grande time vencedor que naturalmente perdeu um título (que é a forma como o Brasil viu o Cruzeiro)? Ou como um perdedor que azaradamente chegou à final, mas que provavelmente perderia mesmo? Alguém ironicamente falou que o Atlético/MG é um time que “há 101 anos goza com o pinto dos outros”.
Outro sábio pensador certa vez disse que “perder um título é humano, perder todos é atleticano”. Talvez não exista maior verdade no futebol brasileiro.
Por fim, a diferença entre as duas equipes rivais de MG se mostra em seus hinos: enquanto o Cruzeiro “na realidade é um grande Campeão”, o Atlético apenas “vibra com alegria nas vitórias" (claro que "vitórias" ali se refere a vitórias dos outros times ante o Cruzeiro).
Como cruzeirense, estou sim chateado por ver meu time perdendo. Mas sei que tenho muito mais motivos para ainda o amá-lo e ter orgulho de estampar suas cores em meu corpo. Meu time é vencedor, diferentemente do nosso simpático freguês Atlético/MG, que só tem a comemorar títulos de campeonatos de segunda divisão, vitórias contra times reservas do Cruzeiro e, claro, derrotas eventuais de meu time.
Vamos Cruzeiro!
Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.
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