Resposta a Glauber Ataíde: Verdades, Mentiras, Comunismo e Cristianismo
Antes de apresentar minha resposta a Glauber sobre a questão debatida na manhã/tarde de 16/09/09, vou contextualizar você, leitor, sobre quem é Glauber Ataíde, sobre o que conversamos e o que começou a última discussão que tivemos.
Conheci Glauber quando ele ainda era cristão, apologista, daqueles que entram em discussões e debates no intuito de defender a fé. O prosseguindo das leituras de Glauber o conduziu para uma posição que não sei mais qual é. Talvez ele ainda seja cristão, talvez não. Fato é que seus interesses intelectuais não repousam mais sobre assuntos relacionados à religião, à Bíblia, à Teologia, etc. Mas é facilmente notável que, apesar de todo o ceticismo de seus interesses intelectuais, Glauber não perdeu sua espiritualidade. Ele é apenas um questionador e, como a fé não dá margem para ser questionada (não penso assim, mas talvez esta seja a visão dele), a fé deixou de ser objeto de seu estudo.
Como ex-apologista, freudiano e comunista, Glauber sente uma completa repulsa por aqueles apologistas que consideram o freudismo ou o marxismo como meras fraudes, apenas porque Freud e Marx eram ateus. Tenho quase certeza que a percepção de posturas como esta foram um dos motivos que contribuíram para que Glauber buscasse se afastar de tudo aquilo que antes ele defendia. Glauber tem vergonha de ser relacionado com o tipo de impostura intelectual utilizada por muitos cristãos. E eu o entendo. Para dizer a verdade eu mesmo tenho grande vergonha de dizer que sou evangélico dentro de um círculo de pensadores.
Enfim, chega de introduções. Para quem quiser conhecer mais sobre Glauber e seus pensamentos, faça uma visita a seu blog e leia o rico conteúdo que lá se encontra.
Pois bem, o debate que tivemos recentemente se focou exatamente nesta questão de algumas pessoas, por já terem a “verdade”, desconsiderarem os pensamentos “rivais” apenas porque são rivais. O exemplo usado por Glauber foi o de o dono de um blog apologético ter o censurado por ser freudiano e comunista. Glauber o perguntou se ele havia lido Freud ou Marx e o dono do blog disse a ele que não havia motivos para desperdiçar seu tempo com este tipo de leitura. Glauber chamou esta postura de “Filosofia Tabajara”.
E foi aqui que fiz um comentário que gerou o debate que tivemos. Glauber não mencionou em seu texto, mas eu deixei claro a ele em nosso diálogo que eu não defendo este tipo de postura dos cristãos que o censuraram. O ponto que eu defendi foi outro: o mesmo Glauber que reclama dos cristãos que estabelecem julgamentos sobre Freud sem antes lerem-no, age da mesma forma em outros momentos. O exemplo usado por mim foi o da relação do Companheiro Glauber e as publicações burguesas.
Recentemente algo interessante aconteceu. Glauber postou um link de uma matéria sobre Hugo Chavez publicada no sítio eletrônico do PCdoB. Eu, em resposta, perguntei a ele se ele defendia Chavez fazendo algum trocadilho com sarcasmo. A resposta de Glauber foi na verdade um pergunta: “qual são suas fontes sobre Chavez?”. Então eu o disse que era a revista VEJA, tão odiada pelos comunistas. Glauber, então, limitou-se a dizer que “a VEJA não vê nada”.
Ora! É exatamente isto o que estou falando. Glauber agiu exatamente como o apologista que se negou a considerar Freud e Marx sem ter os lido. Vamos lá: Glauber é comunista. Como todo bom comunista, Glauber acredita que o capitalismo é um sistema selvagem que escraviza o proletariado, que a mídia é vendida aos “golpistas de direita”, e, claro, que toda informação anticomunista divulgada por meios de comunicação como Globo e VEJA são nada mais do que tentativas “burguesas” de continuar manipulando a mente das pessoas para que elas não enxerguem a condição social em que vivem.
Sendo assim, o que se espera de uma mídia golpista de direita? Ora, espera-se que ela fale mal mesmo dos comunistas, dos companheiros, das lutas sindicais, de Cuba, de Chavez, das FARC, etc. Porém, como eu mostrei a Glauber, este pensamento impede que um comunista (por mais honesto intelectualmente que ele seja) reconheça que veículos de comunicação como Globo e VEJA digam algo anticomunista que seja verdadeiro, mesmo que o que seja apresentado seja de fato verdadeiro.
Imaginemos um exemplo hipotético: imaginemos que um dos filhos de Hugo Chavez comece a discordar de seu pai e comece a armar um motim contra seu pai. Chavez descobre a trama e então decide forjar a morte de seu filho por envenenamento. A trama é bem organizada e ninguém desconfiou que Chavez envenenou e assassinou seu filho. Porém, entre os conselheiros de Chavez, encontra-se uma pessoa infiltrada da revista VEJA e ele envia todas as informações para o Brasil para serem divulgadas. Trata-se de um acontecimento puramente hipotético. Eu não estou dizendo que Chavez é o tipo de pessoa que faria uma coisa destas. Eu nem sei se Chavez tem filhos. É apenas uma história fictícia para exemplificar meu ponto.
A revista VEJA então é lançada. Matéria de capa: “Chavez envenena e assassina seu filho!”. Você leitor, principalmente se for comunista, o que você pensaria após dar uma primeira olhada na revista? Eu tenho quase certeza que o pensamento seria algo como “Lá vem a mídia golpista, ta vendo? Olha que absurdo eles inventaram desta vez! Estão fazendo de tudo para levar a opinião pública contra Chavez e nem respeitam o luto da família!”. Aí apareceria Chavez na TV para seu pronunciamento semanal e, como se esperaria de qualquer patife que assassinasse seu filho, ele estaria em prantos, dizendo que ele era um bom filho e que as mensagens da “mídia golpista” servem apenas para mostrar que ele sempre esteve certo, etc.
Agora, quem pode dizer que coisas semelhantes em proporção menor já não ocorreram? Que tremenda coincidência o fato das fontes confiáveis serem sempre comunistas e, ainda, que as fontes que apresentam críticas ao mesmo são sempre burguesas, não!?
Portanto, Glauber, acredito que você – como comunista, não em relação a tudo – age exatamente da mesma maneira que o apologista agiu com você quando o censurou porque você é leitor de Freud e Marx. Os caminhos são os mesmos:
- Sou cristão -> Marx e Freud negaram minha fé -> não há nada que preste nos autores ateus -> não devo levar o que eles escreveram a sério.
- Sou comunista -> VEJA é contra minha ideologia -> não há nada que presta em escritos burgueses -> não devo levar o que a VEJA escreve a sério.
O caminho é praticamente o mesmo.
Agora, algumas coisas devem ser deixadas bem claras aqui:
Primeiro, eu não defendi (nem no debate, nem deste texto) a postura daqueles que estabelecem opiniões sobre alguém sem ler e analisar o que este alguém disse. O que eu fiz foi questionar o que você disse à luz de uma “prática” que eu enxergo entre os comunistas em geral. Talvez você seja uma exceção, não sei. Talvez você fizesse questão de comprar a revista VEJA com a notícia de que o Chavez matou seu filho, e ainda pensando que eles poderiam estar falando a verdade. Mas, até onde eu conheço o comunismo e seus adeptos, eles (partindo de seus pressupostos) não analisariam a matéria da VEJA antes de dar seu veredicto de que ela é falsa.
O meu ponto é que, partindo de nossos pressupostos, a análise de alguns escritos contrários soará infrutífera. Você, como comunista, acha que a leitura da VEJA é algo completamente infrutífero. O apologista, como cristão, acha que a leitura de Freud é algo infrutífero pelos motivos dele. A questão é: por que você estaria correto e ele não?
Eu não defendi, Glauber, a posição do apologista. Eu questionei sua crítica a ele à luz de uma prática comum à maioria dos comunistas, sendo você mesmo um comunista.
Segundo, nosso debate não foi sobre capitalismo vs. Comunismo ou sobre livre-mercado vs. Estado maior. Não! Nós já tivemos este debate outro dia e, admito, parte dos meus pensamentos sobre o marxismo estava viciada. Seus argumentos até me deixaram mais a vontade para pesquisar sobre o assunto, ler os originais, etc. Coisa que, aliás, pretendo começar a fazer.
Terceiro, nosso debate não foi religioso. Seu texto deixa transparecer (pelo menos esta foi a impressão que tive) que nossa discussão foi relacionada à religião, e não foi! Aliás, mais especificamente agora sobre o texto que você escreveu, eu encontrei umas informações viciadas ali. Não houve estagnação do pensamento filosófico e científico entre o século V e o século XVI (período de mil anos ao qual você se refere). A Igreja, na verdade, representou até um papel de proteção à Filosofia após a invasão dos bárbaros em Roma no século V. Diga, se a Igreja não tivesse tomado conta da Filosofia logo após as invasões bárbaras, o que teríamos de Filosofia hoje?
Claro, perseguições e retaliações aconteceram e isto é lamentável. Mas, como argumenta Rubem Alves em seu esplêndido livro “Filosofia da Ciência”, não foi o sentimento religioso que foi a causa da intolerância para com quem pensava diferente, foi o dogmatismo científico. Alves argumenta que o mesmo dogmatismo científico existente hoje existia no passado, a diferença é que ele se encontrava em outro lugar. E, se houve estagnação de pensamento por parte da Igreja, a libertação desta opressão de pensamento surgiu de dentro dela mesma, através de Lutero.
Enfim, podemos voltar à questão, caso queira. Neste debate eu estou apenas perguntando, e minha pergunta, para lhe refrescar a memória, é: por que um comunista está justificado se desconsiderar uma matéria da revista VEJA antes de a ler e um apologista não está justificado em desconsiderar uma obra ateísta sem a ler?
Eliel Vieira
eliel@elielvieira.org

DESCONSTRUINDO por Eliel Vieira está licenciado sob Creative Commons Attribution.
Continue a leitura...